sexta-feira, 30 de agosto de 2013

COISA DE FIM DE MUNDO...

"Se eu tivesse doente no interior do interior do Ceará, eu queria um médico humano! Tanto faz paulistano, cubano e até marciano!...".

José Simão, jornalista brasileiro.



Foi postado no Facebook, mas, não consegui copiar e colar. Quando, então, vi uma chamada para o meu blog, não hesitei. Pense a resposta do professor! Bem merecida, visto que, oriundo do grego - ouvi isso de um grande amigo, hoemopata e pesquisador -, o vocábulo, em português, significa pré-conceito. E ele disse ser normal. O problema, contudo, é quando o preconceito passa a discriminar... E sou contra! Pior, ainda: quando a mesma é pública.

Então, quase engasgando...

Com a palavra, Wilson Gomes, pesquisador de comunicação e política, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).


Micheline Borges é uma jornalista de Natal (RN), que externou o seu preconceito contra as médicas cubanas, comparando-as com as empregadas domésticas.



“Sim, Micheline Borges, as médicas cubanas, de fato, parecem-se com as suas empregadas domésticas. Eu também me pareço com a sua faxineira e a sua cozinheira. E, se me permite a comparação, Barack Obama também é cara dos garçons dos restaurantes que você deve frequentar, dos vendedores de coco na praia, da maioria dos presidiários brasileiros, dos desempregados e subempregados do país. Feita esta constatação certeira, seria legal se você se perguntasse por que é uma ilha de loiridão e alvura cercada de tantos pretos pobres por todos os lados. Será determinação do destino que estabelece que as pessoas não-brancas tenham que se tornar empregadas domésticas de michelines? Será prescrição do Oráculo de Apolo que pessoas com cara de micheline sejam jornalistas casadas com engenheiros? Pergunte-se, além disso, qual é a magia que fizeram em Cuba para que tantos que bem poderiam ser suas empregadas domésticas sejam hoje médicas que embarcaram para este país, de saúde pública de terceira, a fim de ajudar pessoas de todas as cores que não são ajudadas pelas alvas michelines que moram ao lado. Não, Micheline, eu não diria “coitada da nossa população” de pessoas com cara de empregadas domésticas porque serão atendidas por médicos com a mesma cara delas. Eu tenho pena é do coitado deste país, açoitado pela mentalidade-micheline, que resolve que o lugar de pessoas com cara de empregadas doméstica é na cozinha das suas casas, fazendo a limpeza ou picando cenoura para o jantar. Na falta de uma boa e velha senzala...”.

Sem maiores comentários, embora querendo fazê-los. Mas, deixa para depois, pois está todo mundo puto da vida com a ignorância dessa menina, uma jornalista irresponsável, que só maculou o nome da categoria.

NBC


quarta-feira, 28 de agosto de 2013

UM CAFÉ COM LÍDIA...


Outro dia, um amigo me pediu um texto. Hesitei, pois iria revolver as minhas lembranças. Hesitei tanto que terminei aceitando, como terapia. Afinal, se tal período histórico na sua vida foi tão bom para você, qual o motivo de fugir dele? Então... Tinha eu 18 anos de idade: filiei-me ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), o famoso Partidão – papai quase enfartou! Mamãe segurou as pontas. Só que, diga-se de passagem, ninguém nunca pregou a luta armada (pense um povo pacífico!). E o medo da barata, Ana Paula Cadengue? Naquela época, final da década de oitenta – como o tempo passa rápido –, muita gente ainda estava assustada com o coice que recebeu da ditadura militar (1964 - 1985). E nunca me esqueci de que, estudante de jornalismo, tinha de contornar um carro da polícia – quanta antipatia! –, plantado no Setor V, da UFRN, onde funcionava o curso, para, educadamente – só tinha gente inofensiva –, tomar um café em dona Maria, que levava a vida ali, em pleno corredor. No vai-e-vem, conheci pessoas com ideias iguais as minhas... E a minha paixão foi tão séria que, de livre e espontânea vontade, pedi, quase implorando, para me filiar. Queria fazer parte daquele grupo seleto.

Um jovem, por quem eu era encantada, Paulo Rocha, encarregou-se da minha ficha. Começou, então, a minha redenção. Na sede do partido, o Instituto Luiz Maranhão, que ficava ao lado da antiga Matriz, as minhas tardes eram só de paz e amor. E haja café! Do grupo seleto, outro mais ainda dentro dele: o das mulheres. O carro-chefe? Juraneide, já falecida, morta brutalmente por um acidente vascular cerebral, aos 33 anos de idade – hoje, tenho 45 e ainda me sinto tão jovem. A vida foi ingrata, ao levá-la de nós – dela mesma... Depois, vinha Lídia, Fátima Arruda, Ivonete, Zarife, Gliciane... Lídia morava na sede do partido, nos fundos, e trabalhava de noite, no Diário de Natal. Era paginadora. Página vai, página vem, eram longas as nossas tardes, tomando café – a ração diária de Balzac (1595 - 1654). Vez por outra, chegava Pretextato – olhem o nome! –, um portuário, que também já morreu, pedindo um exemplar da Voz da Unidade, o órgão oficial do partido. E o meu queridíssimo Vulpiano Cavalcanti, médico – uma lenda (sobreviveu a Getúlio Vargas e aos militares, mas, não sobreviveu a uma queda, num palanque, em Mossoró). Este texto vai virar um epitáfio... Maldade, Roberto Monte, me pedir isso.

