segunda-feira, 29 de agosto de 2011

FORA DA ORDEM


“A corrupção dos governantes quase sempre começa com a corrupção dos seus princípios...”.

Barão de Montesquieu (1689 - 1755)
Filósofo e escritor francês



Falta da falta



O sistema financeiro mundial parece ter descoberto algo que Caetano Veloso já cantava há muitos anos: alguma coisa está fora da ordem.

O Congresso chegou a um acordo temporário para evitar o calote dos EUA, mas a percepção de que “algo se quebrou” já havia se instalado.

O rebaixamento da nota de títulos americanos por uma agência de risco agravou o problema, pois os títulos dos EUA sempre foram o porto seguro para os mercados e para os Estados nacionais. Mas, antes do rebaixamento, já tínhamos quatro dias de desabamento das Bolsas mundiais.

Qual o caminho para a superação desse aparente caos?

Bem, talvez eu não seja a melhor pessoa para apontar soluções, mas parece que, nesse momento, ninguém tem uma resposta boa o suficiente.

Temos a sensação de que as soluções encontradas para a crise de 2008 só empurraram os problemas para a frente. Os trilhões de dólares despejados para salvar os bancos foram outra medida momentânea, talvez a mais fácil para se evitar uma questão politicamente muito difícil: quem vai pagar a conta. E o filme se repete.

A Europa reage fortemente à situação atual. A ajuda trilionária concedida em 2008 piorou o endividamento público, o desemprego (porque os recursos serviram mais à especulação do que ao investimento) e gerou pressão para a redução do Orçamento, no momento em que os programas sociais são mais necessários.

Nos EUA, a pressão vem do “outro lado”, de setores que têm força política e não estão dispostos a usá-la para uma mediação. Ao contrário, preferem o confronto, o impasse.

Todos ficamos assustados com o nível de radicalismo ideológico de uma parcela minoritária e significativa da sociedade americana.

Quando a maior democracia do mundo quase coloca o país numa situação de insolvência por disputas políticas irracionais, com repercussões graves para o resto mundo… alguma coisa está fora da ordem. E não é só na economia.

Muitos analistas avaliam que podemos chegar a uma situação parecida com a da crise de 1929. Pode ser pior.

Hoje, o mundo parece estar padecendo não do problema da falta de recursos para resolver a crise financeira que usurpa e sabota o futuro das economias. Como alguém já disse, nosso maior padecimento é o mal do excesso de ambição, de consumo, de poder e de pressão pelo sucesso.

Como tão bem retratou Charles Ferguson no filme “Trabalho Interno”, ganhador do Oscar de melhor documentário deste ano, o grande problema é o da “falta da falta”, sobretudo de sentido público e de vergonha por não mais se usar a ética como guia para referenciar escolhas e ações.

Se algo está realmente fora da ordem, é a falta de valores. A crise na economia é apenas uma das consequências.



* Artigo da ambientalista brasileira Marina Silva publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo em 12 de agosto de 2011.

Obs.: A ilustração e a epígrafe foram escolhas minhas.

domingo, 28 de agosto de 2011

OXENTE! SUSTENTA A TACADA...


“Deu em todo canto (no caso, especificamente, no jornal Folha de S. Paulo): ‘A ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, apresentou duas emendas parlamentares em benefício de ONG ligada a um assessor no Senado. A verba, no total de R$ 200 mil, foi destinada pela então senadora Ideli, que exercia o mandato pelo PT de Santa Catarina, ao Centro de Elaborações, Assessoria e Desenvolvimento de Projetos (Cesap), com sede em Florianópolis. Do volume de recursos encaminhados para a entidade pela ministra, R$ 148 mil já foram pagos pelo governo...’”.




Marina Silva fala aos magistrados e servidores do TJDFT sobre os desafios da sustentabilidade




Os magistrados e servidores do TJDFT [Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios] receberam na manhã de hoje, 25/8, a ex-senadora e ativista ambiental Marina Silva, que palestrou para um auditório lotado sobre "Os Desafios do Desenvolvimento Sustentável no Brasil". A palestra fez parte do projeto de educação corporativa "Em Dia com a História", da Escola de Administração Judiciária do Tribunal, voltada a promover a reflexão de temas importantes da contemporaneidade e oportunizar aos servidores ampliar a visão e a capacidade crítica, por meio de palestras com personalidades e intelectuais de diversas áreas.

A ex-canditada à Presidência da República do Brasil, reconhecida no país e no mundo pela sua atuação nas áreas de meio ambiente, social e de sustentabilidade, foi recebida por uma plateia lotada de servidores, e saudada pelos Desembargadores Dácio Vieira, no exercício da Presidência, Sérgio Bittencourt, Corregedor da Justiça do DF, e Mário Machado, Coordenador Geral dos Cursos da Escola de Administração Judiciária, e pelo juiz Gilmar Soriano, Presidente da Associação dos Magistrados do DF - AMAGIS.

Ao saudar a palestrante, o Des. Dácio Vieira enalteceu sua trajetória de vida, relatando sua evolução acadêmica e seu notável saber, e a luta na defesa dos recursos naturais, voltada ao desenvolvimento sustentável. Na ocasião, lembrou que o TJDFT implantou o Programa de Responsabilidade Socioambiental do TJDFT, Viver Direito, e recentemente entregou à população o Fórum Verde, o primeiro edifício do Judiciário construído com padrões de sustentabilidade. "Estes foram os primeiros passos do Tribunal em direção ao desenvolvimento sustentável, mas sabemos que ainda temos um longo caminho a percorrer", comentou.

A palestrante elogiou as iniciativas do Tribunal do DF e explanou a sua visão sobre as necessidades, oportunidades e os desequilíbrios da sustentabilidade no mundo atual: "Vivemos num momento em que a humanidade passa por uma crise civilizatória. Conquistamos muito, e o ser humano tende a se acomodar quando alcança grandes conquistas, e costuma entrar em desequilíbrio", falou.

