segunda-feira, 13 de abril de 2020

AS VEIAS ABERTAS DO ACRE




DOIS BELOS E PUNGENTES VERSOS, que, “atrevidamente”, dividi em quatro e montei-os numa arte que, por seu feitio, o teor do menu “devora”, alumiando o meu blog, são, com efeito, os que colhi de um poema de autoria da acreana Eliana Castela, que, em priscas eras, apesar de não simpatizar com a dor, atuou no teatro amador, afeita que sempre foi ao regalo de viver – iguaria que a faz sorrir e cantar, decantando o deleite de uma existência impregnada de um bom humor que lhe é intrínseco, peculiar, nada a satisfazendo mais do que, de mochila em mochila, ultrapassar fronteiras, aventurando-se mundo afora com o seu companheiro e também um querido meu, o escritor e artista multifacetado Mané do Café, pseudônimo de Jorge Carlos Amaral de Oliveira, que, diga-se de passagem, Eliana “importou” da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, logo se tornando produtora dos affaires artísticos e culturais do moço, agregando-os aos seus. Um exemplo dessa harmoniosa parceria é que, ano após ano, uma nova edição de um dos rebentos paridos pelo casal há uma década vem à tona, isto é, a Folhinha Poética, um calendário em verso e prosa e em formato digital, que, por sua proposta editorial, contempla poetas de pendores os mais diversos e de não importa qual recôndito, a cada edição homenageando um (a) operário (a) do verbo – em 2018, a poesia desta que ora escreve estas parcas linhas foi a homenageada do referido ano. Então... Poetisa, apesar de, atualmente, preferir ser chamada de poeta – anos atrás, ela gostava do nome poetiza (sim, com z) –, Eliana já deu à luz a três livros: Da escrita rupestre à era digitalalguns poemas, lançado pela Editora Mimeógrafo, bem como uma espécie de diário de bordo, onde, poeticamente, com a chancela da Chiado Editora, a artista registra as suas impressões Pelos Rios ao Sabor da Fruta, ambos em 2017, além de Carmeliana: a festa das flores, uma deliciosa celebração da Primavera declamada num só poema, ilustrado por Mané do Café e publicado pela Ibis Libris Editora, em 2019. Porém, eventualmente, ela publica os seus poemas em blogs, sites de periódicos e noutras mídias digitais. Um detalhe é que, além de tecelã da palavra, Eliana é geógrafa de formação, especialista em História da Amazônia e mestre em Extensão Rural, focando as suas pesquisas acadêmicas nos povos indígenas do Acre, o seu cantinho, que acolheu o lirismo de uma infância amparada pelo bucolismo e pela magia da floresta e regada a banhos de rios – “a melhor diversão do mundo, daquele mundo” (prosa poética Abandono, 16/03/2020). Sim, os rios, reciclando lágrimas na doçura das suas águas. Quiçá, uma das inspirações de uma iniciação poética tecida com a seiva leitosa das seringueiras e temperada com os matizes, os sons e os tons da “florestania” (dialeto acreanês), exalando o aroma do manacá do quintal da mãe, dona Giselda – cenário fecundo para o seu début na poesia, com poemas desabrochando e reluzindo sob a luz de uma candeia no breu e nas brenhas: um prelúdio que, rendendo-se à sabedoria da mãe-terra, se deixou seduzir por mantos de mistérios que nem mesmo a ludicidade do balanço embalando os sonhos de uma criança seria capaz de desvendá-los. De há muito, conquanto, a despeito das “lendas”, a minha amiga tem criado versos e histórias de gente grande, desmistificando-se por onde quer passe a sua poesia, abrindo-alas – aplausos!

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Abaixo, ilustrado por Mané do Café, o poema Escassez na íntegra, publicado no blog Carmeliana (28/03/2020) – link anexado –, administrado pela própria Eliana Castela e abrigo digital da sua produção literária, cujos últimos versos impeliram-me a escrever sobre a poetisa.


 
  Leitura             Fiadeira


ESCASSEZ

Os anciãos estão partindo…
Fomos pegos de surpresa.
O envelhecimento populacional,
não mais preocupa.
Agora o mundo corre o risco de perder a vetustez,
tornar-se jovem de repente.
Será um mundo frágil, de experiência
e de pouca sabedoria.

A notícia não é boa:
Não saia de casa, feche a porta.
O tempo é imprevisto, pode ser um mês, dois…
Sem que os netos abracem seus avós,
sem que os filhos toquem as mãos de seus pais.
Num único dia, muitos velhos se vão.

Não velem seus mortos.
Velar é preparar o tempo de aceitação da ausência,
da falta que os que morrem fará.
Dessa vez não haverá tempo de preparação.

Para superar é preciso olhar o horizonte
ver o sol nascer.
Mesmo que se tenha que fechar os olhos,
acender a candeia da alma,
trazer a luz que salva as vidas.
Lembre-se que hoje, no céu cinza da epidemia,
não é dia de lua, nem cheia, nem meia…

Eliana Ferreira de Castela


Blog Carmeliana:

Nathalie Bernardo da Câmara




5 comentários:

  1. Primeiro a gente fica sem palavras... Depois pensa, como é bom ser lida e receber algo escrito, sobre nós, por alguém que tem sensibilidade e sabe escrever. Muito grata, Nathalie.

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    1. Por mais que alguém escreva bem, Eliana, no caso, eu, nunca que poderia escrever algo bonito e estimulante se a motivação não fosse igualmente bela.

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  2. Repito, você escreve bem. Repito, obrigada!

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  3. Para de rasgação de seda, Eliana... rs

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