sábado, 31 de dezembro de 2011

ESPERAR UM 2012 DIFERENTE?


“A psicanálise encara a pedofilia como uma perversão sexual...”.

Eliene Percília
Equipe Brasil Escola


Nesta sexta-feira, 30, foi divulgado mais um caso de pedofilia envolvendo um padre de uma comunidade rural do Jardim Botânico, no Distrito Federal. Segundo informações fornecidas pela Polícia Civil e divulgadas pelo G1, uma arma calibre 36 era usada pelo religioso como instrumento de ameaça para obter os seus interesses escusos de crianças que moram nos limites da sua paróquia – abominável! Segundo Onofre de Moraes, diretor-geral da Polícia Civil encarregado do caso, foi apurado que pelo menos seis crianças teriam sido abusadas sexualmente pelo padre pertencente à Igreja São Francisco de Assis. Como sempre ocorre em situações como essa, o acusado negou a autoria dos crimes e nada declarou à imprensa. Os advogados da Arquidiocese de Brasília, por sua vez, estão acompanhando o caso. Se condenado, o padre pode cumprir pena de 15 anos por cada criança abusada – foram registradas seis – e mais 3 anos por porte de arma, resultando em 93 anos (pena máxima) de cadeia. Enquanto isso, o religioso está detido no Departamento de Polícia Especializada (DPE) e deve ser enviado ao complexo penitenciário da Papuda na próxima semana, onde permanecerá até o seu julgamento. Detalhe: no momento da prisão, o padre dormia com uma mulher. Isso é que é fé...




Nathalie Bernardo da Câmara


sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

ELA TEM A FORÇA*


Por Marina Silva
Ambientalista brasileira


As palavras sempre foram os melhores presentes que recebi.

Nos períodos de festas e confraternizações, em que somos plasmados pelos desejos de melhores dias, nem sempre nos damos conta de que, com os presentes que afetuosamente damos e recebemos, ali - onde sem tocar e ver, na forma de um apurado sabor, provado pelo ouvido, e não pela boca, materializado em acústica, e não palpável, como nos apetece - está a palavra. Sempre apta a produzir luz e trevas, tristeza e alegria, atenção e indiferença.

Que não nos engane o mundo das imagens digitais, das TVs de última geração - três dimensões- e dos tantos efeitos especiais. O que nos constitui são as palavras. Elas é que são semente, elas é que dão fruto.

Sempre cultivei enorme fascínio pela palavra, dita ou escrita, sussurrada ou cantada, rústica ou erudita, de multidões ou de poucas vozes.

Hoje, reafirmo que as palavras foram mesmo meus melhores presentes. Ainda que em afiadas lâminas e pontiagudas setas, elas jamais deixaram de ser, para mim, as melhores instrutoras de meu trilhar persistente.

Nunca esquecerei a voz embargada de meu pai balbuciando as palavras que me autorizaram, aos 16 anos, a ir para a capital de meu Acre, cuidar da saúde e estudar. Presente dado e chancelado na forma de uma arriscada autorização que, hoje sei, foi para mim uma espécie de passaporte diplomático para a realização de meus sonhos.

Como esquecer os sofisticados presentes que recebi, nas palavras não ditas, de meu tio mateiro, sábio homem, talhado na arte de escutar o silêncio?

Como entender meu gosto pela oratória sem a veia poética de minha avó e mãe de parto, que recitava para mim as cantorias de martelo de seu agreste sertão cearense, em pequenas amostras do poder evocado pela palavra, na força criativa e criadora do verbo que comanda toda a ação?

Encantava-me particularmente quando ela recitava o anúncio feito pelo repentista anfitrião, da peleja entre Inácio da Catingueira e o letrado Romano, grande estudioso das coisas do sertão. Quanta riqueza!

Linguagem oral e literária fundindo-se para gerar uma cultura de resistência, beleza, poesia e valentia.

O anúncio da peleja entre os dois cantadores era feito com a força e a magnitude típicas de um duelo cósmico, entre presença e vazio, caos e organização: "Hoje aqui tem que se ver, Relâmpagos de caracol, Os nevoeiros parar, Dar eclipse no sol, As águas do mar secar E eu pescar baleia de anzol."

Tudo isso porque dois repentistas iam disputar com palavras as grandezas do sertão.