Descreveu quais são as crises que desafiam a sustentabilidade: a crise econômica (por que passam hoje os países europeus, os Estados Unidos e o Japão, com repercussão em todo o mundo, e a decorrente perda de milhões de empregos); a crise social ("o andar de baixo da humanidade vive há anos com menos de dois dólares por dia, mas quando a crise econômica atingiu o andar de cima, e o contribuinte comum passou a pagar a conta, é que se voltaram os olhos para a crise social"); a crise ambiental ("consumimos 30% a mais hoje que o planeta é capaz de regenerar"); a crise política ("as pessoas devem se conscientizar que as mudanças devem partir delas, e não de salvadores da pátria e devem exigir os valores aos políticos, autores da leis a serem utilizadas pelo Judiciário"); e a crise ética ("não se pode admitir que existam pessoas de 1ª e de 2ª categoria").

A palestrante encerrou sua apresentação, afirmando a necessidade de voltarmos aos valores da humanidade: "ser, ao invés de ter ou fazer", demonstrando com exemplos históricos a evolução da humanidade e a crise gerada pelo excesso do consumo. "Precisamos de uma forma mais generosa de ser com nós mesmos, com as pessoas e com o mundo e a natureza", afirmou.

Muito aplaudida pela plateia, Marina Silva recebeu um agradecimento especial do Presidente em exercício: "é um privilégio ouvi-la, suas palavras abrem a mente de todos para a reflexão da visão do futuro que queremos. A partir de hoje, nós magistrados e servidores estaremos mais preparados para compartilhar da sua visão não somente nos julgamentos, mas também na família e na sociedade", declarou.



Clique no link abaixo e saiba mais sobre o programa socioambiental Viver Direito, desenvolvido pelo TJDFT desde 2008.



Transcrito do site oficial da ambientalista brasileira Marina Silva.

Obs.: A ilustração e a epígrafe foram escolhas minhas.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

OS EQUÍVOCOS DO CÓDIGO FLORESTAL


"A natureza pode suprir todas as necessidades do homem, menos a sua ganância...".

Gandhi (1869 - 1948)
Advogado e pacifista indiano




Deu no site oficial da ambientalista Marina Silva nesta terça-feira, 23:


Senado pode corrigir 'equívocos' do código, diz Marina


A ex-senadora Marina Silva disse hoje que o Senado terá a possibilidade de corrigir "os equívocos" aprovados pela Câmara no projeto do novo Código Florestal. "O Senado é uma casa que pode nos surpreender positivamente, já que a Câmara viveu um desalinhamento com a sociedade", afirmou, após se reunir na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) para discutir a nova legislação ambiental.

Marina citou pesquisa do Instituto Datafolha que apontou que 80% da população não concorda com as mudanças propostas pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB), relator do projeto. "O Senado tem a oportunidade de fazer esse realinhamento, de forma que os 81 senadores possam estar mais convergentes com os 80% da população, reparando os equívocos cometidos na Câmara", disse a ex-senadora, citando como exemplos a anistia aos desmatadores, a diminuição das Áreas de Proteção Permanente (APPs), a liberação de exploração agrícola e pecuária no topo de morros e a permissão para que cada Estado faça uma legislação regional do código.

Esta última questão, de acordo com Marina, cria uma espécie de "vale-tudo florestal". "A norma é geral, mas não significa que tenha de ser genérica", explicou. "A norma deve regular os 27 Estados da federação e os Estados podem agir complementarmente, não para reduzir as áreas de preservação, mas para criarem instrumentos que viabilizem seu uso sustentável e que possibilitem o aumento da produção e o ganho de produtividade sem expandir a fronteira agrícola".

Na avaliação de Marina, a presidente Dilma Rousseff deve trabalhar para que a base aliada no Senado não aprove o texto. "A aprovação do texto do deputado Aldo Rebelo vai na contramão dos compromissos que a presidente assumiu com a sociedade, que é vetar qualquer lei que signifique qualquer aumento do desmatamento e anistia aos desmatadores", disse. "Se for aprovado desse jeito, terá de ser vetado".

Obs.: A ilustração e a epígrafe foram escolhas minhas.


Nathalie Bernardo da Câmara



quinta-feira, 25 de agosto de 2011

SAUDADE DE UM TEMPO QUE SE FOI...


“A morte não é a maior perda da vida. A maior perda da vida é o que morre dentro de nós enquanto vivemos...”.

Pablo Picasso (1881 - 1973)
Pintor espanhol




A vida passa mais dolorosa quando pensamos nas perdas que já tivemos. É a idade passando, o tempo... Algumas perdas foram marcantes. Três delas de jovens mulheres, precocemente morrendo, por nada. Uma de um acidente vascular cerebral - AVC, aos 33 anos de idade, e outras duas, com 40 e poucos anos, com um tumor no cérebro – ando a lembrar das minhas amigas (quantas boas lembranças). Perdas irreparáveis. Às vezes, quando me lembro da vitalidade que emanava das suas outrora ativas vidas, excomungo Deus e o Diabo – uma injustiça. E sinto saudade. Dói sentir saudade – o banzo do angolano. E, definitivamente, saudade é um troço que parte o nosso coração. Já o é de gente viva, imagine, então, de quem já perdemos de verdade, cuja distância é irreversível! A gente envelhece por dentro, verga mais do que o habitual – não é normal vergar um corpo... 


Nathalie Bernardo da Câmara


terça-feira, 23 de agosto de 2011

UM ÍCONE DA MPB


“Todos os artistas, os verdadeiros artistas, abominam a sujeição e adoram a independência...”.

