“O hipócrita que representa sempre o mesmo papel
deixa, enfim, de ser hipócrita...”.
Friedrich
Nietzsche (1844 - 1900), filósofo alemão.
Final de ano, mudança de ano – isso todo
ano... Não são poucos os que acreditam que, apesar dos pesares, tal período do
ano é, indiscutivelmente, de festejos, num ciclo aparentemente ad aeternum, como se “todos” tivessem a
obrigação de comemorar uma mera substituição de calendário, esquecendo-se de
que o calendário em si é apenas uma invenção criada, entre outros fins, para
registrar a passagem do tempo e determinar o modus operandi das sociedades, alijando fatores outros desse
processo. Ocorre que, não importa o motivo, nem todo mundo adere ao coro da Maria vai com as outras – eu,
particularmente, de há muito não me entusiasmo sequer um milésimo de segundo
com essa euforia coletiva –, reservando-se a uma individualidade que, queiram
ou não reconhecê-la, é inerente ao ser dito humano, pois, nisso, ele difere-se
de produtos manufaturados fabricados em grande quantidade, obedecendo ao mesmo
padrão – a qualidade pouco importa – e em série – de preferência, rotulados –, apesar de a
sociedade capitalista, desumana, consumista e excludente por excelência bater o
pé, querendo que assim o fosse – bate tanto que, um dia, a casa cai... Enfim!
Só que não é assim que a banda toca. Como diria um provérbio francês, oriundo
dos escolásticos da Idade Média: Des
goûts et des couleurs, il ne faut pas discuter, ou seja, não se discute
preferências, ainda mais, sobretudo, no caso do Brasil, na atual conjuntura –
uma época de trevas que nem a “luz” dos irritantes e perigosos fogos de
artifício (o nome já o diz), invariavelmente soltados no réveillon, é capaz de dissipar ou minimizar as suas sombras. Pelo
contrário, apenas acentuam-nas! Sim, o momento não é favorável, não havendo,
portanto, o que se comemorar, o que festejar, sendo o “policiamento” de certas
pessoas, diga-se de passagem, querendo, a ferro e fogo, ditar as reações
alheias diante, por exemplo, do desmantelo pelo qual passa o país e em relação
ao futuro do brasileiro, ainda mais irritante e perigoso do que fogos de
artifício.
Ora,
essas pessoas podem até ser absurdamente otimistas, tanto faz se a situação
pareça-lhes ou não adversa, é um direito que lhes assiste, mas não têm direito
algum de cercear os sentimentos de terceiros, se de pessimismo, realismo ou,
ainda, ceticismo – o que dirá nenhuma das alternativas! Sim, porque nada impede
que alguém seja indiferente ao que bem entender – questão de foro íntimo.
Quanto a mim, atenho-me apenas aos fatos, não ao faz de conta dos contos de
fadas. Desse modo, quando vejo o desgoverno imposto ao Brasil, onde, por
exemplo, as suas riquezas naturais estão sendo leiloadas a preço de banana –
melhor comparar com o preço do suspiro, trocado por lágrima nas ruas do país,
já que a banana anda os olhos da cara –, tornando ainda mais insossa a mal
fadada sina do brasileiro, sentenciado à morte por Propostas de Emendas
Constitucionais (PECs) aprovadas a 3x4 por corruptos de plantão e demais
medidas fascistas, que, entre outras, considerando o recém-estrangulamento da
democracia, confiscam os direitos dos trabalhadores, sabotam o acesso da
população à educação e à saúde, além de importarem não somente as pragas do
Egito, mas também as do tio Sam, eu estaria assinando um atestado de alienação
mental e política caso sentisse-me otimista ante a tamanha catástrofe social e
econômica que ora abate a outrora Terra dos Papagaios, num retrocesso histórico
a perder de vista, e os gentis que nela habitam. Enquanto isso, no cenário
internacional, o mundo assiste, omisso e cúmplice, a uma tragédia anunciada: a
devastação e a derrocada da Síria por insanos perversos, soterrando, em meio a
escombros humanos e de concreto, uma História milenar, tudo indicando que o
país será banido do próximo mapa-múndi, tristemente traçado com a carne e o
sangue de arameus e assírios. Infelizmente, o genocídio do povo sírio sequer
servirá de exemplo para conter o belicismo, que, patológico e sem cura, só tem
se espalhado mundo afora. E com a velocidade de rastilhos de pólvora.
Festejos para que
te quero!
Em sua tese de
doutoramento, intitulada Festa à
brasileira: sentidos do festejar no país que “não é sério” (1998), com uma
versão para eBook disponibilizada em 2001, a antropóloga brasileira Rita Amaral
(1958 - 2011), nascida em São Paulo, capital, embora gostasse de dizer que era
pernambucana, não apenas imprimiu cores e tons aos rituais das festas populares
do Brasil, que, aliás, “movem interesses
políticos e econômicos que poucas vezes se imagina”, mas as radiografou
– abaixo, uma das passagens que se destaca na obra da pesquisadora e traduz o
seu entendimento dos festejos:
“O divertimento (pressuposto da
festa) é uma rápida fuga da monotonia cotidiana do trabalho pela sobrevivência,
não tendo, a princípio, qualquer ‘utilidade’. No entanto, a humanidade precisa
da ‘vida séria’, pois sabe que, sem ela, a vida em sociedade tornar-se-ia
impossível. Disto resulta que a festa deixa de ser ‘inútil’ e passa a ter uma
‘função’, pois ao fim de cada cerimônia, de cada festa, os indivíduos voltariam
à ‘vida séria’ com mais coragem e disposição. A festa (como o ritual)
reabasteceria a sociedade de ‘energia’, de disposição para continuar. Ou pela
resignação, ao perceber que o caos se instauraria sem as regras sociais, ou
pela esperança de que, um dia, finalmente, o mundo será livre (como a festa
pretende ser, durante o seu tempo de duração) das amarras que as regras sociais
impõem aos indivíduos...”.
EM TEMPO:
No dia 18 de março de 1991, teci alguns versos que revelam a
minha indiferença em relação aos calendários – o que dirá as convenções! Todas.
O
futuro não é o amanhã
nem
fica revolto no tempo à espera
–
o futuro é o segundo seguinte
que
compõe os minutos na balada das horas.
Nathalie
Bernardo da Câmara
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Aceita-se comentários...