domingo, 29 de julho de 2012

MARINA SILVA E A BANDEIRA DOS ANÉIS

Foto: Divulgação.

“As Olimpíadas se referem a uma competição que não gera uma perda traumática e é essa competição saudável que precisamos ter no mundo. A ideia é a de que se pode conseguir harmonia e crescimento e usar o palco olímpico para passar essa mensagem é algo maravilhoso...”.

Marina Silva
Ambientalista brasileira, estabelecendo uma relação entre a proteção ambiental e as Olimpíadas, convidada que foi pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) para conduzir, além de outras personalidades mundiais, a bandeira dos anéis olímpicos na abertura oficial do evento nesta sexta-feira, 27, em Londres.


Durante cerca de três horas, mais de 80 mil pessoas estiveram no Estádio Olímpico de Londres para a cerimônia de abertura das Olimpíadas de 2012, que contou com um pronunciamento da rainha Elizabeth II, enquanto dois britânicos encarregavam-se de transportar a tocha que logo acenderia a pira – momento mais esperado do evento – que iluminaria as competições esportivas com o espírito olímpico que remonta aos primeiros jogos já na antiguidade, celebrados pelos gregos a partir de 776 a. C. em homenagem a Zeus, durante os quais, mediante acordo, a “trégua sagrada”, as guerras eram interrompidas, bem como encerradas, em 393 d. C., as Olimpíadas da Era antiga. Enfim! O jogador de futebol David Beckham, após atravessar o rio Tâmisa de lancha, atracou em um dos canais próximo ao estádio e entregou a tocha olímpica ao ex-remador Steve Redgrave, pentacampeão olímpico, que assumiu o restante do percurso. A bandeira dos anéis olímpicos, por sua vez, foi carregada por personalidades de influência global que a organização geral do jogos escolheu para representar a paz mundial. Entre elas, o sul-coreano Ban Ki-moon, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU); a liberiana Leymah Gbowee, Prêmio Nobel da Paz de 2011, e Marina Silva, ex-senadora, ex-ministra do Meio Ambiente e ex-candidata à presidência do Brasil. Quando acesa, portanto, a pira olímpica, por sete jovens escolhidos por sete atletas que fizeram historia no esporte britânico, 204 hastes metálicas acenderam-se, representando cada país das Olimpíadas, que estavam em círculo e se ergueram, formando uma grande tocha. Entre as atrações artísticas, a encenação da História da Inglaterra até a era moderna, sendo a música o ponto forte da cerimônia, encerrada, aliás, pelo músico britânico Paul MacCartney, que tocou e cantou Hey Jude, de sua autoria, lançada pelos Beatles em 1968.


A estrela brasileira que brilhou em Londres

Foto: Jonne Roriz/AE

“Levei ao estádio a mensagem de que a paz se faz com a proteção do meio ambiente...”.

Marina Silva
Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo.


Convidada sigilosamente pelo COI dias antes da cerimônia oficial de abertura dos jogos olímpicos, Marina Silva embarcou para a capital britânica logo em seguida e, como lhe foi pedido, guardou segredo. A informação, contudo, vazou – divulgou certo periódico brasileiro, vangloriando-se do furo jornalístico, quando a comitiva oficial do Brasil já estava em Londres, incluindo a presidenta Dilma Rousseff, que, na ala VIP, representava o país anfitrião dos jogos olímpicos de 2016; o presidente da Câmara dos Deputados Marco Maia (PT-RS); os ministros Marco Antonio Raupp, da Ciência e Tecnologia; Gastão Vieira, do Turismo, que só ficou sabendo da missão da brasileira quando estava no Estádio Olímpico, e o ministro do Esporte Aldo Rebelo, que, aliás, caprichou na pitada de ironia, sem disfarçar a da inveja, ao saber da escolha daquela que tem sido uma pedra no seu sapato nos debates, ou melhor, nos embates acerca do novo Código Florestal: — Marina sempre teve boa relação com a aristocracia europeia. Fazer o quê?

O fato é que – não foi de se estranhar – não faltaram declarações capciosas, comentários maldosos e aquele ranço típico de quem acha que o universo gira ao seu redor, pautando a sua política e as suas preocupações sociais – quando as tem – numa dimensão local e não global. Ocorre que os critérios das escolhas de quem iria conduzir a bandeira dos anéis olímpicos na cerimônia, assistida ao vivo por bilhões de pessoas em todo o mundo, foram definidas pela organização geral dos jogos olímpicos, que decidiu por aqueles que mais representavam a aspiração comum a todos de cada um ser o melhor que pode ser. No caso de Marina, ela foi convidada por seu ativismo ambiental, notadamente reconhecido, inclusive, a nível mundial. Para ela, entretanto, o momento foi de emoção, comparada apenas à que sentiu quando, aos 16 anos de idade, soube que havia sido aprovada no curso de alfabetização, acrescentando que a sua participação num evento do porte das Olimpíadas foi, na verdade, um legado para o Brasil – legado esse, aliás, disse ainda, do qual não se deve tirar proveito. Em Londres, portanto, as Olimpíadas chegam a sua 28º edição desde a sua primeira versão na Era moderna, que ocorreu em Atenas, na Grécia, em 1896. Enfim! Vamos, agora, como não poderia deixar de ser, ao momento da charge:


Enquanto isso, abaixo da linha do Equador...


O mesmo ocorre quando das Copas do Mundo da vida, oportunidade durante a qual muitos relegam os problemas do país a sabe-se lá qual plano, embora exista quem grite! Na verdade, são dois gritos.

Nathalie Bernardo da Câmara

sábado, 28 de julho de 2012

O IMPASSE ENTRE CUBA E EUA: ATÉ QUANDO?

“Quase sempre minorias criativas e dedicadas transformam o mundo num lugar melhor...”.

Martin Luther King (1929 - 1968)
Sociólogo e ativista político norte-americano – este sim merecedor do Prêmio Nobel da Paz (1964).