Honoré de Balzac (1799 - 1850)
Escritor francês




Não podemos deixar passar o mês de agosto sem homenagear os 70 anos de idade do grande intérprete brasileiro que é Ney Matogrosso, ocorrido no dia 1º de agosto. Cara de moço. Novo em folha. Haja vitalidade! Considerada pelo teórico, crítico e ensaísta polonês Yan Michalski (1932 - 1990) o monstro sagrado do teatro brasileiro, Dulcina de Moraes (1908 - 1996) apurou e deu carta branca ao cara, que, certa feita, passou por Brasília, onde, desde 1972, a grande dama dava novas feições a sua Fundação Brasileira de Teatro - FBT. E, assim, ganhamos um brilhante: NEY MATOGROSSO.

Nathalie Bernardo da Câmara




domingo, 21 de agosto de 2011

O SONHO SUSTENTÁVEL


“Ambiente limpo não é o que mais se limpara e sim o que menos se suja...”.

Chico Xavier (1910 - 2002)
Espiritualista brasileiro




Às vezes me perguntam sobre o movimento “ecológico” na Amazônia, do qual participei ao lado de Chico Mendes. Respondo, para surpresa de algumas pessoas, que no início nem conhecíamos o significado da palavra “ecologia”. Para nós tratava-se, simplesmente, da sobrevivência. O desmatamento de grandes áreas para instalação da pecuária representava uma ameaça direta à vida de milhares de famílias no interior da floresta. Expulsas, elas estavam condenadas a uma vida miserável na periferia das cidades. Lutávamos contra isso. Somente depois -e aos poucos- nos demos conta de que o nosso movimento não defendia apenas os seringueiros, mas também uma maneira de relacionar-se com a natureza. Percebemos que a floresta amazônica era muito importante para toda a humanidade. E a palavra “ecologia” entrou no nosso dicionário. A mesma coisa se deu com essa expressão, hoje tão conhecida: “desenvolvimento sustentável”. Não conhecíamos o relatório da ONU, elaborado em 1986, que colocou em circulação essa expressão. Mas tínhamos a sustentabilidade como uma espécie de critério básico para julgar tudo aquilo que recusávamos e também o que reivindicávamos. Dessa forma, considerávamos errado desmatar a floresta para plantar capim e exportar madeira para depois comprar móveis. Condenávamos a divisão de lotes “quadrados” para colonização agrícola e a legislação que considerava o desmatamento uma benfeitoria.

Tivemos que elaborar propostas, buscar alternativas práticas. Então começamos a falar na agricultura permanente, na valorização dos produtos da floresta e em uma reforma agrária adaptada às especificidades da região amazônica. A descoberta de aliados externos, especialmente na comunidade científica, ajudou a formular melhor os conceitos com os quais trabalhávamos intuitivamente. Sindicatos e organizações não-governamentais começaram a firmar convênios com universidades e institutos de pesquisa. Surgiram, então, caracterizações mais gerais para um modelo de desenvolvimento baseado no agro-extrativismo, na agroindústria, no manejo florestal.

Nossa principal proposta, a partir de 1985, passou a ser a criação das Reservas Extrativistas. Essa proposta juntava três aspectos básicos do tipo de desenvolvimento que propúnhamos: conservação ambiental, economia cooperativa e atendimento de demandas sociais, especialmente saúde e educação. Uma reserva extrativista é uma área de floresta em que não se demarcam lotes, mas o perímetro, como numa área indígena. No seu interior, as famílias se distribuem conforme a tradição, de acordo com a distribuição natural dos recursos (água, madeira, seringa, castanha, caça etc.). Vendem seus produtos e compram mercadorias através de cooperativas. Uma rede de escolas e postos de saúde, com um tipo de educação e medicina adequados à cultura popular, completa a estruturação.

Os benefícios sociais desse modelo são inquestionáveis: distribui terra, evita o êxodo rural, possibilita a cidadania. Mas a pressão do “progresso” por lucros imediatos nos obrigou a buscar formas de demonstrar a viabilidade econômica de nossas propostas. Desde então, as pesquisas científicas tem fornecidos as respostas de que necessitávamos. A importância internacional conquistada pela biotecnologia mostrou a riqueza que a Amazônia coloca à disposição do Brasil. Não foi por acaso que existiu tantos interesses em torno da aprovação da Lei de Patentes. Trata-se de uma disputa internacional pelo domínio e utilização dessa riqueza.

Mas, apesar do aval técnico e científico que encontramos, nosso critério fundamental continuou sendo a prática. Hoje vemos, com alegria, o surgimento dos primeiros frutos nos projetos econômicos e sociais que apoiamos. Mesmo sem apoio dos governos, enfrentando boicotes e perseguições, as comunidades da floresta começam a demonstrar evidentes possibilidades de melhoria de vida. Suas cooperativas, usinas de beneficiamento, projetos agro-florestais e até mesmo suas escolas e postos de saúde, tornam-se os principais sustentáculos econômicos dos municípios onde se situam. Enquanto isso, a pecuária extensiva mostra que não se sustenta sem o protecionismo estatal e a exploração madeireira deixa um rastro de miséria e destruição por onde passa.

Infelizmente, embora os governos usem cada vez mais a expressão “desenvolvimento sustentável” em seus discursos, a prática oficial continua sendo o principal entrave. As oligarquias e os especuladores ainda vicejam à sombra dos incentivos estatais. As linhas de crédito favorecem grandes empresas e latifundiários. Os projetos de real importância social ficam travados pela burocracia. Os institutos de pesquisa morrem à míngua. A fiscalização e punição dos crimes ambientais quase inexistem. Penso que será necessária uma grande mudança política para que os rumos do desenvolvimento econômico sejam mudados e a tão propalada sustentabilidade deixe de ser um sonho.

Que uma mudança vai acontecer, disso não tenho dúvidas. A questão ambiental, que está na essência da proposta do desenvolvimento sustentável, não é um modismo passageiro. A população do mundo cresceu muito nas últimas décadas. Os recursos naturais tornam-se cada vez mais escassos. A utilização do petróleo como principal fonte de energia tem prazo de poucas décadas para terminar. As novas tecnologias, especialmente derivadas da biologia e da informática, estão modificando as culturas, os estados e os mercados. Todos esses fatores empurram o mundo para a superação dos modelos econômicos atuais e para a descoberta de novos modelos, mais ágeis e adequados tanto às mudanças globais quanto às demandas regionais e até comunitárias.

