sábado, 7 de dezembro de 2013

GATOS E HOMENS*

Gatolândia
"O gato é zen,
um monge portátil à disposição de quem o saiba receber...".

Artur da Távola (1936-2008)
Ode ao gato


Pesquisando na internet sobre o escândalo que foi o caso do gato Billy, um dos que pipocaram o programa Bolsa Família – tratei do assunto no dia 31 de janeiro de 2009 (disponibilizarei abaixo o link da referida postagem) –, deparei-me com uma diversidade incrível de sites sobre gatos de um modo em geral. É uma verdadeira Gatolândia virtual organizada, amiga e solidária, onde, saudavelmente, os membros dessa felina comunidade interagem entre si. E os assuntos são os mais diversos, desde que englobe, é claro, o mundo animal dos seus gatinhos. São sites, blogs, e-mails... Um troca-troca de figurinhas sem fim.

Receitas culinárias para diversificar o cardápio dos bichanos, dicas para combater o fastio, a cólica, o vômito ou a diarreia; dicas para resolver desajustes comportamentais, inadaptações sociais e, por mais incrível que pareça, insônias. Porém, se o problema for saber do paradeiro de algum parente do seu gatinho... Engana-se quem pensa que gato não tem parente, embora, na internet, tenha-se 90% de chances de localizá-lo. E não somente o parente, mas, também, a explicação para a insônia, bem como orientações para tratá-la.

Na internet, ainda, os membros da Gatolândia aproveitam para postar perfis dos seus filhotes em redes sociais, inclusive as com proposta de relacionamentos mais íntimos e com fotos. Só que, muitas vezes, enquanto os bichanos rolam na grama, quando há uma, termina rolando outro tipo de encontro, o dos seus donos. De repente, ele a acha uma gata; ela, por sua vez, também o acha um gato... Bom! Esse é outro papo. O fato é que, na internet, muita coisa pode ser resolvida: cruzamentos de raças, no caso, a dos gatos, casamentos...

Sim, gatos também casam e, dependendo do poder aquisitivo e da excentricidade dos donos, com direito até a pompa e cerimônia, como se fossem gente grande. Pois é! Encontra-se de tudo na comunidade felina, muitas vezes, inclusive, sem nem sair de casa. Prático, prático, igual a um pedido de pizza por telefone: é entrega em domicílio pra lá, assistência em domicílio pra cá... E, se tiver cartão de crédito, facilita ainda mais a sua vida, a sua e a do seu gato, porque resolve tudo pela internet: de um pacote de ração a uma surpresa da peixaria.

Afinal, qual é o gato que não gosta de um fresco, bom e suculento peixe? Isso sem esquecer-me de dizer que produtos de beleza e de higiene, remédios, um novelinho de lã para o gato brincar, desenhos animados – os gatos adoram os do Garfield –, roupas e acessórios também podem ser adquiridos pela internet. Ah! Coleira também, mas, quem ousaria? O fato é que, on-line, se pode chamar o veterinário, o nutricionista, o cabeleireiro, a babá, a massagista, o personal training e, o que é ainda mais surpreendente, o médico homeopata...

Não obstante, se o chaninho estiver estressado, triste ou deprimido, é só chamar um terapeuta, que, além de recomendar repouso, pode marcar, dependendo da gravidade do caso, algumas sessões de terapia domiciliar. Básicas! E logo, logo o gato fica novinho em folha, voltando a brincar com as flores do jardim, se houver um, e retomando a sua rotina. Ocorre que o manancial de oferta para gatos na internet não para por aí! Na Gatolândia, pode-se até, por exemplo, encomendar o mapa astral do gato, que, aliás, também, tem direito a um.

E para quem tem dificuldades de relacionamento com o seu gato, é possível encontrar dicionários sobre a linguagem aparentemente indecifrável dos felinos; manuais que ensinam a conviver harmoniosamente com eles; orientações sobre adoção... Pode parecer estranho, mas o que existe de gato adotado por aí não é brincadeira! O curioso é que, normalmente, por sua natureza, o gato é quem escolhe o seu companheiro – nunca dono. Sim, porque, na verdade, gato não tem dono – a sua altivez não permite tamanha condescendência.

O fato é que, quando adotados, alguns gatos se adaptam fácil; outros não. E, aí, saem a vagar, em busca de um novo lar – desde que sejam escolhidos por eles. Quanto à infinita página da internet, como bem o disse o escritor português José Saramago (1922 - 2010)... Nela, você também pode pesquisar sobre as interpretações de sonhos com gatos e os seus simbolismos, além dos mitos que lhes são atribuídos; expressões populares, pejorativas ou não, referentes ao felino; fábulas, crendices, superstições... – essas, então, nem se fala!