Então... Não preciso dizer sobre o que conversávamos na cozinha de Lídia. O fato é que ela era apaixonante. Juraneide, louca por ela – quem não era! Certo dia, contudo, Lídia adoece. Virou um martírio para todos nós. Não saíamos do hospital do câncer, que se tornou um anexo do partido – pena que ninguém tinha recursos para bancar um Sírio-libanês. Foi, talvez, uma das fases mais traumáticas da minha jovem vida. No hospital, todo santo dia, eu via aquelas pessoas deteriorando-se. O cheiro da morte pairava por toda parte. Ninguém podia fazer nada: envelheci muito rápido. O termo era inexorável. O tempo... Quis fazer uma reportagem a respeito. Levei gravador e tudo, mas, frágil, que sempre fui, nas emoções, embora, de uns tempos para cá, menos, tive a capacidade de deixá-lo cair no chão, quebrando-o. Queria registrar aqueles momentos, mas, não tive forças o suficiente. Na hora, Juraneide estava comigo – íamos entrando num carro, saindo do hospital. E ela, muito prática, enquanto a minha poesia me arrebentava por dentro, disse: — Apanhe e leve! Já não serve mais, né, Nathalie?

Como se fosse problema, hesitei em realizar o simples gesto, que me comia por dentro. Só que, ora com olho nas meninas do partido, tipo pedindo arrego, ora num esgoto que passava abaixo da calçada, preocupada em salvar o gravador, eu o realizei e fomos embora. Ocorre que, não demora muito, a camarada Lídia morre, segurando as nossas mãos. Numa espécie de capela, que tinha lá, vi o seu corpo envolto num lençol branco – sonho até hoje com isso, pois a imagem foi muito forte: a nossa querida negra purificada por um alvo lençol... Quanta ironia, a da vida, que não sabe o que é amor! 

Queria falar mais, mas, parece que rola uma espécie de bloqueio psicológico  afinal, eu era tão feliz e, de repente...

Nathalie Bernardo da Câmara

terça-feira, 20 de agosto de 2013

BARBOSA: PELA TANGENTE; LULA: UM ACINTE; DILMA: NEM SE FALA! OS DEMAIS, ENTÃO... SALVEMOS, PORTANTO, MARINA SILVA.

“Pode-se perdoar, mas, esquecer: isso é impossível...”.

Honoré de Balzac (1799 - 1850)
Escritor francês


Salvando-se da epígrafe, só o que disse Balzac em relação ao esquecimento. Desse modo, perdoar, nunca! No máximo, sermos ou não tolerantes com certos abusos cometidos, não importa o infrator, contra não importa quem ou o quê. Digo isso porque é exatamente acreditando que as pessoas são passíveis de perdoar, muitos criminosos, no caso, os políticos, prosseguem cometendo gestos incautos, ficando sem punição. Só que está na hora de um basta, não? E, hoje, lendo na mídia sobre algumas pesquisas que andam sendo feitas, chocou-me a tentativa de as mesmas tentarem manipular a opinião pública, tipo: o ex-presidente Lula aparece em primeiro lugar para, desenvergonhadamente, abocanhar as eleições de 2014 – só um desmemoriado repetiria a desastrosa e traumática experiência de elegê-lo. Isso não existe e é uma afronta para quem tem bom senso. Na verdade, no mímino megalomaníaco, o infeliz deveria ser incapacitado até para concorrer a síndico do prédio onde mora; em seguida, nas tais pesquisas, a segunda mais cotada seria la presidenta Dilma Rousseff – outra desqualificada, visto o seu mandato andar mais decrépito do que um pedaço de pau recheado de cupim; em terceiro lugar, a ambientalista, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, a mais sensata e coerente das possibilidades para as eleições presidenciais do próximo ano; na sequência, o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, o advogado e ministro Joaquim Barbosa, com toda a sua encenação já virando incongruência; por fim, demais impropérios, que nem vou perder o meu tempo citando-os aqui. Lá pelas tantas, os ditos responsáveis pelas fantasiosas pesquisas alternam tudo, invertendo supostos percentuais de voto, e, com isso, confundindo ainda mais o eleitor – é maldade! Mas, afinal, que barraco é esse? Quanta falta de respeito para com o cidadão brasileiro! E fico a pensar: quando essa maldita peça démodée, totalmente fora de contexto – uma esculhambação –, terá um fim. Eu, particularmente, só ainda não dei sumiço no meu título eleitoral porque pretendo votar e eleger Marina Silva, bem como não tenciono, caso queime o referido documento, perder o direito a renovar outro, ou seja, o passaporte: o meu plano B (felizmente, não sou covarde nem tenho medo de dizer o que penso)...

