quinta-feira, 14 de outubro de 2010

NO PAÍS DAS MARAVILHAS III

Em busca de um direito perdido...



“Se começássemos a dizer claramente que a democracia é uma piada, um engano, uma fachada, uma falácia e uma mentira, talvez pudéssemos nos entender melhor...”.

José Saramago (1922 - 2010)
Escritor português


Concluindo, portanto, a presente trilogia, gostaria de tecer algumas palavras sobre o conteúdo de um e-mail que, outro dia, despencou em minha caixa postal. Trata-se de um desmentido, intitulado A Ficha falsa de Dilma no DOPS. Ou seja, uma notícia informando que a suposta ficha criminal da ex-militante Dilma Rousseff, publicada no jornal Folha de São Paulo e circulando com freqüência na internet desde meados do ano passado, não passou, segundo laudos de peritos, de uma fraude. O curioso é que, no embalo da mesma notícia, divulgaram, igualmente, uma suposta ficha do também presidenciável José Serra, que, de igual modo, teria sido preenchida pelo Departamento de Ordem Política e Social - DOPS, famigerado órgão repressor da ditadura militar (1964 - 1985).

Bom! Para quem não conhece os detalhes dessa história, tudo teve início, como já foi dito, quando, no dia 5 abril de 2009, a Folha publicou a tal ficha criminal da ex-militante Dilma Rousseff, atribuindo a sua autoria ao DOPS. Curiosamente, no mês seguinte, no dia 12 de maio, ao reproduzir uma cópia da mencionada ficha no blog Ciranda Internacional de Informação Independente, o jornalista brasileiro Vinícius Souza questionou: A Folha publicaria uma ficha falsa do Serra como fez com a Dilma? Bom! Se a Folha publicaria, eu não sei – pode, inclusive, até já ter publicado –, mas, que eu publiquei... Só que uma cópia, que encontrei no Google, provavelmente de outra fraude, que também anda circulando na internet, e a pus ao lado da de Dilma, ilustrando a abertura deste post.

O fato é que, pouco mais de um mês depois, no dia 28 de junho, a Folha divulgou que a própria Dilma encaminhou ao jornal dois laudos técnicos, um produzido pelo Instituto de Computação da Universidade de Campinas - Unicamp e outro pela Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos - Finatec, ligada à Universidade de Brasília - UnB, contratados e custeados por ela, para que a suposta autenticidade da imagem reproduzida pelo periódico no dia 5 de abril fosse ou não comprovada, pondo, assim, um ponto final no episódio. Ou seria uma novela mexicana? Enfim! Na edição da reportagem em questão, ficamos sabendo, ainda, que os laudos apontaram “manipulações tipográficas” e “fabricação digital” para a criação da ficha que seria da militante Dilma.

Um dos peritos, por sua vez, informou que o Arquivo Público de São Paulo, onde estão abrigadas fichas de presos políticos, nada teve a ver com o qüiproquó, isentando o órgão de qualquer responsabilidade. À época, então ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff negou ter participado das ações mencionadas na ficha falsa, que, a bem da verdade, a Folha confessou ter sido encaminhada ao jornal através de um e-mail, ao mesmo tempo em que reconheceu que errou, pois não comprovou a autenticidade do material recebido, e se retratou. Então... Soa até estranho, de novo, agora, durante o 2° turno das eleições, desencavarem essa resenha, como se diz em Goiás, mesmo que seja em prol da presidenciável Dilma Rousseff. Afinal, quem gosta de História é historiador...

De qualquer modo, quando a falsa ficha tornou-se pública e ganhou notoriedade, foi o maior rebuliço, sendo esse, provavelmente, o objetivo do ilustre desconhecido que a forjou, bem como tentar desestabilizar emocionalmente a então toda poderosa ministra de Lula. O gesto do incauto, contudo, em nada abalou Dilma Rousseff, a dama de ferro do PT, cujo codinome, aliás, à época em que foi capturada, segundo a nada idônea ficha, teria sido Estela, nem, muito menos, balançado as estruturas das suas aspirações em se tornar a candidata de Lula à presidência do Brasil e, conseqüentemente, se eleita, a sua sucessora. Tanto que, hoje, Dilma está no 2° turno e, segundo as pesquisas de intenção de voto, é a favorita do eleitorado, com Serra em seu encalce. Falando no tucano...

Na ficha criminal do presidenciável, certamente fraudada, diz que a alcunha do militante José Serra era Vampiro – que maldade! – e que, à época, era tido como fugitivo. Bom! O fato é que ambos – Dilma e Serra – foram, sim, militantes de esquerda e, por isso, vítimas do regime militar. Não há como negar. Nem haveria motivo para isso. Muito menos negar que Dilma foi torturada até dizer basta. Direitos humanos? Isso não pertencia ao povo brasileiro durante a ditadura. Curiosamente, hoje, os dois pleiteiam o cargo de maior visibilidade que pode existir em um país. À Dilma, contudo, legaram a pecha de terrorista. E aí, eu perguntaria: Terrorista para quem? Afinal, quem impunha o terror à população eram os militares. Não os militantes de esquerda.

