Código Florestal votado pelo Senado significa retrocesso de duas décadas na política ambiental brasileira
Texto mantém conteúdo injusto e contrário aos interesses da sociedade brasileira, legalizando grande parte das atividades agropecuárias irregularmente instaladas em áreas ambientalmente importantes e sem trazer novos mecanismos para evitar desmatamentos futuros.
Aos Senhores e Senhoras deputados e à Sociedade Brasileira
O Projeto de Lei de reforma do Código Florestal Brasileiro retornou à Câmara dos Deputados neste final de ano,após apenas um semestre de tramitação no Senado Federal. O Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável entende que o Projeto só poderia ser votado após resolver a série de problemas estruturais que nele permanecem.
Reafirmamos a posição do Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável em não admitir a aprovação de nenhum dos dois textos aprovados no Congresso Nacional, visto que, ambos mantêm os retrocessos, seja o do relator Aldo Rebelo (PCdoB/SP) da Câmara ou dos relatores Luiz Henrique (PMDB/SC) e Jorge Viana (PT/AC) do Senado. Nossa posição é coincidente com o compromisso assumido pela Presidente da República em não permitir anistia ambiental, redução de limites de APP e Reserva Legal e permissão a novos desmatamentos. Tal compromisso foi reiterado pelo o ministro Gilberto Carvalho, quando da entrega oficial de 1,5 milhão de assinaturas contra o Projeto na Presidência da República em Ato Público no dia 29 de novembro. No item seguinte, relacionamos cada um dos três aspectos aos artigos do Projeto.
O texto aprovado na Câmara dos Deputados dia 24/05/2011 refletiu o pouco aprofundamento do debate e a opção por uma visão unilateral diante da falsa polarização entre agricultura e conservação ambiental. Isso ficou evidenciado, por um lado, pelo conteúdo do Projeto, que inseriu uma série de problemas estruturais como anistia a crimes ambientais, ameaças à conservação e redução de limites na recomposição das áreas protegidas e reservas florestais e, por outro lado, pelo formato do Projeto, devido a insuficiências relacionadas a interpretação, juridicidade e constitucionalidade necessárias a um código florestal de leis, resolvidas apenas parcialmente pelo Senado.
A tramitação do Projeto no Senado Federal gerou um texto final aprovado no Plenário em 06/12/2011, que ainda não conseguiu atender ao desafio de aliar produção e conservação. O texto ainda segue recebendo duras críticas de juristas, da ciência, da sociedade e de diversos setores especializados nos temas fundamentais que o Código altera. Apesar de o texto legislativo ter ficado um pouco mais compreensível que o da Câmara quanto a redação e distribuição temporal dos artigos, como a separação do Capítulo das Disposições Transitórias, além da inclusão do Capítulo da Agricultura Familiar, de regras urbanas importantes e de princípios ordenadores positivos para a futura Lei, o prazo exíguo de tramitação no Senado Federal, cuja principal Comissão temática a analisar a matéria (Meio Ambiente) apresentou, votou e emendou o Projeto em apenas 72 horas, não resolveu o conjunto dos problemas.
Infelizmente, por conta desse atropelo institucional patrocinado pela bancada ruralista, tanto no Senado Federal,quanto na Câmara dos Deputados, diante de matéria de tamanha importância, a presidente Dilma Rousseff poderá receber em sua mesa de trabalho um texto muito ruim para as florestas e para os recursos hídricos brasileiros, caso seja aprovado o texto da Câmara dos Deputados ou o texto do Senado Federal.
O Projeto de novo Código Florestal votado no Senado, conforme será demonstrado a seguir, suscita insegurançajurídica, dúvidas de interpretação e está recheado de ambiguidades voltadas a flexibilizar critérios socioambientais para atender especificamente aos grandes produtores agropecuaristas, colocando em xeque a Constituição Federal e os compromissos internacionais sobre o clima assumidos pelo Brasil durante o Governo Lula e o Governo Dilma.