NBC

 
 
Por Dora Kramer
Jornalista brasileira, especialista em política, num artigo publicado hoje, 20 de agosto de 2013, no jornal O Estado de S. Paulo.


Por mais desagradáveis e condenáveis que sejam, por mais atenção que chamem as explosões de temperamento do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, não têm prioridade sobre o conteúdo do julgamento do mensalão - ora na fase de recursos - nem influência sobre o resultado.

Ele não teve o apoio que continua tendo da maioria da Corte por intimidação de seus pares. Invertendo o raciocínio: ainda que fosse a mais polida das criaturas, não seria por esse motivo que os ministros teriam seguido e/ou continuariam seguindo majoritariamente a posição do relator.

Joaquim Barbosa ganhou na narrativa que fez a partir da denúncia do Ministério Público, dos dados da CPI dos Correios, da instrução do processo desde 2007 e da metodologia proposta para o exame da ação pelo colegiado.

Perde-se ao expor alma despótica? Sem dúvida. Inclusive exibe assim a razão pela qual seria uma temeridade pensar nele como hipótese de presidente da República. Nem por isso o tribunal se perde junto.

De onde, peço licença para discordar dos que consideram o comportamento do presidente um fator preponderante de desqualificação do STF. Ele não é o único a se atritar com colegas. Há vários exemplos de escaramuças anteriores sem a participação de Barbosa.

Tampouco é o primeiro presidente a tratar com soberba e ironia os demais integrantes. Nelson Jobim, com palavras menos abjetas é verdade, interrompia votos, fazia julgamentos de valor, conduzia sessões com ares de imperador.

Nem por isso de lá (2004) para cá o Supremo viu-se diminuído em suas funções ou teve subtraída a importância de suas decisões. Ao contrário, só fez crescer aos olhos do País. Não pela forma deste ou daquele ministro se portar, mas pela maneira de o conjunto se conduzir: muito mais atento às demandas dos tempos que seus dois companheiros de República, o Executivo e o Legislativo.

Jobim passou. Barbosa também passará e o Supremo Tribunal Federal permanecerá.

Há as seguintes expectativas sobre a reabertura dos trabalhos amanhã: Barbosa se desculpa? Ricardo Lewandowski, que ainda não desencarnou do papel de revisor, insiste em algum tipo de retratação? A Corte compõe uma proposta de saída honrosa?

Não querendo subestimar a pertinência das dúvidas, francamente, nessa altura os trancos e os barrancos são secundários diante do tema que está para ir ao debate, uma vez concluída a etapa dos embargos de declaração.

Se houve divergências nestes, tidos como quase formais, haverá muito mais quando o presidente levar à votação o agravo regimental apresentado pelo advogado Arnaldo Malheiros contra a rejeição de Joaquim Barbosa ao pedido de revisão da sentença de Delúbio Soares relativa ao crime de formação de quadrilha.

Malheiros foi o único a se antecipar na apresentação de embargo infringente, em maio. Parecia querer tomar o pulso da Corte sobre os embargos infringentes e levar à firmação de jurisprudência para os outros.

A esses recursos têm direito os condenados que obtiveram quatro votos ou mais pela absolvição. A questão já se tornou conhecida: a lei 8.038, de 1990, que disciplina o julgamento de ações penais nos tribunais superiores, não prevê esse tipo de recurso, mas o regimento interno do Supremo prevê; o que vale mais, a lei ou o regimento?

A discussão será intensa e acalorada. Queira o bom senso que se dê nos limites da civilidade.

SINUCA

Nos últimos anos o STF aceitou examinar 54 embargos infringentes. Embora só tenha mudado sentença em um deles, reconheceu todos como admissíveis.

Não adaptou seu regimento à nova legislação e agora terá de enfrentar o problema justamente em meio a um julgamento que mexe com a percepção da sociedade em relação à eficácia da Justiça.

sábado, 10 de agosto de 2013

PROTESTAR E REIVINDICAR, SIM. DESRESPEITO À HISTÓRIA, NÃO.


Por Albimar Furtado
Jornalista brasileiro
Artigo excelente publicado sexta-feira, 09 de agosto de 2013, no Novo Jornal.


É preciso evitar que o que foi feito, com uma adesão tão intensa e de forma tão espontânea, corra o risco da banalização. Em determinado dia jovens iniciaram uma movimentação pela rede social e o trabalho cresceu de forma tão avassaladora que tomou conta de Natal e do Brasil. Milhares nas ruas de nossa cidade. Milhões em avenidas país afora e outros tantos ou muito mais em casa acompanhando, com interesse e em apoio, através da mesma rede social, o que acontecia naquele belo dia da manifestação pedindo um serviço de transporte coletivo melhor e mais barato. Se apoio tão intenso teve é porque o movimento era e é justo, consequente, correto.