Quem vive nas grandes cidades percebe: a crise -de que tanto se fala- não é apenas econômica ou política, é de toda a civilização humana. A sociedade da indústria e do consumo gerou megalópoles insustentáveis e esvaziou as áreas rurais. A condição para sair da crise é uma profunda renovação de valores. Não tenho dúvidas de que essa renovação ética só poderá ocorrer se estiver fundamentada num novo relacionamento do homem com a natureza.

Em resumo, o debate sobre desenvolvimento sustentável está apenas no início. Por isso mesmo, considero uma tarefa fundamental do Estado brasileiro, neste final de milênio, estabelecer uma moratória na devastação do ambiente. A Amazônia, o Pantanal, a Mata Atlântica, as águas dos rios e do mar, a madeira, os minérios, as ervas, o ar, tudo o que Deus colocou nessa porção do planeta em que vivemos é tão importante para o futuro que não pode continuar servindo a um “progresso” econômico ilusório, predatório e especulativo. É um crime contra a humanidade sacrificar os recursos do milênio pelo lucro de uma década.

Também é crime imperdoável colocar em risco as populações tradicionais, com sua cultura variada e rica, com seus conhecimentos e valores. Especialmente quando esse crime é cometido em nome de um desenvolvimento baseado na simples imitação de valores externos, na obsessão de pertencer ao “primeiro mundo”, condenando a maioria do povo brasileiro à exclusão e ao apartheid para que uma minoria possa comprar quinquilharias.

A idéia do desenvolvimento sustentado é um sinal de alerta. Um critério básico para avaliar os rumos da civilização e mudar enquanto é tempo. Fico contente de que seringueiros e índios da Amazônia tenham compreendido, na prática, a importância dessa idéia e que isso tenha nos possibilitado um encontro criativo com as parcelas mais lúcidas dos outros povos. Rezo para que outros brasileiros não cheguem tarde demais a esse encontro.

Artigo escrito em 2000 pela ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva e publicado em seu blog no dia 18 de agosto de 2011.

Obs.: A ilustração e a epígrafe foram escolhas minhas.

Nathalie Bernardo da Câmara

sábado, 20 de agosto de 2011



“Democracia neste país é relativa, mas corrupção é absoluta...”.

Paulo Brossard
Advogado, jurista e político brasileiro




Corrupção mata. Entender isso é fundamental para atacar um dos males que mais empatam o desenvolvimento socioeconômico e político do Brasil. Ainda há quem não veja a conexão entre corrupção e violência, mas elas estão intimamente ligadas.

Da mesma forma, devemos entender que a baixa eficiência e o mau funcionamento dos serviços do Estado estão tremendamente relacionados à cultura da corrupção, ao patrimonialismo, à falta de transparência e à baixa capacidade de mobilização social.

A morte da juíza Patrícia Acioli, no Rio, não é apenas um crime brutal. A execução de uma servidora pública correta e rigorosa com os crimes, principalmente os cometidos por agentes públicos, revela a força que as máfias têm no país. E o tamanho que elas adquiriram, graças à corrupção.

Quando a propina chancela e incentiva o desvio de conduta, torna-o cada vez maior. E chega a um ponto em que vê na lei um obstáculo que precisa ser removido, tirando do caminho quem a faz cumprir.

É na má política que se choca o ovo da serpente da violência policial e das relações espúrias entre poder de Estado e delinquência. Quem assistiu aos filmes de José Padilha “Tropa de Elite” e “Tropa de Elite 2″ pode ver como a propina de todo dia fortalece a mão que aperta o gatilho contra os inocentes.

A morte de Patrícia Acioli é uma afronta ao Estado democrático de Direito. Ela não é apenas mais uma vítima. Era alguém que, no desempenho de suas funções, buscava combater a barbárie de grupos que querem controlar a vida de quem mora na periferia e, claro, o próprio Estado.

Matar uma juíza revela enorme convicção da própria impunidade. É uma declaração de guerra às leis, à democracia e à sociedade. Assim como é inaceitável que o Brasil conviva com a execução de uma juíza, também não é mais tolerável convivermos com o nível de corrupção que tem marcado o nosso país.

Vemos, na mídia, como a Índia, país com problemas maiores do que os nossos, desperta vigorosamente para o combate à corrupção. E o que falta para o Brasil? Quanto mais indignada for a resposta da sociedade aos escândalos e aos homicídios de cada dia, maior será o poder de reação contra essas mazelas no âmbito do próprio Estado.

A autoridade pública da menor à maior se sentirá fortalecida e incentivada a agir contra a corrupção, que é, em si, uma forma de violência contra a coletividade.

A faxina, então, deixa de ser rápida, como se faz quando chega uma visita inesperada, e passa a ser permanente, vigorosa, profunda. É desse nível de exigência que precisamos. Se nos acostumarmos a deixar barato, perderemos o controle do que é público, do que é de todos nós.

* Artigo da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva publicado originalmente No jornal Folha de S. Paulo em 19 de agosto de 2011.

Obs.: A ilustração e a epígrafe foram escolhas minhas.


Nathalie Bernardo da Câmara 

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O DESAGRAVO DO JUÍZO


“A covardia é a mãe da crueldade...”.

Montaigne (1533 - 1592)
Escritor francês




Sem muitos comentários sobre o brutal assassinato – haja redundância! – da juíza brasileira Patrícia Accioli, 47, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, ocorrido na última quinta-feira, 11. A quantidade de balas (21) – uma covardia –, calibre 40 e 45, destinada à juíza revelou apenas a fraqueza moral e a ruindade do sangue do (s) mandante (s) e as dos atiradores. Que eles sejam pegos, mandante (s) e atiradores, trancafiados em solitárias e a chave das mesmas atiradas no fundo das águas da Baía da Guanabara, que, de tão poluídas, nem mergulhadores profissionais atreveriam mergulhar. E, apesar de eu ser contra toda forma de tortura – não importa o torturado nem o torturador –, que eles passassem fome e frio, pelados que ficariam em suas celas – uma pena digna do crime bárbaro que cometeram. Repulsivo!


