quinta-feira, 14 de maio de 2009

DEITAR PÉROLAS A PORCOS

"A mão que afaga é a mesma que apedreja...".
Augusto dos Anjos (1884 - 1914)



Segundo os astrólogos, os iniciados na chamada astrologia, considerada uma arte de adivinhação, fundada a partir da observação dos astros, buscando a sua presumida influência nos acontecimentos terrestres em relação ao destino humano – de todos nós, é claro, ditos seres vivos e, ao mesmo tempo, mortais, sem exceção –, um mês antes do nosso aniversário de nascimento, vivemos uma espécie de inferno astral, quando tudo é possível de acontecer, sobretudo de ruim. E ponha ruim nisso!



Só que, mesmo depois de passado o dito inferno astral, quando as adversidades persistem, aí já podemos dizer que estamos sendo alvos de algum despacho, macumba ou urucubaca – não estou dizendo que dou crédito a esse tipo de crendice, mesmo porque eu não acredito em nada que não seja cientificamente comprovado. De abstrato, só reconheço o intelecto e as emoções. Nada mais! E, se brincar, pelo andar enferrujado e arrastado da carruagem, até nisso estou deixando de acreditar.



Além disso, como jornalista, eu não posso me pautar por hipóteses, mas em fatos, do mesmo modo que, fiel aos princípios da homeopatia, fundada pelo médico alemão Christian Friedrich Samuel Hahnemann (1755 - 1843), me interessa primeiro a causa; depois o efeito, diferentemente dos princípios alopatas, que desconsideram a causa por completo, focando, apenas, o efeito. A meu ver, uma lógica estranha, pois não vai ao cerne do motivo que conduz, mas nas conseqüências de uma má condução.



Não vou perder o meu tempo divagando, nem quero me sentir igual à personagem do Coelho Branco de Alice no País das Maravilhas, do romancista britânico Lewis Carroll (1832 - 1898), que sai correndo, desordenadamente, com um relógio sem ponteiro, a bradar, esbaforido: "É tarde! É tarde! É tarde até que arde!". Se demorar mais até queima de verdade, ardendo na fogueira de uma inquisição qualquer, que, apesar de não mais vivermos na Idade Média, insiste em permear até as mais íntimas das relações...



Perdoe-me o ceticismo, meu estimado Dante (1265 - 1321), mas nem da sua Divina comédia – cenário da própria tragédia! – chegarei mais perto. E se quer um conselho, caro poeta, esteja você onde estiver, seja no inferno, no purgatório ou no paraíso do seu poema épico, que já li e tenho mais de uma edição, não confie nem mesmo em sua própria sombra, tomando muito cuidado, sobretudo com Deus, porque, se dizem que o ser dito humano é a sua imagem e semelhança, ele só pode ser algo de abominável!



Isso não faz, também, diferença alguma. Nunca fez e não vai ser agora que o fará. Outro dia, por exemplo, pensei em escrever uma crônica, citando, em algum momento, o poeta – tantos outros ofícios teve o português – Fernando Pessoa (1888 - 1935), que, certa vez, disse: "Pensamos demais nas coisas – eis o erro, a dúvida...". Aí, sem motivo aparente, pensei em parafrasear o poeta brasileiro Vinícius de Moraes (1913 - 1980), dizendo: Dúvidas? Melhor não tê-las, mas, se não as temos, como sabê-las?



Só que, sinceramente, qual seria o real sentido de pensar ou mesmo o de duvidar? Pouco importa. Vai ver, feliz seja o analfabeto, aquele que, em grego – analphabeta –, não sabe nem o alfa nem o beta. Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, "aquele que não sabe ler nem escrever", diferentemente do ignorante, que, não tem conhecimento de algo ou de alguém, embora o poeta brasileiro Mário Quintana (1906 - 1994) tenha dito: "Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem...".



Seguindo essa linha de raciocínio, eu até poderia arriscar dizer que a maior das virtudes humanas é a humildade em reconhecer a sua própria ignorância, embora um dos meus filósofos favoritos, o italiano Giordano Bruno (1548 - 1600), que sentiu na própria pele o calor das labaredas da Inquisição, embora, muitas vezes, o fogo queime é por dentro, em um processo ainda mais lento e doloroso, tenha dito que "a ignorância e a arrogância são duas irmãs inseparáveis". Infelizmente, cher Bruno, desta vez, discordo do seu entendimento.



