domingo, 30 de setembro de 2012

A HERANÇA DE UM SOBRENOME INVENTADO

“Hoje em dia, os nomes já não possuem significado. O que importa são os números: o número da conta, da identidade, do passaporte. São eles que contam...”.

José Saramago (1922 - 2010)
Escritor português


Nascido no final do séc. XIV, em Portugal, apesar de não se saber, ao certo, as origens dos seus ancestrais, João Gonçalves Zarco (1390-1471) era comandante de caravelas. De herança judaica, mas convertido ao cristianismo, Zarco, cujo nome é árabe e significa quem tem olhos azul-claros, foi o responsável por duas importantes possessões portuguesas. Em 1418, por acaso ou intencionalidade, descobriu, oficialmente, juntamente com Tristão Vaz Teixeira (1395-1480), a Ilha de Porto Santo e, em 1419, com Bartolomeu Perestrelo (1394-1457), a Ilha da Madeira. Como recompensa, Zarco recebeu do Infante dom Henrique (1394-1460) a missão de colonizar a Ilha da Madeira, tornando-se o primeiro capitão donatário do Funchal, em 1419, e, em função de existir uma câmara de lobos marinhos na ilha (gruta ou caverna, no português do Brasil), teve o seu sobrenome mudado para Câmara de Lobos. Tal mudança, entretanto, só foi reconhecida no dia 4 de julho de 1460, em decreto assinado e publicado por dom Afonso V (1432-1481), que ordenou João Gonçalves, mesmo tardiamente, pois ele morreu em 1421, cavaleiro fidalgo da realeza portuguesa, com direito a um brasão e a divisa: Pela fé, pelo príncipe, pela pátria. Casado com Constança Rodrigues de Sá (1393-1484), conhecida como a capitoa, João Gonçalves da Câmara de Lobos deu início, então, a uma estirpe, a uma História, com os seus descendentes perpetuando o sobrenome Câmara, mas abolindo o complemento, ou seja, de Lobos. Em 1492, um suposto neto de João Gonçalves, o também navegador Salvador Fernandes Zarco, mais conhecido como Cristóvão Colombo, descobre a América. Sim, Cristóvão Colombo, que muitos historiadores afirmam que nasceu no Alentejo, em Portugal, não em Gênova, na Itália, como reza a versão dita oficial da história. Ao longo do tempo, portanto, além dos títulos de nobreza: barões, condes, marqueses, viscondes e senhores de morgados, os Câmaras têm se destacado na advocacia, na arquitetura, na engenharia, na medicina e no jornalismo. O pioneirismo, portanto, somado ao dinamismo e à inovação, tornou-se uma característica dos nascidos com o sobrenome Câmara – sobrenome esse inventado.

Nathalie Bernardo da Câmara

sábado, 29 de setembro de 2012

O BRASIL PERDE HEBE CAMARGO...


Qual o motivo, se alguém for capaz de me explicar, de os corruptos do Brasil pemanecerem impunes, enquanto se perde artistas? Sem mais palavras, Nathalie.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

BELO MONTE: RESPEITO À CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA!

“Belo Monte é um Golias no coração da Amazônia e vem dividindo a opinião dos brasileiros. Mas todos concordam que uma obra de tamanho impacto não pode ser feita sem o cumprimento da Constituição, que afirma que este tipo de obra só pode acontecer se os índios forem ouvidos. Pela lei, os índios não terão a última palavra, mas continuar a obra sem conhecer a posição dos povos indígenas é uma atitude incompatível com uma democracia pluralista como o Brasil...”.

Passagem extraída de um comunicado enviado por e-mail pela equipe da Avaaz, maior comunidade on-line do mundo, que se mobiliza para “soar o alarme para as injustiças, salvar vidas e fazer a diferença”.




Às Escondidas*

Por Marina Silva
Ambientalista brasileira, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente, eleita recentemente membro honorário da União Internacional de Conservação da Natureza (UICN) “por sua contribuição inspiradora para a conservação da natureza”. A nomeação foi anunciada no dia 11 de setembro do corrente, em Jeju, Coreia, durante solenidade no Congresso Mundial de Conservação – um prêmio a mais que foi conquistado pela brasileira em meio a tantos outros por seu empenho em defesa do meio ambiente.


A usina de Belo Monte, ao secar a Volta Grande do rio Xingu, expõe ao sol da opinião pública algo mais que o limo das pedras. A empresa canadense Belo Sun Mining, do grupo Forbes & Manhattan, pretende fazer ali o "maior programa de exploração de ouro do Brasil", investindo mais de US$ 1 bilhão para extrair quase cinco toneladas por ano do precioso metal.

Já no Relatório de Impacto Ambiental da usina constava o interesse de 18 empresas em pesquisa e exploração mineral na área, mas o Ibama achou esse dado irrelevante.

O licenciamento da mineração está sendo feito pelo governo do Pará. Tudo indica que o conhecimento do potencial mineral só é segredo para a população, os "investidores" têm o mapa da mina há tempos.

O Brasil vive uma nova "corrida do ouro", silenciosa e oculta da opinião pública, mas intensa ao ponto de fazer a atividade mineradora saltar de modestos 1,6% para expressivos 4,1% do PIB em só dez anos.

Nem é preciso dizer que esse aumento, embora inserido na ascensão brasileira na economia mundial, é continuidade da velha condição de colônia: as riquezas do subsolo brasileiro destinam-se, em sua quase totalidade, ao comércio exterior. As "veias abertas da América Latina" (feliz e triste expressão de Galeano) continuam sangrando.

Por trás dos grandes negócios e notórias fortunas, sempre financiadas e facilitadas pelo Estado, oculta-se um submundo de devastação ambiental e violência contra populações tradicionais.

O Congresso Nacional avoca para si o poder de demarcar terras indígenas e nelas licenciar atividades econômicas, enquanto discute um novo Código Mineral e a criação de uma agência para o setor.

Enquanto isso, pedidos de licenças para pesquisa e exploração continuam a ser concedidas aos que chegarem, em processo pouco transparente.

No Congresso, debate-se mudanças na lei para dificultar a demarcação de novas áreas de proteção (reservas, parques, quilombos, terras indígenas), diminuir o tamanho das já demarcadas e licenciar a exploração de suas riquezas. Na forma como são feitas, as mudanças atendem à demanda de grupos econômicos alheios aos interesses da sociedade e do país.

O governo entra com a negociação no varejo da política e as justificativas publicitárias do "interesse nacional" e da "inclusão social". À sociedade falta o que poucos detêm: informações profundas que possibilitam definições estratégicas que atendam a interesses mais amplos.

Na vida pública brasileira, o debate superficial das questões mais importantes se assemelha à infantilização promovida pelos candidatos que se oferecem para cuidar do povo. A conversa dos adultos, entretanto, é feita às escondidas. Até quando?


*Artigo publicado no dia 21 de setembro de 2012 no jornal Folha de S. Paulo.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

INTEMPÉRIES DE UMA TRAVESSIA

(Publicado originalmente no dia 29 de julho de 2012)

“Há enganos que nos deleitam...”.

Marquês de Maricá (1773 - 1848)
Escritor, filósofo e político brasileiro.