E foram exatamente os militares que, durante um dos períodos mais macabros da História do Brasil, passaram a chamar todos os que eram contrários ao regime e se opunham a ele de terroristas, capazes de explodir bombas, atentar contra o povo brasileiro – uma propaganda enganosa... Sim, porque, segundo os registros desse dado período histórico, quando militantes de esquerda seqüestravam, por exemplo, um embaixador qualquer, eles só o faziam porque essa era a única moeda de troca que dispunham para negociar a libertação de políticos detidos injustamente nos porões da ditadura, onde sofriam os mais cruéis dos abusos. Além disso, se também assaltavam bancos era para poderem financiar a sua resistência aos desmandos do regime e continuarem vivos.

Enfim! O único objetivo dos militantes de esquerda sempre foi o de promover a derrocada da ditadura, libertando o país e o seu povo do julgo de homens cuja única política era a da censura, da força bruta e da negação de não importa qual direito humano. Tanto que, para isso, tentaram evitar que o Brasil terminasse sendo uma ZBM nas mãos dos militares. ZBM? Nada mais nada menos do que a popular zona do baixo meretrício... E isso sem falar que a nação, vítima de constantes e contínuos estupros, teve a sua soberania ignorada pelos militares, que, atléticos, praticavam, a 3x4, os seus esportes favoritos: exilar, perseguir, aprisionar, torturar, assassinar e, não se sabe como, fazer desaparecer gente inocente cujo único ideal era o do direito à liberdade, sobretudo a de expressão. Infelizmente, vozes foram silenciadas...

Aos sobreviventes, a infelicidade de conviver com as lembranças de um pesadelo que nem um dos homens mais sábios do séc. XX, que foi o psiquiatra suíço Jung (1875 - 1961), seria capaz de apagá-las. Retornando, contudo, à inspiração deste post... Dilma Rousseff de fato não mentiu ao dizer que não foi terrorista. Afinal, os militares é que eram. Ela, como muitos outros, apenas uma vítima do regime antidemocrático, tendo, inclusive, e por diversas vezes, sido convidada a visitar os porões do regime – sabe-se lá o que a criatura sofreu nas mãos de insanos e quais os tipos de tortura que sofreu. No mais, em minha opinião, acho que, além do péssimo hábito das pessoas de pré-julgarem tudo o quanto elas possam, também costumam dar uma dimensão maior a não importa o quê.

Com isso, apenas revelam o grau da angústia que as dominam, como se discernir fosse sinônimo de lepra. Agora, se havia alguém a questionar a veracidade da tal ficha publicada pela Folha e rodando que nem pião na internet, antes, é claro, de se descobrir a fraude, esse alguém – mais ninguém – seria a própria Dilma. E foi o que ela fez. Ao mesmo tempo, não deixa de ser lamentável a descoberta de que a ficha foi forjada, já que, se autêntica, no mínimo poderia ser mais um documento que registra uma página obscura da História do Brasil, embora o presidente Lula já tenha dito que “boa parte dos arquivos da ditadura inexiste”. Não duvido. Só que nada justifica o não cumprimento de uma promessa feita por ele, que seria a de abrir os arquivos secretos do regime militar...

 

O Baú da ditadura



“(...) Quem uma vez pratica a ação [tortura], se transtorna diante do efeito da desmoralização infligida. Quem repete a tortura quatro ou mais vezes se bestializa, sente prazer físico e psíquico tamanho que é capaz de torturar até as pessoas mais delicadas da própria família! (...)”.

Dom Paulo Evaristo Arns
Texto extraído do prefácio do livro BRASIL: NUNCA MAIS, um relato da repressão e da tortura que se abateram sobre o Brasil na ditadura militar, publicado pela Editora Vozes em 1987.



Sim, no ano de 2002, durante a sua campanha para presidente do Brasil, Lula prometeu, em alto e bom som – ouviu-se a promessa do Oiapoque ao Chuí –, que, se eleito, uma das suas primeiras ações seria determinar a abertura dos arquivos secretos do regime ditatorial imposto ao país pelos militares, lavando, assim, a alma de muitos brasileiros, que, enfim, teriam acesso a informações contidas em documentos até então trancados a sete chaves sabe-se lá onde, vendo desmascarado, portanto, um bando de celerados que, não medindo esforços, soterraram os direitos humanos na ilha mais perdida do planeta e, achando pouco, remeteram à Idade Média o mapa que poderia localizá-los, a fim de que fosse queimado em uma das inúmeras fogueiras da Inquisição católica.