Como em toda atividade, também estas manifestações precisam de avaliação por parte de suas lideranças para a correção de rumos, quando necessárias. Estou escrevendo estas coisas porque ouvi no cruzamento de ruas em que o sinal estava fechado, um rapaz e uma moça, em carros diferentes, falando alto, quase aos gritos: “Qual é a manifestação do dia?” A pergunta foi seguida uma boa risada. Não se pode dar chances à banalização, principalmente quando um movimento dessa natureza se faz ouvir, respeitado e apoiado, como foi e está sendo, com respostas, mesmo que ainda tímidas, anunciada pelos poderes. É de se valorizar o movimento, prosseguir o trabalho com atos consequentes que acordem as autoridades e provoquem respostas positivas à sociedade, como aconteceu naqueles primeiros dias.

Três dias após aquele diálogo no sinal fechado vi e li o noticiário sobre uma nova manifestação em frente à Câmara Municipal. As partes montaram suas estratégias, tudo dentro do razoável. Em mim espantou o desrespeito à memória de Djalma Maranhão, pelo que fizeram no busto que homenageia o ex-prefeito, querido pela cidade que administrou e amou e com a qual tinha perfeita identidade, sempre lembrado pelo que realizou pela cultura, pela educação pelas artes, pelo tratamento que deu às ruas com pavimentação e iluminação. Pintar o rosto e colocar máscara no busto de Djalma Maranhão certamente foi ato de quem desconhece a história de Natal e seus personagens.

Gente protestando e reivindicando nas ruas é importante, necessário, alimenta a democracia. Sempre. Mil vezes o processo que vivemos hoje que a indiferença que se abateu por algum tempo. Mas é preciso evitar comportamentos que diminuam a importância desse movimento justo e necessário.



E eu assinando embaixo do artigo do jornalista e meu antigo professor! Felizmente, não testemunhei a triste cena, ou seja: o busto de Djalma Maranhão (1915 - 1971) pintado e mascarado... Quem cometeu tal gesto, com certeza não tem o menor conhecimento de História – sim, porque, uma mão provocou a transgressão. Só que, para quem não sabe, Djalma é considerado o maior prefeito que Natal (RN) já teve! Na sua segunda gestão (1960 - 1964), por exemplo, “o então secretário de Educação Moacyr de Góes, inspirado em métodos de ensino do também educador e filósofo marxista brasileiro Paulo Freire (1921 - 1997), considerado o patrono da educação brasileira (Lei nº 12.612, de 13 de abril de 2012), idealizou a campanha de alfabetização popular De pé no chão também se aprende a ler, implantando-a no município no dia 23 de fevereiro de 1961. A escola-piloto da experiência ecológica, um barracão, era de chão batido, não possuía paredes e o teto era de palha de coqueiro. Os alunos, por sua vez, não dispunham nem de uniforme nem de sapato. Com o objetivo de erradicar o analfabetismo em Natal, os acampamentos escolares, as “palhoças”, logo se proliferam pela cidade. Porém, tão logo eclode o golpe militar de 1964, o movimento revolucionário de educação popular, a exemplo de demais aspirações democráticas do povo brasileiro, é banido do cenário nacional pelo novo regime, embora não a sua semente. Afinal, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) já reconheceu De pé no chão também se aprende a ler como uma campanha de alfabetização válida para as regiões subdesenvolvidas do mundo”.

Num longo ensaio que ando a desenvolver sobre o irmão mais novo de Djalma, ou seja, Luiz Maranhão (1921 - 1974), outro iluminado – o texto entre aspas acima é do ensaio –, digo que, quando Natal teve a rara experiência de um governo popular, que foi a Intentona de 35, dona Salomé – a mãe dos meninos –, uma parteira que sabia até francês – não existia, ainda, uma maternidade na cidade –, “consegue comprar um exemplar da primeira e única edição do jornal A Liberdade, órgão oficial de divulgação da insurreição, e fica sabendo que Natal está sendo comandada por um Governo Popular Revolucionário e que um dos seus filhos, Djalma Maranhão (1915 - 1971), que viria a ser desportista, jornalista, educador, político e empresário, havia feito um discurso em cima de um banco de praça apoiando o movimento. Ciente, portanto, dos fatos, ainda em pleno levante, ela proíbe, terminantemente, que Luiz Maranhão, festeiro por excelência já desde cabrito, como se dizia à época, participe de uma das maiores festas populares até então já vistas em Natal. Entre outras palavras, teria dito: — Você não me bota o pé na rua!”. Luiz botou. É aí – melhor, antes mesmo disso – que entra a história que tenciono contar...

Nathalie Bernardo da Câmara

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

FACEBOOK REINTRODUZ A CENSURA NO BRASIL


Por Elizabeth Lorenzotti
Jornalista, escritora, pesquisadora de mídias digitais, ex-professora de graduação e pós-graduação em Jornalismo da PUC-SP e Universidade Metodista – Observatório da Imprensa, em 02/08/2013 na edição 757.


