Foto: Divulgação.
O pintor, escultor e poeta francês Marcel Duchamp (1882 - 1968) “foi o responsável pelo conceito ready made, que se caracteriza pelo transporte de elementos da vida cotidiana para o meio artístico, que a princípio não eram reconhecidos como arte, selecionados sem critérios estéticos. Uma verdadeira renovação nas artes da época, o seu ready made mais famoso é a “fonte”, um urinol de porcelana branco considerado uma das obras mais marcantes do dadaísmo, criada em 1917...”. – Passagem extraída da postagem Questão Teórica 2 – Relacionada a Marcel Duchamp e o conceito Ready made, de autoria da comunicóloga brasileira Alexia Karoline Lirio, publicada no blog “A arte é a assinatura da civilização”.
Por Marina Silva
Ambientalista brasileira, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente.
Artigo publicado no dia 14 de dezembro de 2012 no jornal Folha de S. Paulo.
A indagação é justa como as pessoas a expressam: continuarei ou não no espaço da ação política institucional? Mais justa ainda é a pergunta oculta: ainda é possível ressignificar a política como mediadora da busca do bem comum? Sobre isso vale a pena iniciar uma agenda de conversa. Com todos: lideranças políticas, pessoas de movimentos sociais, juventudes, academia e uma multidão de amigos e colaboradores da campanha de 2010.
É grave a crise que vivemos no mundo, feita de múltiplas crises: econômica, social, ambiental, política e de valores (as duas últimas, a meu ver, estão na base das demais). Está evidente a insustentabilidade da nossa relação com o si-mesmo, com os outros, com a natureza. Evidente, também, é o esgotamento da fórmula política, que produz e reproduz os impasses críticos, produz perplexidade, não gera respostas nem novas perguntas.
No Brasil, repetimos a necessidade de fazer uma reforma política, mas a única coisa que reformamos é o prazo, sempre adiado e vencido. A política brasileira permanece estagnada, no conteúdo e na forma como, hoje, opera a maioria de seus partidos e lideranças. O sintoma da estagnação é a queixa, repetitiva, paralisante.
A possibilidade de ressignificar a política é uma nova atitude, que nos leve da gesticulação ao gesto e do gesto ao ato. Uma espécie de esforço reparador, envolvendo pessoas de diferentes segmentos da sociedade, no sentido de repatriar os valores, o sonho e a política como arte de realizar o bem comum, ideais que foram exilados do fazer político pelo excesso de pragmatismo, de apego ao poder pelo poder.
Nos últimos cem anos, a arte subsistiu, muitas vezes exilada da política, como o fazer humano capaz de realizar as promessas de mudança e a ideia de revolução. No outro território desse exílio, a política, sem arte, deixa de ser política. Vira "arte", sinônimo de malfeito, sua versão distorcida. E a sintomática repetição dos malfeitos faz com que a ideia de bem comum, originariamente associada à política, torne-se estranha a ela.
Minha agenda de diálogos ganha, inspirada na arte, esse sentido: inverter essa estranheza da ideia do bem comum, refazer para ela um novo ninho no ato político. Identifico, em cada brasileiro que tem coragem de assumir e encarar as crises deste tempo, um novo Marcel Duchamp capaz de realizar um "ready-made" na cidadania, na vida social, na economia, no ambiente.
Talvez possamos, como na subversiva arte de Duchamp, fazer um gesto capaz de transformar o feio e prosaico vaso da legislação eleitoral numa fonte restauradora de renovação da política. Impossível? Às vezes, o impossível é a única aspiração que resta a quem é verdadeiramente realista.
Conversemos, pois.
*A ilustração e a epígrafe são de minha responsabilidade.
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