quinta-feira, 9 de março de 2017

O 8 DE MARÇO E O BLOCO DOS CELERADOS (atualizado nas charges)

 “O golpe tem gênero e a história não o absolverá.”
Vitor Teixeira
Cartunista brasileiro

Celerado. [Do lat. Sceleratu.] Adj. E s. m. 1. Criminoso. 2. Perverso, mau.
Fonte: Dicionário Aurélio


Ufa! O Carnaval passou... Nada contra a maior festa popular do Brasil, mas é que eu não estava mais aguentando a empolgação e os aplausos da esquerda brasileira, sobretudo nas redes sociais, a cada vez que o bordão “Fora, Temer” era entoado pelos brincantes e em todos os ritmos – do frevo ao samba, seguindo um trio elétrico ou, ainda, tornando-se tema de marchinhas país afora –, exaltando o protesto que, pela cadência dos leilões, só cai no vazio, sobretudo porque, agora, é tarde, Inês é morta! Sem falar que, no Carnaval, irreverente por natureza, tudo se resume a fantasias. Dito isso, nem adianta chorar o leite derramado, pois a previsão é a de um derrame ainda maior: ignorando o povo brasileiro e os seus reclames, o desgoverno golpista, usurpador e ilegítimo anda a vender – o que ainda não vendeu será vendido – tudo o que representa cifrões, do sal à terra, passando pela água e por nossas lágrimas, só não colocando igualmente à venda os próprios filhos, porque, afinal, filhos também são famiglia.

E fico a pensar... Se as mesmas multidões que, nada temerosas, deram o tom do Carnaval que passou tivessem ido as ruas bradar “Dilma fica” e “Temer não entra” ainda durante a farsa que foi o afastamento da presidenta democraticamente eleita Dilma Rousseff e, posteriormente, o absurdo surrealista do seu impeachment por um bando de celerados, em 2016, e, caso os brados não surtissem efeito, fosse, à época, deflagrada uma greve geral, nacional e irrestrita dos trabalhadores, envolvendo todos os setores da sociedade, o Brasil não teria sido cruelmente golpeado, agora sendo destroçado, as suas riquezas naturais saqueadas em proveito dos golpistas e/ou em benefício de terceiros, inclusive estrangeiros, e o povo brasileiro, duramente coiceado, com os seus direitos, principalmente os trabalhistas, na sarjeta, entre um confete e uma serpentina, sem purpurina – depois ainda há quem reclame quando alguma má língua diz que “o Brasil não é um país sério”!

É por isso que, diante da horda de celerados que ora gora e mal agoura os nossos sonhos e esperanças, o meu ritmo, de todos os musicais, tem sido o chorinho...


II (De cinzas)

Cinza. Não apenas a cor que dá nome ao pó resultante da queima de alguns ramos em ritual de uma dada tradição católica, mas também a cor do hoje e do amanhã do povo brasileiro, a cor do nosso porvir. Qual seria, então, a cor do nosso pó, considerando que já fomos condenados à fogueira das trevas que se abateram sobre nós? Rubra, talvez, posto ser a cor do sangue que ora transborda por todos os poros do solo do Brasil, batizando a pós-democracia de celerados em horda vil?


III (Vlad III e a bela adormecida)


Depois do Bela, recatada e “do lar”, título de uma matéria da revista Veja, publicada em 18/4/2016, na qual o deplorável semanário traça um perfil da então “quase primeira-dama” do Brasil, ou seja, Marcela Temer, 32 – título esse que, aliás, à ocasião, desencadeou inúmeras críticas de usuários das redes sociais aos adjetivos atribuídos à hoje primeira-dama –, eis que, no 8 de março, enquanto o planeta Terra entoava o bordão “Mulheres de todo o mundo, uni-vos!”, o golpista-mor, usurpador, ilegítimo e machista vira motivo de chacota nas redes sociais e de críticas na imprensa internacional ao discursar num evento supostamente em homenagem ao Dia Internacional da Mulher – até dói só a possibilidade de transcrever o conteúdo da fala infeliz de mister Vlad III, aquele, dos empalos, vampiro sanguessuga, cujo DNA – velei-me todo e qualquer amuleto – é capaz de atemorizar até o mais empedernidos dos mortais. Sem problemas, pois o cartunista Renato Aroeira registrou...




Não deixando passar o comentário feito no Twitter pela jornalista e quadrinista Alexandra Moraes, no qual citou Marechal Deodoro (1827 - 1892), primeiro presidente da República (1889 - 1891),  em referência ao discurso do bastardo, no #8M 2017 – os 97 caracteres da internauta resumem tudo...





Inesperadamente, já no dia seguinte, mister Vlad III valeu-se dos artifícios das redes sociais para tentar emendar o soneto. Não, não e não! Pura perda de tempo, pois não engana nem recém-nascidos. Pois, não vem que não tem.


IV (Era uma vez ilusão...)