Todos cruzam os braços e ninguém poda, ou melhor, não questiona, reage nem combate a política externa dos Estados Unidos, muito menos revisa, corrige e pontua coerentemente os disparates e as incongruências dos discursos do presidente Barack Obama, que, do alto do seu pedestal, que infelizmente não é de barro, não tem autoridade moral nem direito de julgar quem quer que o seja, muito menos a política interna ou externa de não importa quais países, ganhando ainda, indevidamente, um Prêmio Nobel da Paz. Na quinta-feira, 26, em discurso proferido durante as comemorações de data histórica para Cuba realizado na cidade de Guantánamo, perto da base naval mantida na ilha pelos EUA, o presidente Raúl Castro reiterou a disposição do governo cubano de dialogar em pé de igualdade com o governo norte-americano. Porém, o bloqueio econômico total imposto a Cuba há meio século pelo então presidente dos EUA, John F. Kennedy (1917 - 1963), e a intransigência de Obama são os maiores empecilhos para a realização de um encontro que, se ocorrer, já promete ser histórico. Tal disposição, portanto, do governo cubano, manifestada anteriormente pelo ex-presidente Fidel Castro e pelo próprio Raúl Castro, assumiu, agora, feições de uma iniciativa. De qualquer modo, apesar dos ares cubanos serem favoráveis a um diálogo entre os dois países, Raúl Castro acusou o governo norte-americano de querer a derrubada do regime comunista de Cuba, podendo vir a tentar fazer com o país o que tem feito com os árabes. Isso sem falar que outro tema de divergência entre os dois países foi trazido à tona pelo vice-presidente cubano José Ramón Machado Ventura antes do discurso de Raúl Castro, ou seja, a presença da base naval dos EUA em Guantánamo, instalada mediante acordo firmado em 1903, após a independência de Cuba da Espanha. Para José Ramón Machado Ventura, o governo norte-americano viola direitos internacionais insistindo em manter a instalação militar em território cubano. E Raúl Castro deixou claro: o diálogo entre os dois países deve ser pautado pela paridade dos direitos, adiantando que Cuba não se curvará cordatamente as propostas do governo norte-americano.

— Se querem discutir os problemas da democracia, como eles dizem, a liberdade de imprensa, os direitos humanos e as histórias inventadas nos últimos anos a respeito de Cuba, vamos discutir, mas em igualdade de condições, porque não somos submissos nem somos colônia de ninguém. E vamos discutir os mesmos temas a respeito dos Estados Unidos...

O presidente norte-americano, por sua vez, intransigente como os seus antecessores, insiste em não ceder. Para Obama, antes de qualquer possibilidade de diálogo, que poderia vir a firmar eventuais acordos entre os dois países, o governo de Raúl Castro deve implementar reformas democráticas e humanitárias em Cuba. De fato, a situação é deveras preocupante. Afinal, com esse discurso defensivo, entranhado de pré-julgamentos e com a ganância e o ego circulando livremente nas suas veias, Obama em momento algum reconhece – nem irá reconhecer – que quem deve fazer o dever de casa são os EUA, cuja política externa, predatória e genocida de natureza, considera lucro tudo o que captura quando, criminosamente, lança a rede em não importa qual estação. Tanto é que, quando ainda era pré-candidato a presidente pelo Partido Democrata – só no nome –, o senador Obama proferiu um discurso em Miami dizendo as seguintes palavras:

— Durante a minha vida houve injustiça e repressão em Cuba e nunca durante a minha vida o povo [cubano] conheceu a verdadeira liberdade. Nunca na vida de duas gerações o povo de Cuba conheceu uma democracia. Não vimos eleições durante 50 anos. Nós não vamos dar suporte a essas injustiças. Juntos, vamos buscar a liberdade para Cuba. Essa é a minha palavra, esse é o meu compromisso. É hora de o dinheiro estadunidense fazer com que o povo cubano seja menos dependente do regime de Castro. Vou manter o embargo.

No final, até que rimou... Ocorre que, à época, no dia 25 de maio de 2008, refletindo sobre o discurso do pré-candidato à presidência dos EUA, o então presidente cubano Fidel Castro publicou o artigo A Política cínica do império, no qual diz que, antes de julgar Cuba, Obama deveria visitar e conhecer o país em questão, embora ressalte que o discurso do pré-candidato poderia ser traduzido como uma fórmula de fome, as remessas de dólar como esmolas e as visitas a Cuba como propaganda do consumismo, sustentado, a seu ver, por um modo de vida insustentável. Fidel Castro disse, ainda, que o conteúdo das palavras do referido discurso o eximia da necessidade de explicar o que o levava a refletir sobre o mesmo, reportando-se, por exemplo, num dado momento, a um antigo episódio:

— O próprio José Hernández, um dos diretores da Fundação Cubano-Americana ao que Obama elogia em seu discurso, era o proprietário do fuzil automático de calibre 50, mira telescópica e raios infravermelho capturado por acaso junto a outras armas mortíferas, durante seu transporte por mar para a Venezuela, onde a Fundação planejou assassinar a quem escreve estas linhas, em uma reunião internacional que ocorreu em Margarita, estado venezuelano de Nueva Esparta.

E quando Obama diz que os EUA não podem aceitar “a globalização dos estômagos vazios” no hemisfério em que se encontram, defendendo a intervenção norte-americana para debelar a fome, a doença e o desespero, Fidel Castro ironiza, com toda razão, alegando que todos deveriam, então, agradecer aos EUA por essa situação de penúria, que, na verdade, seria fruto da sua política imperialista. Esclarecedor, Fidel Castro diz ainda que, quando Obama “atribui à revolução cubana um caráter antidemocrático e carente de respeito à liberdade e aos direitos humanos”, o seu discurso reproduz exatamente “o argumento que, quase sem exceção, foi utilizado pelos governantes dos Estados Unidos para justificar os seus crimes” contra Cuba, acrescentando:

— O bloqueio mesmo, por si só, é genocida. Não desejo que as crianças norte-americanas sejam educadas nessa vergonhosa ética. A revolução armada em nosso país não teria sido talvez necessária sem a intervenção militar [dos EUA], a Emenda Platt e o colonialismo econômico que esta trouxe à ilha. A Revolução foi produto do domínio imperial. Não podem nos acusar de tê-la imposto. As verdadeiras mudanças poderiam e deveriam originar-se nos Estados Unidos.

Afirmando que as acusações de Obama são um insulto ao povo cubano, Fidel Castro vai mais além, dizendo que os programas de educação, saúde, esportes, cultura e ciências, aplicados de Cuba “não apenas em seu próprio território senão também em outros países pobres do mundo, e o sangue derramado em solidariedade a outros povos, apesar do bloqueio econômico e financeiro e as agressões de seu poderoso país [EUA], constitui uma prova de que se pode fazer muito com muito pouco. Nem à nossa melhor aliada, a URSS, foi-lhe permitido traçar nosso destino”. Para o líder cubano, o governo de Cuba é capaz de “convocar dezenas de milhares de médicos e técnicos da saúde; pode igualmente convocar de forma massiva professores e cidadãos dispostos a marchar a qualquer rincão do mundo para qualquer propósito nobre; não para usurpar direitos nem conquistar matérias primas” de terceiros, diferentemente dos EUA que, para cooperar com outros países “só podem enviar profissionais vinculados à disciplina militar”. E, de fato, é o que estamos acostumados a ver. Além do mais, como bem o disse Fidel Castro:

— Na boa vontade e disposição das pessoas há infinitos recursos que não se guardam nem cabem nas abóbadas de um banco. Não emanam da política cínica de um império.