Na ilusão de estar indo para a Europa, onde pretendia mudar de vida, um homem africano, natural de Camarões, embarca, clandestinamente, num navio de bandeira maltesa com destino ao Brasil, cuja tripulação, turca, após descobrir o passageiro inesperado, que havia ficado escondido durante oito dias, tempo que durou a sua comida, tortura-o durante três dias. Depois, numa barca feita de madeira presa a galões, improvisada pelo comandante do navio e alguns tripulantes, ele é lançado em alto mar, já na costa brasileira, a doze quilômetros do litoral paranaense, sem água nem comida, apenas com uma lanterna. À deriva por onze horas, o camaronês é resgatado debilitado por uma embarcação chilena, que lhe presta os primeiros socorros e o deixa em segurança no porto de Paranaguá, onde já se encontrava o navio no qual o náufrago atravessou o Atlântico e de onde é encaminhado para receber os devidos cuidados médicos num hospital. Coisa de filme! Só que o episódio aconteceu há cerca de um mês e, na quinta-feira, 26, foi divulgado pela imprensa o andamento das investigações sobre o caso, que teve o camaronês clandestino como protagonista, a tripulação turca do navio de bandeira maltesa como antagonista e o navio em si como o principal cenário, que, aliás, desde então, se encontra atracado no porto. Ocorre que todos, sem exceção, estão impedidos de deixar o país, permanecendo em Paranaguá, até que o caso seja julgado – julgamento esse, inclusive, que ainda pode levar cerca de oito meses para acontecer.



Detalhe: o camaronês tem apreciado tanto o Brasil e a sua hospitalidade que, caso o governo brasileiro não se oponha, ele gostaria de morar no país – não sabe o encantado que aqui não é Genebra...


Falando nisso, o que é feito das águas de Natal?

“É pau, é pedra, é o fim do caminho...”.

Tom Jobim (1927 - 1994)
Compositor, maestro, pianista, violinista, arranjador e cantor brasileiro, em verso de sua autoria.


Como estão as entranhas de Natal? Título de um excelente artigo do jornalista e escritor brasileiro Públio José sobre as águas da cidade potiguar, capital do Rio Grande do Norte, e a qualidade dessas mesmas águas, de há muito poluídas, bem como sobre o meio ambiente que a natureza e a sua privilegiada localização geográfica legaram à região, cuja degradação, aliás, é decorrente, entre outros motivos, de predadores em potencial como, por exemplo, a especulação imobiliária, que, inclusive, não é de hoje, tem impulsionado a Cidade do Sol a crescer verticalmente, literalmente em direção ao chamado astro-rei, recebendo, ainda, de quebra, os agradecimentos do aquecimento global. No artigo, portanto, o jornalista nos levar a refletir sobre esse legado e de como as ações humanas não fizeram que desfigurá-lo.


(...) Natal, linda cidade, brindada com rios, dunas, brisa suave, clima ameno, lugar bom para se viver, imune a cataclismos, terremotos, enchentes... Natal dos poetas (“em cada esquina um jornal” – lembra-se?). Natal do ar mais puro da América Latina. Ah, Natal... Tanto é bela e atraente que está cheia de gringos querendo encher-lhes os espaços com seus investimentos, sonhos, devaneios – e malandragens também. Muita malandragem. Agora, quero chamar sua atenção para um detalhe importante: vamos traçar um paralelo entre a poluição das entranhas de Natal e a poluição das entranhas dos nossos políticos, dos nossos governantes, das pessoas que tiveram nas mãos os recursos e as condições políticas para não permitir a degradação ambiental de Natal e que, lamentavelmente, nada fizeram. Quero, junto com você, estabelecer a seguinte verdade: se o interior da nossa cidade está poluído agora é porque está poluído também o interior delas, as tais “expressões políticas”. Aliás, quero lhe propor uma sentença bem enfática: a poluição já habitava o interior delas muito antes da degradação ambiental atingir Natal em cheio. O mundo mudou bastante nos últimos tempos e os modelos administrativos seguiram as trepidantes mudanças que se processaram nos grandes aglomerados urbanos. E eles, na qualidade de líderes, acordaram para essa nova realidade? Tendo na mão estrutura e recursos para pensar e agir diferente, de ousar em suas ações administrativas, porque não o fizeram? A realidade é que as entranhas de Natal estão apodrecendo – e os políticos não estão nem aí. Suas atenções estão voltadas para ocupação maior de seus espaços individuais, suas idiossincrasias mais evidentes, suas manifestações de insensibilidade mais visíveis. Os lençóis freáticos de Natal, suas nascentes, seus rios e córregos estão morrendo e não se vê, no meio político, nenhuma preocupação ou providência, nenhuma atitude para resolver esta questão. Da natureza não podemos reclamar, não é verdade? Natal é rodeada de dunas que funcionam como verdadeiras esponjas de armazenagem de água. Ao mesmo tempo em que armazenam, servem também de filtros naturais. Coroando toda essa bela engenharia ambiental, uma farta vegetação protege esse verdadeiro tesouro. Entretanto, o meio ambiente de Natal está trilhando um caminho de retorno quase impossível. De todo esse aparato natural o que temos hoje? Águas que chegam ao interior das dunas já poluídas; lençóis freáticos contaminados por coliformes fecais e matéria orgânica em geral; lençóis profundos contaminados por nitrato oriundo da matéria orgânica maturada nas fossas e sumidouros; rios alimentados, a céu aberto, por esgotos infectos, enegrecendo o que a natureza nos entregou, há anos atrás, límpido e puro. Se a água – e todo conjunto natural que lhe cerca, como dunas, rios, córregos, matas, manguezais – é tão importante para a qualidade de vida de nosso povo, porque não criarmos o Plano Diretor de Águas de Natal? Um documento robusto, completo, voltado à cura das entranhas da cidade. Fica a sugestão. A solução seria trilateral: curaria a natureza, melhoraria substancialmente a qualidade de vida do nosso povo – e daria um novo direcionamento às catracas mentais dos nossos políticos. É sonhar demais?


Não, não é sonhar demais. Isto é, penso que não. Só que eu não diria que a natureza local ficaria curada, como num passe de mágica, da noite para o dia, porque, afinal, são mais de 400 anos de agressividade que provocaram o desmantelo no qual hoje se encontra o meio ambiente de Natal. E, convenhamos, não há boa intenção e querer, muito menos vontade política, capazes de mudar tal realidade num curto espaço de tempo. O máximo que se poderia conseguir era minimizar, e ainda assim relativamente, os impactos provocados por toda essa agressividade, ao mesmo tempo fiscalizando e, se necessário, punindo quem se atrevesse a construir, por exemplo, outras tantas edificações, como as que já deformam a paisagem local, sem o rigor do controle de órgãos ambientais, condicionando o licenciamento para tais obras ao cumprimento de um criterioso leque de exigências. Isso sem falar, obviamente, da necessidade urgente de uma reforma radical no saneamento básico, de há muito estrangulado, e que este acompanhe o crescimento acelerado da construção civil de Natal, que, aliás, precisa é de um basta! E não continuar crescendo desenfreadamente – o que pode ser comprovado numa rápida olhadela sobre a cidade, obviamente que do alto, na cabine de um avião, ou, mesmo, andando por suas ruas. Na verdade, como se já não bastassem os especuladores nacionais injetarem altas dosagens de reais na sua topografia, Natal anda mais retalhada do que uma cirurgia de incisões imperfeitas devido à imperícia de um cirurgião qualquer. Detalhe: cirurgia essa paga com euros e dólares. Enfim! O Brasil pode não ser Genebra, mas Natal e demais cidades e até pequenas localidades e lugarejos aparentemente esquecidos do litoral brasileiro têm sido o paraíso de muitos estrangeiros, que, para levarem adiante os seus empreendimentos imobiliários, sobretudo os turísticos, tem as suas licenças autorizadas por autoridades brasileiras, sabe-se lá amparadas por quais critérios, para, conforme a gula, repartirem entre si o bolo cujos andares não param de crescer. E, diga-se de passagem, com direito à cobertura e a banhos, muitos banhos, ou melhor, a lavagens nas águas já poluídas das praias do país, inclusive lavagens de um troço que, diga-se de passagem, custa limpar: o dinheiro...