A censura voltou ao Brasil. E a herança maldita foi reintroduzida por uma empresa estadunidense pontocom, o Facebook. O mundo virtual não é diferente do real, sabemos. Por isso, os que sobreviveram à ditadura brasileira lembram-se bem da sensação horrível de quando uma pessoa desaparecia, inesperadamente. “Onde está fulano/a?” E a resposta: “Fulano/a caiu”.

Redemocratizado o país, quase 30 anos depois a sensação é parecida para muitíssimos que navegam no Facebook. “Onde está fulano/a?”, perguntamos ao notar o desaparecimento de uma pessoa de nossa lista de amigos. “Ah, foi bloqueado/censurado/suspenso.” Ainda bem que as consequências da censura feicebuquiana não são as mesmas da ditadura, pois você continua normalmente vivo no Brasil real. Mas a sensação de ser censurado é a mesmíssima.

Pergunta-se como uma corporação estadunidense pode ter esse poder? A rede preferida pelos brasileiros atingiu aqui, em março deste ano, 67 milhões de usuários, sendo o Brasil o segundo país em número de perfis, atrás apenas dos Estados Unidos. A Índia está em terceiro lugar. Segundo a Socialbakers, empresa de estatísticas sobre mídias sociais, no fim de 2011 o Brasil tinha 35,1 milhões de usuários. Um ano depois, o número chegou perto de dobrar e foi para 64,8 milhões. Isso significa que a abrangência do Facebook no Brasil se aproxima de um terço (32,4%) da população de 201,1 milhões de pessoas.

Mas como uma empresa pode impor normas de censura a um terço da população brasileira, se a Constituição de 1988 continua em vigor, assegurando a liberdade de expressão? Trata-se de uma boa pergunta. Diz o artigo 5, inciso IX, que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Diz o artigo 220: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou meios não sofrerá restrição, observando o disposto nesta Constituição”.

O Facebook – que embora pontocom, funciona aqui à base de conteúdo gerado por internautas e de seus perfis, utilizados para fins comerciais e sabe-se lá mais para o que – pode, sim, impor aos brasileiros seus padrões de moralidade (ver aqui) e censurar imagens e textos políticos, ao seu bel prazer.

No ano passado, um grupo de jornalistas, escritores, poetas, artistas plásticos, cineastas, produtores etc. realizou o primeiro Dia da Livre Expressão do Nu contra a censura no Facebook. O motivo foi o recrudescimento de bloqueios, suspensões, intromissões nas páginas privadas dos participantes da rede social alegando-se discordância com as normas da empresa de Mark Zuckerberg. Normas que proíbem (não explicitamente, nos textos postados pela empresa no FB, mas reveladas pela ação de sua censura) exibição de seios de mães amamentando, genitálias, seios em geral, nus frontais – incluindo-se nesse rol os grandes artistas da todas as épocas que tenham pintado nus. Independentemente de se tratar de Da Vinci, Michelangelo, Velásquez, Salvador Dali, enfim, qualquer grande gênio da pintura ou uma foto considerada pornográfica.

Obelisco censurado

Em 2012, a campanha provocou suspensões de vários participantes e o Facebook censurou, inclusive, o Obelisco do Ibirapuera, além de tribos de índios e de africanos nus – outra saga da censura feicebuqiana. Acionada, a assessoria de imprensa do FB não se pronunciou, o que fez quando começaram a surgir matérias na grande imprensa sobre a censura.

Este ano não foi diferente. Num domingo, 28 de julho, realizou-se a segunda edição do Dia da Livre Expressão do Nu no Facebook. Desta vez, puxada pela censura sofrida pelos poetas Claudio Willler e Floriano Martins, que haviam postado a foto da cantora negra estadunidense Nina Simone nua (ver aqui). Um grupo fechado organizou a campanha durante um mês. No dia 28, foram cerca de 2 mil os usuários do FB que postaram na rede suas imagens, sempre acompanhadas do seguinte texto:

28 DE JULHO – DIA DA LIVRE EXPRESSÃO DO NU NO FACEBOOK

Esta postagem de nudez artística faz parte de um movimento contra a censura no Facebook. A censura vai contra a Constituição do meu país. Se o Facebook opera aqui no Brasil, deve respeitar suas leis.

>> o artigo 5. IX. da Constituição brasileira é claro: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”;

>> o artigo 220 é ainda mais claro: “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou meios não sofrerá restrição, observando o disposto nesta Constituição”.

“This postage of an artistic nude is part of a movement to rule out cultural Censorship in Facebook. Censorship goes against the constitution of my country. If Facebook operates here in Brazil it should respect its laws.

>> Article 5. IX. of the Brazilian constitution is clear: “expression of intelectual, artistic, scientific and communication content is free, independently of censorship or licence”.

>> Article 220 is even more clear: “manifestation of thought, creation, expression and information, under any form, process or means will not undergo restriction according to this Constitution”.

Nem assim adiantou. Foram censurados a jornalista poeta Célia Musilli e mais cerca de seis pessoas até quarta-feira – o número aumenta desde domingo –, ela já uma campeã da perseguição feicebuquiana desde o ano passado, quando foi condenada a 30 dias de bloqueio, punição que se repetiu agora.

