“(...) Eu te amo porque te amo. / Amor é estado de graça / e com amor não se paga. / Amor é dado de graça, / é semeado no vento, / na cachoeira, no eclipse. / Amor foge a dicionários / e a regulamentos vários. (...)”.
Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987)
Poeta Brasileiro – As Sem razões do amor – Corpo
Ponto. Intencionalmente, suprimi os primeiros e últimos versos do tão decantando poema de Drummond, que, por sua vez, a seu modo, enaltece o amor. E suprimi porque não concordo com as demais “razões” que o poeta atribui ao carro-chefe dos sentimentos do bem. Tipo: quando ele diz, por exemplo, que o amor não pode ser conjugado. Claro que pode! E em todos os tempos verbais, de preferência no presente...
As Sem razões de um feriado religioso
“A laicidade do Estado significa que ele deve ser neutro em matéria religiosa e isso não quer dizer que ele seja ateu ou agnóstico, quer dizer que o Estado não tem posição, deve respeitar todas as posições religiosas, mas não pode endossar nenhuma delas...”.
Daniel Sarmento
Professor adjunto de Direito Constitucional da UERJ e Procurador Regional da República.
Infelizmente, no caso do Brasil, por exemplo, não é isso o que acontece. O Estado brasileiro endossa, sim, posições religiosas, sobretudo e principalmente as da Igreja católica. Digo isso – nada pessoal – porque, apesar do Brasil ser o maior país católico do mundo – pudera, com o tamanho que ele tem –, a política tendenciosa do Estado de há muito já deveria ser coisa do passado. E nem me digam que tal prática ainda se dá – daí a mesma se justificar – porque a outrora Terra dos Papagaios foi achada por navegadores de um país, à época, eminentemente católico, que é Portugal, bem como colonizada, na sua maior parte, por enviados – iluminados? – lusos!
Na verdade, não é de hoje que muitos questionam a relação, muitas vezes promíscua, do Estado brasileiro com a Igreja católica – relação essa, aliás, que nem deveria existir, visto que a própria Constituição do país é bastante clara nesse aspecto. E o mesmo eu diria caso esse mesmo Estado mantivesse um relacionamento tão estreito, digamos, com o protestantismo, ou o islamismo, ou, ainda, com o candomblé. Tanto que fico pasma com a quantidade de feriados religiosos – católicos – existentes no Brasil. Isso sem falar que é inadmissível que se pare todo um país apenas porque dada religião – no caso, a católica – comemora uma ou mais datas.
E quem não é católico, pertence a outra religião ou não professa nenhuma? Subtende-se, pelo visto, que todos, sem exceção, independentemente das suas crenças, ou da sua ausência, devem parar as suas atividades para reverenciar uma data católica. O mais sensato, portanto, seria que o Estado brasileiro fosse coerente com a sua Constituição e abolisse de vez com os feriados religiosos – os ditos cívicos também! Sim, que fosse um Estado pautado pela modernidade – coisa que está longe de o ser – e que respeitasse os artigos constitucionais que deveriam regê-lo, norteá-lo, não atropelá-los, a ferro e fogo, de maneira tão primitiva.
Um exemplo, portanto, de que o Brasil ainda parece viver 1500? A obrigatoriedade do ensino religioso – católico, né? – nas escolas da rede pública de ensino do país. A respeito do assunto, o site Católicas pelo direito de decidir, publicou, em setembro de 2012, um artigo do jornalista Mário Henrique de Oliveira, intitulado Ser laico não é ser contra a religião, no qual ele diz:
— Apesar de o Brasil ser um Estado laico, também consta no texto da Constituição a obrigatoriedade do ensino religioso, além do país ter firmado um acordo com a Santa Sé que prevê o “ensino católico e de outras confissões” na rede pública de ensino, o que causa um conflito de interesses. Em muitos locais, o ensino religioso é considerado obrigatório e sua matrícula é feita de maneira automática, apesar de, por lei ele ser facultativa. Por isso, os envolvidos no debate acreditam que seria a retirada do ensino religioso das escolas. Para tanto, seria necessária a criação de uma PEC, Proposta de Emenda à Constituição, mas eles não enxergam uma força política hoje capaz de se articular para essa finalidade. Em vista disso, foram debatidas também algumas alternativas, entre as quais a criação do Plano Nacional para Enfrentamento da Intolerância Religiosa e de uma Comissão de Enfrentamento de Intolerância Religiosa, a formação de profissionais e gestores para lidar com a questão, revogação do acordo entre Brasil e Santa Sé, revisão do artigo 33 da LDB e eliminação de todos os símbolos e práticas religiosas da rotina escolar.
O referido artigo, por sua vez, cita outro, homônimo, publicado meses antes, em junho, pela revista Forum, de autoria do acadêmico Túlio Vianna, professor de Direito Penal da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que, certo momento, referindo à realidade brasileira, é incisivo:
— O ensino religioso nas escolas públicas não deve se converter em um instrumento de proselitismo do cristianismo.
Nunca passagem anterior do artigo, contudo, o professor já havia externado a sua lucidez de pensamento:
— Não há nada de democrático em querer impor o ensino de uma crença religiosa a quem não professa aquela religião.
De igual modo, eu diria, não há nada de democrático em querer impor a celebração de uma data religiosa a quem não professa aquela religião. Daí que, se os católicos têm, por exemplo, os seus santos de devoção, que eles realizem os seus rituais além dos adros das suas igrejas, sem que, necessariamente, pare-se um país – os feriados – por causa disso – o mesmo valendo para as demais religiões, ficando todas, portanto, perante a legislação vigente, em pé de igualdade, sem que o Estado privilegie apenas uma crença em detrimento de outras. Afinal, queiram ou não, o Estado não pode apoiar nenhuma manifestação de religiosidade, independentemente da sua natureza.
NBC
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