Ora, para um país onde o direito ao porte de arma pela população civil é garantido por sua própria contituição, como é o caso dos EUA, é até compreesível que aqueles que de há muito o governam sintam-se igualmente livres para manifestar os seus instintos assassinos, focando esses mesmos instintos nos países alheios, onde, aplicando a sua política intervencionista, fomentam e incrementam guerras que não levam ninguém a nada nem a lugar nenhum, e ainda se apropriam de bens que não lhes pertencem. Desse modo, que sejam pelo menos coerentes e, por exemplo, suprimam da bandeira norte-americana a cor branca, que, no caso, deveria simbolizar a pureza e a inocência, ou melhor, a paz – coisa rara, inclusive, diga-se de passagem, até mesmo nos filmes de ficção da indústria cinematográfica do país. O lamentável, contudo, é que muitos norte-americanos tenham de suportar políticos predadores e genocídias que, um após outro, plantam-se na presidência dos EUA. Afinal, eles não merecem. Ninguém merece...


No Brasil, o dia é do agricultor:

“Os agricultores são os heróis anônimos, os verdadeiros artífices do Brasil que deu certo...”.

Amélio Dall Agnol
Engenheiro agrônomo brasileiro.


No dia 28 de julho de 1960, em comemoração ao centenário do Ministério da Agricultura, o então presidente Juscelino Kubitschek (1902 - 1976) instituiu por decreto (nº 48.630) a data de hoje para homenagear os que se plantam na terra para ará-la, semeá-la e cultivá-la, produzindo alimentos, fibras, insumos e combustíveis para o país do agronegócio e campeão em produção sustentável, bem como para o mundo.


Tipo de cena que deixa brasileiro indignado!


Só que vamos continuar plantando, semeando, colhendo, mas não para entregar de bandeja as nossas riquezas a um qualquer...

Nathalie Bernardo da Câmara


sexta-feira, 27 de julho de 2012

PELO DESMATAMENTO ZERO!



A gente fez o chamado e já foram ultrapassadas as 400 mil assinaturas pelo projeto de lei do desmatamento zero. Na última semana, no dia 17, o Dia de Mobilização pelas Florestas movimentou as redes sociais e o assunto foi um dos mais citados no dia, resultando na conquista de novas assinaturas por esse projeto de iniciativa popular, embora ainda não tenhamos chegamos lá. Precisamos de 1,4 milhão de pessoas comprometidas com essa causa. E precisamos de você para espalhar essa ideia. Quando o número for atingido, o projeto será encaminhado ao Congresso Nacional.

Para participar com a sua assinatura, clique na foto acima ou, então, no link abaixo:



Compartilhe!

O Greenpeace é uma organização independente, que não aceita dinheiro de empresas, governos ou partidos políticos. Dependemos da sua contribuição para continuarmos denunciando crimes ambientais e propondo soluções como a do desmatamento zero.

Ajude-nos a proteger o planeta:



Tatiana de Carvalho
Coordenadora da Campanha da Amazônia
Greenpeace




Entre para a Liga das Florestas:


quinta-feira, 26 de julho de 2012

DOENÇA DO SONO: PESADELO REAL

“A doença do sono é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das 17 doenças negligenciadas por não despertar interesse econômico na indústria farmacêutica e de insumos médicos, pois atinge populações marginalizadas e pobres. Médicos Sem Fronteiras é uma das poucas organizações no mundo que atuam diretamente com pacientes acometidos pela doença do sono, ampliando o acesso ao diagnóstico e ao tratamento com o objetivo de evitar mortes, mas também desenvolver ações de prevenção e sensibilização, que têm como meta diminuir o número de novos casos...”.

Lúcia Brum
Médica brasileira especializada em medicina tropical e consultora em doenças emergentes de Médicos Sem Fronteiras, em documento incluso em farto material de esclarecimento acerca do projeto Doença do sono – Urgente! enviado pela organização médico-humanitária internacional ao público doador, bem como aos que se sensibilizam e apoiam as suas ações no Brasil e no mundo.


Uma mosquinha de nada, medindo até 1 cm, de nome tsé-tsé, hospedeira de um parasita terceiro-mundista, é capaz, através da saliva – basta uma simples picada –, de infectar uma pessoa e deixá-la doente, podendo, ainda, levá-la ao coma e, para completar o serviço, à morte: “Parece um absurdo, nos dias atuais, mas, infelizmente, este é o destino, todos os anos, de aproximadamente 48 mil pessoas que vivem em zonas rurais de extrema pobreza na África subsaariana”, diz a médica Lúcia Brum. Segundo ela, “as mortes ocorrem pela falta de acesso ao diagnóstico e ao tratamento para a doença do sono, que é causada pela Trypanosoma brucei spp., sendo também conhecida como tripanossomíase [humana] africana (THA)”. Ou seja, a mosca pica uma pessoa e introduz na sua corrente sanguínea o protozoário flagelado, que se reproduz e alcança o sistema linfático, logo se instalando no sistema nervoso. O processo de disseminação do parasita no organismo humano, que pode ser fatal, tem o ciclo continuado quando outras moscas não contaminadas picam a pessoa infectada e se alimentam do seu sangue. Multiplicando-se no corpo do inseto, o parasita instala-se nas suas glândulas salivares. Desse modo, sempre que o inseto sente fome e pica outras pessoas, o hóspede, que não é bem-vindo, volta a ser transmitido. E por aí vai...

O fato é que, caso não seja diagnosticada e tratada a tempo, a doença do sono pode ser fatal. De acordo, ainda, com a médica Lúcia Brum, “ela causa grande sofrimento às pessoas infectadas, que, progressivamente, vão apresentando sintomas cada vez mais graves, como: febre, dores de cabeça, perturbações no ciclo de sono, paralisia, deterioração mental, demência e coma, sendo uma doença extremamente incapacitante e de alto impacto socioeconômico”, que, apesar de alguns avanços na sua terapia, impulsionados, sobretudo, por ações de Médicos Sem Fronteiras, em parceria com a Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, sigla em inglês), “os medicamentos disponíveis têm grande limitações, principalmente na fase neurológica (fase 2) da doença, sendo de difícil aplicação e exigindo a internação do paciente”. O limitado acesso ao tratamento condena, assim, milhares de pessoas à morte. Em carta, o diretor-executivo de Médicos Sem Fronteiras no Brasil, o economista canadense Tyler Fainstat, diz que, por ano, são registrados cerca de 48 mil óbitos provocados pela doença do sono, já que, se o paciente não for devidamente tratado a tempo, ela é 100% fatal. Segundo o diretor-executivo de Médicos Sem Fronteiras, a doença atinge 36 países da África subsaariana, sendo que a República Democrática do Congo apresenta 2/3 dos casos relatados.