Os bloqueios impedem os usuários de usarem normalmente a rede. Geralmente o FB avisa sobre a punição e ameaça: primeiro retira ou obriga o usuário a retirar suas imagens condenadas. E se reincidir, terá sua cabeça cortada.

Célia publicou meio nu frontal do grande poeta beat Allen Ginsberg, autor do poema “Uivo”, também ativista, que costumava fazer performances nu e por isso foi expulso de alguns países. Seu órgão sexual estava coberto por uma placa. “Uivo” também rendeu processo a Ginsberg, e a nova censura, depois de décadas de sua morte, revela que o poeta continua alvo de perseguição por seus conterrâneos, no século 21 (ver aqui).

No mesmo domingo, a Folha de Londrina, onde escreve semanalmente, publicava artigo de Célia sobre o protesto com o título “O mundo ficará mais nu“. No texto, Célia afirma que a manifestação “é pertinente porque escancara o preconceito em relação ao nu artístico, de protesto ou cultural – como o das tribos indígenas – frequentemente censurados no Facebook. A contradição fica por conta da vulgaridade escrachada presente em toda mídia, sobretudo com a exposição frequente do corpo feminino como mercadoria. Afinal, a soma de tudo isso significa uma liberalidade estrábica ou mera hipocrisia? Em que tempos vivemos e com que lentes enxergamos a moral e a cultura?”

A jornalista lembra que “no momento este debate também é pertinente porque o chamado Marco Civil da Internet – que vai inaugurar uma legislação específica para a internet no Brasil – deverá ser votado na segunda semana de agosto no Congresso Nacional, depois de quase dois anos de discussões e atrasos. A votação é bem-vinda, porém devemos ficar de olho para saber o que vem por aí. O sociólogo Sérgio Amadeu, que acompanhou a elaboração do Marco Civil, faz críticas severas a modificações que vêm sendo feitas no texto. (...) Segundo Sérgio, ‘querem transformar a internet numa grande rede de TV a cabo’. ‘Acham que, por controlarem os cabos, por estarem numa situação estratégica de controle da sociedade da informação, podem controlar os fluxos’. E reforça: ‘Quando a operadora tiver poder de filtrar o tráfego e disser que tipo de conteúdo poderá passar nesses cabos, quando ela puder pedagiar o ciberespaço, matará a criatividade da internet’”.

Em seguida, Célia retoma a discussão sobre o controle de conteúdos no Facebook, “onde existe, por exemplo, um mecanismo de censura que prevê a denúncia de um usuário contra outro que tenha publicado ‘conteúdos indesejáveis’. Neste sentido, a rede social, além de incentivar a delação, desconsidera totalmente a Constituição do país, que prevê irrestrita liberdade de expressão artística e ideológica. Como brasileira, acho que os direitos previstos na Constituição estão muito acima de um contrato virtual que defecadores de regras costumam evocar quando burlamos as normas na rede em franca desobediência a mecanismos contraditórios sob o ponto de vista moral e cultural. Em síntese: por que a Mulher Melancia passa e a Vênus de Botticelli é censurada no Facebook?”

Uma outra excelente pergunta.

Índias amamentando

Além de Célia foram censurados seis outros perfis, e retiradas fotos, com alerta, de outros dois. A professora e poeta Liria Porto, de 67 anos dá o seu depoimento:

“No dia28 escolhi fotos de todo tipo, queria ver o que é censurado – índias amamentando, crianças índias em brincadeiras, índias nuas em fotos, e também um corpo de homem – de costas – a dos seios de uma mulher, uns postais antigos com mulheres nuas, uns quadros de Modigliani. Fiz questão que fossem variados. E apoiei Célia Musilli que tinha sido bloqueada por 30 dias.

“Aí recebi o comunicado de que algumas fotos minhas haviam sido denunciadas. O Facebook enviou as fotos que retiraram do meu mural e o comunicado de que eu estava bloqueada por 24 horas – com a advertência de que eu poderia ser excluída definitivamente se os fatos se repetissem. Raramente publico fotos, mas luto pelo direito de publicá-las sempre que necessitar.”

O repórter fotográfico paranaense do jornal O Estado de S.Paulo Carlos Ruggi também foi bloqueado por postar uma foto que tem corrido bastante pela internet: a suposta imagem de Angela Merkel praticando nudismo com amigas, quando era jovem (ver aqui).

O poeta Floriano Marins publicou e também caiu da rede. Eleconta como foi censurado, antes do Dia do Nu:

“Um de meus perfis aqui no FB acaba de ser suspenso pela difusão que venho fazendo desta foto da Nina Simone, sob a acusação de que se trata de pornografia. Me enviaram primeiramente um questionário, onde respondi justificando não se tratar de pornografia, porém não aceitaram. Juntamente com a suspensão veio este texto (abaixo), que é um verdadeiro libelo de excitação criminosa à delação que promove o próprio Facebook: ‘Denunciando abuso. Se você encontrar algo no Facebook que considerar uma violação aos nossos termos, informe-nos. Lembre-se de que denunciar um conteúdo não garante que ele será removido do site. Devido à diversidade da nossa comunidade, é possível que algo possa ser desagradável ou perturbador para você sem atender ao critério de remoção ou bloqueio. Por esse motivo, oferecemos também controles pessoais sobre o que você vê, como a capacidade de ocultar ou se desvincular de pessoas, páginas ou aplicativos ofensivos’.”

