sexta-feira, 26 de julho de 2013

REFLEXÕES DE UM CARA DE PAU

Por Evaldo Alves de Oliveira (não poderia ter um nome mais normal?)
Médico pediatra e homeopata


Eunápio estava macambúzio, sorumbático, colicocéfalo. E não faltavam razões para isso. É que, no escritório, vez por outra os amigos o chamavam de cara de pau, em face de seu fácil extravasamento junto às moçoilas. Por isso, o técnico em informática até gostava do codinome. Era, de fato, um cara de pau.

Porém, há alguns dias, um colega do trabalho, no calor de uma discussão, o chamara de cara de lata. A questão dizia respeito à análise de alguns dados estatísticos relacionados à fluidez do sistema – o programa era novo -, e a agressão verbal do colega o deixara irritado. Ora, cara de lata é a vovozinha!!, esbravejava Eunápio consigo mesmo. Imaginava ser o apelido uma referência ao aparelho ortodôntico que passara a usar.

Passou o fim de semana aborrecido, por não entender exatamente o contexto daquele novo codinome agora afixado ao seu já discutível currículo social.

Na segunda-feira à tarde, retornando de uma consulta médica anual, o seu aborrecimento chegara ao nível do insuportável. O médico gastroenterologista solicitara alguns exames de sangue, porém três deles despertaram sua atenção, aumentando o seu desconforto. Na solicitação dos exames, surgia em negrito: dosagem dos níveis de ferro, cromo e zinco. À frente, estava escrito – Hipótese diagnóstica: Eflúvio Telógeno.

Já no corredor, pensou em retornar ao consultório e pedir explicações ao médico sobre os exames solicitados. Sua irritação: por que necessitava dosar os níveis de ferro, cromo e zinco?

É que o xingamento do colega do trabalho não saía de sua mente.

Cara de lata é a vovozinha, senhor gastroenterologista!, resmungava Eunápio.



quarta-feira, 24 de julho de 2013

BRASIL: BALANÇA, MAS NÃO CAI...


Você quer mesmo um Brasil melhor?

Por Ruth de Aquino
Jornalista brasileira, em artigo publicado no dia 19 de julho de 2013, na sua coluna semanal da revista Época.


Então, faça por onde – em vez de sair mascarado, quebrando e saqueando. A violência é pouco eficaz. O crime é contraproducente se o objetivo for aperfeiçoar uma democracia. Vivemos um momento histórico, inspirado por revoltas populares na Tunísia, Espanha ou nos Estados Unidos. É hora de aproveitar para o bem a energia de jovens brasileiros idealistas, que rejeitam os vícios da política tradicional e corrupta. Sejam sujeitos e não objetos. Em vez de só cobrar – e virar massa de manobra –, que tal exercer seriamente o civismo e a cidadania?

É uma vergonha o Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil. Ocupamos o 85o lugar no ranking mundial, atrás de Bósnia e Azerbaijão. Faltam médicos e professores em todo o país, não apenas nos confins do Brasil. É um absurdo querer aumentar, por lei, o número de anos de estudo de medicina. Ou exilar residentes em lugares sem condições de trabalho. A atitude desesperada do governo Dilma só expõe a metástase da Saúde. Não há ambulâncias, equipamentos ou médicos suficientes em lugar nenhum no Brasil, e isso inclui Rio de Janeiro e São Paulo.

Relanço então uma ideia que defendi há três anos em ÉPOCA: instituir o serviço civil obrigatório, que substituiria o alistamento no Exército para quem completa 18 anos. O serviço militar, com mais de um século, é um anacronismo num país sem guerra. É sexista, por contemplar apenas homens. Em vez dele, rapazes e moças dedicariam um ano de sua vida para servir à comunidade. Em meio expediente, para não atrapalhar os estudos. Funcionaria como um estágio e poderia ser pago pelo Estado com um salário mínimo. Os filhos da classe média e da elite aprenderiam mais sobre o Brasil real se fossem convocados a ensinar a crianças e adolescentes carentes de português, matemática, inglês, história, informática. Design ou balé. Capoeira ou música. Gastronomia ou fotografia.

O serviço civil obrigatório seria uma oportunidade de integração, educação, disciplina. Não existe, em nosso país partido, nenhuma estratégia de entendimento real entre as classes. Não se treinam o ouvido nem a compaixão. Jovens deveriam consagrar um tempo ao bem público. Para criar bases e valores. Desperdiçamos um exército de jovens inteligentes e criativos. Há os que sonham em sair do Brasil sem chegar a entender o país em que nasceram. Nem aprendem a dar bom-dia ou a agradecer por um serviço prestado.

Na Suíça ou na Alemanha, é possível escolher o serviço civil em vez do militar. No Brasil, a Constituição de 1988 também contempla a objeção de consciência, que isenta o cidadão do serviço militar se contrariar suas crenças filosóficas, religiosas ou políticas. Mas não existe um serviço alternativo formalizado. Várias escolas estimulam a consciência social, mas iniciativas isoladas não bastam. Deveríamos preparar jovens para servir a pátria como cidadãos.

Para quem tem filosofia pacifista como eu, o serviço militar é uma agressão. A alternativa não passa pela violência. Ser empreendedor, ser voluntário, ir para a política são, todas elas, formas mais eficazes de mudança. Um estudante de Direito poderia, no primeiro ano da faculdade, dedicar seis horas diárias a atender pequenas causas em favela. Um estudante de contabilidade montaria pequenos negócios para famílias pobres e empreendedoras. Um estudante de letras incentivaria adolescentes a ler e escrever contos ou poesias. Outro ensinaria a ser inventivo no computador, a tocar piano ou a falar inglês. São tantos dons aprendidos na universidade, financiados pelos pais ou com nossos impostos. Por que não retribuir?

Isso nada tem a ver com filantropia ou caridade. “O serviço civil alternativo seria um rito de passagem do jovem para a idade adulta”, diz o empreendedor social Rodrigo Baggio, fundador do Comitê para Democratização da Informática. Baggio encara o serviço civil como “um aprendizado cívico, uma experiência que ajuda o jovem a escolher sua própria profissão e seu futuro”. “Valoriza o currículo”, diz ele. “O jovem que já foi voluntário é hoje mais solicitado no mercado.” O serviço civil ainda gera um pacto social mais eficaz. Deveria, segundo Baggio, haver uma parceria entre governo, sociedade civil, ONGs e empresas, com o apoio do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Uma comissão destinaria o jovem a certo trabalho, a partir de uma capacitação básica em direitos humanos, cidadania e empreendedorismo.

