sexta-feira, 1 de outubro de 2010

ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE...



“O ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflete...”.

Aristóteles (384 - 322 a. C.)
Filósofo grego

 
No dia 7 de setembro, postei, neste blog, o texto intitulado Sonhos? Foi-se o tempo! Nulas as esperanças..., no qual alertei para o acinte que eram os programas dos partidos políticos no horário da propaganda eleitoral gratuita, sobretudo na televisão, já que os candidatos a deputado estadual, distrital – no caso do Distrito Federal –, deputado federal, senador, governador e presidente “se assemelham mais a mais bizarra das faunas, desrespeitando, com as suas performances, até o mais instruído dos eleitores”. Isso sem falar na mendicância generalizada, que foi a de pedir voto. Assim, já que os candidatos invadem a nossa vida privada sem pedir licença, nada mais oportuno do que homenagear o coletivo ilustrando a abertura deste post com uma imagem de um dos seus representantes, ou seja, a lesma, que, se calhar de fechar os olhos um segundo que seja – como dizem os portugueses –, termina, de vez, por grudar em não importa qual superfície ela esteja a se arrastar, seja no solo de um ambiente bucólico qualquer ou nas armações de concreto de um cenário urbano para lá de previsível e inóspito.

Assim, pegando carona nos últimos posts de setembro – não na lesma –, nos quais abordei três dos trinta e dois raccontini do livro Um general na biblioteca, de Italo Calvino (1923 - 1985), gostaria, agora, de propor uma reflexão sobre as Seis propostas para o próximo milênio – o atual –, último livro do escritor italiano, que o elaborou para atender a um pedido da Universidade de Harvard, feito em 1984, a fim de que as pretensas propostas fossem apresentadas durante um ciclo de conferência na renomada instituição. Infelizmente, antes de elaborar a sexta das propostas, Calvino faleceu prematuramente, vítima de uma hemorragia cerebral. De qualquer modo, editoras do mundo inteiro manifestaram interesse em publicar as conclusas cinco primeiras propostas, deixando de fora a inexistente sexta. No Brasil, a Companhia das Letras, em primorosa tradução do brasileiro Ivo Barroso, se encarregou, em 1990, de divulgar as propostas de Calvino, que, embora tenham sido escritas com um foco na crise contemporânea da linguagem, se tornaram mais uma declaração de ética do que poética.

E isso porque os valores, digamos assim, apresentados por Calvino, visando nortear a função do escritor, findaram por contemplar cada um dos gestos da nossa existência, podendo, portanto, serem aplicados nas relações interpessoais, bem como na política, sobretudo agora, no caso do Brasil, que vive um processo eleitoral para lá de controverso, devendo – sugiro – os candidatos a não importa qual cargo, tomarem conhecimento de tais valores, que são: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência. Para Calvino, que, ainda em 1985, confessou que a proximidade de um novo milênio não lhe suscitava, por ora, alguma emoção particular, as imagens de leveza – a primeira das propostas para o atual milênio – que ele buscava “não devem, em contato com a realidade presente e futura, dissolver-se como sonhos...”, embora a gravidade da existência tenha de ter ânimo leve. Já a segunda das propostas, a rapidez, requer destreza na combinação de ação com contemplação, enquanto a terceira proposta, exatidão, consiste na precisão e na clareza da linguagem.

No quesito visibilidade, a quarta proposta, Calvino diz que, “hoje, somos bombardeados por uma tal quantidade de imagens a ponto de não podermos distinguir mais a experiência direta daquilo que vimos há poucos segundos na televisão. Em nossa memória se depositam, por estratos sucessivos, mil estilhaços de imagens, semelhantes a um depósito de lixo, onde é cada vez menos provável que uma delas adquira relevo”. Agora, no que diz respeito à multiplicidade, a quinta proposta, “a excessiva ambição de propósitos pode ser reprovada em muitos campos da atividade humana”, diz o escritor. Eu, particularmente, incluiria aí a política. Afinal, a crise contemporânea da linguagem, como disse Calvino, fez, além da literatura, inúmeras vítimas – não deixando de lado, obviamente, os discursos políticos que, além de destituídos de conteúdo, logo se diluindo, pecam por não serem bem articulados. Além disso, por não serem solidamente construídos – são estéreis por excelência –, os discursos dos candidatos agridem não somente todas as esferas da linguagem, mas, também, todos os sentidos do eleitor.

Quanto à sexta proposta de Calvino para o atual milênio, que ele, inclusive, não chegou a conhecer, mas conseguiu senti-lo, visualizá-lo, a certeza é a de que, com a sua consistência, o escritor reivindica coerência e firmeza das posturas humanas, o que as qualificaria como confiáveis – coisa, aliás, que, na classe política, é um bem raro. Daí que políticos coerentes tornam-se um sonho de consumo do eleitor informado e instruído, que repele os demagogos e os que fazem proselitismo, cujos discursos só encontram ressonância nos desprovidos de uma consciência crítica; nos que trocam os seus votos por algum benefício material imediato e nos que, alienados politicamente, enxergam os processos eleitorais apenas como mais um motivo para festas e arruaças nas ruas durante os comícios. Enfim! Infelizmente, no Brasil, democracia é confundida com anarquia, no sentido pejorativo da palavra, onde a maioria dos políticos faz uso de certas influências – más, no caso – para conquistar toda sorte de privilégios – todos ilegítimos, diga-se de passagem –, bem como para, a seu bel prazer, meter a mão no erário público.