Os números, portanto, são preocupantes, visto que, ao todo, são 60 milhões de pessoas que estão ameaçadas de contaminação, mas apenas 7% desse total tem acesso a diagnóstico e tratamento. Ocorre que, pelas informações divulgadas por Médicos Sem Fronteiras, “as doenças tropicais como a doença do sono, malária, doença de Chagas, leishmaniose visceral, dengue e esquistossomose continuam entre as principais causas de mortalidade em todo o mundo. Estas e outras 11 doenças são conhecidas como doenças negligenciadas, pois atingem 90% da população mundial, mas recebem apenas 10% do investimento em pesquisa” para medicamentos e tratamentos – o que só acontece porque, como já foi dito, elas “a maioria das populações contaminadas é pobre”, não despertando, por isso, o interesse dos laboratórios farmacêuticos. Uma realidade, por sua vez, enfrentada diariamente por Médicos Sem Fronteiras, que decidiu utilizar o dinheiro que recebeu com o Prêmio Nobel da Paz de 1999 para fundar, em parceria com outras organizações, a DNDi, tendo como objetivo o desenvolvimento de novos tratamentos para algumas dessas doenças. Um exemplo é o da Terapia Combinada de Nifurtimoxeflornitina (NECT, sigla em inglês), menos tóxica e mais eficaz, facilitando no tratamento de pacientes da doença do sono.

Lançada em 2008, a NECT foi incluída na Lista de Medicamentos da Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2009, passando a ser utilizada em áreas distantes e instáveis, que contemplam, sobretudo, margens de rios, habitat das moscas tsé-tsé, transmissoras do parasita que provoca a doença do sono. E são nos rios e nas suas margens onde muita gente ainda busca água para consumo próprio e outros fins, bem como se banham, lavam roupas, negociam, trocando ou vendendo mercadorias. Ou seja, essa gente é vítima em potencial das picadas do inseto e das suas más companhias. Isso acontece no Congo, no Chade, no Sudão, em Angola e demais países africanos. Médicos Sem Fronteiras, por sua vez, organização pautada “pela ética médica e pelos princípios de independência, neutralidade e imparcialidade, associando socorro médico e testemunho em favor das populações de riscos”, conta, hoje, com mais de 30 mil profissionais de diferentes áreas distribuídos em 65 países do mundo, “atuando diariamente em situações de desastres naturais, fome, conflitos, epidemias e combate a doenças negligenciadas”. Criada em 1971, na França, por médicos e jornalistas que atuaram como voluntários na guerra civil de Biafra, na Nigéria, no fim dos anos 60, a organização tem ultrapassado fronteiras, que você também pode ultrapassar.

Nathalie Bernardo da Câmara


Informe-se!
Seja um Doador Sem Fronteiras: acesse http://www.msf.org.br/

Para doar, acesse o site acima ou ligue para 0800 940 3585.

Aos que já são doadores, atualizem os seus contatos (e-mail e telefone) e ajude Médicos Sem Fronteiras a reduzir os seus custos e a preservar o planeta!
Basta enviá-los para o e-mail doador@msf.org.br
ou ligar para 21 2215-8688.





Entrevista exclusiva concedida à cirurgiã-dentista brasileira Marina Gaeta, da equipe do site Saúde ZN, por Tyler Fainstat, diretor-executivo de Médicos Sem Fronteiras no Brasil. Confira!


Saúde ZN“Cuidar da saúde dos que mais precisam em situações críticas é a base do trabalho de Médicos Sem Fronteiras”. Como funciona esse trabalho?
Tyler Fainstat – Em situações de conflito armado, as equipes de MSF levam assistência médica de forma neutra e imparcial às pessoas mais vulneráveis, independentemente de que lado do embate elas estejam. Nas emergências causadas por desastres naturais, quando as estruturas de saúde são atingidas ou ficam sobrecarregadas, profissionais são rapidamente acionados e enviados ao local da catástrofe. MSF também oferece cuidados médicos às pessoas excluídas de acesso à saúde e atua junto a comunidades afetadas por epidemias ou desnutrição. Em alguns casos, ao presenciar atos de violência ou negligência que afetam a saúde e colocam em risco a vida das pessoas, MSF faz um alerta público e se posiciona com base em dados médicos e na experiência de seus profissionais.

SZN - Quais as doenças que mais acometem a população carente?
TF – Os projetos de MSF são, em sua maioria, voltados a populações que vivem em países em desenvolvimento e sempre a pessoas que não têm acesso à saúde. Tratamos pessoas com enfermidades como HIV/Aids, malária, tuberculose, sarampo, cólera, meningite, doença do sono, doença de Chagas, dengue, entre outras.

SZNOs profissionais atuantes são voluntários? Quais os pré-requisitos para se tornar um de vocês?
TF – As pessoas que atuam com Médicos Sem Fronteiras não podem ser enquadradas dentro do padrão típico de voluntário, porque elas recebem uma remuneração no período em que estão nos projetos. Mas, como certeza, não é o salário que move as pessoas a trabalhar com a organização, afinal elas têm que deixar suas famílias, o conforto de suas casas e morar por um período – que em média varia de seis a nove meses – em um país distante. Não é fácil, é preciso ter uma motivação humanitária. Além disso, a remuneração oferecida por MSF não é competitiva para o mercado. As exigências básicas para trabalhar em MSF é ter nível superior, experiência profissional em sua área de atuação de, pelo menos, dois anos, francês e/ou inglês fluentes e, claro, disponibilidade e vontade de trabalhar fora do Brasil.

SZNQual a maior realização de Médicos Sem Fronteiras desde sua fundação?
TF – Em termos quantitativos, nossa maior operação ocorreu em janeiro de 2010, após o terremoto que devastou o Haiti. Ao longo de 10 meses, MSF tratou 358 mil pessoas, realizou 16.570 cirurgias e assistiu os partos de 15.100 bebês.

SZNQual a maior dificuldade existente hoje no trabalho da organização?
TF – Do ponto de vista organizacional, um grande desafio é continuar a ser uma organização inovadora e ágil. Mesmo crescendo cada vez mais, precisamos manter sempre o foco desse crescimento nas necessidades dos projetos e dos pacientes.

SZNO que a organização precisa para ampliar seu trabalho? De que forma podem ser feitas contribuições?
TF – MSF precisa sempre de recursos, sejam eles financeiros ou humanos, para poder aumentar suas operações e levar ajuda a cada vez mais pessoas. Quem quiser ou puder ajudar, existe a doação pelo site (http://www.msf.org.br/). As pessoas também podem ajudar divulgando nossas ações, projetos e iniciativas, para que possamos alcançar um número cada vez maior de pessoas.