O serviço militar prepara para a guerra. E se preparássemos os jovens para a paz? Há no Brasil 31 milhões de jovens de 18 a 26 anos, segundo o IBGE. Pouquíssimos se alistam nas Forças Armadas. Dá para entender também o desinteresse pelo voto e pela política partidária. Torço por uma mudança de fundo, sem confete e sem violência. Uma Jornada Nacional da Juventude. Que se engaje de verdade, sem ódio e sem sangue nos olhos, num futuro melhor para este Brasil desigual, ineficiente e entregue a políticos sem o menor apreço pelo interesse público.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

EM DEFESA DA LAICIDADE DO ESTADO BRASILEIRO E PELA RETIRADA DE SÍMBOLOS RELIGIOSOS EM ÓRGÃOS PÚBLICOS

Resumo do ensaio abaixo: No Brasil, a discussão entre religiosidade e Estado não se encerra com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Um resquício dessa dicotomia se encontra tanto no preâmbulo, o qual revela uma possível falha legislativa, como no art. 19, I da Carta Magna. Ganha enfoque neste estudo o respeito ao direito de liberdade de manifestação do pensamento, inclusive da minoria não religiosa, assim como a inviolabilidade da consciência e crença religiosa.


Brasil: Estado laico e a inconstitucionalidade da existência de símbolos religiosos em prédios públicos

Por Fernando Fonseca de Queiroz Mattos
Advogado brasileiro, especializado em Direito Processual Civil, em ensaio publicado na revista eletrônica Jus Navigandi, Teresina, ano 11, nº 1081, 17 de junho de 2006 - tema bastante atual e republicado com a autorização do autor.


1. Introdução

Tenciona-se, neste estudo, chamar a atenção para a laicidade da República Federativa do Brasil e ao aparente conflito entre o preâmbulo constitucional e o inciso I do artigo 19 da Magna Carta. Assim sendo, foram realizadas breves anotações com o intuito de direcionarmos a atenção aos direitos das minorias e proporcionar a reflexão sobre a matéria.

A análise da relação Estado / Igreja poderia transportar-nos para os tempos mais remotos da civilização, como a cultura do antigo Egito, os impérios escravistas da Antigüidade. Ninguém pode contestar a enorme influência da Igreja na Idade Média. Entretanto, não seria possível sintetizar essa evolução mundial em poucas páginas, pois este enfoque não pertence, neste momento, ao cerne de nossa pesquisa.

As razões que levaram a produção deste artigo têm origem na atualizadíssima discussão quanto à constitucionalidade da utilização de objetos religiosos em prédios públicos – como o crucifixo.

Pretende-se, portanto, discorrer, de forma sucinta, sobre a força normativa do referido preâmbulo, percorrendo o conceito de Estado laico, sua evolução nas constituições do Brasil, tendo como real objetivo a reflexão quanto à possível ocorrência de desrespeito à minoria não religiosa ou de religiões incompatíveis com tais símbolos.

2. A evolução histórica do Estado laico nas Constituições do Brasil

Estado laico é Estado leigo, neutro.

Conforme De Plácido e Silva: “LAICO. Do latim laicus, é o mesmo que leigo, equivalendo ao sentido de secular, em oposição do de bispo, ou religioso”. – (SILVA, 1997, p. 45).

O termo laico remete-nos, obrigatoriamente, à idéia de neutralidade, indiferença. É também o que se compreende nos ensinamentos de Celso Ribeiro Bastos, onde

“A liberdade de organização religiosa tem uma dimensão muito importante no seu relacionamento com o Estado. Três modelos são possíveis: fusão, união e separação. O Brasil enquadra-se inequivocadamente neste último desde o advento da República, com a edição do Decreto119-A, de 17 de janeiro de 1890, que instaurou a separação entre a Igreja e o Estado. O Estado brasileiro tornou-se desde então laico. (...) Isto significa que ele se mantém indiferente às diversas igrejas que podem livremente constituir-se (...)”. – (BASTOS, 1996, p. 178).

O Estado e a Igreja sempre andaram muito próximos, por várias vezes confundindo-se, e isto desde as antigas civilizações. Diferente não foi com a formação do Estado brasileiro, que em seus primórdios já foi chamado de Terra de Santa Cruz e teve como primeiro ato solene uma missa. No Brasil, a Constituição outorgada de 1824 estabelecia a religião católica como sendo a religião oficial do Império, que perdurou até o início de 1890, com a chegada da República.

“A constituição de 25-3-1824 previa, em seu artigo 5º, que a ‘religião Catholica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras Religiões são permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma exterior de templo’. Com o advento da primeira Constituição da República, o Brasil passou a ser um Estado laico e a consagrar ampla liberdade de crença e cultos religiosos”. – (MORAES, 2004, p. 215).

Pinto Ferreira demonstra o quanto a Igreja Católica era ligada ao Império de Dom Pedro II, quando nos lembra que a Constituição de 1824 só permitia a elegibilidade para o Congresso àquelas pessoas que professassem o catolicismo.

“O Artigo 113, item 5º da constituição de 1934 estatuiu que as associações religiosas adquiriram personalidade jurídica nos termos da lei civil. Os princípios básicos continuaram nas constituições posteriores até a vigente”. – (SILVA, J., 2000, p. 254).

Depois do advento da República, o Brasil jamais deixou de ser um Estado laico, pelo menos no papel.

3. O preâmbulo da Constituição de 88 e o artigo 19, I

Preâmbulo é o enunciado que antecede o texto constitucional. Nem todas as constituições o possuem. Nas constituições brasileiras ele esteve sempre presente. Mas qual é o valor jurídico do Preâmbulo?

Como bem discorre Ferreira, “o preâmbulo é uma parte introdutória que reflete ordinariamente o posicionamento ideológico e doutrinário do poder constituinte”. – (FERREIRA, 1989, p. 03).