O vendedor João Carlos foi punido pelas fotos de duas mulheres seminuas, com referência de fotógrafos famosos e poesia. O jornalista Luis Carlos Lorencetti igualmente sofreu bloqueio de 24 horas por uma foto do famoso Lucien Clergue (ver aqui).Diz ele: “Republiquei a foto que, segundo o FB, provocou o bloqueio de 24 horas. Se você entrar na minha linha do tempo, vai ver que outras fotos, até mais ousadas, permanecem por lá. Então, creio que a teoria de que o FB age por denúncia faz sentido”.

A nudez de Simone de Beauvoir e as fotos de Pedro Martinelli

Rubens Jardim, jornalista e poeta, postouvárias fotos de nu em adesão ao movimento. “Uma delas, exatamente aquela célebre, a da Simone Beauvoir nua, já publicada tantas vezes e por tantas pessoas, acabou sendo retirada. Fiquei sabendo quando voltei a entrar no Face e recebi uma mensagem” (ver aqui).

Eu, autora deste artigo, também fui censurada, não no domingo, mas na terça-feira (30/7). Primeiro, censuram a imagem de Iansã, a senhora dos raios, pintada com os seios nus, como aliás é a caracterização da orixá. Na quarta-feira (31), em meio a este artigo, recebi a informação do FB de que outra foto havia sido removida, desta vez sem identificá-la.

Fui procurar e dei por falta de belíssima foto do premiado repórter-fotográfico brasileiro Pedro Martinelli: índios Panará, da Amazônia, nus, de costas, examinando o interior de um avião. (As fotos citadas neste artigo e não linkadas não foram mais encontradas.)

A mesma foto permanecia no meu perfil desde o Dia da Livre Expressão do Nu no Facebook, enquanto havia sido censurada domingo no perfil de outra internauta.Pedro Martinelli nunca foi censurado durante a ditadura, quando sua foto foi capa de O Globo, em reportagem sobre no contato com os índios gigantes. Mas é censurado agora, por uma empresa norte-americana que se locupleta no Brasil e desrespeita sua Constituição. Incrivelmente, até quarta-feira, nenhum denunciante havia delatado ainda a belíssima foto que continua lá. (Ver aqui, primeira foto da segunda fileira; foi capa de O Globo, em 1973, na ditadura, e não foi censurada.)

Na mesma quarta-feira (31/7), quando já havia terminado de escrever este artigo, recebo outra advertência do Facebook, desta vez me suspendendo por 24 horas: sem poder interagir. A censura foi à clássica foto de Marilyn Monroe, ainda Norma Jean. Precisando de dinheiro, no final de 1949 ela posou nua por 50 dólares, na famosa sessão que acabou sendo publicada por Playboy em sua edição inaugural, de dezembro de 1953, quando ela já se tornara Marilyn Monroe (ver aqui).

O músico Pita Araujo também foi bloqueado na quarta-feira (31) por postar obra do artista argenntino Leon Ferrari, morto em 25/7, aos 92 anos, e considerado o papa do anticlericarismo na pintura contemporânea. Ferrari ficou conhecido pelos escândalos provocados por sua obra. O mais lembrado é a discussão com o atual papa Francisco, quando ainda era Jorge Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, em 2004. Na época, Bergoglio condenou uma exposição retrospectiva de Ferrari, definindo a mostra como “um desrespeito aos valores religiosos e morais dos argentinos” (ver aqui).

Entre 1976 e 1991, Ferrari exilou-se no Brasil. Um de seus três filhos foi “desaparecido” pela ditadura argentina. Em sintonia com a ditadura argentina e com a igreja católica, o Facebook também condena Ferrari, depois de morto, e continua aceitando indiscriminadamente denúncias contra obas de arte.

A maioria das censuras, acreditamos, foi disparada por meio de denúncias anônimas. Como afirma Célia Musilli, “feita a denúncia não creio que os censores do FB analisem os casos. Se o fizessem, não censurariam a foto de Ginsberg que nem é exatamente um nu, pois seu órgão genital esta coberto por uma placa. Eles apenas acatam as denúncias e, se alguém não vai com sua cara, pode denunciá-lo por isso e não exatamente por sua postagem”.