SZNQuem pode se beneficiar da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais no Brasil?
TF – Em seu trabalho de campo, as equipes de MSF são constantemente frustradas pelo alto custo dos medicamentos existentes, pela falta tecnologias adequadas para oferecer um tratamento de qualidade. A organização criou, em 1999, a Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais para melhorar o acesso às tecnologias existentes (medicamentos, métodos de diagnóstico e vacinas), por meio de medidas como a quebra de patentes. A campanha também estimula o desenvolvimento de novas ferramentas urgentemente necessárias nos países em que MSF trabalha, com ações de incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento de novas tecnologias. Desse modo, as lutas da Campanha de Acesso beneficiam todos os pacientes que sofrem com as doenças negligenciadas, inclusive aqueles que vivem no Brasil.

SZNComo nosso veículo está relacionado exclusivamente em prol da saúde, o que vocês têm a dizer aos nossos leitores?
TF – Nem todos têm o perfil que MSF precisa para trabalhar nos projetos diretamente com os pacientes, mas todos nós, de uma maneira ou de outra, podemos contribuir para que a ajuda humanitária atinja um número cada vez maior de pessoas.


quarta-feira, 25 de julho de 2012

O CRIADOR E AS CRIATURAS


Hoje, Dia Nacional do Escritor, acordei com o título acima tirando a minha criatividade do torpor, inspirando-me, já que, desde ontem, não sabia por onde começar uma postagem para homenagear todos aqueles que fazem da escrita o seu ofício de vida – para muitos, o leitmotiv do ato de viver – e, embora eu não seja afeita a esse tipo de reverência, tecer algumas palavras para registrar a data. Assim, como já conhecia a charge que ilustra o presente texto, guardada, aliás, no meu banco de imagens para usá-la sabe-se lá quando, pois tudo depende muito do contexto que se apresenta, desengavetei-a tão logo senti o estalar da ideia. Eis, portanto, a ocasião mais do que oportuna para não somente saudar todos os escritores, bem como recordar o saudoso escritor português que há pouco mais de dois anos optou por morar no reino encantado onde habitam as personagens dos seus livros, os depositários fiéis dessas mesmas personagens que, durante décadas, se firmaram como porta-vozes do seu criador. Afinal, é isso o que é um escritor, ou seja, um criador, já que dá vida as personagens que cria, as suas criaturas, e que povoam não somente o imaginário dos seus leitores, mas o seu próprio. Daí esta postagem, visto que em nada me agradava republicar, e pela terceira vez, outra que versa sobre a data comemorativa em questão, mesmo porque, pelo que pude perceber nos registros de acesso deste blog, o texto ao qual me refiro, provavelmente por causa do dia de hoje, já foi e continua sendo visitado, ou revisitado, ao longo desta semana.

Enfim! Não podemos reconhecer um escritor e merecê-lo apenas porque ele escreve aquilo que gostaríamos de ouvir ou de dizer e não sabemos como, mas pela qualidade da sua produção. Tanto que, certa feita, o escritor irlandês Oscar Wilder (1854 - 1900) ressaltou que “o que há são livros bem escritos ou mal escritos”. De fato! O teor dos livros, por sua vez, sejam eles ficcionais ou não, é, muitas vezes, posto em questão e, infelizmente, sofre algum tipo de censura, apesar disso ser repulsivo, já que o pensamento é livre e a sua expressão um direito a ser respeitado, tal qual a liberdade do leitor de ler ou não o que ele bem entender. Desse modo, se, de antemão, o leitor já sabe quais são as posições de um dado escritor sobre determinado tema e se as mesmas não se coadunam com as suas, apenas lhe despertando indignação e uma imensa vontade de se desfazer do veículo que as transmite, seja um livro, um jornal, uma televisão, um computador ou outro meio qualquer, ao mesmo tempo lhe instigando a desejar debater e polemizar – o que seria improfícuo –, ou mesmo chegando ao extremo de querer esfolar quem as defendem, o mais indicado, no caso, é não lê-los. Agora, se a compreensão do leitor for tolerante, nada impede que ele leia de tudo um pouco, até mesmo para se informar da diversidade de opiniões existentes, apesar de muitas serem divergentes entre si e de sabermos, é óbvio, que a sua atenção irá recair sobre as obras dos autores de sua predileção – acontece com a maioria dos leitores e é a coisa mais natural do mundo.

Um detalhe, contudo, todos os escritores têm em comum: eles escrevem, servindo o exemplo, igualmente, para as artes em geral. As curiosidades, entretanto, referentes aos escritores, embora nem todos considerem todas pertinentes, são muitas. Quando se diz, por exemplo, que, para escrever, os escritores dependem de tantos por cento de inspiração e outros tantos de transpiração, é verdade. O que varia, no caso, e de escritor para escritor, é o percentual da primeira, que vai motivá-lo a escrever, e o da segunda, que normalmente determina o afinco com o qual ele vai debruçar-se sobre a sua ideia e desenvolvê-la, moldá-la, modelá-la – percentual esse, aliás, que depende do grau do seu talento. A data de hoje, portanto, é simbólica. O dia do escritor? Todos – creio –, já que até no ócio, quando se permite cultivá-lo, ele tem ideias, está criando, sendo, provavelmente, o exemplo que mais se afina com a tese do ócio criativo difundida pelo filósofo italiano Domenico de Mais. O ócio em si, por sua vez, para a escritora britânica Virginia Woolf (1882 - 1941), possui as condições favoráveis para que as verdades submersas possam emergir – em 1929, Virginia Woolf publicou o ensaio literário Um teto todo seu, que trata do ofício de escrever. Porém, um fato não pode ser desprezado: os escritores, como todo ser humano, não estão isentos de equívocos e desconhecem faces de si mesmos. Como diria em um dos seus livros a psicanalista e escritora Julia Kristeva, nascida na Bulgária, mas radicada na França: a verdade é que somos estranhos a nós mesmos...

Nathalie Bernardo da Câmara

domingo, 22 de julho de 2012

A QUANTAS ANDA O CORAÇÃO DE DUMONT?

“Vivi ali uma vida livre, indispensável para formar o temperamento e o gosto pela aventura...”.

Revelou o inventor e aviador brasileiro (20 de julho de 1873 - 23 de julho de 1932), referindo-se à Fazenda Dumont, de propriedade da sua família, em Ribeirão Preto, São Paulo, na qual passou a infância e parte da adolescência, em entrevista concedida ao jornalista e atleta francês Frantz Reichel (1871 - 1932) no dia 20 de outubro de 1913, um dia após a inauguração do monumento com uma estátua de Ícaro, edificado em Saint-Cloud, nos arredores de Paris, em homenagem ao pioneiro da aviação no mundo, e publicada no dia 1º de janeiro de 1914 na revista Lecture pour tous. Na referida entrevista, intitulada Notre interview de Santos-Dumont, o francês descreve o pequeno gênio brasileiro como “um homenzinho ágil, magro, nervoso, vigoroso; um verdadeiro atleta em miniatura, do peso de cinquenta quilos, que a prática de esportes mantém em perfeitas condições” – condições essas cujo declínio teve início com a eclosão da I Grande Guerra Mundial (1914 - 1918) e alquebrou-se de vez com a Revolução Constitucionalista de 1932 no Brasil. Alberto Santos-Dumont indignou-se quando viu a utilização dos seus inventos para fins bélicos e entrou em depressão – não era esse o seu intento quando, apaixonado por todo tipo de transporte e fascinado com as possibilidades da tecnologia para inová-los, canalizou o seu talento para os deslocamentos aéreos.