As constituições brasileiras de 1891 e 1937 omitiram, em seu preâmbulo, a invocação do nome de Deus.

A Constituição de 88 trouxe o seguinte preâmbulo:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”.

Afirma João Barbalho que “o preâmbulo enuncia por quem, em virtude de que autoridade e para que fim foi estabelecida tal Constituição. Não é uma peça inútil ou de mero ornato na construção dela: mas simples palavras que constituem, resumem e proclamam o pensamento primordial e os intuitos dos que o arquitetam”. – (BARBALHO, 1924, p. 03 apud FERREIRA, 1989, p.03).

Uma linha doutrinária entende ter o texto preambular caráter coativo. Linha divergente aponta a ausência de força normativa da peça introdutória.

Entendemos que o preâmbulo terá força cogente somente nos termos que se encontram reafirmado no texto constitucional, do mesmo modo que entende Pinto Ferreira.

Observe-se que referência ao Estado Democrático encontra-se no artigo 1º da CF. O exercício dos direitos sociais e individuais, o direito à liberdade, à segurança, ao bem-estar, ao desenvolvimento, à igualdade e à justiça são todos retomados nos primeiros artigos de forma explícita, todavia não exaustiva, pois se encontram por toda a Constituição. Os artigos 3º e 4º da atual CF apontam novamente para a harmonia social, para uma sociedade fraterna e sem preconceitos e à solução pacífica das controvérsias.

A forma federativa do Estado é tão protegida que é tida como cláusula pétrea, constando no artigo 60, § 4º, I.

O único ponto do Preâmbulo não reforçado pelo texto constitucional foi a referência a Deus.

Além de não reafirmado, o artigo 19, I aponta para o contrário.

Artigo 19.

É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na formada lei, a colaboração de interesse público;

Como bem esclarece Pontes de Miranda, “estabelecer cultos religiosos está em sentido amplo: criar religiões ou seitas, ou fazer igrejas ou quaisquer postos de prática religiosa, ou propaganda. Subvencionar está no sentido de concorrer, com dinheiro ou outros bens de entidade estatal, para que se exerça a atividade religiosa. Embaraçar o exercício significa vedar, ou dificultar, limitar ou restringir a prática, psíquica ou material dos atos religiosos”. – (MIRANDA apud SILVA, J., 2000, p. 253 e 254).

O artigo 150, IV, b proíbe a tributação sobre qualquer templo, justamente com a finalidade de não dificultar seu funcionamento por via financeira.

Extrai-se disto que o artigo 19, I não é conflitante com o preâmbulo constitucional. O artigo se sobrepõe, e só podemos entender que a “proteção de Deus” preambular é pertencente somente aos constituintes e seu caráter é meramente subjetivo.

4. A inviolabilidade de consciência e crença e a ostentação de símbolos religiosos em prédios públicos

Tanto a liberdade de opinião e a inviolabilidade de consciência são asseguradas por nossa Constituição.

A consciência e a crença são inerentes ao ser humano. É a pessoa humana quem pode ou não acreditar em um ser divino.

O Estado não tem sentimento religioso e, laico como é, não deve estabelecer preferências ou se manifestar por meio de seus órgãos.

Entendemos haver um equívoco ao se afirmar que o Brasil acredita em Deus. Quem pode acreditar ou não são os brasileiros.

Vemos que hoje há um predomínio de símbolos religiosos em prédios públicos, em sua maioria, crucifixos. Sendo o Brasil um Estado laico, que se coloca como neutro no que diz respeito à religião, então onde se assegura o direito das minorias não adeptas de tais símbolos?

Como bem afirma Dr. Roberto Arriada Lorea, “(...) O Brasil é um país laico e a liberdade de crença da minoria, que não se vê representada por qualquer símbolo religioso, deve ser igualmente respeitada pelo Estado”. – (LOREA, O poder judiciário é laico. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 set. 2005. Tendências/Debates, p.03).

Saliente-se então que, conforme nosso entendimento, não é lícito que prédios públicos ostentem quaisquer símbolos religiosos, por contrariar o princípio da inviolabilidade de crença religiosa. O Estado deve respeito ao ateísmo e quaisquer outras formas de crença religiosa. O predomínio do Catolicismo no Brasil não justifica tais símbolos.

Não entramos no mérito das religiões. Não avaliamos qual ou quais religiões o crucifixo representa. Isto não tem conotação pública e não nos interessa. Se tais símbolos ofendem a liberdade de crença ou descrença de uma única pessoa, já se torna justificada a retirada destes objetos.

5. Conclusões

Poderíamos ter abordado de forma mais ampla a evolução do Estado laico ou os vários pontos em que a Constituição de 88 aborda a respeito da religião, como o ensino religioso na escola pública, a assistência religiosa em entidades civis e militares.

Todavia, não seria possível perscrutar todos esses temas e reuni-los em apenas um artigo. Preferimos traçar uma noção sobre o preâmbulo constitucional e confrontá-lo com a laicidade da República Federativa do Brasil. O mérito das religiões não foi questionado - e seria totalmente contraditório se tentássemos analisá-lo.

A invocação de que a maioria brasileira é católica não pode ser utilizada em desrespeito à liberdade de qualquer pessoa.

O estudo não trata de religiões. É direito inviolável e constitucional não nos interessarmos por elas.

Advogamos pela inconstitucionalidade da permanência de qualquer alusão a alguma religião em dependências públicas. Para os que questionam quais benefícios surgirão, na prática, com a retirada deste símbolo, antes perguntamos: O que se ganhou quando da sua colocação?


Referências:

BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1996.

FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. 1ª ed. v. I, São Paulo: Saraiva, 1989.

LOREA, Roberto A. O poder judiciário é laico. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 set. 2005 Tendências/Debates, p. 03.

MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2005.

____________________. Constituição do Brasil Interpretada. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004.

SILVA. De Plácido. Vocabulário Jurídico. 12ª ed. v. III, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1997.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2000.


Cena que brasileiro não quer ver nem que chova prego!


Em respeito ao povo brasileiro e as leis que regem o país...