Nathalie Bernardo da Câmara

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O ADEUS A CARLOS NELSON COUTINHO*

(1943-2012)

 
Por Luiz Sérgio Henriques
Editor de Gramsci e o Brasil.
Nascido em Itabuna, na Bahia, em 1943, morreu nesta manhã de 20 de setembro, no Rio de Janeiro, o filósofo e cientista político Carlos Nelson Coutinho. Professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde lecionava na Escola de Serviço Social, Carlos Nelson deixa um legado amplo na área da produção cultural e também na área política.


Militante do PCB por muitos anos, desde a juventude, Carlos Nelson escreveu mais de uma dezena de livros, a começar por Literatura e humanismo, lançado no final dos anos 1960 pela Editora Civilização Brasileira, de Ênio Silveira. Em Literatura e humanismo, já estão presentes algumas qualidades que o distinguiriam nos anos seguintes, como a clareza de pensamento, a escrita elegante e a percepção refinada de autores fundamentais, como atesta o ensaio sobre Graciliano Ramos. Também neste livro inaugural está presente a influência decisiva do filósofo húngaro Georg Lukács, cujas ideias sobre o realismo norteavam as pesquisas do então jovem crítico brasileiro.


Nos anos 1970, Carlos Nelson conheceu o exílio em Bolonha — terra em que se afirmara por décadas o seu amado Partido Comunista Italiano, outra das referências político-intelectuais imprescindíveis para entender o nosso autor — e, posteriormente, em Paris. Foi membro eminente do “grupo de Armênio Guedes”, que, dentro do PCB, buscava a renovação do nosso comunismo a partir da questão democrática, vista — a democracia — também como a alternativa mais produtiva aos caminhos e descaminhos da modernização “prussiana” do capitalismo brasileiro, que havia conhecido um novo impulso a partir da ditadura implantada em 1964.


Neste sentido, Carlos Nelson se notabilizou, já na volta do exílio, pelo ensaio “A democracia como valor universal”, fortemente inovador na cultura comunista, exatamente por ter como assumida fonte de inspiração o pensamento político amadurecido em torno do antigo PCI, muito especialmente Enrico Berlinguer e Pietro Ingrao. Difícil subestimar o papel deste ensaio, sobre o qual, posteriormente, o próprio autor se voltaria em diferentes ocasiões, ratificando-o e retificando-o em variados pontos: esta é, precisamente, a função de um ensaio seminal.


A partir deste momento, incorpora-se vigorosamente à reflexão de Carlos Nelson a presença de Antonio Gramsci: pode-se dizer que, a partir de uma original articulação de Lukács e Gramsci — isto é, dos problemas da ontologia do ser social e da política tal como experimentada nos países “ocidentais” —, tenha se estruturado a produção posterior de Carlos Nelson Coutinho, até o livro mais recente, De Rousseau a Gramsci. Ensaios de teoria política, publicado em 2011.


Nos últimos meses, mesmo abalado pela doença, Carlos Nelson dedicava-se a uma história da filosofia, testemunho da enorme erudição e inquietação intelectual que o acompanhou por toda a vida. Nos anos 1980, com a crise do PCB e o afastamento de grande parte dos “eurocomunistas” brasileiros, Carlos Nelson passaria pelo PSB (expressão do seu interesse pelo socialismo democrático, uma vez que o PSB de Carlos Nelson era aquele histórico, do pós-1945, marcado por figuras como Hermes Lima e João Mangabeira), pelo PT e, a partir de 2003, pelo PSOL. Estas opções políticas, naturalmente, deixaram marca na produção teórica do nosso autor, que está destinada a ser tema de estudos e reflexões por parte de todos aqueles que se preocupam com o destino do humanismo, da democracia e do socialismo no nosso tempo.

*Agradeço ao meu amigo Cláudio de Oliveira, jornalista e chargista brasileiro, pelo envio deste texto. Abaixo, uma entrevista concedida pelo cientista político Carlos Nelson Coutinho a revista Caros Amigos em dezembro de 2009.


Carlos Nelson Coutinho, um dos intelectuais marxistas mais respeitados do Brasil, recebeu a Caros Amigos em seu apartamento no bairro do Cosme Velho, Rio de Janeiro, para uma conversa sobre os caminhos e descaminhos da esquerda brasileira, sua decepção com o governo Lula e as possibilidades de superação do capitalismo.

Estudioso de Antonio Gramsci, Coutinho defende a atualidade de Marx e reafirma o que disse em seu polêmico artigo "Democracia como valor universal", publicado há 30 anos: "Sem democracia não há socialismo, e sem socialismo não há democracia"

Hamilton Octávio de Souza - Queremos saber da sua história. Onde nasceu, onde foi criado, como optou por esta carreira ..
Carlos Nelson Coutinho - Nasci na Bahia, em uma cidade do interior chamada Itabuna, mas fui para Salvador muito pequenininho, com uns 3 ou 4 anos. Me formei em Salvador, e as opções que eu fiz, fiz em Salvador. Eu nasci em 1943, glorioso ano da batalha de Stalingrado. Me formei em filosofia na Universidade Federal da Bahia, um péssimo curso, e com meus 18 ou 19 anos sabia mais do que a maioria dos professores. Meus pais eram baianos também. Meu pai era advogado e foi deputado estadual durante três legislaturas da UDN. Publicamente ele não era de esquerda, mas dentro de casa ele tinha uma posição mais aberta. Eu me tomei comunista lendo o Manifesto Comunista que o meu pai tinha na biblioteca. Ele era um homem culto, tinha livros de poesia. Minha irmã, que é mais velha, disse que eu precisava ler o Manifesto Comunista. Foi um deslumbramento. Eu devia ter uns 13 ou 14 anos. Aí fiz faculdade de Direito por dois anos porque era a faculdade onde se fazia política, e eu estava interessado em fazer política. Me dei conta que uma maneira boa de fazer política era me tomando intelectual. Aos 17 anos entrei no Partido Comunista Brasileiro, que naquela época tinha presença. O primeiro ano da faculdade foi até interessante porque tinha teoria geral do Estado, economia política, mas quando entrou o negócio de direito penal, direito civil, ai eu vi que não era a minha e fui fazer filosofia.