Apesar dos apelos de inúmeras entidades do Poder Público, como Agência Nacional de Águas (ANA) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e da Sociedade Civil, como CNBB e SBPC, dentre outras, a sociedade brasileira foi desconsiderada em todas as quatro comissões pelas quais o PLC 30/2011 passou no Senado, sendo que o senador Luiz Henrique (PMDB/SC) acumulou a relatoria em três dessas Comissões (CCJ, CRA e CCT), deixando ao relator Jorge Viana (PT/AC) menos de uma semana de prazo para o trabalho da comissão de mérito maisimportante do Senado para o Código Florestal, a CMA. O texto do Senado mantém o eixo central de anistia e privilégio introduzido pelo relator Aldo Rebelo (PCdoB/SP) aos que, ao arrepio da lei, priorizaram seus interesses privados e imprimiram a destruição à natureza.
Dessa forma, o Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, articulação que reúne entidades históricas e fundamentais para a democracia brasileira, tais como CNBB, OAB, sindicatos, movimentos da agricultura familiar e organizações socioambientais, buscando cumprir seu papel de defesa das florestas e do desenvolvimento sustentável, encaminha para Vossas Excelências estas breves considerações.
Demonstramos aqui que não há retórica ou distorções na leitura feita pela sociedade brasileira do PLC 30/2011 aprovado no Senado Federal. Há, sim, um trabalho ético e dedicado, que levou todas as entidades aqui subscritas a uma só conclusão: o PLC 30/2011 não atende aos anseios de um Brasil mais justo, sustentável e democrático.
Principais Problemas do Projeto aprovado na Câmara dos Deputados e mantindos pelo Senado Federal
ANISTIA AMBIENTAL
No passado o Brasil utilizou o instituto da anistia política de forma positiva, com objetivo de corrigir penalidades indevidas do período militar. Entretanto, no PLC 30/2011, anistia tem outro significado, extremamente danoso e negativo. Na área ambiental e no Projeto, Anistia Ambiental (denominada "área rural consolidada", Art. 3, inciso IV) significa não só perdoar penalidades aplicadas a quem desrespeitou as regras de proteção às florestas, como, mais grave, desobrigará a recomposição de grande parte das áreas irregularmente desmatadas, conforme demonstrado a seguir:
1. ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
·Anistia 1: Mantém ocupações agropecuárias ilegais ocorridas até julho de 2008 em beiras de rio e nascentes, exigindo a recuperação de, no máximo, metade das áreas que hoje deviam estar conservadas e que, segundo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, causará impactos severos a nossas fontes de água (§4°, Art. 62);
·Anistia 2: Mantém ocupações irregulares com culturas lenhosas perenes, como pinus e eucalipto, em áreas com inclinação maior de 45° (Art. 64). São áreas muito vulneráveis a deslizamentos, que ficarão ainda mais expostas quando ocorrer o corte raso dessas espécies de uso industrial. Essa anistia é muito diferente da reivindicação da agricultura familiar, que é a manutenção de espécies como maçã, uva e café, que possuem ciclo temporal muito mais longo; o conceito de topo de morro foi alterado, o que representa fragilização de APP.
·Anistia 3: Mantém qualquer tipo de ocupação agropecuária em áreas de risco, como encostas e áreas inclinadas entre 25° e 45° (Art. 11);
·Anistia 4: Mantém, de forma irrestrita, atividades como a carcinicultura, altamente poluente e danosa, em apicuns e salgados, áreas ecológicas fundamentais dos mangues (Art. 65).
2. RESERVA LEGAL
· Anistia 1: Desobriga a recomposição de áreas de Reserva Legal ilegalmente desmatadas até julho de 2008 em imóveis rurais até quatro módulos fiscais. Como não assume o conceito de agricultura familiar, esse dispositivo permite um proprietário que possua duas ou mais propriedades de 4 módulos seja anistiado. Nessa anistia, serão dispensados de recuperar a RL, segundo o IPEA, um total de 4 milhões de imóveis, com uma área total de 135 milhões de hectares (Artigo 69)
· Anistia 2: Possibilita que por meio de uma simples auto-declaração qualquer um seja desobrigado de recuperar a área de Reserva Legal, com a simples alegação (sem necessitar de meios de prova objetivos) que o desmatamento ocorreu numa época em que a legislação era diferente (§1°, Art. 70).
