Não gostaria de ser eu a contar essa história, mas...
Quando éramos crianças, Tereza e eu – o nosso irmão ainda
era pequeno, sob os cuidados da nossa mãe –, desfrutávamos, sozinhas, do mar de
Baía Formosa, litoral Sul do Rio Grande do Norte, fronteira com a Paraíba.
Mamãe era amiga de Vera – as duas trabalharam juntas, na área da educação.
Não demorou
muito, papai, advogado, elaborou a Lei Orgânica do município e, com o
dinheiro que recebeu pelo trabalho, comprou um terreno, do lado de Vera. Com
uma casa edificada, tomei posse: fui ao IBAMA e comprei por 1 cruzeiro, acho,
uma muda de pau-brasil e plantei-a na entrada da casa – está lá, até hoje, coisa linda e maravilhosa. Quem cuidava dele, em minhas ausências? Vera. Enfim, batizei o pé de 'Cazuza'. À época, perguntaram-me o motivo de tal nome – nem me dei ao
trabalho de responder.
Então... Custa-me tanto escrever isso, agora, que serei
breve: Vera sempre gostou muito de mim. Certa feita, me chamou num canto e
disse: ― Tenho um
presente para você...
Na maior das inocências, fui, igual criança pequena, que era e ainda o sou, atrás do meu presente. Era um barco, que ela fez em minha homenagem. E com o meu nome. Suposto, pois estava escrito assim: NATALY.
Olhei de um lado, de outro, naquela baía maravilhosa que a
natureza nos concedeu e, humildemente, perguntei: ― Quem é essa?
E Vera:
― Você, o mar, para você...
Eu era uma criança e na minha cabeça nada genial, só disse isso: ― Essa não sou eu. Primeiro porque o meu nome – a minha mãe tinha me ensinado logo cedo, na infância – escreve-se com 'TH' e 'IE', no final. Nome francês, pois nasci em Paris.
Qual a
resposta de Vera, para essa criança atrevida?
― Quer
o barco ou não?
Nunca aceitei o barco.
Já adulta, tivemos as nossas perrengas – maldição de prefeitura de interior. Eu brigava com ela, ela comigo. Pois ela apoiava fulano e eu ninguém. E se brigou com mamãe, brigou comigo. Detalhe: não tenho a complacência da minha mãe; sou terrível.
Por isso que, quando soube, hoje pela manhã, que Vera não tinha resistido a mais uma hemodiálise – ela era diabética –, jurei que, se puder, ainda navegarei em todos os seus barcos.
Vamos navegar, Vera, vamos navegar.
Eu, você, Fernando Pessoa, Saramago... Quem mais?
Nathalie.
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