Nem balões, dirigíveis ou aeroplanos. Quero saber do coração de Alberto Santos Dumont... Nascido em Palmira, Minas Gerais, Dumont respirou os ares de Paris e foi cidadão do mundo, morreu no Guarujá, São Paulo, e, com exceção do coração, os seus despojos foram enterrados no Cemitério de São João Batista, Rio de janeiro. O órgão que pulsa, por sua vez, que bate e que, metaforicamente, para os poetas e românticos, emociona-se, grita e, muitas vezes, clama ou reclama, ou seja, o coração, no caso, o de Dumont, criminosamente retirado do seu corpo após a sua morte. Tal qual o engenheiro químico e industrial sueco Alfred Bernhard Nobel (1833 - 1896), inventor prolífico, criador, entre outras invenções, do detonador (1863), da dinamite (1866) e da balistile (1887), um tipo de pólvora sem fumaça, que, por seus feitos, acreditava estar revolucionando a engenharia civil, embora eles logo tenham sido utilizados em ações militares, causando-lhe depressão e o levando ao isolamento, Dumont tornou-se melancólico e recluso. Nobel, por sua vez, quis fazer a diferença e deixou prevista no seu testamento a criação da Fundação Nobel (1900), que outorgaria prêmios aos que prestassem algum tipo de benfeitoria à humanidade, fossem personalidades ou instituições, nos campos da física, química, fisiologia ou medicina, literatura e, o mais importante de todos, destinado aos que promovessem ações em prol da paz mundial. Porém, em consequência das constantes e diretas exposições aos experimentos químicos ao longo da vida, sobretudo à nitroglicerina, bem como da sua desilusão da humanidade, do seu pessimismo e solidão, fragilizando a sua mente e o seu corpo, ele não resistiu a uma hemorragia cerebral. Dumont, além de se culpar por sua invenção ser uma das responsáveis por “tanto derramamento de sangue” nas guerras, desabafou ao ascensorista do elevador de um hotel no Guarujá, pouco depois de ouvir ataques aéreos nas proximidades de onde se encontrava, sucumbiu à extrema tristeza que provocou o seu suicídio – a I Grande Guerra Mundial teria sido, digamos, o detonador do seu processo de depressão, já que, fazendo uso de aviões para fins nada edificantes, causou inúmeros danos a seres humanos, e a Revolução Constitucionalista de 32, um conflito ainda mais sem sentido, deflagrada por paulistas que se opunham à ascensão da ditadura do presidente Getúlio Vargas (1882 - 1954) no Brasil, sendo, portanto, a gota d’água que impulsionou Dumont à decisão radical. O governo brasileiro, por sua vez, que havia, por vaidade própria e, oportunisticamente, transformado o aviador num mito, se autopromovendo a custa das suas façanhas inventivas e da sua nacionalidade, disso tirando vantagens, decidiu, arbitrariamente, omitir ao público os detalhes da sua morte, determinando ao legista que forjasse o atestado de óbito, onde ficaria registrado parada cardíaca como a causa do seu falecimento. Desse modo, a imagem de herói nacional que haviam criado para o aviador não seria maculada, mas preservada. O que ignoravam, contudo, é que tal reconhecimento não fazia a cabeça daquele que vivia nas nuvens – Dumont não era dado a esse tipo de veleidade, sobretudo por ser amparada pela hipocrisia que baliza a sociedade. Enfim! Perdurando por décadas, a farsa um dia caiu, bem como o segredo de um médico incauto, de nome Walther Haberfield, que, chamado para embalsamar o corpo de Dumont, a fim de ser levado em segurança de São Paulo para o Rio de Janeiro, removeu o coração do inventor, achando que, assim, estaria preservando-o. Do quê? De algum eventual caçador de cadáveres? Como, se, com a sua iniciativa criminosa, ele fez pior, já que, inclusive, violou a ética médica? Afinal, a decisão fora pessoal e, até hoje, nada a justifica, mesmo porque Dumont não deixou escrito em lugar nenhum que essa era a sua vontade, ou seja, legar o órgão em questão à posteridade. O sigilo, portanto, que permaneceu guardado por doze anos, veio à tona quando o próprio médico resolveu entregar o coração de Dumont a sua família (só faltou dizer: aplaudam a minha nobre iniciativa...). Óbvio que a família considerou aquilo um absurdo e nem quis saber, doando o coração sem vida de Dumont ao governo, a fim de que este mantivesse-o conservado e exposto num local público – quanto disparate! Afinal, se a apropriação indevida de bens de terceiros, ainda em vida, já é considerada crime, o que dirá da remoção de um órgão sem autorização prévia do seu dono após a sua morte! A meu ver, o gesto deliberado do médico deveria ser considerado duplamente criminoso: além da retirada leviana do coração de Dumont, já justificando, por si só, uma ação judicial, a remoção do órgão, nos moldes em que se deu, não tem como não se caracterizar como tráfico. De qualquer modo, se era para violar o corpo do petit Santos, como os franceses carinhosamente chamavam Dumont, que o médico tivesse, então, removido o seu cérebro – este pelo menos poderia servir de objeto para um estudo aprofundado da genialidade do inventor. Sim, porque violação por violação... Enfim! Depois de mais de uma década preservado em formol e na obscuridade, quiçá por um sentimentalismo esquizoide qualquer do médico, o coração de Dumont, após ser doado pelo médico ao governo federal, encontra-se, hoje, num dos espaços do Museu Aeroespacial do Rio de Janeiro (MUSAL), no Campo dos Afonsos, considerado o berço da aviação brasileira. Segundo o blog Museu Virtual, da Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), no especial do centenário do 14-BIS em 2006, o coração embalsamado de Dumont, protegido por um escrínio, foi entregue pelo então presidente da extinta companhia aérea PANAIR do Brasil (subsidiaria brasileira da Companhia Aérea Pan American Airways), o empresário Paulo Sampaio, ao ministro da Aeronáutica, o senador Salgado Filho (1888 - 1950), durante as comemorações da Semana da Aviação no dia 24 de outubro de 1944, no Campo dos Afonsos.