Desde a consumação do golpe de 2016 no Brasil, incluindo a devastação da Síria, que anda a passos largos rumo a sua exclusão do próximo mapa-múndi, entre outros estragos e desgraças que, orquestradas por psicopatas de plantão, abatem o planeta, vez por outra eu penso que uma das melhores coisas que não fiz na vida foi parir um ser vivo, mesmo alimentando, já a partir da adolescência, o desejo de ter uma filha – escolhi até um nome para ela – quando tivesse com mais de 30 anos de idade. Porém, nesse aspecto, a natureza foi ingrata comigo. Sim, porque, com apenas 35 anos, entrei, como se diz, na menopausa precoce. Daí que, por isso, entre outros, foi-me negado esse sonho que não pude materializar – nem mesmo compensado por alguns talentos com os quais já nasci. Por outro lado, o que minimiza a minha tristeza de não ter posto uma filha no mundo, é que, hoje, sendo, provavelmente, uma adolescente com menos de 18 e, diferentemente de mim, nascida no Brasil, ela estaria fadada ao infortúnio, à infelicidade de, antes mesmo da maioridade, deparar-se com a face mais cruel da maldade de certos seres ditos humanos. E fico a lembrar-me de um filme, visto quando eu ainda adolescia, que muito me impressionou, ou seja, Adeus às ilusões (The Sandpiper), 1965, com roteiro de Dalton Trumbo (1905 - 1956), Michael Wilson (1914 - 1978) e Martin Ransohoff; direção de Vicente Minnelli (1903 - 1986) e  protagonizado pela atriz Elizabeth Taylor (1932 - 2011) e pelo ator Richard Burton (1925 - 1984), cujos temas abordados, entre outros, é a educação. Desse modo, diante dos rumos incertos das escolas brasileiras, considerando que a mentalidade do desgoverno golpista, usurpador, ilegítimo e machista é bem aquém da média, beirando o inóspito, o currículo do ensino médio, no caso, terminará virando caso de polícia. E, aí, com todo esse caos reinante, no atual contexto e na incógnita dos vindouros – mais escatológico não podia –, vem-me à mente o brasileiríssimo Vinícius de Moraes, o poeta enjoadinho:

“(...) Filhos? Melhor não tê-los!” (...)


Pelo menos, por enquanto. E, enquanto isso, demais temerosas previsões no traço do cartunista Jarbas Domingo, do Diário de Pernambuco...




Nathalie Bernardo da Câmara


Em tempo: No dia 1º/3/2017, o jornalista brasileiro Leonardo Sakamoto publicou a seguinte postagem no seu blog:

Blocos gritam “Fora, Temer!”: O que acontece no Carnaval fica no Carnaval?

Acompanhei um rosário de blocos de Carnaval no Rio e em São Paulo. E, em todos, absolutamente todos, em algum momento, ocorreu um coro de ''Fora, Temer!'' por parte dos foliões. Podia faltar samba, purpurina, confete, serpentina, Pierrô, Colombina, Catuaba Selvagem, vaselina, mas tinha sempre um ''Fora, Temer!'' que se espalhava feito gripe.

Blocos com veganos, comunistas, bombadinhos, alternativos, hipsters, coxinhas, petralhas, feministas, da turma do centro ou das comunidades, tinha sempre um ''Fora, Temer!''. A diferença era o ritmo. Segundo colegas jornalistas em Recife, por exemplo, por lá o ''Fora Temer'', em ritmo de frevo, é mais alucinado do que o ''Fora, Temer!'' em ritmo de alguns chorinhos paulistanos.

Claro que é mais fácil entender o que leva alguém a gritar ''Fora, Temer!'' em um bloco do que compreender o que leva um homem hétero malhado a untar seu peito com alguma coisa brilhante e ficar parado, no meio da multidão, olhando para ver se alguém o admira. É da natureza do Carnaval a piada, o escárnio e a ironia – e, a cada ano, há os eleitos para serem execrados. Da mesma forma, é da natureza do comportamento de massa repetirmos algo que o grupo grita para nos sentirmos pertencente a ele e ao momento.

Por fim, é da natureza da democracia que grandes reformas, como a da Previdência, sejam apresentadas à sociedade como propostas de governo de candidatos, no período das eleições presidenciais, para que possam ser escolhidas ou rejeitadas por meio do voto. A possibilidade concreta da perda de direitos em decorrência da negação desse instrumento da democracia deixa muita gente irritada.

Há quem equipare a pessoa que grita ''Fora, Temer!'' apenas num bloco de Carnaval a uma ativista de sofá. Mas o problema não é protestar num sofá ou em um bloco. Ambas ações podem causar impactos. O problema é a falta de formação política – que é a diferença entre fazer algo consciente ou se deixar levar por líderes, falsos líderes, mídia, igreja, enfim. Essa formação se adquire pela convivência com a diferença, coisa que os algoritmos das redes dificultam. Blocos de Carnaval, por outro lado, democratizam o espaço público e chamam as pessoas de volta às ruas, local original de formação da empatia e da política.

O ''Fora, Temer!'' dos blocos acabou se espalhando por vários cantos do país, sendo captado pelas câmeras de TV, ouvido por jornalistas e outros formadores de opinião. Se entrou por um ouvido e saiu pelo outro, não há como saber. Isso não derruba presidente, mas ajuda a mostrar que a desaprovação do homem, por mais que esteja sendo intercalada entre uma marchinha e um samba enredo, está presente e se fazendo ouvir.

Faria ele, por bem, não achar que o que acontece no Carnaval fica no Carnaval.


Leonardo Sakamoto
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.


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