“Nessa costa, não vimos
coisa de proveito, exceto uma infinidade de árvores de verzino...”, registrou o
navegador italiano Américo Vespúcio (1454
- 1512), referindo-se ao pau-brasil, na Lettera a Soderini (4/9/1504),
dedicada ao político italiano (1452 -1522) após viagem realizada ao Brasil,
entre maio de 1501 e julho de 1502.
Com
a chegada dos
portugueses no Brasil, em 1500, um “achado” valioso, o do pau-brasil, que, majestoso,
reinando em meio à diversidade da Mata Atlântica, predominantemente entre o Rio
Grande do Norte e o Rio de Janeiro, pagou um preço alto demais por sua
exuberância: a sua devastação e a do seu habitat, com a “benção”, diga-se de
passagem, da Igreja católica, já que, a pedido dos recém-chegados e em troca de espelhos, vidrilhos,
contas, pentes e pedaços de pano, entre outras quinquilharias, nativos logo derrubaram um exemplar da árvore, no
qual foi toscamente esculpida uma cruz, portando as armas e as divisas de
Portugal, para
a realização da primeira missa no
Brasil, em 26 de abril. Em pouco tempo, a fartura de pau-brasil despertou a cobiça não somente dos
lusos, mas, também, de corsários franceses (estes já eram habitués da costa brasileira desde o
séc. XV, mantendo amistosas relações com alguns grupos indígenas, entre eles,
os potiguara), holandeses e ingleses – excluídos
do Tratado de Tordesilhas, assinado por Portugal e Espanha em 1494 –, que, só
no séc. XVI, segundo o jornalista brasileiro Eduardo Bueno, “levaram, em média,
oito mil toneladas da madeira por ano para a Europa” – cada embarcação continha
cerca de cinco mil toras de pau-brasil por viagem. Ocorre que, desde o séc. XI,
a Europa já estava familiarizada com o pó de uma madeira de cor rubra,
originária da Sumatra, utilizada para tingir sedas e linhos, revolucionando a
moda no continente, aos poucos deixando para trás os trajes sombrios da Idade Média.
Exportado da Sumatra para Índia desde tempos remotos, o pó de sapanga (do sânscrito patanga, ou vermelho), ditava o tom dos
“nobres do Oriente”. Pelo mar vermelho, os mercadores árabes levavam-no da
Índia ao Egito, com uma kerka de bersil (carga de bersil) desembarcando em Saint-Omer, na
França, em 1085 – na sequência, em francês, brezil,
por ser da cor de uma brasa, e, posteriormente, bois rouge (madeira vermelha); em italiano, bracire, ou brazili,
seguido de verzino –, enquanto em
Portugal e na Espanha, já com o nome de brasil,
a árvore aportou em 1220.
No séc. XVI, em decorrência
do bloqueio das rotas comerciais imposto pelos turcos em Constantinopla desde
1453 e apesar de ser menos eficiente do seu similar oriental (Caesalpinia
sappan Linn), que, aliás, havia tornado-se um produto muito mais oneroso, o
pau-brasil (Caesalpinia echinata), empregado, ainda, na fabricação de
embarcações, móveis e congêneres, tornou-se presa da exploração mercenária na
recém-achada Terra dos Papagaios, alcançando proporções inimagináveis, a ponto
de, já em 1558, as melhores árvores só pudessem ser encontradas a mais de 20 km
da costa – daí que, no início do séc. XVII, a fim de evitar o corte
indiscriminado do pau-brasil, mas não por consciência ambiental, a Coroa
portuguesa tentou controlar a sua exploração, pondo “guardas-florestais nas
zonas onde a extração era mais comum”, garantindo, obviamente, o monopólio
sobre a árvore, que, na língua celta, é chamada de bress, origem do inglês to bless, ou seja, abençoar.
Enfim! O fato é que, “atualmente, a árvore cujo nome foi usado para batizar o
Brasil sobrevive praticamente apenas em reservas florestais e jardins botânicos
e só lentamente começa a ser reintroduzida em seu ambiente natural” – batismo
esse, aliás, de sangue. Dos nativos. E vermelho igual à tinta dos troncos de
pau-brasil que eles derrubavam, descascavam, atoravam e transportavam até as
embarcações, recebendo, por sua força braçal e ingenuidade, tesouras, anzóis,
facas e machados – modus operandi que,
ainda segundo Bueno, levou as tribos tupis do litoral brasileiro a saírem “da
Idade da Pedra para ingressar na Idade do Ferro. Uma revolução instantânea”. E
uma curiosidade: “Os homens engajados no tráfico de pau-brasil eram chamados de
brasileiros”, termo que terminou se estendendo aos nascidos no futuro país,
apesar de o historiador brasileiro Francisco Adolfo de Varnhagen (1816 - 1878)
esclarecer que “se as regras gramaticais tivessem sido corretamente aplicadas,
os nativos do Brasil deveriam se chamar brasilienses” – tarde demais para
corrigir um lapso, muito menos, reparar um erro de mais de quinhentos anos, ou
seja, o assolamento do pau-brasil, que virou um dos símbolos do país e “ganhou”
um dia nacional, o 03/05 (Lei nº 6.607, de 07/12/1978), bem como o genocídio
indígena – o que dirá da dilapidação da Mata Atlântica, bioma que, hoje, se
resume a 7% do que já foi um dia! Não, nem sob os acordes dos arcos dos
violinos que, a partir do séc. XVIII, passaram a ser confeccionados com o pau
vermelho dos índios...
Fonte: Bueno, Eduardo. Náufragos, traficantes e degredados: as
primeiras expedições ao Brasil, 1500-1531 – Rio de Janeiro: Objetiva, 1998
(coleção Terra Brasilis; vol. 2).
O nome Caesalpinia echinata foi dado pelo
botânico francês Jean Baptiste Lamarck (1744 - 1829), que classificou o
pau-brasil do Brasil em 1789, em homenagem a outro botânico, o italiano Andrea
Cesalpino (1519 - 1603). Já a denominação echinata provém do
étimo grego ouriço e se refere aos espinhos abundantes da
árvore, igualmente conhecida como pau-de-tinta, ou ibirapitanga.
Texto revisado e revisto em
3/5/2015, embora originalmente publicado neste blog em 1º/8/2009.
Nathalie Bernardo da Câmara
PLANTEMOS PAU-BRASIL!
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