NBC

segunda-feira, 15 de julho de 2013

OLHA A ÉTICA AÍ, GENTE!!!*


Por Públio José
Jornalista brasileiro


Ao que parece, a Ética bateu asas do Brasil e deixou no seu lugar um vácuo que vem nos causando enormes prejuízos. Alguns mais pessimistas chegam até a afirmar que, por aqui, ela nunca fincou raízes. O certo é que, tanto da população em geral como das lideranças em particular, em qualquer nível que se observe, aqui, o desconhecimento do conceito de Ética chega às raias do absurdo. Um deputado carrega namorada, sogra, cachorro e papagaio pelo mundo todo, com passagens pagas pela Câmara dos Deputados, e fica por isso mesmo; outro esconde da Receita Federal um patrimônio avaliado em cerca de R$ 25 milhões e nada acontece; outro contrata empregados domésticos para sua casa e os lota em seu gabinete de deputado e a vida segue no mesmo diapasão; outros vendem suas passagens a membros do Judiciário e embolsam o dinheiro a título de complementação de salário e... Todos sem exceção, ao apresentarem defesa ou emitirem nota à opinião pública, se dizem inocentes, uma vez que nos seus gestos nada haveria de ilegal. São atos que podem até não ser ilegais, mas, no mínimo, não têm lastro ético. Aí está, então, a grande questão, a grande fronteira a ser desvendada, descoberta, analisada: a da Ética. Pode um representante do povo, pode um funcionário público, pode um empresário de porte pisar na Ética e ficar tudo por isso mesmo? Ora, se todos fazem assim, então o buraco é mais embaixo! Há um ditado popular que diz que “ninguém dá o que não tem”. Donde se conclui que a tais pessoas não se pode exigir atitudes éticas se elas não sabem que bicho é esse. Isso as inocenta? De modo algum! A constatação serve para que se olhe para todos os patamares da escala social e se conclua com todas as letras: o brasileiro não foi – nem está sendo – ensinado a respeito de Ética! Afinal, com raríssimas exceções, qual o curso, qual a escola, qual a rede de ensino – em qualquer nível que seja – qual, enfim, o ente público ou privado que tem entre suas preocupações o ensino da Ética? Daí como se exigir que o brasileiro responda com Ética a assuntos de natureza Ética se essa matéria não tem espaço na sua mente? Então, por isso cessa a responsabilidade de todos? De jeito nenhum! O que se constata é que o assunto é gravíssimo e merece uma forte reflexão das autoridades e lideranças que se envolvem diretamente com a questão. O que se vê, também, é que o Brasil – e outras nações de regime democrático – vêm sendo bombardeadas já há algum tempo por uma gigantesca onda de relativização de valores. “Valores? Para que tê-los? Não me enchem a pança.” É o que comumente se ouve por aí, num tipo de afirmação que beira a incivilidade e ao mais extremado cinismo. Por sua vez, na inexistência de uma cultura que privilegie os valores, o vácuo é criado – e nele viceja a “lei da vantagem”, do querer ganhar. Sempre. Pois, afinal, o que impede um homem de roubar, de matar, de fazer apodrecer normas, regras e princípios? A Ética, em primeiro lugar. A consciência de que limites existem e precisam ser preservados para a construção do bem comum. (...) Este é o valor que o “homo sapiens” aprendeu para se tornar um ser civilizado. O mais é barbárie, pilhagem, estupro das normas da boa e saudável convivência humana.

*Nota do blog: que o autor do artigo não me censure – espero que não –, mas, ao transcrevê-lo, optei por uma narrativa corrida – ao estilo do escritor português José Saramago (1922 - 2010), embora os parágrafos do mesmo estivessem simetricamente bem distribuídos. De qualquer modo, mantive o equilíbrio da mensagem – por sinal, muito bem argumentada... E ainda me dei à liberdade de escolher uma charge para ilustrá-lo!

A ILUSÃO POLÍTICA DAS GRANDES MANIFESTAÇÕES POPULARES - FERNANDO PESSOA: UM POETA ANALFABETO POLÍTICO

Por Fernando Pessoa (1888 - 1935)
Poeta português – Ideias políticas.


Nisto de manifestações populares, o mais difícil é interpretá-las. Em geral, quem a elas assiste ou sabe delas ingenuamente as interpreta pelos factos como se deram. Ora, nada se pode interpretar pelos factos como se deram. Nada é como se dá. Temos que alterar os factos, tais como se deram, para poder perceber o que realmente se deu. É costume dizer-se que contra factos não há argumentos. Ora só contra factos é que há argumentos. Os argumentos são, quase sempre, mais verdadeiros do que os factos. A lógica é o nosso critério de verdade, e é nos argumentos, e não nos factos, que pode haver lógica.

Nisto de manifestações — ia eu dizendo — o difícil é interpretá-las. Porque, por exemplo, uma manifestação conservadora é sempre feita por mais gente do que toma parte nela. Com as manifestações liberais sucede o contrário. A razão é simples. O temperamento conservador é naturalmente avesso a manifestar-se, a associar-se com grande facilidade; por isso, a uma manifestação conservadora vai só um reduzido número da gente que poderia, ou mesmo quereria, ir. O feitio psíquico dos liberais é, ao contrário, expansivo e associador; as manifestações dos “avançados” englobam, por isso, os próprios indiferentes de saúde, a quem toda a vitalidade acena.

Isto, porém, é o menos. O melhor é que, para quem pensa, o único sentido duma manifestação importante é demonstrar que a corrente da opinião contrária é muito forte. Ninguém arranja manifestações em favor de princípios indiscutíveis. Tão pouco se aglomeram vivas em torno a um homem a quem é feita uma oposição sem relevo ou importância. Não há manifestações a favor de alguém; todas elas são contra os que estão contra esse alguém. É por isso este, não o “homenageado”, quem fica posto em relevo. Quanto maior a manifestação, mais fraco está o visado; maior se sente a força que se lhe opõe. Toda a manifestação é um corro-a-salvar-te de quem não pensa contribuir para a salvação senão com palmas e vivas.

É este o ensinamento que toda a criatura lúcida tira das manifestações populares.

Quando a uma criatura, que está em evidência ou regência, se faz uma manifestação que resulta pequeníssima, conte tal criatura com o apoio dum país inteiro. Se a manifestação fosse grande, tremesse então. É que os seus partidários teriam sentido, por uma intuição irritada, a grandeza da oposição a ele, e isso os chamaria em peso para a rua, para, com suas muitas palmas e vivas, aumentar a ele e a si próprio a ilusão duma confiança que enfraquece.