Renato Pompeu - Mas quais eram as suas referências intelectuais?
Carlos Nelson Coutinho - Em primeiro lugar, Marx, evidentemente, mas também foram muito fortes na minha formação intelectual o filósofo húngaro George Lukács e Gramsci. Eu tenho a vaidade de ter sido um dos primeiros a citar Gramsci no Brasil, porque aos 18 anos eu publiquei um artigo sobre ele na revista da faculdade de Direito. Aí eu vim para o Rio e fui trabalhar no Tribunal de Contas. Me apresentei ao João Vieira Filho para trabalhar e ele me falou: "meu filho, vá pra casa e o que você precisar de mim me telefone", Eu fiquei dois ou três anos aqui sem trabalhar, mas a situação ficou inviável. Pedi demissão e fui, durante Um bom tempo, tradutor. Eu ganhava a vida como tradutor, traduzi cerca de 80 ou 90 livros. Em 76, eu fui para a Europa. Passei 3 anos fora, não fui preso, mas senti que ia ser, foi pouco depois da morte do Vlado. Então morei na Europa por três anos, onde acho que aprendi muita política. Morei na Itália na época do florescimento do eurocomunismo, que me marcou muito. O primeiro texto que publiquei é exatamente este artigo da "Democracia como valor universal" que causou, sem modéstia, um certo auê na esquerda brasileira na época. Até hoje há citações de que é um texto reformista, revisionista. Enfim, voltei do exílio e entrei na universidade, na UFRJ, onde eu estou há quase 28 anos. Passei por três partidos políticos na vida. Entrei no PCB, como disse antes, aos 17 anos, onde fiquei até 1982, quando me dei conta que era uma forma política que tinha se esgotado. Nesse momento, surge evidentemente uma coisa que o PC não esperava e não queria, que é um partido realmente operário, no sentido de ter uma base operária. O mal-estar do PCB contra o PT no primeiro momento foi enorme. Eu saí do PCB, mas não entrei logo no PT. Só entrei no PT no final da década de 80, entrei junto com o [Milton] Temer e o Leandro Konder. Fizemos uma longa discussão para ver se entrávamos ou não, e ficamos no PT até o governo Lula, quando nos demos conta que o PT não era mais o PT. Saí e fui um dos fundadores do PSOL, que ainda é um partido em formação. Ele surge num momento bem diferente do momento de formação do PT, de ascensão do movimento social articulado com a ascensão do movimento operário. E o PSOL surge exatamente em um momento de refluxo. Nessa medida, ele é ainda um partido pequeno, cheio de correntes. Eu sou independente, não tenho corrente. Podemos dizer o seguinte: eu tinha um casamento monogâmico com o PCB, com o PT já me permitia traições e no PSOL é uma amizade colorida.

Tatiana Merlino - Em uma entrevista recente o senhor falou sobre o avanço e o triunfo da pequena política sobre a grande política dentro do governo lula. Você pode falar um pouco sobre isso?
Carlos Nelson Coutinho - Gramsci faz uma distinção entre o que chama de grande política e pequena política. A grande política toma em questão as estruturas sociais, ou para modificá-las, ou para conservá-las. A pequena política, para ele, Gramsci, é a política da intriga, do corredor, a intriga parlamentar, não coloca em discussão as grandes questões. Durante algum tempo, o Brasil passou por uma fase de grande política. Se a gente lembrar, por exemplo, a campanha presidencial de 89, sobretudo o segundo turno, tinha duas alternativas claras de sociedade. Não sei se, caso o PT ganhasse, ia cumpri-la, mas, do ponto de vista do discurso, tinha uma alternativa democrático-popular e uma alternativa claramente neoliberal. Até certo momento, no Brasil, nós tivemos uma disputa que Gramsci chamaria de grande política. A partir, porém, sobretudo, da vitória eleitoral de Lula, eu acho que a redução da arena política acaba na pequena política, ou seja, que no fundo não põe em discussão nada estrutural. Eu diria que é a política tipo americana. Obviamente o Obama não é o Bush, mas ninguém tem ilusão de que o Obama vai mudar as estruturas capitalistas dos Estados Unidos, ou propor uma alternativa global de sociedade. Então, o que está acontecendo no Brasil é um pouco isso, dando Dilma ou dando Serra não vai mudar muita coisa não. Até às vezes desconfio que o Serra pode fazer uma política menos conservadora, mas depois vão me acusar de ter aderido a ele. Eu até faço uma brincadeira, dizendo que a política brasileira "americanalhou", virou essa coisa ... Então, neste sentido eu entrei no PSOL até com essa ideia de criar uma proposta realmente alternativa. Infelizmente o PSOL não tem força suficiente para fazer essa proposta chegar ao grande público, mas é uma tentativa modesta de ir contra a pequena política.

Renato Pompeu - Você não acha que esse americanalhamento aconteceu na própria pátria do Gramsci?
Carlos Nelson Coutinho - Ah, sem dúvida. A predominância da pequena política é uma tendência mundial. Me lembro que logo depois da abertura eu escrevi uns dois ou três artigos em que dizia que o Brasil se tornou uma sociedade complexa. O Gramsci a chamaria de ocidental, que é uma sociedade civil desenvolvida, forte e tal. Mas há dois modelos de sociedade ocidental. Há um modelo que eu chamava de americano, que é este onde há sindicalismo, mas o sindicalismo não se opõe às estruturas, há um bipartidarismo, mas os partidos são muito parecidos, e o que eu chamava de modelo europeu, onde há disputa de hegemonia. Ou seja, se alguém votava no partido comunista na Itália, sabia que estava votando em uma proposta de outra ordem social. Se alguém votava no Labour Party na Inglaterra, durante um bom tempo, pelo menos o programa deles era socialista, de socialização dos meios de produção. E quem votava no partido conservador queria conservar a ordem. O Brasil tinha como alternativa escolher um ou outro modelo. Por exemplo, havia partidos que são do tipo americano, como o PMDB, mas havia partidos que são do tipo europeu, como o PT. Havia um sindicalismo de resultado e um sindicalismo combativo (CUT, por exemplo), mas tudo isso era naquela época. Depois a hegemonia neoliberal, em grande parte, americanalhou a política mundial. A Europa hoje é exatamente isso, são partidos que diferem muito pouco entre si. Há um "americanalhamento". É um fenômeno universal e é uma prova da hegemonia forte do neoliberalismo.

Tatiana Merlino - Então o avanço da pequena sobre a grande política está sendo mundial?
Carlos Nelson Coutinho - É um fenômeno mundial, não é um fenômeno brasileiro. Mas, veja só, começam a surgir na América Latina formas que tentam romper com este modelo da pequena política. Estou falando claramente de Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, ainda que eu não seja um chavista, até porque eu acho que o modelo que o Chávez tenta aplicar na Venezuela não é válido para o Brasil, que é uma sociedade mais complexa, mais articulada. Mas certamente é uma proposta que rompe com a pequena política. Quando o Chávez fala em socialismo, ele recoloca na ordem do dia, na agenda política, uma questão de estrutura.

Tatiana Merlino - Então é um socialismo novo, do século 21. Que socialismo é esse?
Carlos Nelson Coutinho - Eu não sei, aí tem que perguntar para o Chávez. Olha, eu não gosto dessa expressão "socialismo do século 21", eu diria "socialismo no século 21".

