sábado, 31 de janeiro de 2009

O CASO BILLY

“Incapaz de uma baixeza, o gato vai vivendo à medida dos seus recursos...”.

Raul Pompéia (1863-1895), no texto Os Gatos e os cães.

Deu no jornal: Gato recebe Bolsa Família por sete meses. Quem ainda não soube do inusitado episódio, ocorrido em um município do Estado do Mato Grosso do Sul, é capaz de dizer que isso é uma piada totalmente desprovida de graça ou que eu estou inventando. No caso, apenas para ter assunto e escrever. Só que foi verdade e, segundo as TVs, os jornais, as revistas e os sites que consultei, o fato aconteceu mais ou menos assim...

Fevereiro de 2008. No município de Antônio João, criado em 1964 – hoje com cerca de 8.350 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE – e a 377 quilômetros de Campo Grande, além de ser um dos mais pobres do Mato Grosso do Sul – dos setenta e oito municípios do Estado, é o 72˚ no ranking de Desenvolvimento Humano – IDH –, uma história felina teve início.

Um dia, o servidor público concursado Eurico Siqueira da Rosa, 32, cadastrou no Programa Bolsa Família o seu filho Billy Flores da Rosa, nascido no dia 10 de fevereiro de 2007. Com direito a um número de identificação social – 21226418033 –, Billy também dispunha de um cartão magnético de banco para receber diretamente os R$ 20,00 pagos, mensalmente, pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Criado pelo governo federal, o Programa Bolsa Família objetiva assistir famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o Brasil. Assim, com um salário de R$ 500,00 mensais, por oito horas diárias de trabalho, Eurico Rosa aproveitou para também cadastrar a mulher, outros dois filhos e dois sobrinhos. A soma dos seis benefícios minimizaria, portanto, o drama do que é viver na pobreza, para a qual a gente não pode fechar os olhos e fingir que não existe.

No caso da família de Eurico Rosa, tudo ia as mil maravilhas até que, um dia... Ao ouvir através da emissora de rádio do município de Antônio João que os seus filhos estavam sendo convocados ao posto de saúde, Eurico Rosa entrou em pânico, já que, na verdade, ele tinha fraudado o cadastramento dos filhos. Assim, com a esperança de se safar, o servidor público tentou apagar os vestígios do seu crime. Em vão.

Um agente de saúde, cumprindo com as suas obrigações, ligou para a casa do servidor e pediu que a mãe de Billy o levasse ao posto de saúde para que ele se submetesse a exames biométricos e nutricionais, previstos pelo Programa. Ignorando o fato, ela disse que em sua casa não morava ninguém com esse nome, que o único Billy que conhecia era um gato de estimação que ela criara quando o casal ainda namorava e, detalhe... Billy havia morrido há anos.

Descobertas as fraudes, já que os outros dois supostos filhos do casal inexistiam e, aparentemente, recebiam R$ 62,00 cada, Eurico Rosa não teve escapatória, já que o agente de saúde comunicou o caso à Secretaria de Assistência Social e Trabalho do Município, que, por sua vez, abriu sindicância e descobriu que, desde 2006, Eurico Rosa era nada mais nada menos que o coordenador municipal do Bolsa Família em Antônio João.

Confessando o logro, ele disse sentir remorso e alegou que só fez o que fez por fraqueza, já que, à época, estava passando por dificuldades financeiras e o seu salário era insuficiente para que a sua família pudesse viver dignamente. Porém, o caso foi remetido ao Ministério Público do Mato Grosso do Sul e, em dezembro, pressionado pelas investigações, Eurico Rosa afastou-se das suas funções, sendo exonerado a bem do serviço público em janeiro deste ano.

Além disso, o Ministério Público pode propor uma ação por improbidade administrativa e outra por fraude e crime de falsidade ideológica contra Eurico Rosa, bem como exigir o ressarcimento do dinheiro que, durante sete meses, no caso de Billy, ele embolsou ilegalmente. Nesse ínterim, os 1.184 inscritos no Programa em Antônio João, que correspondem a 892 famílias beneficiadas, terão de ser recadastrados. O único, coitado, que teve os seus benefícios cortados foi Billy...