Revisitando Fernando Pessoa

“A obra de Fernando Pessoa pode ser tomada como um paradigma daquilo que de mais alto pôde fazer a poesia – e, por extensão, a arte – do século XX...”.

Rinaldo Gama
Jornalista brasileiro


Tudo muito lindo, apesar do exagero desnecessário. O fato é que, embora eu até já tenha sido uma ávida leitora da obra do poeta – de uns tempos para cá, contudo, sem as motivações de outrora (a frequência anda mínima!) –, hoje, acordei de mal com o luso multifacetado, ou melhor, ressabiada, já que, mal liguei o computador e o conectei a internet, abrindo a minha página na rede social que frequento, fui logo dando de cara com uma postagem publicada horas antes por um amigo, a qual, ilustrada com uma fotografia do próprio, divulgava um texto, de sua autoria, ou seja, A Ilusão política das grandes manifestações populares. Relendo, portanto, o referido texto, para lá de controverso e polêmico – diga-se de passagem –, não nego que, apesar de ter conhecimento do notório anticomunismo do autor, o café por pouco não amargou os meus sentidos, descendo atravessado. Para ser sincera, não era bem o teor de tão delirantes palavras, mesmo elas sendo de Fernando Pessoa, que eu tencionava ler tão cedo, ainda envolta no sereno da madrugada.

De qualquer modo, li. Li e, apesar das minhas ressalvas, compartilhei as tais palavras. Porém, senti-me contrariada, sobretudo porque, na atual conjuntura, no caso, especificamente, a do Brasil, são exatamente manifestações populares, com um leque de pertinentes protestos, que, há mais de um mês, estão a dar cor, graça, brilho e esperança ao nosso já tão alquebrado país, vítima de uma elite política asquerosa, deplorável e repugnante, bem como de um sistema econômico cancerígeno, que é o capitalismo. Não obstante, numa nota autobiográfica, escrita no dia 30 de março de 1935 e publicada em 1940, chega-me, não tão casualmente assim, um Fernando Pessoa extremamente reacionário bradando o que ele definiu como sendo a sua posição social – acredito que ele quis dizer “política” ou “ideológica” – ou seja: — Anticomunista e antissocialista...

Bref!

Noutro momento, ao se referir ao comunismo – citarei como fonte o livro Fernando PessoaObras em prosa, publicado pela Companhia José Aguilar Editora em 1974 –, o poeta português escracha. Para ele, o comunismo seria um “inimigo supremo da liberdade e da humanidade, como o é tudo quanto dorme nos baixos instintos que se escondem em cada um de nós”. Ninguém merece! Na verdade, não há poesia que resista a tamanho desgosto...

NBC

domingo, 14 de julho de 2013

PEC 33 E 99: O FIM DO ESTADO LAICO E DA NOSSA DEMOCRACIA



Por Marcelo Gerald
Psicólogo brasileiro, em artigo publicado em 26 de junho do corrente no blog Eleições Hoje (os destaques em negrito são do autor).


A Proposta de Emenda Constitucional 33 e a 99 entraram em debate graças aos protestos nas ruas de todo o país. Muito se tem falado, mas poucos leram o conteúdo das PECs. A mídia focou muito na 37 (ontem [25 de junho] arquivada pela Câmara), mas, em minha opinião, o maior risco para o país está na aprovação da PEC 33 e da PEC 99 em conjunto, pois enquanto a primeira tornará o STF um órgão meramente figurativo, a segunda abrirá caminhos para tornar o Estado Brasileiro uma teocracia.

Antes de falar sobre as emendas é bom esclarecer que para aprova-las é necessário que o texto obtenha a votação de três quintos do total de deputados, hoje esse número é de 308 dos 513 deputados e o mesmo se repete no Senado, em dois turnos de votação, em cada uma das Casas Legislativas. O texto, caso não sofra alterações, é promulgado, portanto não depende de sanção presidencial, nas manifestações recentes se viu muita faixa cobrando a PEC 33 e a 37 da presidenta Dilma, ela não pode fazer absolutamente nada, no máximo poderia se posicionar e cobrar parecer favorável ou contrário das bancadas das quais ela tem apoio (o que não deixa de ser relevante).

A PEC 99/2011 é de iniciativa do Deputado João Campos (PSDB-GO), muito conhecido pelos seus projetos anti-gays, a proposta de emenda surgiu por iniciativa da bancada teocrata por ser contra a união homoafetiva reconhecida em 2011. Pela proposta, instituições religiosas com representatividade nacional poderiam questionar a constitucionalidade de leis no Supremo. A laicidade prevista no Artigo 19 da Constituição Federal cairá por terra. Há também problema de isonomia porque associações representativas de movimentos sociais ficariam de fora, ao passo que não são todas as religiões que têm abrangência nacional, as menores ficariam de fora. Não é necessário estudar a história passada de todos os principais países do mundo para entender o que acontece quando há mistura entre Estado e religião, basta observar um pouco os conflitos no Oriente Médio. As entidades de classe, por exemplo, só podem propor quando têm interesses claramente ligados a propostas, as religiosas pretendem questionar praticamente tudo baseado em seus princípios e moral e ainda pretendem impor a sua visão de mundo para pessoas que não pertencem a sua religião (talvez o Supremo restrinja o campo de assuntos que as religiões podem questionar, mas não se pode contar com incertezas). Existem projetos absurdos e moralistas tramitando na Câmara, e o mais conhecido atualmente é o da “cura gay”. O Brasil é o único país do mundo a discutir um projeto como esse, ignorando o que diz a Organização Mundial de Saúde (OMS) e preceitos científicos e dando voz para uma única religião.

Em 2011, quando o Eleições Hoje, através de um texto da Karla Joyce, denunciou a proposta, alguns juristas disseram pra gente não se preocupar, que era tão inconstitucional que não passaria da CCJ, mas pasmem, passou em março desse ano. No Brasil é muito fácil registrar uma religião e o Estado não pode lhe negar reconhecimento. Se a PEC 99 for aprovada será mais fácil a essas instituições entrarem com ação direta de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade que uma entidade de classe, ou sindical, ou até mesmo um partido político, pois a esse é exigido representatividade no Congresso, com essa PEC os teocratas poderão questionar tudo e desta forma impor o que acreditam à sociedade.