Nathalie Bernardo da Câmara


terça-feira, 16 de agosto de 2011

LOURINHO, O FLAMENGO E XUXA

“A língua é uma arma com munição infinita...”.

Claudiney Ribeiro
Filósofo brasileiro


Ele é uma graça! Mal a sua dona chega, uma amiga, ele reconhece a sua presença e fala o seu nome, a saudando, todo sedutor, e, de repente, do alto do seu pedestal, nos surpreendendo, se vira para a convidada, eu, e, imponente, diz: — bom dia! Porém, quando menos se espera, entre um café e outro, me espanto quando ele, cuja ração é a palavra, começa a entoar o hino do Flamengo, time de futebol brasileiro, do qual é torcedor doente – uma espécie de identificação, tipo RG. Lá pelas tantas, ainda, como se fosse algo banal, a coisa mais normal do mundo, cantarola Ilá, Ilá, Iláriê, clássico infantil da atriz e apresentadora brasileira Xuxa Meneghel – quem aguenta isso sem rir? Só que, segundo me consta, ninguém ensinou nada ao presepeiro do papagaio, que a minha amiga chama de Lourinho, logo passando a debochar de um e de outro e que, pelo visto, é autodidata. Podia até, quem sabe, fazer dobradinha com o companheiro de cena da apresentadora brasileira Ana Maria Braga, o Louro José, que, por sua vez, torce pelo Corinthians.


Segundo Marta Brito Guimarães, veterinária brasileira do Ambulatório de Aves da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP (Universidade de São Paulo), em matéria da jornalista brasileira Camila Fernandes, do R7, a ave [papagaio] da família dos psitacídeos, da qual também fazem parte os periquitos, maritacas, cacatuas e araras, tem uma grande capacidade de imitar sons dos mais variados tipos, principalmente a voz humana.

— Os papagaios não falam, eles imitam, reproduzem o que ouvem. Essas aves possuem um órgão chamado siringe, que fica localizada na traqueia e que tem a mesma função das cordas vocais nos seres humanos, explica a veterinária.

O papagaio pode aprender a falar a partir dos dois meses de idade até se tornar adulto, mas no primeiro ano de vida ele assimila melhor o que ouve.

Existem alguns animais que falam mais que os outros, alguns mais introspectivos e outros mais “falantes”. O temperamento da ave vai depender da personalidade e do incentivo do dono para que o animal reproduza os sons.

Aliás, incentivar o papagaio a falar é considerado saudável, se feito de maneira correta.

— É importante a interação com as pessoas, pois assim a ave se mantém ativa e distraída, mas o estímulo para a imitação não pode ser num volume alto, de forma intensa e com grande variedade de palavras. O papagaio deve ser estimulado com um vocabulário pequeno no início, repetidas vezes, e ganhar um brinde ou alimento que mais goste depois de repetir corretamente. Caso o estímulo seja constante e alto, ele pode ficar estressado, não imitar os sons e ainda apresentar doenças, explica Marta.

Antes de adquirir um papagaio é bom saber que essa ave é um animal silvestre e que para ser considerado legal deve ser comprado em algum criadouro registrado no Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], ter nota fiscal e uma anilha de identificação. Caso contrário o animal é considerado ilegal, podendo a pessoa portadora da ave responder pela lei de crimes ambientais, além de ter que pagar uma multa e ter o animal apreendido.




Para rir...


O motoqueiro ia indo pela estrada quando, de repente, sente alguma coisa batendo em seu capacete. Ele parou a moto e, quando olhou para trás, viu que tinha sido um papagaio que tinha batido em seu capacete. Ele fez de tudo para reanimar a ave desfalecida... Nada! Atrasado para o trabalho, o motoqueiro pegou o bichinho, voltou para casa e o colocou em uma gaiola com agua e comida. Duas horas depois, o papagaio acordou. Olhou para um lado e olhou para o outro. Ninguém. Vendo-se sozinho, supostamente atrás de grades, pensou: ai, caramba, matei o motoqueiro!


Nathalie Bernardo da Câmara


sábado, 13 de agosto de 2011

QUANTO, A DIÁRIA?


"Corrupção, a partir de certo nível, exige que todos sejam corruptos. Quem se recusa é alvo de pressões insustentáveis. É um processo de seleção negativo...".

Ladislau Dowbor
Economista político brasileiro

*******

"A corrupção de um é a geração de outro...".

Dante Alighieri (1265 - 1321)
Escritor italiano




Quem conhece o PT que o compre! Eu, particularmente, quero distância... Quero o meu ambiente por inteiro. E, assim, vejamos um artigo da jornalista brasileira Ruth de Aquino sobre uma não tão especificada faxina ética supostamente promovida por la presidenta Dilma Rousseff em seu governo.



É faxina ou fachada?
Por Ruth de Aquino


Dilma, apelidada de “a diarista” pela faxina ética no governo, não percebeu o lixo no Turismo porque não quis. Na Agricultura e nos Transportes, a presidente pegou firme na vassoura. Mesmo quem não votou nela apoiou. Enfim, alguém começava a espanar os sujismundos em Brasília. Mas, no Turismo apadrinhado por Sarney, a diarista foi surpreendida pela limpeza promovida por 200 homens da Polícia Federal.

Só o PMDB apostava um centavo na lisura de um ministério comandado por Pedro Novais, conterrâneo do presidente vitalício do Senado, José Sarney. Para refrescar a memória,Novais, antes de assumir o Turismo, foi reembolsado pela Câmara por uma festa com 15 casais no Motel Caribe, de São Luís. Octogenário como seu mestre, casado, Novais culpou os assessores pelo “erro”. Assumiu um ministério que planejava investir R$ 257 milhões e treinar 230 mil pessoas para receber turistas na Copa do Mundo em 2014.