Palavras escritas, silenciadas ou ditas são a nossas mais firmes superfícies de sustentação. Feliz 2012.


* Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo (30/12/2011).




terça-feira, 27 de dezembro de 2011

CHEGOU A HORA DA ONÇA BEBER ÁGUA*

Por Marina Silva
Ambientalista brasileira


Há exatos 23 anos Chico Mendes foi assassinado. A tristeza cobriu a floresta e o povo dali chorou. Um choro inaudível para muitos no Brasil, mas alto e claro a milhares de quilômetros dali. A notícia de sua morte foi estampada nas páginas de importantes jornais do mundo. E só assim que os encarregados de informar se informaram e os de proteger, denunciados.

Mas o sangue vertido escrevia, definitivamente, os contornos da Amazônia no coração e na mente de milhões de brasileiros e de cidadãos do mundo. A batalha invisível contra o abandono e o extermínio era agora conhecido nas cidades e além das fronteiras. A solidão do povo da floresta começava a se romper, suscitando indignação e sonhos que foram capazes de alistar jovens de todas as idades.

Era a solidariedade, uma das mais nobres virtudes humanas, se manifestando no momento da dor. Desse encontro entre necessidade e solidariedade surgiu a esperança. Uma esperança visível, que se expressa na forma de uma ciência comprometida, de políticas públicas, de projetos de educação, saúde, organização e de desenvolvimento comunitário. Novas leis foram surgindo e a luta de Chico Mendes, no Acre e no Brasil, se ampliou e se fortaleceu, saindo da marginalidade para o centro do Estado de Direito.

O nome do Chico está em muitos lugares. Prêmios, praças, escolas, em instituições federais e até inscrito no Livro dos Heróis da Pátria, ao lado de Tiradentes, Zumbi dos Palmares e Santos Dumont. O feito que o tornou um símbolo, e que confere sentido e valores ao que carrega seu nome, foi tão somente sua luta em defesa da Amazônia, suas matas, seus bichos e sua gente.

Desde então, o dia 22 de dezembro tem sido dedicado à sua memória e à sua causa. Gestos são feitos para demonstrar gratidão com a luta que ele empreendeu. Discursos, inaugurações, anúncios e prêmios são entregues àqueles que cooperaram para o mesmo propósito.

Infelizmente este ano é diferente. É o primeiro desde 1988 em que a memória de Chico Mendes e seus ideais correm o risco de não serem honrados. É o ano em que o Código Florestal, a lei que ampara e protege as florestas do país, agoniza sobre as mesas do Congresso Nacional e na antessala do Palácio do Planalto. É triste ver que o Parlamento que o elevou à categoria de herói nacional, agora desmonte a lei com a qual ele pode tão bravamente e pacificamente lutar.

Neste 22 de dezembro, todos os discursos em memória de Chico Mendes deveriam ser convertidos em defesa da causa a que ele se entregou. Todos os homenageados deveriam cobrar posições coerentes das instituições que, como é o caso do Ministério do Meio Ambiente, usam seu nome para fazer honrarias.

Mas existe uma mulher que, juntamente com o apoio da sociedade brasileira, ainda pode fazer a maior homenagem que a memória de Chico Mendes merece e suscita neste ano de 2011: Dilma Rousseff. Está nas mãos dela transformar o ruído em voz, o boato em fato, a gesticulação em ato. E com o veto, honrar o compromisso assumido com o povo brasileiro de que não permitiria anistia àqueles que desmataram ilegalmente, assim como não aceitaria o aumento do desmatamento.

Quando do assassinato de Wilson Pinheiro, Chico disse ao hoje ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, circunstâncias que definitivamente selaram sua trajetória de vida com a de seu companheiro de solidariedade, em momentos dramáticos como aquele: “Chegou a hora da onça beber água”.

Se vivo ainda fosse, Chico bradaria, para todos nós, de forma suave como era de seu feitio e firme como era de sua têmpera, seu histórico e atualíssimo bordão, nos convocando a mais um de seus empates: “chegou a hora da onça beber água”. E certamente completaria: “quem não lambe folha que se apresente onde o grande igarapé faz a volta.”

E a volta se chama veto, é só ninguém ficar de braços cruzados diante do redemoinho.