No entanto, quem pensa que, apesar de falecido, Billy supostamente recebia míseros R$ 20,00 por mês do Programa está enganado. O fato é que, segundo informações publicadas ontem, 30 de janeiro, pelo jornal Correio do Estado, de Campo Grande, a sindicância aberta para investigar o caso apurou que, a bem da verdade, o valor do benefício do morto era outro, ou seja, R$ 102,00... É! Eurico Rosa fez um gato com o gato. E isso não tem nada de gaiato.

O curioso é que, a priori, se para assumir a coordenação do Bolsa Família do seu município, Eurico Rosa deveria estar ciente do modus operandi do Programa, que incluía um documento de identidade do interessado para o cadastramento; o cadastramento em si; o preenchimento de formulários; a manutenção da base dos dados do beneficiário e acompanhamentos escolares e médicos, entre outros, como pôde ser tão incauto?

Pensando que poderia tirar vantagens em função do cargo que ocupava, nada mais fez que menosprezá-lo, além de expor as fragilidades do sistema. Vai ver que, por assumir um cargo de confiança, ele pensou que ficaria impune. Negativo, Eurico! Mesmo assim, se a gente comparar o derrame que foi o Mensalão, o dinheiro dos pseudo-beneficiados do Bolsa Família embolsado por Eurico Rosa reduz-se a uma mixaria, a migalhas.

Aliás, até hoje, muitos dos envolvidos no Mensalão e em outros escândalos continuam impunes. Agora, se pelo menos Billy estivesse vivo e os R$ 120,00 mensais do Bolsa Família fossem usados para a sua manutenção, incluindo leite e ração, a gente até entenderia o seu gesto. Afinal, segundo uma amiga, gato também é família... Enfim! O Caso Billy é apenas mais um exemplo de corrupção e do mau uso da administração pública.

Apesar disso, tirando as suas implicações criminosas, é preferível algo assim na TV, nos jornais, nas revistas e nos sites que os tiroteios trocados entre a polícia e os traficantes de drogas e de armas no Rio de Janeiro ou os inúmeros conflitos que fazem da Faixa de Gaza uma linha de fogo. E isso apenas por mérito de alguns dos componentes do Caso Billy, que também pode ser visto pelo viés do cômico, já que, convenhamos, não houve tragédia.

Só uma fraudezinha de nada. Isto é! Caso o dinheiro dos pseudo-beneficiados embolsados por Eurico Rosa for comparado, por exemplo, ao derrame do Mensalão. Falando nisso, ouvi dizer que, apesar da ampla repercussão do caso na mídia, Eurico Rosa foi convidado para ser assessor parlamentar de um vereador, ganhando mais do que recebia como coordenador do Bolsa Família e tendo reduzida a sua jornada de trabalho de oito para quatro horas diárias... Ninguém merece!

Curiosidade... Alguém ficou sabendo qual era a cor de Billy? Seria laranja?

Nathalie Bernado da Câmara



terça-feira, 6 de janeiro de 2009

NAVEGAR É PRECISO!

Blog: um espaço pessoal
na página infinita da internet...”.
José Saramago

A escolha do nome deste blog é uma paráfrase do título do livro A Bagagem do viajante, do português José Saramago, bem como uma homenagem ao escritor e lúcido humanista que, ao longo do tempo, tem se destacado não somente por sua maestria e jeito particular ao escrever, mas, sobretudo, por suas posturas políticas contundentes, em defesa, por exemplo, dos direitos humanos e da liberdade de pensamento e expressão – o que lhe conferiu, com todo o direito, o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998.

Durante muito tempo, contudo, por motivos os mais diversos, que, aliás, nem eu mesma sei explicar, resisti e relutei diante a possibilidade de ter um blog, negando-me, assim, ao ato de blogar, como se diz. Outro dia, entretanto, decidi criar um, a fim de divulgar parte da minha produção literária e jornalística, ou seja, textos – crônicas e artigos – que, há anos, embora vez ou outra, somente quando bate a inspiração – não importa o tema –, escrevo e envio, diretamente por e-mail, aos meus amigos, conhecidos e congêneres.