Isso não significa que o maranhense esteja implicado no novo escândalo – embora tenha pensado em pedir demissão. Os convênios fraudulentos para treinar agentes de turismo no Amapá e no Paraná foram assinados em 2009, quando o PT e a turma da senadora Marta Suplicy estavam no comando.

Pense bem: turismo milionário no Amapá? O Estado que em 2006 elegeu Sarney senador recebeu, no ano passado, 459 turistas estrangeiros. A maior atração é a pororoca.

Agora, a pororoca foi transferida para Brasília. Denúncias em cascata dão um ar de novela. “Insensata Corrupção” é acompanhada diariamente pelo povo. Gravações mostram empresários se tratando de “bicho” e “animal”, no capítulo dedicado ao Amapá. O ministro da Agricultura demitido por Dilma diz:“Eu não sou lixo”. Esperamos que não seja reciclável.

O roteiro da novela é confuso porque surgem mais figurantes, siglas e partidos políticos.O dinheiro desviado costuma ser estratosférico, uma grana que 99% dos brasileiros jamais verão na vida. Computadores são confiscados, sigilos são quebrados, mas os maiores amigos do poder são poupados. As maldades dos vilões chocam até a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB): “As acusações geram perplexidade, insegurança e indignação”. Os bispos alertam: “Sacrificar os bens devidos a todos é um crime que clama aos céus por lesar sobretudo os pobres”. Nem ateus discordariam.

Dilma e seu vice-presidente,Michel Temer, também estão “chocados”. Mas não com as ONGs de fachada, as notas fiscais falsas e a conivência de servidores num ministério que deveria servir de exemplo em véspera de Olimpíada e Copa. Estão indignados com as algemas usadas pelos policiais federais.“Pegou mal”, disse Temer.“Uma cinte”,disse Dilma.“Uma operação atabalhoada”, afirmou o Planalto.O presidente da Federação dos Policiais Federais,Marcos Wink, defendeu algemas para todos:“Devem ser usadas no secretário do ministério, assim como no Joãozinho da Silva lá na favela”.

No centro da pororoca, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, fazia cara de paisagem. Garantiu desconhecer a operação que prendeu 36 pessoas no Turismo por desvio de verba. Nossa presidente não gostou. Pretende manter o controle de sua faxina seletiva e não deixar degringolar os próximos capítulos. A roteirista é ela.

Cara Dilma, começou, tem de ir até o fim. Não dá para limpar só os quartos e a cozinha. Procure os cantos das salas de estar e jantar. Retire dos armários os cabides de empregos, onde estão pendurados afilhados políticos e parentes de caciques do PMDB e do PT. Filhos, ex-mulheres, sobrinhos. Contratados sem concurso. Assuste os fantasmas, porque a opinião pública vai apoiar. Mesmo que a senhora não concorde que Ideli é “fraquinha”, desautorize- a a falar bobagens. É risível ouvir de sua comadre que a operação da PF foi “armação da imprensa”.

Não se deixe intimidar pela tal “base” rebelada.A democracia não será aperfeiçoada se seu governo liberar R$ 1 bilhão em emendas para esse bando concordar em votar o que interessa à nação.Há algo mais ridículo do que congressistas de braços cruzados, ameaçando uma “greve branca” contra a faxina? Com amigos assim, uma diarista não precisa de inimigos.



UM PÉ DE QUÊ?


“O Código Florestal está ameaçado...”.

Abaixo-assinado rolando...




Na quinta-feira, 11, mais um apelo fervoroso e necessário da ambientalista brasileira Marina Silva em defesa da probidade do novo Código Florestal brasileiro deu-se no encontro Estadão & Cultura, promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo. Falando nisso, acabou a censura imposta ao periódico pelo senador José Sarney (PMDB-AP) e por Lula?

Enfim! De acordo com o jornal, a ex-ministra do Meio Ambiente espera que que o Senado conserte os erros da Câmara Federal, que aprovou o substitutivo do Código Florestal apoiado pela bancada ruralista. Para ela, a mobilização da população é fundamental.

"Podemos criar formas sui generis de mobilização, para que os senadores se sintam politicamente estimulados e eticamente constrangidos a consertar o que foi feito na Câmara", afirmou a ex-ministra no auditório lotado da Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, em São Paulo.

Marina lembrou que a discussão sobre o Código Florestal é muito antiga: desde a primeira versão da lei, promulgada em 1934, já havia uma preocupação com os rumos da ocupação e do uso do solo no País. "Quando a primeira versão do Código Florestal foi pensada, já havia um alerta vermelho para o fato de estarmos indo por um caminho perigoso", disse Marina.

Ela afirmou que um dos problemas causados pela discussão polarizada que se deu na Câmara dos Deputados foi tentar pintar a legislação ambiental como fruto de interesses externos ao País. "Essa legislação é fruto dos brasileiros, da academia, e não de ONGs estrangeiras, como andam dizendo."

Marina disse, ainda, que existem áreas que devem ser preservadas, outras que devem ser manejadas, e áreas em que se deve consolidar a agricultura. "O que não podemos é impactar os recursos dos quais dependem milhares de pessoas em nome de um enriquecimento rápido e de curto prazo."



Nathalie Bernardo da Câmara


sexta-feira, 12 de agosto de 2011

DIRETO DO SITE OFICIAL DE MARINA SILVA


“Estou disposta a ouvir tudo o que ela me diz...”.

Henning Mankell
Escritor sueco




Brasil vive crise política,
afirma Marina Silva


Dona de 20 milhões de votos nas últimas eleições presidenciais, a ex-senadora Marina Silva (AC) afirma que está buscando uma nova forma de fazer política no Brasil. Após passar pelo PT e PV, Marina, que agora está sem partido, ressalta que o Brasil está vivendo uma crise da instituição política.