* Artigo originalmente publicado no dia 22 do corrente no Terra Magazine.



sexta-feira, 23 de dezembro de 2011


O OSTRACISMO DE PAPAI NOEL


O fato deu-se mais ou menos assim: tão logo pousa no Rio de Janeiro, Papai Noel tem o trenó, as renas e os presentes que portava roubados em uma das ruas da Cidade Maravilhosa.


A pé, caminhando a esmo, ele passa sob uma ponte e encontra alguns desvalidos da sorte e, apesar do lhe acontecido, ele ainda consegue manter o bom humor, embora – é inevitável – conheça o constrangimento. No entanto, aflito por haver tudo perdido, ele decide procurar um banco qualquer e pede um financiamento para pagar o valor do resgate dos seus bens pedidos pelos bandidos que o roubaram. Em vão... Porém, sensibilizado com o drama vivido por Papai Noel, o gerente do banco limita-se a lhe conceder uma passagem aérea para Brasília. Em sua opinião, quem sabe la presidenta Dilma Rousseff não poderia ajudá-lo?


Porém, em Brasília, alimentando a esperança de que o dito espírito natalino iria sensibilizar la presidenta a ajudá-lo a recuperar os seus bens, sobretudo considerando que ele era o Papai Noel e que tinha compromissos a cumprir, outra decepção...
 Dilma, impaciente: — Não me faltava mais nada!

O dito bom velhinho, então, vendo recusado o seu pedido de ajuda, percebeu que a única opção à qual tinha de recorrer era apelar para a sorte e ganhar uns trocados na rua, apostando, de repente, na solidariedade de um transeunte qualquer, para, enfim, poder voltar para casa.  


Dito e feito! Não demorou muito, diante do aspecto decadente do idoso e de suas feições desesperadoras sentado em uma das entradas do Conjunto Nacional, em Brasília, Papai Noel conseguiu levantar o valor de uma passagem aérea para o Polo Norte, onde, ao chegar, tomou uma decisão radical. Traumatizado e falido, ele resolveu adotar uma prática comum do Brasil...


Na companhia apenas de duas renas que haviam ficado em sua casa, pois ambas eram ainda filhotes, de um trenó desativado e de um antigo uniforme de Papai Noel igualmente já gasto, além de descobrir que Mamãe Noel o havia abandonado pelo dono da Coca-Cola, o bom velhinho, ciente que havia perdido a sua função, decidiu arrumar um emprego nos classificados de um antigo jornal. Não havia como negar: era a sua derrocada. Como eu sei disso? Não sei, mas só sei que foi assim.


Nathalie Bernardo da Câmara



 
 

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

NEQUINHO E OS SEUS VERSOS


“Não uso computador para escrever. Sou metido. Sempre acho que na ponta de meu lápis tem um nascimento...”.

Poeta brasileiro


Dando uma passadinha rápida no G1, vejo sendo lembrado Manoel de Barros, um dos maiores poetas vivos do país. Nascido em Cuiabá, no Mato Grosso, no dia 19 de dezembro de 1916, Manoel de Barros completa, hoje, 95 anos de idade. Segundo a reportagem, o poeta vive recluso em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, tendo, após 74 anos de carreira, publicado cerca de 30 livros. Para o escritor brasileiro Millôr Fernandes, a obra do poeta Manoel de Barros é “única, inaugural, apogeu do chão”. Vejamos, então, a singeleza e objetividade de um verso de um dos poemas de Nequinho (só uma lembrança): “A voz de um passarinho me recita...”. Felizmente, tenho a receita, que já nasce com a gente, os igualmente poetas.

Nathalie Bernardo da Câmara



sábado, 17 de dezembro de 2011

EM TEMPOS DE DENGUE ASSOLANDO O BRASIL...



Olhem o que nos espera...

Nathalie Bernardo da Câmara



quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

DIGAMOS QUE A HISTÓRIA PASSA-SE MAIS OU MENOS ASSIM...




Enquanto isso, no Polo Norte...



Definitivamente, a Justiça brasileira é cega, para não dizer: muitas vezes injusta...

 


Quanta humildade, tchê!



E os pedidos são confeccionados...



Chega a hora de partir...



No Brasil, não dá outra!



Uma serra para os desmatadores...



E, em tempos de pedofilia, o “presente” de Papai Noel para as criancinhas...



Já no Oriente Médio, ao final da missão de Papai Noel na Terra...



De volta para casa, a desilusão...