Porém, até imagino qual o contexto que o fez chegar à tal conclusão: os anos passados vítima de algozes tomados pela ignorância, os seus inquisidores, que, de tão limitados e obtusos – muitos ainda se dizendo enviados de Deus –, não compreenderam a lucidez do seu brilhante intelecto nem da sua delicada poesia, sobretudo a dos seus Heróicos furores – uma elegia ao amor. Torturaram-no, fisíca, moral e mentalmente, mas, quando se cansaram da sua resistência, optaram, arrogantemente, por queimá-lo vivo na fogueira.



É por isso que discordo de Bruno quando ele diz que a ignorância e a arrogância são irmãs. No seu caso, os algozes que o torturaram foram intolerantes e, usando da força bruta, arrogantes, movidos pela covardia. Sim, porque ignorantes eles não eram, já que tinham plena consciência da superioridade intelectual de Bruno, tendo, portanto, os seus algozes medo do seu saber. E não podiam aceitá-lo, mas apenas por ele se constituir em uma ameaça ao frágil poder que teimavam em manter a qualquer custo.



Daí os inquisidores serem, sim, intolerantes e arrogantes, movidos pela covardia. E continuam sendo, porque continuam existindo! É como diz o teólogo e escritor Leonardo Boff, que, aliás, sentou-se na mesma cadeira onde, em tempos remotos, Bruno já havia se sentado, ou seja: "Os métodos da atual Inquisição mudaram. Hoje, se tortura apenas a psique do acusado, não mais o seu corpo...". Porém, apesar da mudança de métodos, a intenção dos inquisidores continua a mesma, que é o de silenciar os sábios.



Tentaram o mesmo com um outro italiano, que foi o matemático e astrônomo Galileu Galilei (1564 - 1642), mas, tendo o caso de Bruno como exemplo, ele achou melhor desmentir as suas próprias teses e, pelo menos aparentemente, saiu ileso, escapando da fogueira, apesar das torturas que deve ter sofrido. Já a jovem e destemida francesa Jeanne D’Arc (1412 - 1431), que também foi acusada de herege, além de feitiçeira, por ser mulher, teve o mesmo fim que o de Bruno: foi queimada viva a mando e diante de um bando de celerados.



O curioso é que a Igreja católica, uma pecadora histórica por excelência [basta citar os exemplos das Cruzadas, que tiveram início no séc. XI e duraram mais de duzentos anos de terror e derramamento de sangue, e os exemplos das Inquisições – estamos em seu quarto estágio –, quando milhares perderam a vida pela insanidade de poucos], resolveu, talvez em busca da redenção ou, então, para apagar da nossa memória coletiva crueldades para as quais não têm perdão, canonizar (1920) a donzela de Orléans...



Em meu entendimento, quem, em sã consciência, pode acreditar em uma instituição como essa? Os civis, por sua vez, têm, também, cometido inúmeras sandices ao longo da História: eclodindo guerras; detonando bombas; desencadeando conflitos; desmatando florestas; poluindo o ar, a água, o solo; contaminando os alimentos; depredando a natureza etc. E não é por serem civis que devemos perdoá-los, já que o problema reside não em quem promove as tragédias nem em quem as sustentam.



O verdadeiro problema são os motivos imbecis que as engendram e os danos desnecessários que elas provocam. Mas, voltando à Jeanne D’Arc, que, aliás, não vejo como santa - santidade não existe –, mas como uma mulher corajosa, que ousou desafiar o statu quo vigente à época, sendo, com apenas dezenove anos, barbaramente assassinada... Anos atrás, conheci o lugar onde ela foi queimada viva por sádicos de batina, onde, não é de hoje, foi erigida uma estátua da feitiçeira, cercada por um belo jardim, em Rouen, na Normandia.



Mas, e daí? Que diferença isso faz? Afinal, queiramos ou não, o mal sempre termina vencendo o bem. Foi o que aconteceu à Jeanne D’Arc, a Giordano Bruno e a muitos outros inocentes, literalmente consumidos por chamas, quando a eliminação, é claro, não se dava através de outros métodos também bastante eficazes. Um exemplo de que o mal sempre supera o bem? O do pacifista e líder ligioso indiano Mahatma Gandhi (1869 - 1948); o do músico, compositor e também pacifista britânico John Lennon (1940 - 1980).



Sem esquecer da líder política paquistanesa Benazir Bhutto (1935-2007) e tantos outros casos mais! Só que não tem mudança dos tempos que justifique certos perdões, porque, não importa qual religião, dogma nenhum mudou nem mudaram as mentem que os propagam. Como disse o escritor português José Saramago: "Giordano Bruno foi queimado. Se gritou, não ouvimos. E se não ouvimos, onde está a dor? Mas gritou, meus amigos. E continua a gritar", enquanto - ainda Saramago - "eu escrevo para não morrer"...



Nathalie Bernardo da Câmara

De um lugar qualquer...






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