“Devemos ter uma discussão no sentido de se perguntar qual é a nova forma de ser fazer política que o Brasil e o mundo precisam. Uma forma que beneficia a sociedade. Essa nova forma no lugar da velha ideia de projeto de poder pelo poder.”

Marina também reforça que escândalos de corrupção dentro dos governos ajudam a manchar o cenário político nacional.

“Existe um desgaste que é fruto da falência do sistema político brasileiro e da falta de percepção que precisamos discutir a instituição política no Brasil. Os ganhos que tivemos na área social e na área econômica nos últimos 16 anos podem ser perdidos se não formos capazes de nos recriarmos e reinventarmos na política. Hoje sem sombra de dúvidas é a política um dos piores retrocessos de nosso país.”

Questionada sobre a criação de um novo partido, a ex-senadora afirma que não se deve construir um partido de forma exacerbada para concorrer eleições. Para ela, os partidos devem ser feitos com cuidado e coerência e quando se tem ideias e visão de país.

“Os partidos que foram criados com grandes discussões, como o caso do PV, PT, e do PSDB – que saiu do PMDB – acabaram dando no que hoje estamos vendo, com situações que são imperdoáveis do ponto de vista dos objetivos iniciais desses partidos. Não quero participar em nada dessa natureza”.


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

AS PESSOAS PERDERAM A NOÇÃO...


“O caminho do homem tolo é difícil e sinuoso...”.

Aucenir Gouveia
Poeta brasileiro




No dia 03 de agosto de 2011, a jornalista brasileira Ruth de Aquino publicou em sua coluna Nossa Antena, na revista Época, acerca de uma dada epidemia. Seria a da dengue? Muitos poderiam pensar. Não. Longe disso... Por mais incrível que possa parecer, são os acidentes de trânsito, que degolam um. Vejamos o referido texto...




Uma epidemia que mata 100 por dia
Por Ruth de Aquino




“A causa não é fome, guerra, vírus ou bactéria. Uma vida se perde a cada 15 minutos em acidentes de trânsito no Brasil. Olhe seu relógio e pense: “100 brasileiros morrem a cada 24 horas em ferragens, no asfalto e na calçada”. Por ano, são 36 mil – no cálculo mais conservador. Esses são os mortos. Sem contar os amputados e paraplégicos. Motoristas, passageiros, pedestres, ciclistas, motociclistas. Eu sei, você sabe. E quem dirige carros potentes, alcoolizado e a 150 quilômetros por hora também sabe.

Desastres recentes, no Estado de São Paulo, envolveram gente de muita grana e na idade mais perigosa segundo as estatísticas da violência sobre rodas: entre 20 e 30 anos.

A nutricionista Gabriella Guerrero Pereira, de 28 anos, perdeu o controle do Land Rover blindado e atropelou na calçada o administrador Vítor Gurman, de 24, na Rua Natingui, na Vila Madalena, bairro com bares e restaurantes lotados à noite. Gabriella deu entrevista, chorou, disse que assumiu a direção do carro “robusto mas instável” porque o namorado estava bêbado. “A rua é muito estreita para a proporção do carro. O acidente aconteceu”, disse ela. Gabriella não fez exame de bafômetro “porque o PM não pediu”. O PM desmentiu. Disse que ela se recusou. Vítor morreu dias depois do atropelamento.

O engenheiro Marcelo Malvio Alvez de Lima, de 36 anos, dirigia um Porsche na Rua Tabapuã, no bairro Itaim Bibi. Num cruzamento, chocou-se com o Tucson da advogada Carolina Menezes Cintra Santos, de 28 anos. Carolina tinha cometido um erro: ela passava o sinal vermelho lentamente, quando foi atingida pelo Porsche de Marcelo. O engenheiro foi acusado de estar a 150 quilômetros por hora, numa rua que permite velocidade máxima de 60 quilômetros por hora. Ele nega. “Não sou bandido”, disse, em entrevista. Tinha bebido, segundo ele, “não mais do que duas taças de vinho”. Não gostou de ficar conhecido como o “dono do Porsche”. Sobre o desastre, afirmou: “Aconteceu um acidente, ela faleceu, com certeza isso estava nos planos de Deus”. Marcelo pagou R$ 300 mil de fiança. Carolina morreu no instante da colisão.

O administrador João Luís Raiza Filho, de 30 anos, perdeu o controle de seu Chevrolet Camaro, subiu no canteiro de uma praça em São Bernardo do Campo, bateu em árvores e derrubou um muro. Como estava nu da cintura para baixo, um PM precisou emprestar a ele uma cueca para sair do carro. No banco ao lado do motorista, havia uma garrafa vazia de uísque. Raiza Filho já foi personagem de “Nossa Antena”. Em outubro de 2007, o playboy, então com 27 anos, destruiu sua Ferrari na véspera do GP de Fórmula 1 em São Paulo. Bateu sob um viaduto. Deu cabeçada na boca de um cinegrafista. Teve de pagar R$ 3 mil pela agressão. Há quatro anos, esta coluna dizia o seguinte: “Numa sociedade em que nossos atos têm consequência, esse rapaz seria condenado a prestar serviços à comunidade. Se seu castigo for apenas trocar uma Ferrari por um Mercedes, nada mudará em sua vida”. E não mudou mesmo. Errei na marca do novo carro.

Raiza Filho não matou ninguém ainda. Mas é evidente que ele e milhões de motoristas são um perigo real para si e para a sociedade. Pilotam estimulados por álcool, deprimidos por drogas ou excitados pela sensação de onipotência. Ainda há os que simplesmente não sabem dirigir e não poderiam ter carteira de habilitação. Temos ao volante um exército de homicidas e suicidas em potencial. O trânsito brasileiro mata 2,5 vezes mais que nos Estados Unidos e 3,7 vezes mais que na Europa, segundo um estudo divulgado em dezembro de 2009.