Desse modo, pretendo fazer deste blog um canal, através do qual o pensamento, a criação e a expressão possam fluir livremente. O curioso é que, até então, eu não sabia que o próprio Saramago, aos oitenta e cinco anos, já havia criado, em setembro de 2008, o seu próprio blog, cujo título, O Caderno de Saramago, não poderia ser mais poético. Daí que, ao saber disso, reforcei a minha vontade de aderir à blogosfera (que nome!), esperando, sempre que possível, poder contar com a interação de quem se dispor a acessar este espaço.

E isso porque ele se destina a ser um espaço de convívio amistoso com quem aprecia a escrita e a fotografia, mas, acima de tudo, com a criatividade e a reflexão. Porém, é importante ressaltar que, por ser declaradamente contra a reforma ortográfica da língua portuguesa, que passou a vigorar no dia 1º de janeiro de 2009, além de uma total indisposição e indisponibilidade intelectual em adotar as novas normas, “atualizando-me”, os meus textos ainda andam as voltas com a nossa recém-considerada caduca ortografia.

Afinal, é ridícula essa tentativa de unificar o modo de escrever da língua portuguesa, idioma dito o oficial de Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, que, aliás, é falada, ainda, na antiga Índia Portuguesa (Goa, Damão, Diu e Dadrá e Nagar-Aveli), Macau e Guiné Equatorial. O curioso é que – estranho isso –, se queriam mudanças, por que não optaram, então, por mudar a realidade caótica da educação do povo de todos esses países, sobretudo a das crianças, que têm uma base educacional capenga?

Não seria melhor, por exemplo, primeiro alfabetizar que tornar ainda mais complexa a língua portuguesa, que permeia o cotidiano de mais de 200 milhões de nativos, sendo, ainda, a quinta língua mais falada do mundo? Isso sem falar no nacionalismo exacerbado que a referida reforma ortográfica deixa transparecer. Já não basta um equivocado Fernando Pessoa dizer que “a minha língua é a minha pátria”? Que me perdoem os patriotas de plantão, mas acho que, apesar da sua genialidade, o escritor português exagerou!

E eu perguntaria: Essa absurda e desnecessária reforma ortográfica atenderia aos interesses de quem? Pelo visto – parece –, apenas aos interesses dos presidentes das repúblicas dos tais países que falam a língua portuguesa. Quando nem deveria! Sim, porque a única coisa que eles costumam escrever é o próprio nome, quando assinam decretos, medidas provisórias e um sem fim de outras leis. Por que, então, não promoveram um amplo e democrático debate para tratar da questão e toda a sociedade participar de uma decisão tão séria como essa?

Sim, um debate com associações de classes, como, por exemplo, as dos educadores, jornalistas, escritores, antropólogos, sociólogos, historiadores e, por aí, vai... Mesmo porque, quem forma a opinião pública somos nós, não quem cria as leis. Por isso que, em sinal de protesto, já que ninguém me consultou a respeito, me recuso a escrever como reza a cartilha da reforma ortográfica. E já que “todo o poder emana do povo”, segundo pelo menos a Constituição Brasileira, em seu primeiro artigo, por que não consultaram o povo, realizando um plebiscito?

Afinal, é o povo quem fala, é o povo quem escreve, é o povo quem elege. Eu, particularmente? Profundamente desgostosa, porque, por exemplo, aboliram o tão charmoso trema – só entende isso quem escreve. E não admito ter de me privar do seu uso, apesar do seu já reconhecido desuso. Assim, na seqüência, só adotarei as novas normas da ortografia da língua portuguesa por mera consequência, já que a minha rebeldia e a de muita gente só será tolerada até 2013, quando as mudanças das novas regras da língua portuguesa serão obrigatórias.

Ou seja, o prazo para que voltemos a aprender a escrever corretamente. Isso, óbvio, para quem já escreve... No mais, gostaria de informar aos visitantes deste blog que, ao elaborá-lo, por encontrar-me em trânsito, distante dos meus arquivos, muitos dos meus artigos e crônicas já divulgados por e-mail e que eu pretendo reproduzir neste espaço, só serão postados, como se diz, posteriormente, bem como algumas fotografias. Enfim! Agradeço a visita, a atenção e até a próxima. Voilà!


Nathalie Bernardo da Câmara
nathaliebernardo@hotmail.com
Baía Formosa (RN) - Brasil, 6 de janeiro de 2009