Ocorre que, eleito, Lula, como havia prometido, não fez da abertura dos tais arquivos uma das primeiras realizações do seu mandato. Ou seja, o ano de 2002 transcorreu sem nenhuma alusão a tal da promessa e, em 2003, cometendo outro deslize, quiçá de memória, em relação ao compromisso assumido publicamente, omissão total, já que, à época, segundo declaração à imprensa do ministro-chefe da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da presidência em 2008, jornalista Paulo Vannuchi, Lula teria dito que “aquele [a abertura dos tais arquivos] não era um assunto importante, que deveria ser deixado para depois”. Em 2004, 2005, 2006, 2007, nada também! Quando, então, da mencionada entrevista de Vannuchi, em dezembro de 2008, detalhes das hesitações de Lula são reveladas.

Ou seja, ficamos sabendo que a intenção do governo era a de executar um pacote de medidas para aquele ano, mas que, dissuadido pelo ministro-chefe da secretaria de Comunicação Social da presidência, jornalista Franklin Martins, que argumentou que as festas de fim de ano ofuscariam o pacote, este seria adiado para janeiro de 2009, quando seria elaborado um projeto de lei para que os arquivos secretos fossem abertos, bem como o lançamento de um edital, que convocaria ex-militares a entregarem ao governo federal todo e qualquer documento, referente à ditadura, que possuíssem em casa. À oportunidade, Vannuchi relatou, ainda, uma conversa que teve com Lula, na qual alertou que ele não poderia concluir o seu segundo mandato de presidente sem uma solução para o problema.

Segundo o ministro, poderia nem ser uma solução ideal, mas que havia, sim, a necessidade de uma solução nem que fosse para não manchar a biografia de Lula... Como diria a cantora brasileira Vanessa da Mata: “Ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai”. O pior ainda foi que, em represália ao pacote de medidas anunciado, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica discordaram da iniciativa e colocaram os seus respectivos cargos à disposição do presidente Lula, que, por sua vez, tentou amenizar o impasse prometendo ao quarteto alterar alguns pontos da proposta de Criação da Comissão da Verdade, cujo papel, se aprovada pelo Congresso Nacional, será o de analisar os casos de violações de direitos humanos na ditadura militar.

Ô cabra frouxo, que nega as origens! Sim, porque, de nordestino arretado, como se costuma dizer, Lula não tem nada, já que – virou Lesão por efeito repetitivo - LER – ele nunca ouve nem vê nada, ou seja, não sabe de nada, parece até cego em tiroteio, com a vantagem, contudo, de nem mesmo ouvir o estrondo das balas. Enquanto isso, cerca de um ano depois, o advogado e tutor do Portal Educação, Carlos Eduardo Gomes Figueiredo, enfatizou que os direitos humanos devem ser resguardados, garantindo à população o direito de acesso aos acontecimentos ocorridos durante o regime militar. Para ele, “qualquer barreira na liberdade à informação e história pode configurar uma negação desta fase, que faz parte do desenvolvimento político-jurídico do país”, afirmou.

À época, as palavras de Gomes Figueiredo foram exemplarmente corroboradas pelas do então presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, Cezar Britto, que disse ser a abertura dos arquivos da ditadura a única medida capaz de evitar erros cometidos no passado. E foi somando forças nesse sentido que o ex-ministro-chefe da Secretaria Especial dos Direitos Humanos e atual presidente da Fundação Perseu Abramo, o jornalista Nilmário Miranda, autor, inclusive, do projeto que criou a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, afirmou que o que de fato ocorre é que alguns militares têm medo de serem punidos casos os polêmicos arquivos sejam abertos, já que, alegando estarem restaurando a democracia no Brasil, eles instauraram foi uma ditadura.

Para Nilmário Miranda, a abertura dos arquivos só depende, agora, do poder Executivo, visto que “o Judiciário já abriu, com sentença transitada em julgado (NR: sentença contra a qual não cabem mais recursos) sobre a Guerrilha do Araguaia”, por exemplo. E é inadmissível, em sua opinião, que as Forças Armadas insistam em dizer que não dispõe de um documento sequer referente ao movimento armado que ocorreu no início da década de setenta ao longo do rio Araguaia, na Amazônia, ainda mais porque a operação militar desencadeada para coibi-lo foi considerada a maior já ocorrida no país desde então. Segundo o jornalista, os documentos existem, sim, e são os únicos que faltam vir à tona, bem como os que dizem respeito aos casos de tortura ocorridos no Brasil.

Bom! Diante da omissão de Lula, espero que o próximo presidente deste país não hesite e, enfim, abra os (mal) ditos arquivos secretos, calando, assim, a boca dos que, apesar dos inúmeros testemunhos e documentos que atestem o contrário, insistem em negar que a tortura existiu na Terra dos Papagaios. Afinal, tudo indica que Lula, que prometeu fazê-lo e até hoje não o fez, não irá rever a sua posição e o faça ainda no fim do seu segundo mandato, sobretudo, agora, estando o Brasil no banco dos réus, sendo julgado pela Organização dos Estados Americanos - OEA por, até hoje, não ter punido com rigor os responsáveis pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento de dezenas de pessoas ligadas à Guerrilha do Araguaia. Bem feito! É nisso que dá ser covarde. E que sirva de lição...

 
Nathalie Bernardo da Câmara






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