Renato Pompeu - E como seria o socialismo no século 21?
Carlos Nelson Coutinho - Socialismo não é um ideal ético ao qual tendemos para melhorar a ordem vigente. O socialismo é uma proposta de um novo modo de produção, de uma nova forma de sociabilidade, e nesse sentido eu acho que o socialismo é, mesmo no século 21, uma proposta de superar o capitalismo. Novidades surgiram, por exemplo: quem leu o Manifesto Comunista, como eu, vê que Marx e Engels acertaram em cheio na caracterização do capitalismo. A ideia da globalização capitalista está lá no Manifesto Comunista, o capitalismo cria um mercado mundial, se expande e vive através de crises. Essa ideia de que a crise é constitutiva do capitalismo está lá em Marx. Mas há um ponto que nós precisamos rever em Marx, e rever certas afirmações, que é o seguinte: Quem é o sujeito revolucionário? Nós imaginamos construir uma nova ordem social. Naturalmente, para ser construída, tem que ter um sujeito. Para Marx, era a classe operária industrial fabril, e ele supunha, inclusive, que ela se tomaria maioria da sociedade. Acho que isso não aconteceu. O assalariamento se generalizou, hoje praticamente todas as profissões são submetidas à lei do assalariamento, mas não se configurou a criação de uma classe operária majoritária. Pelo contrário, a classe operária tem até diminuído. Então, eu diria que este é um grande desafio dos socialistas hoje. Hoje em dia tem aquele sujeito que trabalha no seu gabinete em casa gerando mais-valia para alguma empresa, tem o operário que continua na linha de montagem .. Será que esse cara que trabalha no computador em casa se sente solidário com o operário que trabalha na linha de montagem? Você vê que é um grande desafio. Como congregar todos esses segmentos do mundo do trabalho permitindo que eles construam uma consciência mais ou menos unificada de classe e, portanto, se ponham como uma alternativa real à ordem do capital?

Renato Pompeu - Aí tem o problema dos excluídos ...
Carlos Nelson Coutinho - Eu tenho sempre dito que as condições objetivas do socialismo nunca estiveram tão presentes. Prestem atenção, o Marx, no livro 3 do "Capital", diz o seguinte: O comunismo implica na ampliação do reino da liberdade e o reino da liberdade é aquele que se situa para além da esfera do trabalho, é o reino do trabalho necessário, é o reino onde os homens explicitarão suas potencialidades, é o reino da práxis criadora. Até meio romanticamente ele chega a dizer no livro "A Ideologia Alemã" que o socialismo é o lugar onde o homem de manhã caça, de tarde pesca e de noite faz critica literária, está liberto da escravidão da divisão do trabalho. E ele diz que isso só pode ser obtido com a redução da jornada de trabalho. O capitalismo desenvolveu suas forças produtivas a tal ponto que isso se tornou uma possibilidade, a redução da jornada de trabalho, o que eliminaria o problema do desemprego. O cara trabalharia 4 horas por dia, teria emprego pata todos os outros. E por que isso não acontece? Porque as relações sociais de produção capitalista não estão interessadas nisso, não estão interessadas em manter o trabalhador com o mesmo salário e uma jornada de trabalho muito menor. Então, eu acho que as condições para que a jornada de trabalho se reduza e, portanto, se crie espaços de liberdade para a ação, para a práxis criadora dos homens, são um fenômeno objetivo real hoje no capitalismo. Mas as condições subjetivas são muito desfavoráveis. A morfologia do mundo do trabalho se modificou muito .. Muita gente vive do trabalho com condições muito diferenciadas, o que dificulta a percepção de que eles são membros de uma mesma classe social. Então, esse é um desafio que o socialismo no século 21 deve enfrentar. Um desafio também fundamental é repensar a questão da democracia no socialismo. Eu diria que, em grande parte, o mal chamado "socialismo real" fracassou porque não deu uma resposta adequada à questão da democracia. Eu acho que socialismo não é só socialização dos meios de produção - nos países do socialismo real, na verdade, foi estatização - mas é também socialização do poder político. E nós sabemos que o que aconteceu ali foi uma monopolização do poder político, uma burocratização partidária que levou a um ressecamento da democracia. A meu ver, aquilo foi uma transição bloqueada. Eu acho que os países socialistas não realizaram o comunismo, não realizaram sequer o socialismo e temos que repensar também a relação entre socialismo e democracia. Meu texto, "Democracia como valor universal", não é um abandono do socialismo. Era apenas uma maneira de repensar o vinculo entre socialismo e democracia. Era um artigo ao mesmo tempo contra a ditadura que ainda existia e contra uma visão "marxista-leninista", o pseudônimo do stalinismo, que o partido ainda tinha da democracia. Acho que este foi o limite central da renovação do partido.

Marcelo Salles - E nesse "Democracia como valor universal", você disse recentemente que defende uma coisa que não foi muito bem entendida: socialismo como condição da plena realização da democracia ...
Carlos Nelson Coutinho - Uma alteração que eu faria no velho artigo era colocar não democracia como valor universal, mas democratização como valor universal. Para mim a democracia é um processo, ela não se identifica com as formas institucionais que ela assume em determinados contextos históricos. A democratização é o processo de crescente socialização da política com maior participação na política, e, sobretudo, a socialização do poder político. Então, eu acredito que a plena socialização do poder político, ou seja, da democracia, só pode ocorrer no socialismo, porque numa sociedade capitalista sempre há déficit de cidadania. Em uma sociedade de classes, por mais que sejam universalizados os direitos, o exercício deles é limitado pela condição classista das pessoas. Neste sentido, para a plena realização da democracia, o autogoverno da sociedade só pode ser realizado no socialismo. Então, eu diria que sem democracia não há socialismo, e sem socialismo não há democracia. Acho que as duas coisas devem ser sublinhadas com igual ênfase.

Hamilton Octávio de Souza - Nós saímos de um período de 21 anos de ditadura militar, essa chamada democracia que nós vivemos, qual é o limite? O que impende o avanço mesmo que não se construa uma nova sociedade?
Carlos Nelson Coutinho - Eu acho que temos uma tendência, que me parece equivocada, de tratar os 21 anos da ditadura como se não houvesse diferenças de etapas. Eu acho, e quem viveu lembra, que, de 64 ao AI-5, era ditadura, era indiscutível, mas ainda havia uma série de possibilidades de luta. Do AI-5 até o final do governo Geisel, foi um período abertamente ditatorial. No governo Figueiredo, há um processo de abertura, um processo de democratização que vai muito além do projeto de abertura da ditadura. Tem um momento que os intelectuais mais orgânicos da ditadura, como o Golbery, por exemplo, percebem que "ou abre ou pipoca". O projeto de abertura foi então atravessado pelo que eu chamo de processo de abertura da sociedade real. Eu não concordo com o Florestan Fernandes quando ele chama a transição de conservadora. Eu acho que ocorreu ali a interferência de dois processos: um pelo alto, porque é tradicional na história brasileira as transformações serem feitas pelo alto, o que resultou na eleição de Tancredo. Mas também houve a pressão de baixo. A luta pelas "Diretas" foi uma coisa fundamental, também condicionou o que veio depois. Esta contradição se expressa muito claramente na Constituição de 88, que tem partes extremamente avançadas. Todo o capítulo social é extremamente avançado, embora a ordem econômica tenha sido mais ou menos mantida. Mas a Constituição é tanto uma contradição que o que nós vimos foi a ação dos políticos neoliberais, dos governos neoliberais de tentar mudá-la, de extirpar dela aquelas conquistas que nós podemos chamar de democráticas. Eu acho que o Brasil hoje é uma sociedade liberal-democrática no sentido de que tem instituições, voto, partidos e tal. Mas, evidentemente, é uma democracia limitada, sobretudo no sentido substantivo. A desigualdade permanece.

