Charge Jorge Braga/Jornal
O POPULAR – 8/11/2015
Outro
dia, num ônibus, papeando com uma jovem professora que eu havia acabado de
conhecer – falamos sobre acessibilidade nos transportes coletivos, coisas desse
tipo –, findamos, casualmente, por esbarrar na ‘Regra 85/95’... Daí que cinco meses
após a publicação no Diário Oficial da União (18/6) da Medida Provisória nº 676/2015,
alterando a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos de
Benefícios da Previdência Social, quando passaram a valer novas regras na
concessão de benefícios da Previdência Social – medida essa aprovada em votação
simbólica pelo Senado em 7/10 –, o Brasil ainda anda às voltas com dúvidas e
questionamentos a respeito da chamada ‘Regra 85/95’, que, no frigir dos ovos, significa
que o segurado tem de atingir um número mínimo de pontos, obtido a partir da
soma da idade e o tempo da contribuição para poder aposentar-se com o valor
integral do benefício – a mulher precisa somar 85 pontos e o homem 95.
Um assunto maçante, convenhamos, para leigos e, de repente,
até mesmo para matemáticos, embora o seu entendimento faz-se necessário. Curiosamente,
o assunto parece só não ser enfadonho para o polêmico sociólogo italiano Domenico
de Masi: “Com o aumento da expectativa de vida, as pessoas passaram a viver
muito mais do que antes, mas as regras da aposentadoria continuaram as mesmas
da Sociedade Industrial. A aposentadoria deveria acontecer aos 80 anos, e não
aos 60. Você sai do seu trabalho justamente na fase que adquiriu mais cultura e
experiência, e é levado para uma vida vazia, sem objetivos”. É o que ele chama
de ‘cultural gap’. Ideólogo do ‘ócio criativo’, que conjuga tempo livre e
criatividade, Masi defende, ainda, a redução da jornada de trabalho,
prerrogativa para validar o seu conceito. O fato é que, independentemente dos
méritos das novas regras para a aposentadoria no Brasil, ou da sua ausência,
tudo é uma questão de ponto de vista.
Tanto é que, muitos dos que antes da vigência das novas
regras estavam na iminência de requerem os seus benefícios previdenciários
tiveram de cancelar planos. Frustrados, sem a expectativa da aposentadoria, são
capazes de tudo acumularem, menos tolerância – o que é até compreensível. Isso
porque, levando em consideração as precárias condições de trabalhos e os baixos
salários, entre outras adversidades, esses contribuintes serão obrigados a
permanecerem, contrariados e sem estímulo algum, na árdua labuta ainda durante
vários anos – e sabemos que não há nada mais antipático do que fazer algo por
obrigação. Haja estresse! Este, por sua vez, no caso, abala, inexoravelmente, a
saúde e o bem-estar do trabalhador, que, apesar de fatigado, terá, sem muitas
opções, de render-se ou a uma queda paulatina da sua produtividade, consequentemente,
da qualidade do seu trabalho, ou a uma radical mudança de pensamento, de
mentalidade, atualizando-se.
O papo no ônibus? Quando pensamos que já vimos de tudo na
vida... Lá pelas tantas, a minha interlocutora confidencia-me, gracejando, que
um irmão seu, técnico em engenharia, algo assim, andava a fazer algo sui generis, ou seja, devido a Regra ‘85/95’, já pagava, há cerca de dois meses, o INSS para uma filha de... 4 anos
de idade! Não nego, confesso, que me surpreendi ao tomar conhecimento do
inusitado gesto – reação semelhante teve a jovem professora, disse-me ela, quando
soube da decisão filial tomada em benefício da sobrinha. Pudera, pois, provavelmente,
talvez seja o único caso, nesse sentido, no Brasil. Desse modo, não nos restou
gargalhar, obviamente chamando a atenção dos demais passageiros, que ignoravam
o motivo do nosso bom humor – motivo esse, aliás, que me legou reflexões, inspirando-me
a escrever este artigo, cujo tema, para digerir, se é que isso é possível,
faz-se necessário ainda mastigar bastante. E rir, se isso também é possível.
Nathalie
Bernardo da Câmara
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