quarta-feira, 3 de maio de 2017

O PAU VERMELHO

“Nessa costa, não vimos coisa de proveito, exceto uma infinidade de árvores de verzino...”, registrou o navegador italiano Américo Vespúcio (1454 - 1512), referindo-se ao pau-brasil, na Lettera a Soderini (4/9/1504), dedicada ao político italiano (1452 -1522) após viagem realizada ao Brasil, entre maio de 1501 e julho de 1502.


Com a chegada dos portugueses no Brasil, em 1500, um “achado” valioso, o do pau-brasil, que, majestoso, reinando em meio à diversidade da Mata Atlântica, predominantemente entre o Rio Grande do Norte e o Rio de Janeiro, pagou um preço alto demais por sua exuberância: a sua devastação e a do seu habitat, com a “benção”, diga-se de passagem, da Igreja católica, já que, a pedido dos recém-chegados e em troca de espelhos, vidrilhos, contas, pentes e pedaços de pano, entre outras quinquilharias, nativos logo derrubaram um exemplar da árvore, no qual foi toscamente esculpida uma cruz, portando as armas e as divisas de Portugal, para a realização da primeira missa no Brasil, em 26 de abril. Em pouco tempo, a fartura de pau-brasil despertou a cobiça não somente dos lusos, mas, também, de corsários franceses (estes já eram habitués da costa brasileira desde o séc. XV, mantendo amistosas relações com alguns grupos indígenas, entre eles, os potiguara), holandeses e ingleses – excluídos do Tratado de Tordesilhas, assinado por Portugal e Espanha em 1494 –, que, só no séc. XVI, segundo o jornalista brasileiro Eduardo Bueno, “levaram, em média, oito mil toneladas da madeira por ano para a Europa” – cada embarcação continha cerca de cinco mil toras de pau-brasil por viagem. Ocorre que, desde o séc. XI, a Europa já estava familiarizada com o pó de uma madeira de cor rubra, originária da Sumatra, utilizada para tingir sedas e linhos, revolucionando a moda no continente, aos poucos deixando para trás os trajes sombrios da Idade Média. Exportado da Sumatra para Índia desde tempos remotos, o pó de sapanga (do sânscrito patanga, ou vermelho), ditava o tom dos “nobres do Oriente”. Pelo mar vermelho, os mercadores árabes levavam-no da Índia ao Egito, com uma kerka de bersil (carga de bersil) desembarcando em Saint-Omer, na França, em 1085 – na sequência, em francês, brezil, por ser da cor de uma brasa, e, posteriormente, bois rouge (madeira vermelha); em italiano, bracire, ou brazili, seguido de verzino –, enquanto em Portugal e na Espanha, já com o nome de brasil, a árvore aportou em 1220. 
 



No séc. XVI, em decorrência do bloqueio das rotas comerciais imposto pelos turcos em Constantinopla desde 1453 e apesar de ser menos eficiente do seu similar oriental (Caesalpinia sappan Linn), que, aliás, havia tornado-se um produto muito mais oneroso, o pau-brasil (Caesalpinia echinata), empregado, ainda, na fabricação de embarcações, móveis e congêneres, tornou-se presa da exploração mercenária na recém-achada Terra dos Papagaios, alcançando proporções inimagináveis, a ponto de, já em 1558, as melhores árvores só pudessem ser encontradas a mais de 20 km da costa – daí que, no início do séc. XVII, a fim de evitar o corte indiscriminado do pau-brasil, mas não por consciência ambiental, a Coroa portuguesa tentou controlar a sua exploração, pondo “guardas-florestais nas zonas onde a extração era mais comum”, garantindo, obviamente, o monopólio sobre a árvore, que, na língua celta, é chamada de bress, origem do inglês to bless, ou seja, abençoar. Enfim! O fato é que, “atualmente, a árvore cujo nome foi usado para batizar o Brasil sobrevive praticamente apenas em reservas florestais e jardins botânicos e só lentamente começa a ser reintroduzida em seu ambiente natural” – batismo esse, aliás, de sangue. Dos nativos. E vermelho igual à tinta dos troncos de pau-brasil que eles derrubavam, descascavam, atoravam e transportavam até as embarcações, recebendo, por sua força braçal e ingenuidade, tesouras, anzóis, facas e machados – modus operandi que, ainda segundo Bueno, levou as tribos tupis do litoral brasileiro a saírem “da Idade da Pedra para ingressar na Idade do Ferro. Uma revolução instantânea”. E uma curiosidade: “Os homens engajados no tráfico de pau-brasil eram chamados de brasileiros”, termo que terminou se estendendo aos nascidos no futuro país, apesar de o historiador brasileiro Francisco Adolfo de Varnhagen (1816 - 1878) esclarecer que “se as regras gramaticais tivessem sido corretamente aplicadas, os nativos do Brasil deveriam se chamar brasilienses” – tarde demais para corrigir um lapso, muito menos, reparar um erro de mais de quinhentos anos, ou seja, o assolamento do pau-brasil, que virou um dos símbolos do país e “ganhou” um dia nacional, o 03/05 (Lei nº 6.607, de 07/12/1978), bem como o genocídio indígena – o que dirá da dilapidação da Mata Atlântica, bioma que, hoje, se resume a 7% do que já foi um dia! Não, nem sob os acordes dos arcos dos violinos que, a partir do séc. XVIII, passaram a ser confeccionados com o pau vermelho dos índios...


Fonte: Bueno, Eduardo. Náufragos, traficantes e degredados: as primeiras expedições ao Brasil, 1500-1531 – Rio de Janeiro: Objetiva, 1998 (coleção Terra Brasilis; vol. 2).

O nome Caesalpinia echinata foi dado pelo botânico francês Jean Baptiste Lamarck (1744 - 1829), que classificou o pau-brasil do Brasil em 1789, em homenagem a outro botânico, o italiano Andrea Cesalpino (1519 - 1603). Já a denominação echinata provém do étimo grego ouriço e se refere aos espinhos abundantes da árvore, igualmente conhecida como pau-de-tinta, ou ibirapitanga.

Texto revisado e revisto em 3/5/2015, embora originalmente publicado neste blog em 1º/8/2009.

Nathalie Bernardo da Câmara


PLANTEMOS PAU-BRASIL!