“Não é possível que haja no Brasil muitos problemas mais graves do que 100 mortos em acidentes a cada dia.” A declaração é do diretor-geral de trânsito na Espanha, Pere Navarro Olivella, de 59 anos. A Espanha reduziu em 57% as mortes nas estradas. Não basta educar, é preciso vigiar e punir. As campanhas devem ser duras, segundo ele: “Ridicularizar infratores reincidentes, mostrar deficientes e crianças acidentadas na TV”. Acidente de trânsito “não é maldição divina e deve ser combatido como doença grave”, disse Olivella. Chega de culpar o destino e Deus. 



*******



No dia 23 de julho de 2010, eu publiquei neste blog uma postagem sobre o assunto, intitulada:





Lombada neles!


“O erro é a regra: a verdade é o acidente do erro...”.

Georges Duhamel (1884 - 1966)
Escritor francês




Confesso que não vi, porque o círculo de gente que estava ao redor não o permitiu, mas que alguém ou um corpo estava estendido no chão, como diz a canção, em pleno asfalto, entre uma faixa e outra, estava. Não tinha foto de gol, reza ou praga, nem, muito menos, um silêncio servindo de amém. Não tinha bar por perto, por isso não podia lotar. Não sei se o alguém ou o corpo era malandro ou trabalhador. Não houve discurso nem camelô vendeu coisa alguma. Tinha de um tudo, menos baiana para fazer pastel e um bom churrasco de gato. Não eram quatro horas da manhã nem nenhum santo baixou no porta-bandeira e ninguém tinha pressa de sair de perto para pensar em mulher ou time. Olhei de longe e atravessei a rua, deixando alguém ou um corpo para trás, estendido no chão. Fui embora...

Lembrei do fato descrito acima, que ocorreu, aliás, em junho de 2009, após a leitura do artigo A Punição sem educação, do ex-reitor da Universidade Estadual de Londrina, professor Wilmar Marçal, postado outro dia neste blog. Assim, como, à época, eu cheguei a fazer algumas anotações sobre o ocorrido, peguei a deixa do artigo do ex-reitor e busquei as tais informações em meus arquivos a fim de revê-las. O acidente, portanto, mencionado no primeiro parágrafo, tem sido, apenas, mais um de uma série incontável, de toda ordem, na rua Jaguarari, uma das principais vias de escoamento da cidade de Natal, que, por diversos motivos, não dá mais vazão à demanda de veículos que por ela trafega diariamente. O que é pior: os motoristas parecem incorporados pelo espírito de Airton Senna (1960 - 1994) ou o de algum kamikaze qualquer.









Sem falar nos que dirigem alcoolizados e nos que, por natureza ou circunstancialmente, desenvolvem instintos assassinos ou suicidas. E isso todos os dias. São colisões, atropelamentos etc. O trecho, por exemplo, onde alguém ou um corpo estava estendido no chão, é um dos mais perigosos da via, sobretudo se o motorista incauto vem das bandas do bairro de Candelária. Pensando que está em um autódromo, ele sai em disparada e, se pegar todos os sinais abertos, melhor ainda, devendo quem quiser escapar ileso, ficar longe do caminho do infeliz. É, infelizmente, as ocorrências não são poucas... A solução? Lombadas de betume, areia e brita. O velho quebra-molas, sim, embora muitos o tenham como ultrapassado. Não, os quebra-molas não estão ultrapassados. Ao contrário!








As lombadas talvez sejam a única solução para coibir certos abusos. Sim, porque, se mesmo colocando lombadas eletrônicas ou pardais, infrações são cometidas e a cobrança da multa chega, mas, logo, muitos dos infratores ou tentam subornar um funcionário do Departamento de Trânsito - Detran, para que ele libere-os da punição, ou liga para um amigo político, no caso de terem algum, e o dito cujo, por sua vez, por amizade ou já tendo em vista as eleições seguintes, também basta recorrer ao telefone para, não importa como, liquidar a dívida que lhe foi notificada, dando um jeitinho. E essa prática corrupta de há muito se tornou lugar-comum, não fazendo diferença alguma o lugar do Brasil onde ela ocorra. Em Brasília, por exemplo, solo capital, nem se fala! Com as suas vias largas, é um deus nos acuda.

Daí insistir nos considerados ultrapassados quebra-molas. E digo isso porque, eu mesma, já fui, e por diversas vezes, atemorizada por veículos conduzidos por insanos, que, por pouco, não me atropelaram. E isso é sério! Tanto que, dias após o acidente mencionado no início deste post, eu estava com um amigo quando encontrei três policiais em um posto de gasolina das redondezas onde o fato aconteceu. O meu amigo, indignado, comentou com os policiais sobre a balbúrdia do trânsito e pediu providências, reivindicando quebra-molas entre um sinal e outro da rua Jaguarari, coibindo, assim, que os motoristas acelerassem mais do que o permitido entre um e outro. Um dos policiais, contudo, no auge da estupidez, foi enfático ao dizer que era contra quebra-molas porque eles danificavam o seu carro.

Sei não, mas, quando me deparo com posturas como essa, fico a pensar nos critérios exigidos para que uma pessoa seja capaz e esteja apta para assumir não importa qual cargo ou função. No caso, a capacidade e a aptidão para vestir uma farda, representando uma força policial que, por sua vez, representa o terceiro poder, que, muitas vezes, indiscutivelmente, abriga uma moral extremamente duvidosa, sem preparo algum, já que, às vezes, nem cumpre devidamente as suas obrigações, que são as de proteger o cidadão. Certas vezes, é até conivente com os abusos e as infrações cometidas por gente sem a menor condição nem de tirar uma carteira de motorista, analfabeta no trânsito que é. Daí reivindicar: quebra-molas, sim! E mais ética para certos policiais que não fazem jus à função que exercem.


Final dos textos e início, para os de bom senso, de reflexões sobre o tema abordado.


Nathalie Bernardo da Câmara