Nathalie Bernardo da Câmara



Código Florestal votado pelo Senado significa retrocesso de duas décadas na política ambiental brasileira

Texto mantém conteúdo injusto e contrário aos interesses da sociedade brasileira, legalizando grande parte das atividades agropecuárias irregularmente instaladas em áreas ambientalmente importantes e sem trazer novos mecanismos para evitar desmatamentos futuros.

Aos Senhores e Senhoras deputados e à Sociedade Brasileira


O Projeto de Lei de reforma do Código Florestal Brasileiro retornou à Câmara dos Deputados neste final de ano,após apenas um semestre de tramitação no Senado Federal. O Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável entende que o Projeto só poderia ser votado após resolver a série de problemas estruturais que nele permanecem.

Reafirmamos a posição do Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável em não admitir a aprovação de nenhum dos dois textos aprovados no Congresso Nacional, visto que, ambos mantêm os retrocessos, seja o do relator Aldo Rebelo (PCdoB/SP) da Câmara ou dos relatores Luiz Henrique (PMDB/SC) e Jorge Viana (PT/AC) do Senado. Nossa posição é coincidente com o compromisso assumido pela Presidente da República em não permitir anistia ambiental, redução de limites de APP e Reserva Legal e permissão a novos desmatamentos. Tal compromisso foi reiterado pelo o ministro Gilberto Carvalho, quando da entrega oficial de 1,5 milhão de assinaturas contra o Projeto na Presidência da República em Ato Público no dia 29 de novembro. No item seguinte, relacionamos cada um dos três aspectos aos artigos do Projeto.

O texto aprovado na Câmara dos Deputados dia 24/05/2011 refletiu o pouco aprofundamento do debate e a opção por uma visão unilateral diante da falsa polarização entre agricultura e conservação ambiental. Isso ficou evidenciado, por um lado, pelo conteúdo do Projeto, que inseriu uma série de problemas estruturais como anistia a crimes ambientais, ameaças à conservação e redução de limites na recomposição das áreas protegidas e reservas florestais e, por outro lado, pelo formato do Projeto, devido a insuficiências relacionadas a interpretação, juridicidade e constitucionalidade necessárias a um código florestal de leis, resolvidas apenas parcialmente pelo Senado.

A tramitação do Projeto no Senado Federal gerou um texto final aprovado no Plenário em 06/12/2011, que ainda não conseguiu atender ao desafio de aliar produção e conservação. O texto ainda segue recebendo duras críticas de juristas, da ciência, da sociedade e de diversos setores especializados nos temas fundamentais que o Código altera. Apesar de o texto legislativo ter ficado um pouco mais compreensível que o da Câmara quanto a redação e distribuição temporal dos artigos, como a separação do Capítulo das Disposições Transitórias, além da inclusão do Capítulo da Agricultura Familiar, de regras urbanas importantes e de princípios ordenadores positivos para a futura Lei, o prazo exíguo de tramitação no Senado Federal, cuja principal Comissão temática a analisar a matéria (Meio Ambiente) apresentou, votou e emendou o Projeto em apenas 72 horas, não resolveu o conjunto dos problemas.

Infelizmente, por conta desse atropelo institucional patrocinado pela bancada ruralista, tanto no Senado Federal,quanto na Câmara dos Deputados, diante de matéria de tamanha importância, a presidente Dilma Rousseff poderá receber em sua mesa de trabalho um texto  muito ruim para as florestas e para os recursos hídricos brasileiros, caso seja aprovado o texto da Câmara dos Deputados ou o texto do Senado Federal.

O Projeto de novo Código Florestal votado no Senado, conforme será demonstrado a seguir, suscita insegurançajurídica, dúvidas de interpretação e está recheado de ambiguidades voltadas a flexibilizar critérios socioambientais para atender especificamente aos grandes produtores agropecuaristas, colocando em xeque a Constituição Federal e os compromissos internacionais sobre o clima assumidos pelo Brasil durante o Governo Lula e o Governo Dilma.