Paradoxalmente, a internet contribui com a proliferação das superstições, apesar de muitos papais e mamães de gatos fazerem tudo para derrubá-las. Sem falar nas frases de caminhão que, vagando nas ondas, eu encontrei! Uma delas: “A mãe me chama de cachorro; a filha, de gato”, sendo o felino, ainda, inspiração para canções; fotografias; documentários, ficções e animações, curtas e longas; pinturas; desenhos; esculturas; cordel e até livros, em prosa e/ou verso, que homenageiam esses seres sem donos, senhores de suas próprias vontades.

Pensava assim a psiquiatra brasileira Nise da Silveira (1905 - 1999), que, por cultivar a independência e a altivez nos seres vivos, nutria pelos gatos uma grande estima, utilizando-os, inclusive, num gesto de pioneirismo, como auxiliares nas terapias e no tratamento de doenças da mente, que ela chamava de “os inumeráveis estados do ser”. Discípula do psiquiatra suíço Carl Jung (1875-1961), Nise da Silveira escreveu o livro Gatos, a emoção de lidar (1998), publicado por Léo Christiano Editorial – um verdadeiro libelo aos gatos.

Daí, na sequência, eu ter pensado em escrever sobre os escritores, os gatos e a solidão. Não foi à toa que, por amarem o silêncio e cultivarem a contemplação, Nise da Silveira considerava os gatos “excelentes companheiros de estudos” – não é de estranhar a “queda” dos felinos por bibliotecas. Tanto que, certa feita, o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987) sentenciou: — O gato é símbolo e guardião da vida intelectual...


Escritores, livros e gatos
“Os gatos são distantes, discretos,
impecavelmente limpos e sabem calar.
Falta mais alguma coisa
para considerá-los uma excelente companhia?”.

Marie Leszczyńska (1703 - 1768)
Polonesa, casada com Louis XV (1710 - 1774), rei da França (1715 - 1774).


A lista de títulos sobre aquele que “possui todas as virtudes do homem sem os seus vícios”, como bem o disse o poeta inglês Byron (1788 - 1824), é incalculável. O americano Mark Twain (1835 - 1910), por sua vez, disse que “se fosse possível cruzar o homem com o gato, o homem melhoraria, mas o gato pioraria”. Neste meu ócio criativo, portanto, limito-me a só passar o meu tempo. Gostaria de citar, então, a título ilustrativo, alguns escritores que conviveram com gatos, escreveram sobre ou por eles foram inspirados para escrever não importa qual o tema das suas criações literárias, e que, a exemplo da espécie, não morreram, mas, simplesmente, desapareceram – sim, porque gatos não morrem, desaparecem –, a começar pelos brasileiros:

Machado de Assis (1839 - 1908); Raul Pompéia (1863 - 1895); Manuel Bandeira (1886 - 1968); Graciliano Ramos (1892 - 1953); Mário de Andrade (1893 - 1945); Cecília Meireles (1901 - 1964); Erico Veríssimo (1905 - 1975); Mário Quintana (1906 - 1994) e Guimarães Rosa (1908 - 1967); Rachel de Queiroz (1910 - 2003); Jorge Amado (1912 - 2001); Vinícius de Moraes (1913 - 1980); Zélia Gattai (1916 - 2008); Clarice Lispector (1920 - 1977), nascida na Ucrânia, mas naturalizada brasileira; João Cabral de Melo Neto (1920 - 1999); Fernando Sabino (1923 - 2004) e tantos outros mais.

Já entre os escritores de outras nacionalidades, podemos mencionar:

O italiano Dante Alighieri (1265 - 1321); os ingleses Wiliam Shakespeare (1564 - 1616) e Lewis Carroll (1832 - 1898); o alemão Goethe (1749 - 1832); os americanos Edgar Allan Poe (1809 - 1849), T. S. Eliot (1888 - 1965), Prêmio Nobel de Literatura de 1948, Ernest Hemingway (1899 - 1961) e William Burroughs (1914 - 1997); os franceses Charles Baudelaire (1821 - 1867), Anatole France (1844 - 1924), Jean Cocteau (1889 - 1963) e Jean-Paul Sartre (1905 - 1980); os tchecos Franz Kafka (1883 - 1924) e Rainer Maria Rilke (1875 - 1926); os portugueses Fernando Pessoa (1888 - 1935) e José Saramago (1922 - 2010); o chileno Pablo Neruda (1904 - 1973), Prêmio Nobel de Literatura de 1971, e Julio Cortázar (1914 - 1984), nascido na Bélgica, mas naturalizado argentino.

