quinta-feira, 28 de abril de 2016

CRÔNICA DA QUARTINHA


E assim caminha o brasileiro...

Cartum: Latuff.



Um dia que começa com Temer recebendo a benção do pastor Malafaia para iniciar a sua travessia numa hipotética ponte para o futuro só pode ser o prenúncio do fim do mundo, previsto, aliás, para ontem, quarta, 27, por uma seita dita cristã com sede nos EUA... Enquanto isso, já abençoado, Temer recebe um Collor renovado, apresentando proposta para a “reconstrução” do Brasil – essa foi de doer! Igual à frente fria que paira sobre o Sul e Sudeste do país, que, com ela, trouxe o anúncio do congelamento do salário mínimo e o dos servidores públicos numa eventual gestão Temer  imagina o que mais vem pela frente, na educação, na saúde... Nisso, é feita uma denúncia, com provas, de que Anastasia não é quem ele diz ser, mas sim um ciclista incauto, infringindo as leis do trânsito, não podendo, portanto, entre outras máculas curriculares, ser o relator do processo de impeachment contra Dilma no Senado. E quem liga para isso? O único que liga é Lewandowski, mas para Cunha, com quem marca um cafezinho e de quem ganha um mimo de 41,347% de reajuste escalonado para o judiciário, não um pagamento de fatura como as más línguas andam a dizer. Nesse meio tempo, juízes da América Latina tornam público um documento contra o golpe assinado pela categoria – infelizmente, os magistrados tupiniquins nem ao respeito se dão... Tem coisa mais feia do que isso? Tem, que é o filho de Kátia Abreu – quem herda aos seus não degenera –, sair colhendo assinaturas para criar uma lei anti-Lula, que, se aprovada, proibirá candidaturas para cargos públicos de quem não possui curso superior... Porém, pelo que ouvi dizer, o homenageado, com os seus mais de 50 títulos honoris causa, não está nem aí. Roseana Sarney, por sua vez, talvez possa ser a próxima ministra da Educação... Eita, engasguei. E com a pipoca que ainda nem comi, porque o STF proibiu, quando for assistir o filme Nise – O coração da loucura no primeiro cinema público de Belo Horizonte, recém-inaugurado. Falando na sétima arte, faleceu, também nesta quarta, o ator Umberto Magnani, 75, em consequência de um AVC – sim, o face também é obituário. Coincidentemente, há um ano, falecia, dormindo, em sua casa, Inês Etienne Romeu, 72, a única presa política a sair com vida da Casa da Morte, em Petrópolis, aparelho clandestino de tortura da ditadura militar, após 96 dias de tortura. Sobre o tema... A União Brasileira dos Escritores (UBE) – uma boa notícia, pois tinha de ter uma – pediu ao Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia, na Holanda, que abra uma investigação criminal contra Bolsonaro, argumentando para tal a sua apologia da tortura, crime de lesa-humanidade, durante a votação do impeachment de Dilma na Câmara dos Deputados, lembrando que outras investigações estão na agenda de instituições brasileiras. E não para por aí: está circulando uma petição, que já assinei, para que, em maio, o parlamentar não seja homenageado pela Câmara de Vereadores de Campo Grande, que pretende conferir-lhe o status de “visitante ilustre”... É, o face também gosta de dá um de colunista social – não foi à toa que conseguiu localizar Sérgio Moro nesta quarta, até então, de paradeiro ignorado. Sim, embora sem a sua capa indefectível – prefiro a do Zorro –, o juiz foi finalmente encontrado numa homenagem que lhe foi prestada, em Nova York, por ter sido capa da revista Time da semana como uma das cem pessoas mais influentes da atualidade... Ora, influente foi o casal que denunciou para o mundo, que está de olho, o golpe de Estado em curso no Brasil e a fraude que é a Rede Globo, como também marcou um golaço o Levante Popular da Juventude, protestando contra a emissora na final da Copa do Nordeste, realizada no estádio Arruda, em Recife, chamando-a de “golpista” ao vivo e a cores. À surdina, uma comissão do senado aprovou uma PEC que dispensa análises da viabilidade de uma obra, para poder autorizar ou não o licenciamento ambiental, a partir dos impactos socioambientais que ela pode gerar, rasgando, assim, a legislação vigente. Não, nada de proteger o meio ambiente para esse pessoal, que, com essa decisão, não fizeram que garantir vales... E outras Vales. Enquanto isso, no Vale da Utopia, no Parque estadual da Serra do Tabuleiro, o seu guardião, o artista plástico Vilmar Godinho, está sendo ameaçado pela decisão do Ministério Público de Santa Catarina de retirá-lo da caverna onde, por opção, mora há 26 anos, na maior interação com a natureza, sem fazer mal a ninguém. E para que ele tenha o direito de permanecer recluso também está rolando petição, manifestações locais. Outra boa notícia é que, na sessão da noite da Câmara dos Deputados, revoltadas com mais manobras de Cunha, parlamentares peitaram Cunha, ocuparam a mesa e botaram o meliante para correr – cabra frouxo! Já na Praça dos Três Poderes, as mulheres tentaram iluminar os senadores para que votem contra o golpe com um ‘iluminaço’ pela democracia. É, e no dia em que se comemorou o nascimento da escritora, filósofa e feminista inglesa Mary Wollstonecraft, Dilma declarou em entrevista que lutará para sobreviver. Por seu mandato e para defender o princípio democrático que rege a vida política brasileira. E na abertura Conferência Nacional de Direitos Humanos, para quem já tinha dito, referindo-se a Temer, que deve ser mesmo muito confortável ser presidente sem votos, Dilma aproveitou para alfinetar Cunha. Em sua opinião, o “pecado original” do processo de impeachment contra ela, que, no evento, garantiu encaminhar um projeto ao Congresso para, em regime de urgência, num prazo de 45 dias, pôr fim aos autos de resistência no país, uma antiga reivindicação dos movimentos sociais. Mas, como o dia foi longo e nada indicava que o mundo fosse acabar na data prevista pela seita cristã, ainda teve uma de Erundina, que, preocupada, desabafou: “Isso (golpe) enxovalha a imagem do Brasil no mundo.” Ora, onde já se viu bandido preocupado com imagem? Não estão preocupados com o Brasil, o que dirá com a imagem do Brasil no mundo! O mais preocupante, contudo, é que ambos, Cunha e Temer, parece não estarem batendo nada bem da cabeça: além da canalhice habitual, Cunha teve o disparate de dizer que o modus operandi do PT assemelha-se ao de organizações criminosas, quando, na verdade, o maior bandido, hoje, no Brasil, atuando como chefe de quadrilha, um gângster, é ele, inclusive na condição de “foragido”, pois responde a um sem fim de processos no STF – infelizmente, a instituição caiu no descrédito da população, pois, além de há meses não julgar o réu, está seriamente comprometida com ele. Temer, por sua vez, não admite que ninguém chame o processo de impeachment de golpe, mas chama de golpe a dissolução do Congresso e a possibilidade de novas eleições presidenciais serem convocadas – claro, já que o seu partido, o PMDB, não é bom de voto para vencer sequer uma. Nas vezes em que chegou a presidir o país foi de forma indireta ou, então, assumindo o cargo por vacância. É, dois homens de bens que, no andar da carruagem, continuando a falar desatinos, vão terminar num manicômio judiciário. Não, não aceito Temer como o meu presidente, como o presidente do meu país, como o presidente do Brasil. E, se necessário for, haverei, sim, de tornar-me uma desobediente civil.

Nathalie Bernardo da Câmara


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