A PEC 33/11 é de iniciativa de Nazareno Fonteles (PT-PI), outro parlamentar que não concorda com a união homoafetiva e pesquisas com células troco. Conseguiu amplo apoio do partido, que estava contrariado pelo julgamento do mensalão.

A proposta visa limitar amplamente os poderes do STF e ainda submeter suas decisões ao Congresso Nacional. A emenda é tão absurda que não mereceria ser levada a sério, mas, assim como a 99 ela passou na Comissão de Constituição e Justiça em março deste ano. Não existe nada parecido em nenhum país democrático atualmente. No Brasil tivemos exemplo próximo na Constituição outorgada por Getúlio Vargas, nela o presidente poderia submeter decisões do Judiciário ao Parlamento para apreciar e esse poderia derrubá-la, na prática o presidente podia derrubar tudo que o contrariasse. A medida nunca chegou a ser utilizada já que Getúlio dissolveu o Parlamento.

Mais tarde o Judiciário perdeu força totalmente com o AI-5 da Ditadura Militar, o Poder Judiciário passaria a se submeter totalmente ao Executivo. Foi excluída qualquer tipo de apreciação para atos do presidente.

A separação dos poderes é um dos pilares da democracia, uma das funções do Judiciário é justamente a de conter exageros que o Estado possa cometer sobre a vida de cidadãos comuns.

Com o decorrer das Constituições seguintes até 1988 foram sendo incluídos mecanismos que fortaleciam a separação de poderes, assim como o controle da constitucionalidade. A Constituição passou a dispor de um maior número de legitimados a apresentar ação direta de inconstitucionalidade, e em casos que o Poder Legislativo foi omisso passou a contar com mecanismos para cobrar a implementação da Constituição.

Gilmar Mendes afirmou que se a PEC 33/11 passar será melhor que se feche o Supremo e com razão, pois imagine o STF ter que avaliar a inconstitucionalidade de uma lei, a partir da emenda a Corte só poderá declarar inconstitucional caso 9 dos ministros votem favoráveis a essa decisão, atualmente a constituição exige que 6 dos 11 votem favoráveis, o Supremo passará a ser um órgão apenas figurativo, pois caso uma lei seja considerada inconstitucional, o Congresso poderá questionar e derrubar a decisão e para parecer democrático poderá gastar milhões com plebiscitos e deixar que o povo decida a constitucionalidade das leis. Só para ter uma ideia , quando estavam discutindo a divisão do Estado do Pará, foi estimado em 24 milhões de reais o custo do plebiscito. Imagine termos várias leis contestadas.

Já se pode imaginar o risco de leis autoritárias ou aberrações prevalecerem, tanto através da PECs 99 e 33. Imagine que um deputado da bancada teocrática proponha uma lei que imponha toque de recolher todos os dias em certo horário, o STF certamente julgará como inconstitucional e o Congresso poderá derrubar esta decisão, além disso leis que contrariem religiosos poderiam ser questionadas por eles e caso a decisão não os agrade o Congresso através de sua bancada teocrata e conservadora poderá derrubar a decisão. Com a 99, os religiosos poderão propor ações e com a 33 poderão derrubar tudo que não agradar, ou seja, estará decretado o fim do Estado Laico e da Democracia.

O cidadão brasileiro corre risco de ter de pautar a sua vida numa religião que não necessariamente é a dele. O Congresso poderá rever qualquer decisão de emenda que o STF considerar inconstitucional, na prática isso poderia atingir inclusive cláusulas pétreas, uma vez que a própria 33 fez isso na sua origem, ao praticamente extinguir a separação de poderes. A Constituição Federal passará dessa forma a ser vista como um livro a ser escrito conforme a vontade do legislador. O mais assustador é que a PEC33 é extremamente autoritária e a bancada do PT assinou em peso. Foram 76 dos 89 Deputados, ou seja, pouco mais de 85% da bancada.

A união da 99 com a 33 traz sérios riscos ao Brasil: ameaça a democracia, traz instabilidade jurídica, riscos a avanços científicos , a laicidade do Estado, que é fundamental pra que todas as crenças sejam respeitadas, a igualdade de direitos e pode ser a maior abertura feita até hoje pra tornar o Brasil numa Teocracia, tanto através da interferência de religiões predominantes quanto pelas suas bancadas no Congresso Nacional.




No referido link, aproveite ainda para assinar as petições contra as PECs 33 e 39.

NBC

sábado, 13 de julho de 2013

OS SEM-GESTO*


Por Marina Silva
Ambientalista brasileira, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente
Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, no dia 12 de julho de 2013


Numa reunião simbólica, representantes dos povos indígenas foram, finalmente, após mais de dois anos de espera, recebidos pela presidente Dilma. Como nas pinturas que retratam momentos históricos (a primeira missa, o grito do Ipiranga e outras que ilustram os livros escolares), as imagens que o governo apressa-se em produzir são arrumadas, e seus personagens, distribuídos nos lugares que lhes cabe.

"Só que não", como dizem os mais jovens nas redes sociais. Sabendo que, naquele exato momento, seus direitos estavam sendo ameaçados em manobras no Congresso, os índios não se deixaram enganar e expuseram sua insatisfação na carta que divulgaram em seguida. Não podem esquecer o genocídio que sofrem no chão que um dia foi seu.

De todo modo, permanece o simbolismo: a civilização "Matrix" está tão descolada do mundo real que não consegue passar da gesticulação ao gesto, da representação à presença. Ainda assim, esforça-se para produzir ao menos a impressão de que está respondendo às demandas da população.

Afinal, é disso que se trata, da presença desse novo personagem que tem forma de multidão e é polifônico, multicêntrico, imprevisível. Tudo se faz para ele: audiências, reuniões, aceleração de processos e votações, decisões sobre assuntos encalhados há vários anos.

O povo nas ruas destravou o Brasil. Além das conquistas imediatas, como no preço das passagens, o novo e indefinível personagem forneceu uma "licença política" até para antigas organizações voltarem às ruas com suas cores, símbolos e pauta de reivindicações.