No MUSAL está, portanto, uma estatueta em bronze de Ícaro, de braços erguidos, sustentando “uma esfera celeste em ouro com perfurações que simbolizam as estrelas do universo”, dentro da qual outra esfera de cristal guarda o coração do inventor, “mergulhado em líquido apropriado”. Idealizada por Américo Monte Rosa (Studio Erico), a estatueta foi confeccionada pela Fundição Curzio Zani e, entre outras “atrações” relacionadas ao aviador, que faziam parte do acervo da família, mas que foram doadas ao MUSAL, inaugurado em 18 de outubro de 1976, estão uma réplica do 14-BIS, documentos, fotografias, objetos pessoais etc. E eu perguntaria: qual a serventia de todo esse circo se ninguém sequer pode ver o coração de Dumont, envolto que está em tantas redomas e somente preservado devido um gesto deliberadamente criminoso? De repente, à época da revelação do médico, a família do inventor deveria ter encontrado meios de processá-lo, se é que o delito já não havia prescrito – obviamente que, para isso, esse tipo de conduta deveria está previsto no Código Penal. Se não está, deveria.


A minha impressão dessa história toda, corroborando o que já disse antes? A confirmação do quão as pessoas são atrevidas – a palavra é essa mesma. Só que não é atrevimento no sentido de ousadia, mas de desrespeito a terceiros, interferindo nas suas vidas ou mesmo na sua integridade física após a morte, como o fez o médico encarregado do embasamento do corpo de Dumont, que agiu de maneira extremamente irresponsável.


O público atropelando o direito privado...

Ilustração do chargista brasileiro Edmar Viana (1955 - 2008) para a cartilha Da aurora ao crepúsculo, de minha autoria, sobre a vida e a obra da educadora, escritora e feminista norte-rio-grandense Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810 - 1885). Uma iniciativa conjunta com a Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Nísia Floresta, município do Rio Grande do Norte, e do então Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e das Minorias de Natal, a cartilha foi divulgada quando das comemorações dos 187 anos do nascimento de Nísia Floresta, no dia 12 de outubro de 1997.


Outro exemplo de desrespeito para com os mortos, ou melhor, para com os desejos manifestos ainda em vida, é, no caso, o da escritora, educadora e feminista brasileira Nísia Floresta, de quem sou biógrafa, embora saibamos que esse tipo de coisa pode acontecer independentemente de se tratar ou não de uma personalidade pública. No que tange a Nísia Floresta, que também amava a liberdade e a aventura e para quem viajar vem a ser “o meio mais eficaz e o mais útil para superar uma grande dor”... Tendo vivido por quase três décadas na Europa, sobretudo em Paris, na maior parte do tempo acompanhada da filha Lívia, Nísia Floresta passou os últimos anos da sua vida em Bonsecours, na França, onde faleceu e foi enterrada no cemitério local. O curioso é que, ao longo de mais de um século, a versão brasileira dita oficial divulgou que Nísia Floresta havia morrido em Rouen, embora sem motivos aparentes que justificassem a informação, mantida, inclusive, por órgãos federais do Brasil quando da emissão de documentos oficiais. Porém, nos anos noventa, ao pesquisar a sua vida, traduzir um dos seus livros do francês para o português – tradução essa intitulada Fragmentos de uma obra inédita - Notas Biográficas, publicada pela Editora da Universidade de Brasília em 2011 – e ter acesso a documentos que comprovam que, de fato, ela morreu em Bonsecours, desfiz tal equívoco. O mais curioso, ainda, é que apesar da minha preocupação em tornar público o fato em questão, muitos continuam, sabe-se lá por quais cargas d’água – os motivos devem ser os mais esdrúxulos –, resistindo e insistindo na errônea versão. Outro jornalista, contudo, que teve a oportunidade de registrar o fato corretamente, mas que não o fez, deixando-me intrigada, foi o brasileiro Orlando Ribeiro Dantas

(1896 - 1953)
, nascido no Rio Grande do Norte e um dos fundadores do carioca Diário de Notícias (1930 - 1976), quando, em 1950, na França, saiu em busca da localização do túmulo de Nísia Floresta, encontrando-o em Bonsecours. Em 1954, representando o governo brasileiro, encarregado pelos trâmites burocráticos junto ao Ministério do Interior da França para efetuar a exumação e o traslado dos despojos de Nísia Floresta para o Brasil, o então presidente do Centro Norte-rio-grandense do Rio de Janeiro, Marciano Alves Freire, manteve igualmente a equivocada versão. No entanto, embora a certidão de óbito de Nísia Floresta seja explícita, a edição comemorativa lançada pelos Correios e Telégrafos do Brasil quando da chegada dos restos mortais de Nísia Floresta no seu país de origem reproduze a mesma informação. Um segundo episódio relacionado à educadora brasileira que me causou certo desconforto foi exatamente a decisão, tomada por intelectuais da época e amparada pelo governo federal, de trazer os despojos de Nísia Floresta para o Rio Grande do Norte, depositando-os num grotesco mausoléu que, à época, edificaram na cidade onde ela nasceu. O meu desconforto, portanto, justifica-se porque também tive acesso a documentos nos quais fica igualmente claro que Nísia Floresta não tencionava retornar ao Brasil, permanecendo em solo francês, inclusive após a sua morte. Afinal, foi com esse objetivo que a filha comprou um jazigo perpétuo para ela e para a mãe, sendo, assim, a decisão das autoridades brasileiras, um desrespeito à memória de Nísia Floresta. O motivo, entretanto, para tal decisão? O leque de variantes é amplo, mas, da mesma forma que o médico encarregado de embalsar o corpo de Dumont achou-se no direito de violá-lo para remover o seu coração e preservá-lo para a posteridade, satisfazendo, no caso, apenas o seu ego, o mesmo poderia ser dito em relação aos que, arrogantemente, decidiram trasladar os restos sepulcrais de Nísia Floresta, já que sequer conheciam detalhes da sua vida e, achando pouco, ignoraram os documentos franceses referentes a sua morte. Isso sem falar que, apesar de ter sido uma personalidade pública, Nísia Floresta tinha os seus direitos privados e os mesmos não foram respeitados. Tanto que não foram poucas as tentativas – nenhuma válida – para justificar tal invasão de privacidade. Houve até quem alegou – há quem continue alegando –, especulando, que o fato das autoridades brasileiras terem recebido do governo francês não uma simples urna, mas um ataúde com o seu corpo embalsado, devia-se ao desejo de Nísia Floresta querer repousar no seu solo de origem – agindo assim, não atentaram para o costume cultural francês de embalsamento que ainda vigorava fins do séc. XIX, muito menos que Nísia Floresta só foi enterrada dias depois da sua morte. À ocasião, inclusive, em que se deu tal episódio, a escritora brasileira Rachel de Queiroz (1910 - 2003), que, aliás, tive o privilégio de entrevistar, embora bem antes de iniciar as minhas pesquisas sobre a vida e a obra de Nísia Floresta, escreveu e publicou um artigo no qual, equivocadamente, sugeriu que a minha biografada não morreu e não foi enterrada em solo brasileiro simplesmente porque não dispunha de meios para isso. No referido artigo, a cearense deixa ainda transparecer certa compaixão pela norte-rio-grandense, mas apenas devido o que ela supunha ser uma impossibilidade. O fato é que, quando da sua última viagem a Europa, o que Nísia Floresta esperava era que alguns dos seus familiares fossem morar com ela e com a filha na França. Não o contrário, já que Lívia, em hipótese alguma, tencionava voltar a morar no Brasil e, como não era intenção de ambas viverem separadas uma da outra, Nísia Floresta optou por permanecer na Europa. Tanto que, ao decidir deixar Paris ela já estava com cerca de 70 anos de idade, escolhendo Bonsecours como o seu refúgio terminal e definitivo, ou seja, reafirmou a sua opção de não mais retornar ao Brasil. Porém, o desrespeito as suas vontades prevaleceu. Pior: de terceiros e inclusive dela desconhecidos. E a quem isso favoreceu? Unicamente aos responsáveis pelo traslado dos seus restos mortais, que, empenhados numa espécie equivocada de missão, apenas tiveram as suas respectivas vaidades satisfeitas. Isso sem falar que, provavelmente, nunca leram um livro que fosse daquela que é considerada a pioneira do feminismo no Brasil.