Hamilton Octávio de Souza - Mas hoje o que está mais estrangulado para o avanço na democracia ainda no marco de uma sociedade capitalista?
Carlos Nelson Coutinho - Eu acho que a ditadura reprimiu a esquerda, nos torturou, assassinou muitos de nós, nos obrigou ao exílio, mas não nos desmoralizou. Eu acho que a chegada do Lula ao governo foi muito nociva para a esquerda. Ninguém esperava que o governo Lula fosse empreender por decreto o socialismo, mas pelo menos um reformismo forte, né? Eu acho que a decepção que isso provocou, mais toda a história do mensalão e tal, é um dos fatores que limitam o processo de aprofundamento da democracia no Brasil. Entre outras coisas porque o governo Lula, que é um governo de centro, cooptou os movimentos sociais. Temos a honrosa exceção do MST que não é assim tão exceção porque eles são obrigados ... tem cesta básica nos assentamentos e tal, eles são obrigados também a fazer algumas concessões, mas a CUT ... Qual a diferença da CUT e da Força Sindical? Eu acho que essa transformação da política brasileira em pequena política, que se materializou com o governo Lula, que não é diferente do governo Fernando Henrique, foi o fator que bloqueou o avanço democrático. Até 2002, havia um acúmulo de forças da sociedade brasileira que apontava para o aprofundamento da democratização, e O sujeito deste processo era o PT, o movimento social. Na medida em que isso se frustrou, eu acho que houve um bloqueio no avanço democrático na época. O neoliberalismo enraizou-se muito mais fortemente na Argentina do que no Brasil porque aqui havia uma resistência do PT e dos movimentos sociais. Com a chegada ao governo, essa resistência desapareceu. Então, de certo modo, é mais fácil a classe dominante hoje fazer passar sua política em um governo petista do que em um governo onde o PT era oposição.

Tatiana Merlino - Então a conjuntura seria um pouco menos adversa se estivesse o José Serra no poder e o PT como oposição?
Carlos Nelson Coutinho - Eu não gostaria de dizer isso, mas eu acho que sim. Mas isso coloca uma questão: e se demorasse mais quatro anos para o PT chegar ao governo, ia modificar estruturalmente o que aconteceu com o PT? Até um certo momento, é clara no partido uma concepção socialista da política. A partir de um certo momento, porém, antes de Lula ir ao governo, o PT abandonou posturas mais combativas. Ele fez isso para chegar ao governo. Mas se demorasse mais quatro anos, ou oito anos, não aconteceria o mesmo? Não sei. Não quero ser pessimista também, não era fatal o que aconteceu com o PT.

Renato Pompeu - Você é professor de qual disciplina?
Carlos Nelson Coutinho - De teoria política.

Renato Pompeu - Você é um cientista político ou um filósofo da política?
Carlos Nelson Coutinho - Não, não. Filósofo tudo bem, mas cientista político não. Porque ciência política para mim; aquela coisa que os americanos fazem, ou seja, pesquisa dc opinião, sistema partidário, a ciência política é a teoria da pequena política. Eu sou professor da Escola de Serviço Social.

Hamilton Octávio de Souza - Que projeto que você identifica hoje no panorama brasileiro: a burguesia nacional tem um projeto? As correntes de esquerda têm um projeto? Existe um projeto de nação hoje?
Carlos Nelson Coutinho - Isso é um conceito interessante, porque este é um conceito criado em grande parte pela Internacional Comunista e pelo PCB, de que haveria uma burguesia nacional oposta ao imperialismo. Eu me lembro quando eu entrei no partido, eu era meio esquerdista e vivia perguntando ao secretário-geral do partido na Bahia: Quem são os membros da burguesia nacional? E um dia ele me respondeu: "José Ermírio de Moraes e Fernando Gasparian". Olha, duas pessoas não fazem uma classe. Do ponto de vista nosso, da esquerda, uma das razões da crise do socialismo, das dificuldades que vive o socialismo hoje, é a falta de um projeto. A social-democracia já abandonou o socialismo há muito tempo, e nos partidos de esquerda antagonistas ao capitalismo há uma dificuldade de formulação de um projeto exequível de socialismo. Na maioria dos casos, esses partidos defendem a permanência do Estado do bem-estar social que está sendo desconstruído pelo liberalismo. É uma estratégia defensivista. Essa é outra condição subjetiva que falta, a formulação clara de um projeto socialista. Do ponto de vista das classes dominantes, eu acho que eles têm um projeto que estava claro até o momento da crise do neoliberalismo. Foi o que marcou o governo Collor e o governo Fernando Henrique e o que está marcando também o governo Lula, com variações. Evidentemente, há diferenças, embora a meu ver, não estruturais. Esse é o projeto da burguesia. Com a crise, eu acho que algumas coisas foram alteradas, então, uma certa dose de keynesianismo se tomou inevitável, mas sempre em favor do capital e nunca em favor da classe trabalhadora. Tenho um amigo que diz. "Estado mínimo para os trabalhadores e máximo para o capital". No fundo, é essa a proposta do neoliberalismo: desconstrução de direitos, concessão total de todas as relações sociais ao mercado, subordinação do público ao privado, ao capital internacional. Não há burguesia anti-imperialista no Brasil, definitivamente. Pode haver um burguês que briga com o seu concorrente e o seu concorrente é um estrangeiro, mas nem assim ele vai ser anti-imperialista.

Hamilton Octávio de Souza - Você vê alguma alteração a curto prazo?
Carlos Nelson Coutinho - O que poderia mudar isso seria um fortalecimento dos movimentos sociais, da sociedade civil organizada sob a hegemonia da esquerda. E pressionar para que reformas fossem feitas e se retomasse uma política econômica mais voltada para as classes populares, Tem um mote de Gramsci que eu acho muito válido, que é: "pessimismo da inteligência e otimismo da vontade". A esquerda não pode ser otimista numa análise do que está acontecendo no mundo porque a esquerda tem perdido sucessivas batalhas. Então ser otimista frente a um quadro desses é difícil. Quanto mais nós somos pessimistas, mais otimismo da vontade temos de ter, mais a gente deve ter clareza que só atuando, só dedicando todo o nosso empenho à mudança disso é que essa coisa pode ser mudada. Então, a esperança de mudança seguramente há, há potencialidades escondidas na atual sociedade que permitem ver e pensar a superação do capitalismo. O capital não pode perdurar. A alternativa ao socialismo, como dizia a Rosa Luxemburgo, é a barbárie. Se o capitalismo continuar, teremos cada vez mais uma barbarização da sociedade que nós já estamos assistindo,

Hamilton Octávio de Souza - Por conta do neoliberalismo, tivemos um aumento do desemprego estrutural, a informalidade do trabalho, o desrespeito à legislação trabalhista, estamos numa condição de perdas de conquistas, direitos. Como é que se explica a fraqueza do movimento social diante disso?
Carlos Nelson Coutinho - À certeza que nós temos de que o capitalismo não vai resolver os problemas nem do mundo nem do Brasil nos faz acreditar que, primeiro, a história não acabou, e, portanto, ela está se movendo no sentido de contestar a independência barbarizante do capital. Onde eu vejo focos, no Brasil de hoje, é no MST. Uma coisa que funciona muito bem no MST é a preocupação deles com a formação dos quadros. Eu fui de um partido, o PCB, que tinha curso, mas as pessoas iam para Moscou, faziam a escola do partido. O PT nunca se preocupou com formação de quadros, não; tinham escolas, e o MST tem. Eu acho que o MST tem uma ambiguidade de fundo que é complicada. Ele é um movimento social e, como todo movimento social, ele é particularista, defende o interesse dos trabalhadores que querem terra. Essa não pode ser uma demanda generalizada da sociedade. Eu não quero um pequeno pedaço de terra, nem você. O partido político é quem universaliza as demandas, formula uma proposta de sociedade que engloba as demandas dos camponeses, proletários, das mulheres ... O MST tem uma ambiguidade porque ele é um movimento que frequentemente atua como partido. Eu acho que isso às vezes limita a ação do MST.