Como em todos os momentos em que novos "espectros" rondam o mundo conhecido, há nele muitas reações: segurar as rédeas com mais força, nostalgia de quem passou de protagonista a figurante, histeria de quem se sente ameaçado, esperança de quem ainda crê na renovação das estruturas, oportunismos variados.

Mas há uma diferença: hoje, são poucos os entes políticos capazes de metabolizar a força tornada presente, pois a estagnação já atinge muitos grupos e em grau avançado.

Tenho a esperança de que, no Brasil, consigamos viver a transição civilizatória – que já se iniciou – com alternativas menos conflituosas que levem mais à renovação do que à ruptura, embora saiba que uma combinação de ambas é inevitável e necessária.

Quando vejo os caciques políticos chamando os índios para aparecer na foto, lamento, pois vejo a repetição neurótica sob a gesticulação nervosa que oculta a ausência do gesto. Quando vejo a altivez indígena recusando a manipulação, alegro-me com a força moral e ética de sua causa traduzida em ato.

O movimento oceânico que nos ronda pode parecer inconsciente para alguns, mas é consciente para si mesmo.

*La presidenta Dilma Rousseff recebeu os representantes dos povos indígenas – ao todo, foram 27 lideranças – na quarta-feira, 10, no Palácio do Planalto, em Brasília.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

FIM DE PAPO: O ESTADO BRASILEIRO É LAICO E DEMOCRÁTICO!

“A liberdade de organização religiosa tem uma dimensão muito importante no seu relacionamento com o Estado. Três modelos são possíveis: fusão, união e separação. Inequivocadamente, o Brasil enquadra-se neste último desde o advento da República, com a edição do Decreto 119-A, de 17 de janeiro de 1890, que instaurou a separação entre a Igreja e o Estado. Desde então, o Estado brasileiro tornou-se laico...”.

Celso Ribeiro Bastos (1938 - 2003)
Jurista brasileiro

Infelizmente, a própria Constituição brasileira tem lá os seus deslizes... Só que o fato de ela ser democrática não significa que é um almanaque qualquer, no qual, a seu bel prazer, cada um tem o direito de meter a colher! Democrática? Sim, a Constituição brasileira o é. E isso por tentar agradar gregos e troianos, ou melhor, nordestinos e sulistas; nortistas e sabe-se lá mais o quê; ateus, agnósticos, católicos, evangélicos, umbandistas, budistas, mulçumanos e congêneres... O fato é que, atualmente, o que se tem visto é um bando de oportunistas (PEC 33, PEC 99) – muitos dos quais, aliás, não satisfeitos com os dízimos exacerbados que surrupiam dos fiéis nos seus templos, querem porque querem, de forma extremamente invasiva, violentar, tipo estupro, determinados princípios constitucionais do país. Quanto abuso! Afinal, o povo brasileiro pode ser até gentil e cordato – tipo os nativos que, em 1500, Pedro Álvares Cabral (1467 - 1520) aqui encontrou –, muitas vezes, inclusive, sem discernimento para distinguir o político íntegro do corrupto, ou melhor, do corsário. Ocorre que, mesmo com as suas limitações, esse mesmo povo não é idiota – não é mais consciente porque o desvio de recursos públicos para a educação tem sido uma prática histórica, a fim, obviamente, de mantê-lo no limbo, sem possibilidades de argumentos nem, muito menos, de questionamentos, capaz de diferenciar o joio do trigo.

Só que, ao invés de estarem no Congresso Nacional, os populistas, os demagogos, os oportunistas, os estelionatários, os psicopatas e os bandidos de carteirinha, ou de Bíblia nas mãos, de plantão, sejam punidos, paguem por seus crimes de lesa-pátria, intimados que eles deveriam sê-lo, bem como julgados e condenados a verem o sol nascer quadrado pelo resto das suas vidas. Afinal, o Brasil deve, sim, manter-se indiferente a não importa qual religião, que, livremente, podem, sim, erguer os seus templos – contanto que nos seus quintais, em propriedades privadas (não públicas!), e que a sua influência, na maioria das vezes nefasta, não ultrapasse os adros dos mesmos. O que as religiões também não podem é se imiscuir em assuntos que não lhes competem, tipo: bagunçar o Congresso Nacional – instituição, aliás, que já anda mais alquebrada do que pau de galinheiro –, praticamente impondo Projetos de Emendas Constitucionais surreais (PEC 99), capazes de agredir até o mais empedernido dos mortais, nem, muito menos – diga-se de passagem –, ditar normas de conduta medievais a serem adotadas pelo povo brasileiro. E, pior: ter a ousadia de querer confiscar do Supremo Tribunal Federal (STF), no caso da PEC 33, prerrogativas que lhes são de direito constitucional – coisa assombrosa, tudo isso. Sei não, mas é como diria um dito popular, ou seja, “cada macaco no seu galho...”.

Enfim! Vejamos, portanto, uma passagem da postagem Ensino religioso nas escolas da rede pública: um caso em questão!, publicada neste blog no dia 07 de junho de 2012:

— Na reportagem Ser laico não é ser contra a religião, publicada no blog da revista Fórum no dia 1º de junho deste ano [2012], a respeito de um debate sobre o ensino religioso nas escolas da rede pública, ocorrido um dia antes, o jornalista Mario Henrique de Oliveira concluiu que, “apesar de o Brasil ser um Estado laico, também consta no texto da Constituição a obrigatoriedade do ensino religioso, além do país ter firmado um acordo com a Santa Sé que prevê o ‘ensino católico e de outras confissões’ na rede pública de ensino, o que causa um conflito de interesses. (...) Por isso, os envolvidos no debate acreditam que [a solução] seria a retirada do ensino religioso das escolas. Para tanto, seria necessária a criação de uma PEC, Proposta de Emenda à Constituição, mas eles não enxergam uma força política hoje capaz de se articular para essa finalidade. Em vista disso, foram debatidas também algumas alternativas, entre as quais a criação do Plano Nacional para Enfrentamento da Intolerância Religiosa e de uma Comissão de Enfrentamento de Intolerância Religiosa, a formação de profissionais e gestores para lidar com a questão, revogação do acordo entre Brasil e Santa Sé, revisão do artigo 33 da [Lei de Diretrizes de Base] LDB e eliminação de todos os símbolos e práticas religiosas da rotina escolar”. Ah! Agora, sim, vamos ver quem ganha o cabo de guerra.