Le bon vivant de la Belle Époque



No que diz respeito ao pequeno gênio brasileiro que foi Alberto Santos Dumont, motivo desta postagem... O estilo Dumont de ser chamou atenção inicialmente no Brasil, já que durante uma viagem à Europa, onde o seu pai buscava na medicina europeia a cura para os seus males, ele aproveitou para visitar uma fábrica da Peugeot e comprou um dos dois únicos automóveis produzidos pela empresa automobilística naquele ano de 1891. Poucos meses depois, após o pai convencer-se de que não havia meios para restaurar a sua saúde, retornou com a família para o Brasil. A bordo do navio, o carro comprado em Paris. Tornou-se, assim, ao circular pelas ruas de São Paulo com a sua aquisição, a primeira pessoa a circular de automóvel em toda a América do Sul. A sua influência, contudo, mais marcante deu-se em Paris, para onde retornou no ano seguinte. Herdeiro de uma fortuna que literalmente o permitiu dá asas à imaginação, embora não tenha se descuidado dos estudos, principalmente os de física, química, engenharia mecânica e elétrica, Dumont foi aos poucos revolucionando a aviação, sendo, ainda, o primeiro aeronauta do mundo a conquistar os brevês de balão, dirigível e aeroplano, mas, também, ditando modas na aurora do séc. XX. Elegante e enigmática, a sua imagem logo se associou as mais diversas empresas, pois estampava os seus produtos que, não demorava muito, caiam, como se diz, no gosto do povo: de caixas de fósforos a brinquedos e coleções de estilistas, que se inspiravam no seu figurino peculiar, o inventor e aviador correu a Europa. O relógio de pulso, por exemplo, foi popularizado apenas porque, por ser mais prático do que os de bolso nos voos que realizava, Dumont usava um, no caso, o primeiro de uso masculino no mundo, pois já existiam alguns exemplares femininos, criado por encomenda pelo amigo joalheiro e relojoeiro francês Louis-François Cartier (1875 - 1942), que, inclusive, não titubeou e criou a coleção de relógios Santos Dumont, existente até hoje. Porém, todas as conquistas de Dumont, materiais e imateriais, inclusive a sua boa saúde, alegria, bom-humor, excentricidade, sonhos, criatividade e vontade de viver, esvaíram-se ao longo da I Grande Guerra Mundial – não foi poupado nem mesmo a estátua do Ícaro de Saint-Cloud, que o governo francês erigiu em homenagem aos seus feitos aéreos em 1913. De bronze, foi aproveitada pela indústria bélica quando a guerra eclodiu em 1914, sobrando apenas o pedestal... À época, Alemanha, França, Grã-Bretanha, Itália, Rússia e Áustria já possuíam cerca de 700 aeronaves para uso militar. Zepelins alemães, por sua vez, foram utilizados em larga escala para o lançamento de bombas, granadas e produtos químicos, que causaram graves danos a edificações e populações civis. Antes disso, contudo, Dumont havia sido aconselhado por amigos a patentear as suas invenções, coisa que ele se negou a fazer, já que as considerava “um presente para a humanidade”... Outro fato, entretanto, marcou profundamente o brasileiro. Em 1914, ainda, quando a Alemanha declarou guerra à França, Dumont decidiu colocar-se à disposição do seu país de adoção. Ironicamente, por possuir um telescópio de fabricação alemã, os vizinhos acharam que ele era um espião e o denunciaram aos militares franceses, que invadiram a sua casa. O mal entendido, por sua vez, nunca perdoado por Dumont, suspeito de traição, levou-o a se desfazer de todos os seus documentos, inclusive os aeronáuticos, atirando-os ao fogo. E viajou para o Brasil, onde permaneceu durante toda a guerra. Instalado em Petrópolis, no Rio de Janeiro, projetou uma casa de arquitetura inovadora, a Encantada, transformada em museu após a sua morte. Com o término dos conflitos internacionais, os ânimos acalmaram-se e, em 1920, Dumont empenhou-se em pressionar a maioria dos governos europeus e das Américas para que desmilitarizassem as suas aeronaves, apelando, igualmente, à Liga das Nações Unidas. Todos os seus esforços, apesar de sempre serem gentilmente recebidos, foram em vão. Não obstante, o governo brasileiro presentou o governo francês com uma réplica da escultura original do Ícaro de Saint-Cloud, que foi colocada no mesmo pedestal da primeira numa cerimônia ocorrida no dia 4 de julho de 1952 – Dumont já não estava mais entre nós. Afinal, a culpa por ter romanticamente inventado um meio de transporte aéreo apenas para que a humanidade pudesse realizar o sonho de voar, divertir-se e diminuir as distâncias geográficas, mas que passou a ser utilizado como instrumento capaz de dizimar essa mesma humanidade, cravou na consciência do inventor um sentimento de impotência e arrependimento que ele não teve forças para superar, restando-lhe somente a lembrança dos seus voos de Ícaro...

 

Sugestão de leitura:

Vai um Nobel? (http://abagagemdonavegante.blogspot.com.br/2009/06/vai-um-nobel-eu-nao-tento-convencer-mas.html) – Postagem publicada neste blog no dia 25 de junho de 2009.

Nathalie Bernardo da Câmara