Apesar dos apelos de inúmeras entidades do Poder Público, como Agência Nacional de Águas (ANA) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e da Sociedade Civil, como CNBB e SBPC, dentre outras, a sociedade brasileira foi desconsiderada em todas as quatro comissões pelas quais o PLC 30/2011 passou no Senado, sendo que o senador Luiz Henrique (PMDB/SC) acumulou a relatoria em três dessas Comissões (CCJ, CRA e CCT), deixando ao relator Jorge Viana (PT/AC) menos de uma semana de prazo para o trabalho da comissão de mérito maisimportante do Senado para o Código Florestal, a CMA. O texto do Senado mantém o eixo central de anistia e privilégio introduzido pelo relator Aldo Rebelo (PCdoB/SP) aos que, ao arrepio da lei, priorizaram seus interesses privados e imprimiram a destruição à natureza.

Dessa forma, o Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, articulação que reúne entidades históricas e fundamentais para a democracia brasileira, tais como CNBB, OAB, sindicatos, movimentos da agricultura familiar e organizações socioambientais, buscando cumprir seu papel de defesa das florestas e do desenvolvimento sustentável, encaminha para Vossas Excelências estas breves considerações.

Demonstramos aqui que não há retórica ou distorções na leitura feita pela sociedade brasileira do PLC 30/2011 aprovado no Senado Federal. Há, sim, um trabalho ético e dedicado, que levou todas as entidades aqui subscritas a uma só conclusão: o PLC 30/2011 não atende aos anseios de um Brasil mais justo, sustentável e democrático.

Principais Problemas do Projeto aprovado na Câmara dos Deputados e mantindos pelo Senado Federal

ANISTIA AMBIENTAL

No passado o Brasil utilizou o instituto da anistia política de forma positiva, com objetivo de corrigir penalidades indevidas do período militar. Entretanto, no PLC 30/2011, anistia tem outro significado, extremamente danoso e negativo. Na área ambiental e no Projeto, Anistia Ambiental (denominada "área rural consolidada", Art. 3, inciso IV) significa não só perdoar penalidades aplicadas a quem desrespeitou as regras de proteção às florestas, como, mais grave, desobrigará a recomposição de grande parte das áreas irregularmente desmatadas, conforme demonstrado a seguir:

1. ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

·Anistia 1: Mantém ocupações agropecuárias ilegais ocorridas até julho de 2008 em beiras de rio e nascentes, exigindo a recuperação de, no máximo, metade das áreas que hoje deviam estar conservadas e que, segundo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, causará impactos severos a nossas fontes de água (§4°, Art. 62);

·Anistia 2: Mantém ocupações irregulares com culturas lenhosas perenes, como pinus e eucalipto, em áreas com inclinação maior de 45° (Art. 64). São áreas muito vulneráveis a deslizamentos, que ficarão ainda mais expostas quando ocorrer o corte raso dessas espécies de uso industrial. Essa anistia é muito diferente da reivindicação da agricultura familiar, que é a manutenção de espécies como maçã, uva e café, que possuem ciclo temporal muito mais longo; o conceito de topo de morro foi alterado, o que representa fragilização de APP.

·Anistia 3: Mantém qualquer tipo de ocupação agropecuária em áreas de risco, como encostas e áreas inclinadas entre 25° e 45° (Art. 11);

·Anistia 4: Mantém, de forma irrestrita, atividades como a carcinicultura, altamente poluente e danosa, em apicuns e salgados, áreas ecológicas fundamentais dos mangues (Art. 65).


2. RESERVA LEGAL

· Anistia 1: Desobriga a recomposição de áreas de Reserva Legal ilegalmente desmatadas até julho de 2008 em imóveis rurais até quatro módulos fiscais. Como não assume o conceito de agricultura familiar, esse dispositivo permite um proprietário que possua duas ou mais propriedades de 4 módulos seja anistiado. Nessa anistia, serão dispensados de recuperar a RL, segundo o IPEA, um total de 4 milhões de imóveis, com uma área total de 135 milhões de hectares (Artigo 69)

· Anistia 2: Possibilita que por meio de uma simples auto-declaração qualquer um seja desobrigado de recuperar a área de Reserva Legal, com a simples alegação (sem necessitar de meios de prova objetivos) que o desmatamento ocorreu numa época em que a legislação era diferente (§1°, Art. 70).

· Anistia 3: Nos casos em que tenha que haver alguma recomposição, ela poderá ocorrer com 50% deespécies exóticas. Isso significa que muitos poderão se regularizar fazendo plantios de dendê ou de eucalipto, desvirtuando totalmente o mecanismo (Inciso II, §3°, Art. 68);

· Anistia 4: O proprietário que desmatou ilegalmente pode ainda compensar sua RL em Estado diferenteonde ocorreu o desmatamento ilegal, condenando regiões inteiras (principalmente na região Sudeste e Sul) a se tornarem “desertos” de monocultivos (Inciso  III, §6°, Art. 68).