Sim, não importa o período histórico, sempre houve uma legítima cumplicidade entre os escritores e os gatos. No Brasil, por exemplo, temos, atualmente, um sem fim de escritores alinhados, digamos, com os felinos. O mais curioso, contudo, é a atração que as letras devem exercer sobre os gatos, já que muitos costumam morar em bibliotecas... Outro dia, inclusive, tomei conhecimento que existe até uma listagem da Library Cats Map, com sede em Boston, sobre os gatos de biblioteca do mundo inteiro – gostariam os bichanos do cheiro dos livros, do farfalhar das suas folhas, quando algum leitor os folheiam, ou seriam os ácaros que, por algum motivo, os atraem? Gatos intelectuais, amantes da palavra? O fato é que, se um gato é de estimação de algum escritor, ele está sempre próximo em seus momentos de criação – algumas vezes, sentam no colo –, embora limite-se a contemplá-lo, deitado e em silêncio, sem o alarde dos cachorros, que, muitas vezes, só latem para chamar atenção e se tornam irritantes.

A diferença entre o gato e o cão é tão gritante que Mademoiselle Colette (1873 - 1954), escritora francesa, disse que “os gatos pensam que são Deus, enquanto os cães pensam que são humanos...”. Quando não, o gato faz o que ele mais gosta, ou seja, refestelar-se em um doce e lânguido cochilo ou, ainda, sonhar acordado com alguma tigela de leite, de ração ou, simplesmente, com um mero afago do seu dono, a quem faz companhia. Mas, afinal, quem busca quem e quais as explicações para tantas afinidades entre os escritores e os gatos? Seria uma atração mútua, como bem questionou em seu blog a escritora brasileira Aline Ponce, que, inclusive, tem um casal de gatos? A fêmea, por exemplo, parece bastante mimada, já que, enquanto a sua dona escrevia o texto que li, ela ficou o tempo todo sentada em seu colo – vai ver porque gosta do som que o teclado emite quando digitado –, coisa que nenhum cachorro faria...

Os gatos, por sua vez, além de silenciosos, são na deles, possuem forte personalidade e o espaço que habitam sinônimo de fronteira. São mágicos, outrora venerados no Egito, a ponto de ser mumificados e enterrados em acrópoles, cemitérios próprios, com direito a luto por parte dos seus familiares. Eles são tão poderosos que muitos humanos têm ailurofobia, sinônimo de galeofobia, medo patológico de contato com gatos. Fobia a gatos – uma pena, pois eles são fascinantes. Dois outros escritores brasileiros também sentem esse fascínio: Lygia Fagundes Telles, cuja paixão pelos felinos é pública e notória, tendo escrito Eu, o gato (2001), livro infantil publicado pela Rocco, e Ferreira Gullar, gatófilo incorrigível, que escreveu Um gato chamado gatinho (2000), publicado pela Salamandra, para homenagear o seu.

Eu, particularmente – essa postagem traz-me recordações –, já tive vários gatos, mas, durante certo tempo, dois, em especial, eram meio que chegados a mim. À época, escrevendo um dado livro, mantinha uma rotina: escrevia no computador, imprimia, revisava e, por fim, atualizava as correções, repetindo, por diversas vezes, o mesmo procedimento. Todas as noites, contudo, antes de dormir, costumava imprimir uma boa quantidade de páginas, que, num dado ambiente de casa, deixava sobre uma mesa. Ocorre que, sempre ao acordar, ainda de madrugada, quem eu encontro dormindo sobre os meus papéis? Os dois gatos – intelectuais, suponho. Depois, quando os tirava da mesa e sentava, eles tentavam chamar a minha atenção, cheirando os meus pés, tornozelos e pernas – um mimo de ludicidade! Quando, contudo, estava frio e usava uma calça, ficavam puxando a bainha, sem sucesso, e saiam brincando, carregando as minhas havaianas...

*Revisto e atualizado, já que foi originalmente publicado no dia 20 de fevereiro de 2009, embora escrito um ano antes.

O Caso Billy, ao qual fiz referência no início da postagem:

Nathalie Bernardo da Câmara



Um comentário:

  1. Já saiu nova tiragem do livro Gatos a emoção de lidar. Pode comprar direto com o editor_ 59,00 + correios. leochristiano@leochristiano.com.br. Divulgue.

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