· Anistia 3: Nos casos em que tenha que haver alguma recomposição, ela poderá ocorrer com 50% deespécies exóticas. Isso significa que muitos poderão se regularizar fazendo plantios de dendê ou de eucalipto, desvirtuando totalmente o mecanismo (Inciso II, §3°, Art. 68);
· Anistia 4: O proprietário que desmatou ilegalmente pode ainda compensar sua RL em Estado diferenteonde ocorreu o desmatamento ilegal, condenando regiões inteiras (principalmente na região Sudeste e Sul) a se tornarem “desertos” de monocultivos (Inciso III, §6°, Art. 68).
REDUÇÃO E AMEAÇA DE APPs E RESERVA LEGAL
1. Reduz e Ameaça a APP, visto que, segundo estudo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), anexo, as Áreas de Preservação Permanente (APPs) de cursos d'água devem serconsideradas desde o seu nível mais alto em faixa marginal. As áreas existentes entre o menor e o maior leito sazonal (as várzeas, os campos úmidos, as florestas paludícolas e outras) devem receber na Lei o mesmo status de proteção de APPs, pois sua conservação garante a manutenção de funções ambientais essenciais. A floresta amazônica terá sua proteção diminuída, com suas imensas várzeas abertas a qualquer tipo de ocupação, prejudicando populações tradicionais que hoje as utilizam de forma sustentável. O Projeto privilegiaria interesses de grupos econômicos específicos contrários ao bem comum. A maior parcela das áreas úmidas brasileiras está desprotegida: com a mudança do cálculo das APPs ciliares do leito maior para o menor, as grandes várzeas e pantanais brasileiros ficarão desprotegidos. As áreas úmidas que podem vir a ser declaradas como APP teriam que ser desapropriadas! (Artigo 4).
2. Ameaça a APP, visto que admite práticas de aquicultura em APP nos imóveis rurais com até 15 (quinze) módulos fiscais (o que pode chegar a 1.500 hectares). Isto permitirá atividades de carcinicultura em áreas de mangue e qualquer outro tipo de aquicultura, inclusive com espécies exóticas em qualquer tipo de APP, prejudicando os pescadores artesanais e os pequenos extrativistas (Art.4º §6º).
ESTÍMULOS A NOVOS DESMATAMENTOS
1. Não há mecanismos para impedir mais desmatamento ilegal. O CAR (Cadastro Ambiental Rural) está fragilizado (prevê apenas um ponto de amarração geográfica). Não há sanções novas contundentes (o artigo 52 é vago e insuficiente).
2. Há tantas exceções que será difícil saber a regra: a governança dessa nova legislação será para lá decomplexa, pois são tantas as situações para as quais há regras diferentes que será impossível monitorarcom eficiência. O Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), que ainda está longe de ser consolidado, terá um desafio muito acima de sua capacidade atual e mesmo futura no médio prazo.
3. Não fornece nenhuma segurança jurídica para as comprovações de "áreas consolidadas" (anistia) até julho de 2008 em Reserva Legal, o que abre possibilidade para novos desmatamentos em qualquer tempo serem objeto de tentativa de enquadramento nos casos previstos de anistia. Através de um dispositivo com caráter transversal à Lei, ou seja, que pode ser combinado com diferentes artigos que tratam de outras situações, cria-se total ausência de segurança jurídica para a comprovação da anistia e desmatamentos futuros ou passados, permite que até mesmo um manuscrito em "papel de pão" auto-declaratório do proprietário, poderia regularizar desmatamentos ilegais, o que abriria disputas e ações judiciais intermináveis por parte dos órgãos fiscalizadores e Ministério Público Federal e estaduais. (Artigo 70).
4. Segundo o caput do artigo 62, todas as atividades agrossilvopastoris podem ser consolidadas em APPs. Os § 4º a 8º estabelecem regras mais restritivas para APPs em cursos d'água e nascentes e o art. 64 nas encostas, bordas de tabuleiro e topos de morro. Portanto, as atividades agrossilvopastoris podem ser mantidas no entorno de lagos naturais (inciso II), mangues (VII), veredas (XI) e restingas (VI). Foram ampliados os casos de regularização em áreas urbanas de risco (art. 66).
Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável
ESTÍMULO A NOVOS DESMATAMENTOS
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