Não me esquecendo, ainda, que, atualmente, no Brasil, “rola” uma verdadeira cruzada contra um movimento que, desde o ano passado, decidiu retirar crucifixos e demais símbolos religiosos – não importam quais nem o significado dos mesmos – das repartições do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), da mesma forma que, um dia, o advogado, economista e político brasileiro Miguel Arraes (1916 - 2005) disse que “o personalismo em política é um erro”. Qual o motivo, então, de colocar penduricalhos cristãos ou correlatos em espaços eminentemente públicos? Ora, como eu disse noutro artigo, “o Estado brasileiro (...) é laico”. E ninguém, aqui, está negando o direito de quem quer que seja de proferir a sua fé. Diacho! Pode proferir, contanto que o seja com moderação. É tipo, por exemplo, feriado religioso. “Quer coisa mais desconexa do que um feriado religioso num país laico?”. À ocasião – o tema anterior –, o arquiteto, empresário e escritor brasileiro Percival Puggina escreveu e publicou um artigo no qual se posicionou contra a decisão do TJ-RS. O mais curioso, contudo, é que, depois de tanto falar a respeito, para não dizer espernear, tentando, de todas as formas inimagináveis, argumentar a favor da manutenção dos crucifixos e de sabe-se lá mais o quê não importa onde, como se a única verdade do mundo fosse a sua, ou melhor, a do catolicismo, Puggina não se fez de rogado e, dramaticamente, disse:

— Deixem ao menos os pregos...

Pense um jovem espirituoso, embora pleno de revolta e, portanto, de alta periculosidade!

NBC

quinta-feira, 4 de julho de 2013

JOANA EM BERÇO ESPLÊNDIDO?


Diante do atual cenário político brasileiro, de manifestações populares eclodindo a 3x4 país afora, com protestos referentes a questões as mais variadas, com o claro propósito de darem um basta à inoperância do Congresso Nacional e à inércia do governo federal, há, mesmo assim, vez por outra, embora seja até compreensível, quem se refira ao Executivo e ao Legislativo como sendo, ambos, a própria Casa da Mãe Joana – expressão que, no Brasil, todo mundo sabe muito bem o que significa. Ocorre que, historicamente falando, a referida expressão não é que uma afronta à integridade moral da jovem que a inspirou. Desse modo, decidi republicar um texto (revisto, revisado e atualizado), postado originalmente no dia 05 de agosto de 2009 e, posteriormente, no dia 15 de setembro de 2011, esperando, portanto, que o mal entendido seja desfeito, já que, afinal, Joana teve os seus méritos. Falando nisso...


Quem foi Joana?

Jeanne D’Anjou (1326 - 1382)
Rainha de Nápoles

“A verdade é que a gente não faz filhos. Só faz o layout. Eles mesmos fazem a arte-final...”.

Luís Fernando Veríssimo
Escritor brasileiro


Coroada rainha em 1343, após a morte do avô, Joana era tida como uma protetora de poetas, artistas e intelectuais, sendo a sua vida, contudo, recheada de escândalos e polêmicas as mais diversas – ela foi, inclusive, acusada de conspirar contra a vida do primeiro marido, o príncipe André (1327 - 1345), irmão do rei da Hungria, barbaramente assassinado na noite de 18 a 19 de setembro de 1345 em Anversa, perto de Nápoles. Exilada em Avignon, na França, Joana instalou-se em um castelo que já havia sido residência de vários papas. Levada a julgamento pelo suposto envolvimento na morte do marido, foi inocentada, ficando livre para mandar e desmandar em Avignon. No dia 8 de agosto de 1347, indignada com a prostituição feminina nas ruas de Avignon, Joana publicou um edital, ou estatuto, que, segundo o escritor francês Alexandre Dumas, Pai (1802-1870), em Jeanne de Naples, uma das histórias do livro Les Crimes célèbres (1839-1840), foi, provavelmente, o primeiro no gênero.

No edital, ou estatuto, além de determinar a criação de um prostíbulo particular – uma “instituição salutar”, nos dizeres de Dumas –, Joana decretou normas de funcionamento e de conduta no recinto, a fim de que a ordem fosse mantida, e a aplicação de severas sanções para toda e qualquer violação do regulamento por ela determinado, sendo que, para poderem ser identificadas, as prostitutas deveriam portar um cordão vermelho no ombro esquerdo. À época, segundo, ainda, o escritor, a cidade de Avignon, por ele cognominada de “Nova Babilônia”, possuía um “aspecto estranho e tumultuado”, enquanto que, no prostíbulo, reinavam soberanas línguas e costumes, esplendor e trapos, riqueza e miséria, rebaixamento e grandeza. Entre as normas, contudo, num total de nove, a ressalva de que o estabelecimento abriria todos os dias do ano, “com exceção dos últimos três dias da Semana Santa”, além – o mais curioso – da restrição explícita aos judeus, terminantemente proibidos de frequentar o lugar.

Não demorou muito, o estabelecimento passou a ser popularmente chamado de Casa da Mãe Joana, já que era de propriedade da rainha, a dona da cidade. Porém, ao longo do tempo, e com o mesmo sentido, a máxima viajou mundo afora. No Brasil, segundo o folclorista brasileiro Luís da Câmara Cascudo (1898 - 1986), desembarcou pelas mãos dos colonizadores portugueses – literalmente –, passando a significar um ambiente onde cada um faz o que quer, onde impera a desordem, a desorganização e o desmando, além de ganhar uma variante ainda mais chula, ou seja, Cu da Mãe Joana. De certa forma abrasileirada, a alcunha, contudo, em nada se compara ao gesto “altruísta” de Joana, sendo, portanto, no mínimo injusta para com a nobre dama, que, aliás, chegou a se casar quatro vezes – isso sem contabilizar os amantes! De qualquer modo, Joana era do bem. Tão do bem que, num ato de vingança pela morte de um dos seus cônjuges, ela foi assassinada por um primo – ironicamente, o seu herdeiro natural...

NBC