REDUÇÃO E AMEAÇA DE APPs E RESERVA LEGAL

1. Reduz e Ameaça a APP, visto que, segundo estudo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), anexo, as Áreas de Preservação Permanente (APPs) de cursos d'água devem serconsideradas desde o seu nível mais alto em faixa marginal. As áreas existentes entre o menor e o maior leito sazonal (as várzeas, os campos úmidos, as florestas paludícolas e outras) devem receber na Lei o mesmo status de proteção de APPs, pois sua conservação garante a manutenção de funções ambientais essenciais. A floresta amazônica terá sua proteção diminuída, com suas imensas várzeas abertas a qualquer tipo de ocupação, prejudicando populações tradicionais que hoje as utilizam de forma sustentável. O Projeto privilegiaria interesses de grupos econômicos específicos contrários ao bem comum. A maior parcela das áreas úmidas brasileiras está desprotegida: com a mudança do cálculo das APPs ciliares do leito maior para o menor, as grandes várzeas e pantanais brasileiros ficarão desprotegidos. As áreas úmidas que podem vir a ser declaradas como APP teriam que ser desapropriadas! (Artigo 4).

2. Ameaça a APP, visto que admite práticas de aquicultura em APP nos imóveis rurais com até 15 (quinze) módulos fiscais (o que pode chegar a 1.500 hectares). Isto permitirá atividades de carcinicultura em áreas de mangue e qualquer outro tipo de aquicultura, inclusive com espécies exóticas em qualquer tipo de APP, prejudicando os pescadores artesanais e os pequenos extrativistas (Art.4º §6º).


ESTÍMULOS A NOVOS DESMATAMENTOS

1. Não há mecanismos para impedir mais desmatamento ilegal. O CAR (Cadastro Ambiental Rural) está fragilizado (prevê apenas um ponto de amarração geográfica). Não há sanções novas contundentes (o artigo 52 é vago e insuficiente).

2. Há tantas exceções que será difícil saber a regra: a governança dessa nova legislação será para lá decomplexa, pois são tantas as situações para as quais há regras diferentes que será impossível monitorarcom eficiência. O Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), que ainda está longe de ser consolidado, terá um desafio muito acima de sua capacidade atual e mesmo futura no médio prazo.

3. Não fornece nenhuma segurança jurídica para as comprovações de "áreas consolidadas" (anistia) até julho de 2008 em Reserva Legal, o que abre possibilidade para novos desmatamentos em qualquer tempo serem objeto de tentativa de enquadramento nos casos previstos de anistia. Através de um dispositivo com caráter transversal à Lei, ou seja, que pode ser combinado com diferentes artigos que tratam de outras situações, cria-se total ausência de segurança jurídica para a comprovação da anistia e desmatamentos futuros ou passados, permite que até mesmo um manuscrito em "papel de pão" auto-declaratório do proprietário, poderia regularizar desmatamentos ilegais, o que abriria disputas e ações judiciais intermináveis por parte dos órgãos fiscalizadores e Ministério Público Federal e estaduais. (Artigo 70).

4. Segundo o caput do artigo 62, todas as atividades agrossilvopastoris podem ser consolidadas em APPs. Os § 4º a 8º estabelecem regras mais restritivas para APPs em cursos d'água e nascentes e o art. 64 nas encostas, bordas de tabuleiro e topos de morro. Portanto, as atividades agrossilvopastoris podem ser mantidas no entorno de lagos naturais (inciso II), mangues (VII), veredas (XI) e restingas (VI). Foram ampliados os casos de regularização em áreas urbanas de risco (art. 66).

 
Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável
 
 


ESTÍMULO A NOVOS DESMATAMENTOS





terça-feira, 13 de dezembro de 2011

UMA REALIDADE A SER MUDADA...


“A terra é insultada e oferece as suas flores como resposta...”.