Marcelo Salles - O termo "Ditadura do Proletariado" que vez ou outra algum liberal usa...
Carlos Nelson Coutinho - Na época de Marx, ditadura não tinha o sentido de despotismo que passou a ter depois. Ditadura é um instituto do direito romano clássico que estabelecia que, quando havia uma crise social, o Senado nomeava um ditador, que era um sujeito que tinha poderes ilimitados durante um curto período de tempo. Resolvida a crise social, voltava a forma não ditatorial de governo. Então, quando o Marx fala isso, ele insiste muito que é um período transitório: a ditadura vai levar ao comunismo, que para ele é uma sociedade sem Estado. Ele se refere a um regime que tem parlamento, que o parlamento é periodicamente reeleito, e que há a revogabilidade de mandato. Então, essa expressão foi muito utilizada impropriamente tanto por marxistas quanto por antimarxistas. Apesar de que em Lênin eu acho que a ditadura do proletariado assume alguns traços meio preocupantes. Em uma polêmica com o Kautsky, ele diz: ditadura é o regime acima de qualquer lei. Lênin não era Stálin, mas uma afirmação desta abriu caminho para que Stálin exercesse o poder autocrático, fora de qualquer regra do jogo, acima da lei. Tinha lei, tinha uma Constituição que era extremamente democrática, só que não valia nada.

Marcelo Salles - Estão sempre dizendo que não teria liberdade de expressão no socialismo, porque o Estado seria muito forte, e teria o partido único ...
Carlos Nelson Coutinho - Em primeiro lugar, não é necessário que no socialismo haja partido único, e não é desejável, até porque, poucas pessoas sabem, mas no início da revolução bolchevique o primeiro governo era bipartidário. Era o partido bolchevique e o partido social-revolucionário de esquerda. Depois, eles brigaram e ficou um partido só. Mas não é necessário que haja monopartidarismo. Segundo, Rosa Luxemburgo, marxista, comunista, que apoiou a revolução bolchevique, dizia o seguinte: liberdade de pensamento é a liberdade de quem pensa diferente de nós. Então, não há na tradição marxista a ideia de que não haja liberdade de expressão, mas uma coisa é liberdade de expressão e outra coisa é o monopólio da expressão. Liberdade de expressão sim, contanto que não seja uma falsa liberdade de expressão. Eu acho que o socialismo é condição de uma assertiva liberdade de expressão.


terça-feira, 18 de setembro de 2012

QUEM NÃO TIVER TELHADO DE VIDRO QUE ATIRE A PRIMEIRA PEDRA...

“O que tem começo, tem fim...”.

Maquiavel (1469 - 1527)
Político, escritor e filósofo italiano.


Nunca tive o hábito de ler jornal impresso, o que pode até parecer paradoxal, considerando a minha formação, ainda mais porque, de todos os veículos de comunicação, esse sempre foi o meu preferido. Mas, isso é coisa minha, pessoal, ou seja, não ler jornal, já que a tinta que solta do papel fica impregnada nos dedos e isso sempre me causou certo desconforto – cada um com as suas “esquisitices”. Outra coisa que também nunca entendi direito e ninguém até hoje foi capaz de explicar é o fato de, em Natal, capital do Rio Grande do Norte, as edições dos jornais de domingo passarem a circular já na tarde de sábado. Como isso pode? Provavelmente, quem sabe, uma herança cultural típica de um lugar que já foi província, embora, politicamente, a mentalidade de muitos persista, ainda, no provincianismo. Enfim! No final da tarde de sábado, 15, casualmente vi, estampada na capa de um jornal de Natal, uma declaração de um político local sobre a atual prefeita que muito me intrigou. Intriga-me até agora... Bom! Para começo de história, o meu domicílio eleitoral não é Natal. E de há muito. Tanto que nem lembro mais da última vez em que votei na cidade. Isso sem falar que não costumo comentar sobre a política no Rio Grande do Norte, pois conheço os seus meandros e eles não me apetecem. Desse modo, não estou defendendo nem acusando ninguém, ainda agradecendo aos milagres da tecnologia moderna por ter inventado a internet, já que, durante o período eleitoral, por exemplo, não estamos mais sujeitos, como estávamos antigamente, a um número escasso de emissoras de televisão, que, se debatendo entre si pelo monopólio da atenção dos telespectadores/eleitores, barganhando por votos, nos bombardeavam, impiedosamente, com os discursos mais esdrúxulos – se é que se pode chamar de discurso um sem fim de falácias que sabemos ser um engodo. Felizmente, hoje, o leque de possibilidades tecnológicas que, de maneira em geral, dispomos é bem maior, daí igualmente serem bem maiores as chances de sairmos ilesos de um processo eleitoral que chega a ser acintoso, esbofeteando a 3x4, descaradamente, o eleitor. Só que isso não é um privilégio apenas do Rio Grande do Norte, mas de todo o Brasil. Curiosamente, dias atrás, conversando com uma amiga natural de outra cidade brasileira, mas que, em função do seu trabalho, conhece o Estado ao qual me refiro e tem um olhar crítico e sensato sobre todas as coisas – coisa rara, hoje em dia –, eu ouvi, sem surpresa, quando ela me disse, chocada, que nunca conheceu um Estado mais corrupto do que o Rio Grande do Norte. Eu diria: menos, perdendo, provavelmente, apenas para o Maranhão, lugar de um único dono e de mais ninguém – não maculemos ainda mais esta postagem tecendo comentários sobre o feudalismo do Nordeste, desesperadamente ainda insistindo em manter a sua soberania em pleno séc. XXI... Bom! A declaração na capa do jornal que tanto me intrigou foi a seguinte: “Micarla virou a Geni, aquela de Chico Buarque, que todo mundo atira pedra”. De imediato, pensei na frase que, na sequência, escolhi como título desta postagem. Então! Para quem não sabe – nem todo mundo é obrigado a saber –, Micarla de Sousa (PV-RN) é a prefeita de Natal, cuja gestão não seria bem aquela que poderia reivindicar para si a frase vinde a mim os holofotes, visto o seu alto índice de rejeição por parte da população da cidade. Na verdade, os holofotes até vão, mas não como, imagino, ela gostaria que fossem. A declaração, por sua vez, foi feita pelo ministro da Previdência Social Garibaldi Alves (PMDB), político tradicional do Rio Grande do Norte, oriundo de uma das duas mais famosas oligarquias do Estado, embora ele tenha ressaltado que, de certa forma, o atirar de pedras em Micarla é cruel. E fiquei a pensar... De fato, o apedrejamento de Micarla é cruel. Impiedoso, eu diria. Mas, o que Chico Buarque tem a ver com isso? Afinal, que eu saiba, a Geni do compositor e cantor brasileiro ia com todos, diferentemente de Micarla, que, como o mencionado político disse pouco depois na entrevista, optou por uma gestão isolada, distante de demais forças políticas locais. Agora, se esse mesmo político queria comparar Micarla a Madalena bíblica, mesmo que metaforicamente falando, era só ter dito logo. Sim, porque ele nunca que iria, imagino, compará-la a Madalena dos apócrifos, os textos deixados de fora do livro considerado sagrado, ou seja, a companheira de Jesus Cristo. Mas, essa é outra história. Então! No quesito política, eu iria ainda mais além. Dizem que os brutos também amam – amam, é verdade. Da mesma forma que todo político tem o seu Brutus (85 - 42 a. C.), que traiu o tio que o criou como a um filho, que foi o general romano Júlio César (101 - 44 a. C.), caído em desgraça por algo que nem vou entrar no mérito. No caso, aqui, Brutus são os eleitores e os correligionários que votaram e apoiaram a atual prefeita de Natal quando da sua candidatura, mas que, agora, se eximem das suas responsabilidades. Afinal, genericamente falando, todo eleitor – inclusos os correligionários – é, no mínimo, conivente com as ações do político que ele mesmo elegeu, pois lhe deu respaldo. Ou seja, se o político mostra-se reto – palmas para ele, já que o eleitor soube escolher. Agora, se o político é incauto, o eleitor se acovarda, obviamente porque não esquece que foi ele quem o colocou no poder e não se comporta com coerência em relação ao seu voto. Então! Nas próximas eleições, previstas para o dia 7 de outubro, quem se dispuser a entrar nas urnas para votar, reflita antes de fazê-lo. Se não estiver satisfeito com a oferta, não vote no menos ruim, como se costuma dizer, pois isso é a mesma coisa que atirar no escuro. É preferível, portanto, anular – uma atitude consciente e, sobretudo, positiva, já que, antecipadamente, revela uma insatisfação com o cenário político-eleitoral, que, convenhamos, deveria ser mais probo – chega a ser vergonhoso. Desse modo, anulando o seu voto – coisa que o Supremo Tribunal Eleitoral (STE) deveria orientar como se faz – , o eleitor estaria agindo politicamente correto e, depois, se fosse o caso, com certeza não correria o risco de se arrepender em quem votou, negando a sua opção e, consequentemente, passando a jogar pedras em quem elegeu. Isso se chama traição. E até mesmo no linguajar mais rasteiro. Afinal, se o político acertou, comemora-se com ele; se ele errou, quem o apoiou e o elegeu, idem. Só que, infelizmente, na política tupiniquim, a nossa, brasileira, a coerência é um princípio que não é levado em consideração quando se faz escolhas. E, invariavelmente, não se observa a dialética das coisas, tais quais as palavras do sábio Maquiavel...