 


O pior é que, no rol da ilegalidade, também estão incluídos funcionários públicos medíocres, que se apropriam de bens coletivos e empreendem outras trapaças do gênero, já que determinadas fraudes, seja em benefício próprio ou de terceiros, só são obtidas através de meios escusos – o nome fraude já o diz – e a ética, coitada, passa distante de qualquer vestígio que possa haver de decoro. O mais degradante e vergonhoso, contudo, é que o ladrão – o nome é esse mesmo – vangloria-se da sua esperteza, obviamente que apostando na impunidade – lugar-comum no Brasil –, enquanto o cidadão honesto é visto com desdém por quem pouco está se lixando para decência. E é por isso, portanto, que os governantes não têm o menor dos interesses em garantir educação ao povo, já que, consciente politicamente, embora consciência se adquira – tem gente com PhD acusado de corrupção e lavagem de dinheiro –, não os elegeria, bem como passaria a controlar as gestões públicas e, quando necessário – o pipocar de um escândalo, por exemplo –, faria valer a Constituição Brasileira e, sobretudo, o Código Penal Brasileiro.

Sim, faria valer a Justiça, que, definitivamente – pelo menos a meu ver –, não é cega coisíssima alguma. Tanto que o símbolo oficial que se tem da Justiça brasileira, ou seja, a escultura A Justiça, com uma venda nos olhos, do escultor brasileiro Alfredo Ceschiatti (1918 - 1989), fincada diante do Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, é puro engodo. Afinal, se a infeliz fosse mesmo cega – e justa – julgaria, indistintamente, todos os que cometessem qualquer ato considerado criminoso pela legislação brasileira, levando-os ao tribunal. Infelizmente, não é isso o que normalmente acontece, já que, todos os dias – e não é de hoje –, se sabe de toda sorte de crimes cometidos ou envolvendo presidentes, senadores, deputados, assessores e congêneres, inclusive crimes por improbidade administrativa, desvio de recursos públicos, formação de quadrilhas etc. Isso sem falar nos crimes de lesa-pátria, ficando os responsáveis, para nossa indignação, livres, leves e soltos, impunes, muitos protegidos por uma infame imunidade que, a bem da verdade, deveria ser abolida.

Afinal, se cega, de verdade, a mesma Justiça não teria, anos atrás, por exemplo, condenado, por crime hediondo e posto na cadeia, um senhor do sertão do Rio Grande do Norte, cujo único delito, digamos assim, foi o de, em plena seca, com fome e sem ter o que comer, abateu um papagaio, que é protegido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA. Do mesmo modo, outro senhor, morador do Distrito Federal, foi também, anos atrás, condenado pelo mesmo crime, apenas porque ele tirou umas lascas de um pé de pequi para fazer um chá para a mulher doente. Dois pesos e duas medidas? Isso é indecente. Que moralizem, portanto, essa criatura, ou seja, a Justiça brasileira, que só tem envergonhado o povo – eleitor idiota. Esse, sim, cego. Ou, então, se faz de doido. Enfim! Há poucas semanas atrás, eu estava irredutível quanto a minha posição em relação aos meus votos, visto que, de há muito, desde o referendo do desarmamento, em 2005, e, depois, as eleições presidenciais de 2006, só compareço as urnas porque sou obrigada, mas anulo os meus votos.

A minha decisão, portanto, seria a mesma para as eleições de 2010, ou seja, anularia, como se diz, de cabo a rabo. Ocorre que, por uma série de motivos, reavaliei a minha posição. Daí ter vindo a Brasília – o meu domicílio eleitoral –, porque eu não poderia me privar de votar em certa pessoa para presidente do Brasil, abrindo uma exceção, que é Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima ou, simplesmente, Marina Silva – made in Acre. Quanto aos demais cargos: deputado distrital, federal, senador e governador, anularei, sem dó nem piedade. Ah! Para avivar a memória de muita gente ou informar quem não a conhece... Em 2007, por exemplo, Marina foi escolhida pelo jornal britânico The Guardian uma das cinqüenta pessoas em condições de ajudar a salvar o planeta das ameaças que ora pairam por toda parte, já tendo, ainda, recebido inúmeros prêmios e sido reconhecida nacional e internacionalmente por sua atuação em defesa do meio ambiente, inclusive o Prêmio 2007 Champions of the Earth, o maior já concedido pela Organização das Nações Unidas - ONU na área ambiental.

Outro dado interessante é que, no dia 29 de outubro de 2008, por sua luta em defesa da Amazônia, Marina recebeu das mãos do príncipe Philip da Inglaterra, no palácio de Saint James, em Londres, a medalha Duque de Edimburgo, o prêmio mais importante concedido pela Rede WWF. Em junho de 2009, pela causa ambiental que defende, foi a vez de receber o Prêmio Sophie, outorgado pela norueguesa Fundação Sophie, criada pelo escritor norueguês Jostein Gaarder, autor do best-seller O Mundo de Sofia. Assim, levando em consideração as propostas de Italo Calvino para este milênio, entendo que, dos candidatos à presidência do Brasil, o único que satisfaz as reivindicações do escritor visionário – leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência = coerência –, acrescentando, ainda, as minhas reivindicações – ética, moral e transparência – é a ambientalista Marina Silva. Enfim! Fica aqui a mensagem de um dos mais expressivos escritores italianos do séc. XX, que foi Calvino: a de que, neste milênio, vivenciando-o, só podemos encontrar aquilo que somos capazes de portar.


Quero o meu ambiente por inteiro!
Não pela metade...
 
 
Nathalie Bernardo da Câmara


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