Rabindranath Tagore (1861 - 1941)
Escritor indiano, Prêmio Nobel de Literatura de 1913


Dando uma rápida passada no site oficial da ambientalista brasileira Marina Silva, encontro uma esclarecedora entrevista da ex-ministra do Meio Ambiente sobre o Movimento por uma nova política (em sua segunda versão no Brasil), que aproveito para transcrever abaixo, não esquecendo que a fase de pré-votação para o Prêmio de Consumo e Iniciativas Sustentáveis GreenBest 2012 encerra-se hoje, 13. Marina Silva foi indicada para a categoria Personalidade do Ano. Para o internauta que ainda deseja votar, acessar o site: http://greenbest.greenvana.com/lista-candidato-2012/?idcategoria=12&pag=1&escolhas=255

Nathalie Bernardo da Câmara

 


Política em novos moldes


Nas últimas eleições para presidência, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva recebeu 20% dos votos mesmo pertencendo a um pequeno partido em comparação a seus concorrentes. Para o filósofo político da Universidade de São Paulo (USP) Renato Janine Ribeiro, este resultado é um indício de que a sociedade brasileira anseia por mudanças mesmo que parte dela discorde das ideias da líder verde.

Marina, que se desligou do Partido Verde em julho deste ano, agora encabeça um grupo que se diz cansado da política praticada em Brasília e propõe sua reinvenção. Seus membros querem mais ética, transparência e participação da população nas decisões do poder com discussão horizontal. O grupo é chamado de Movimento Por Uma Nova Política. Eles se reúnem e discutem novas formas de fazer política, mas ainda há poucas pautas definidas.

“No começo as mudanças são apenas desvios, precisamos observar o que deve prosperar. Eu não quero que prospere o desvio dos jovens enfurecidos para consumir em Londres, nem que quando alguém chega ao poder as minorias sejam massacradas. Eu quero que prospere aquilo que eu acho que seja melhor para humanidade”, discursou a ex-ministra em um dos encontros do grupo em novembro. O movimento segue em discussão por mais definições de qual será sua identidade e seus meios de ação.






O movimento ao qual a senhora pertence propõe reinvenção do jogo de poder. Qual seu diagnóstico sobre a política brasileira?
A qualidade de nossa representação se degradou muito. Tivemos avanços históricos na questão social, mas tudo está ameaçado por uma política que está na Pré-história, cujo poder se acaba em si mesmo. Quem resumiu da melhor forma foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que diz que “os partidos ficam coligando com todo mundo para ver quem vai liderar o atraso”. E os partidos acabam governando de forma fragmentada as partes do país que têm mais influência.
A política está em crise. Nós temos vivido em um mundo com múltiplas crises. Há uma econômica, uma social, uma ambiental, uma política e uma de valores. Parece que nós chegamos àquilo que na psicanálise se chama Princípio do Absurdo, que é quando se tem algo que extrapola seu próprio limite e começa a produzir o contrário a si mesmo. Entre essas crises as mais graves são a ambiental e a de valores, que está na base de todas as outras. O sistema de valores foi por um caminho de ética de conveniência que é letal para humanidade. As pessoas parecem que não conseguem perceber que em nome de lucros de apenas algumas décadas são comprometidos os recursos de milhares de anos. Assim, sacrificamos a economia do planeta e a própria condição humana. Se nós temos dois milhões de seres humanos que vivem com até dois dólares por dia é como sacrificar a dignidade da condição humana.
E a política é o meio de mediar os diferentes interesses e conflitos. Só que ela foi para um processo de acomodação, estabelecendo uma forma de defesa do establishment e não consegue perceber outras visões, processos e estruturas para si mesma. As costuras, as alianças e os discursos se mostram junto com as incoerências de defender uma coisa e depois falar ou fazer outra. É só ver agora, a presidente Dilma se comprometeu no 2º turno a não sancionar nenhum projeto que significasse anistia para desmatadores. E, no entanto, não moveu uma palha para que sua base no governo evitasse que as mudanças do Código Florestal não fossem aprovadas nas instâncias do governo. Ou seja, as pessoas, com a mesma facilidade com que fazem a promessa, desvencilham-se dela para assumir os verdadeiros interesses.

 
E qual o efeito disso na sociedade?
Essa visão antiga da política de manutenção do poder pelo poder e administração pelo sucesso está fazendo com que boa parte das pessoas se descolem disso e se juntem para questionar essa forma estagnada. E, assim, para se sentirem mais fortes, deve-se buscar uma nova agenda com novas prioridades. As pessoas que estão na borda não querem mais ser espectadoras da política e só receber aquilo que os políticos estabelecem que vão fazer para eles e não com eles. As pessoas agora querem ser protagonistas.