Queda de braço

“Numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um ato revolucionário...”.

George Orwell (1903 - 1950)
Escritor inglês


Soube apenas ontem do atentado ao jornalista norte-rio-grandense Roberto Guedes, que, aos 60 anos de idade, foi vítima, no sábado, 15, da ira de celerados numa terra de ninguém, como deve ser chamado o município de Caiçara do Rio dos Ventos, no litoral do Rio Grande do Norte, já que, não é de hoje, a politicagem praticada na região remonta aos tempos das cavernas, ou seja, é pré-histórica, na base do tacape e da pedra lascada. Chama o bando de Lampião (1898 - 1938)! Segundo o jornal Tribuna do Norte, o jornalista, que se encontra hospitalizado, há dias vinha sofrendo ameaças apenas porque, exercendo o seu direito de expressão, criticava, democraticamente, pois assim permite o Estado brasileiro, certo candidato do referido município. E depois, ainda, há quem ousa me repreender por eu não me envolver na política do Rio Grande do Norte, como se eu é quem fosse a alienada. Tem dó! Poupe-me... Sei o que é passar por isso, pois já deixei um emprego e uma cidade porque, há 20 anos, sofri ameaças de morte simplesmente por denunciar e ajudar a colocar atrás das grades alguns meliantes. Só que é deveras assombroso que esse tipo de coisa ainda aconteça nos dias de hoje. Quanto primitivismo... Enfim! Que as autoridades ditas competentes tomem providências e a minha solidariedade ao jornalista, que, além de tudo, é meu primo, e que ele se recupere logo, retomando o fôlego jornalístico, que sempre lhe foi característico, e que, com o apoio da categoria, persista na luta, denunciando, sim, pois, somente assim, estaremos fazendo valer os nossos direitos – direitos esses, diga-se de passagem, constitucionais...

Link para a referida reportagem:

Nathalie Bernardo da Câmara

domingo, 16 de setembro de 2012

BAHIA: PURIFICANDO O BRASIL...

Na foto, ao lado da filha, a cantora Maria Bethânia. – Edgar de Souza/AgNews


E viva dona Canô! Exemplar genuíno da cultura brasileira, que, neste domingo, completou 105 anos de idade. É festa, portanto, em Santo Amaro da Purificação, a 67 km de Salvador. E é também a Bahia de Todos os Santos lavando e protegendo o Brasil.

sábado, 15 de setembro de 2012

QUEM NÃO TEM TWITTER USA ÓCULOS ESCUROS



Relendo um antigo livro, os Poemas 1913 - 1956, de Bertolt Brecht (1898 - 1956), uma seleção da obra do alemão traduzida pelo editor brasileiro Paulo César Souza e publicada originalmente pela Editora Brasiliense em 1986, escolhi um poema, escrito no período que vai de 1938 a 1941, para reiniciar a publicação dos meus devaneios neste blog. Porém, adianto aos meus leitores habituais – aos eventuais também – que não mais o farei com tanta frequência. Afinal, a constância com a qual eu vinha mantendo as postagens desde março – e numa profusão para lá de anormal, embora justificável – deu-se apenas em função de um pé quebrado, cuja história, aliás, eu contarei na sequência. Desse modo, como o mesmo já se encontra reabilitado, às vezes, inclusive, até pensando que tem asas, pensei que uma trégua na tal distração não seria uma má ideia, em busca igualmente de outras. Enfim! Eis o poema do poeta camarada...


Ó PRAZER DE COMEÇAR

 
Ó prazer de começar! Ó alvorada!

A primeira grama, quando parece esquecido

O que é o verde! Ó primeira página do livro

Tão esperado, surpreendente. Leia

Devagar, muito rápido

A parte não lida ficará pequena! E o primeiro jato d’água

No rosto suado! A camisa

Fresca! Ó começo do amor! Olhar que desvia!

Ó começo do trabalho! Colocar óleo

Na máquina fria! Primeiro movimento e

Primeiro ruído do motor que pega!

A primeira fumaça, enchendo os pulmões!

E você, pensamento novo!

 
B. B.