 
E por isso foi criado o Movimento Por Uma Nova Política?
O movimento está no começo. O movimento está neste estágio de convocação e debate para nos convencer e ser convencidos por outros olhares, outros grupos. E de fato realizar uma escuta interessada do que está sendo dito. Não é para pensar que vamos juntar essas forças políticas para gerar um partido para próxima eleição. Isso já é uma diferença. Qualquer força política que acaba de sair das urnas com quase 20 milhões de votos pensaria “o que devo fazer a partir disso?” Se eu pensasse que é só criar um partido para participar das eleições em 2012 e 2014 não seria novo, é uma ação da velha política.
Afinal, o que seria uma nova visão para política? Como diz Edgar Morin: “no início as mudanças são apenas pequenos desvios. E é preciso ficar atento para avaliar quais deles a gente quer que prospere.” Se o que estamos fazendo é a melhor ou a pior resposta, aprenderemos no caminho. No meu entendimento, [com o movimento] a política terá uma força muito grande de se alimentar de ideais e sonhos e da leitura dos processos históricos vivenciados.

 
Mas a descrença de que a política possa ser feita com ética aumentou. Como convencer as pessoas a participarem?
É importante traduzir tudo isto na força do exemplo. A liderança pelo exemplo será cada vez mais demandada para expor o que pensa e age, só assim poderá ser identificado se aquilo que se diz é aquilo que se vive. Cada vez menos as pessoas vão levar a idéia “faça o que eu digo, mas não faça o que faço”. Um dos grandes desafios que nós temos é melhorar a qualidade de nossa representação. Também é preciso fazer um esforço enorme para aperfeiçoar o sistema educacional e cultural da população.

 
O movimento defende a discussão horizontal. Como deliberar desta forma com o mínimo de hierarquia?
A dificuldade de pensar algo que não tem fórmulas existe e é muito grande. Mas é aí que consiste a maior riqueza do movimento. Eu não tenho nenhuma ansiedade tóxica que nós vamos dar a resposta a priori. Vamos encontrar a resposta no processo. E ter uma organização que esteja estruturada e ao mesmo tempo se basear no sistema horizontal quando não se faz as coisas para as pessoas, mas com as pessoas. É um desafio. Mas quem foi que disse que os desafios não são constitutivos das alternativas?
Eu acho que a riqueza é exatamente do ponto de vista da linguagem, estrutura e visão em contraposição as dos partidos que são verticalizadas com a ideia de centralismo democrático. O problema é que essas instâncias se burocratizaram. Viraram empresas do poder pelo poder e quem está no comando dessas empresas partidárias, não abre espaço para oxigenação dos núcleos vivos da sociedade. É por isso que gostaríamos de experimentar a ideia das candidaturas avulsas que já existem em outros países. Também podemos experimentar alguma forma mais oxigenada de competição com os próprios partidos políticos para ver se eles também se oxigenam, porque eles não têm concorrentes.

 
E qual o papel das tecnologias para esses agentes políticos que estão fora do governo?
Graças à internet o que está acontecendo é um estágio muito particular e sui generis da democracia, que eu estou chamando democracia prospectiva. Antes as pessoas só tinham os partidos, o governo, as ONGs e os sindicatos para prospectar os aplicativos da democracia. Com o advento da internet e as possibilidades de se fazer circular suas opiniões, ideias e conhecimentos, surgem novos aplicativos para democracia no mundo todo.
Um exemplo disso é o que acontece no Chile. Lá os jovens estão prospectando novos modelos para discutir o que está sendo imposto no sistema de ensino. Também os jovens da Espanha que não querem viver sem a esperança de emprego. E talvez um dos aplicativos mais interessantes e dos mais antigos é esse das pessoas se juntarem e se sentirem mais fortes. Eu acho que o caminho é de nos tornarmos cada vez mais colaborativos. Estamos juntos no processo mesmo com diferenças, mas reunidos baseados em princípios.

É possível prever um pouco como será essa forma de Nova Política?
Uma fórmula da Nova Política, isso não se tem. Aliás, a ideia de não ter fórmulas já é nova. E nada é totalmente novo. Nós vamos examinar nossas experiências e cumulativamente estabelecer novas conquistas.