“O Facebook passou por cima de todo o termo de privacidade que tenho, como usuária dessa rede”

A jornalista e escritora Priscila Merizzio também dá seu depoimento:

“Entre os dias 29 e 30 de julho de 2013, minha conta do Facebook passou por três suspensões. A primeira, ocorreu às 22h e durou até 9h30 da manhã seguinte. À noite (29/7), fui automaticamente deslogada e, em seguida, quando tentei fazer o login, havia uma série de obstáculos que a administração do Facebook impôs. Alguém denunciou o meu perfil como falso, de uma pessoa ‘irreal’,segundo definição do próprio Facebook. Para conseguir reaver o acesso de minha conta, tive que identificar vários perfis de contatos meus, através de suas fotografias. Um trabalho de Sísifo. No primeiro erro de identificação, minha conta logo foi suspensa, em um processo que adentrou a madrugada. Quando consegui, finalmente, acessar minha conta, no início da manhã (30/7), a administração do Facebook alegou, depois de ter me acusado de não ser uma pessoa real, que fui suspensa por causa de três fotografias. Removeu-as, naturalmente. Sem minha autorização. Algum tempo depois, recebi a notificação de que outras duas imagens que eu havia publicado, tinham sido denunciadas (por quem?). Fui convidada a remover os conteúdos, pois, caso não o fizesse, sofreria punição. Provavelmente teria minha conta suspensa por 30 dias ou, até mesmo, seria expulsa da rede social. A administração do Facebook também me avisou que estavam (quem estavam?) decidindo o que fariam com meu perfil. Seria eu processada por causa de alguma fotografia de Helmut Newton? Finalmente, perto do meio-dia, novamente fui automaticamente deslogada. Na tentativa de fazer o login, mais uma vez fui acusada de manter um perfil falso. Dessa vez, contudo, enviaram um código de confirmação em meu celular, para eu comprovar que existo. Quando entrei, o Facebook havia removido outras quatro fotografias. No dia 28 de julho, publiquei muitas imagens.

“Dentre tantas fotografias, de fotógrafos renomados, o Facebook removeu uma imagem onde estavam seis índias nuas e duas crianças de colo, gargalhando alegremente, totalmente à vontade em sua cultura. Nessa terceira vez de suspensão, fiquei impossibilitada de interagir em meu perfil durante 24 horas (sem curtir, publicar conteúdos no meu mural ou de amigos etc.). Podia apenas conversar por inbox.

“Acredito que fui denunciada por alguém que faz parte de meus contatos pessoais ou algum integrante do grupo onde nos organizamos para promover ‘28 de julho – O dia da livre expressão do nu no Facebook’. O que me incomoda não é ter sido denunciada por algum contato melindroso, hipócrita, desconhecedor de arte e dispersivo quando se trata de assuntos políticos. O que me perturba é que, além de não ter tido um crivo coerente na hora de analisar as denúncias, o Facebook passou por cima de todo o termo de privacidade que tenho, como usuária dessa rede social. Eles ‘invadiram’ minha conta e removeram o conteúdo que julgaram impróprio, seja por alguma acusação ou por critérios dos próprios censores.

“Que método arbitrário e estranho de seleção para remover imagens e perseguir usuários da rede social, não? Cá com meus botões, pensei que a época de perseguição que Gustave Flaubert e Henry Miller tiveram que enfrentar, por exemplo, tinha ficado para trás. Pelo visto, estou muito equivocada. Além disso, os senhores feudais da administração do Facebook, muitas vezes, também alegam que certos conteúdos são impróprios para menores de idade. Até onde sei, menores de idade não podem abrir conta nessa rede social. E, também sei que, por lei, cabe aos pais ou maiores responsáveis filtrarem o conteúdo que os menores acessam na internet. Não cabe a mim, como usuária, adulta, preocupar-me com as imagens que publico em meu perfil pessoal, para outros adultos. Ainda mais porque elas não são pornografia. Outra coisa que me encafifa é que, das vezes em que a administração do Facebook, por conta do manifesto, removeu minhas imagens (ou me obrigou a removê-las), acusou-me de ter publicado conteúdo de ‘nudez e pornografia’. Take it easy! Nudeze pornografia são coisas completamente diferentes. Não há necessidade de ser um estudioso de Semiótica, Teoria da Arte ou ter um olhar artístico educado, para saber a diferença entre uma coisa e outra. Basta ter em mãos qualquer dicionário de língua portuguesa, para diferir os significados dessas palavras. Nudez é uma coisa. Pornografia é outra. A administração do Facebook implica com fotos que são nus artísticos, quadros e esculturas famosas.

“Lamentavelmente, fotografias de comunidades indígenas, tribos africanas e outras culturas que não vestem roupas são vilipendiadas pelos censores. Campanhas contra o câncer de mama e mulheres grávidas ou amamentando seus filhos, também. Grupos fechados de exposição de nus artísticos são exterminados sem qualquer satisfação aos administradores e integrantes. No entanto, páginas com apologia à violência contra a mulher, pedofilia, racismo, xenofobia, grupos de extermínio, skinheadsetc, continuam ao ar, impunes. Perfis fakes de pessoas inconvenientes, idem. Comentários ignorantes e chulos, de contatos aleatórios, quando marcados como spam, também se safam. Agora, uma foto artística, um vídeo de algum diretor respeitável, poemas eróticos, são severamente execrados. Os censores da administração do Facebook Brasil atêm-se a detalhes irrelevantes e deixam o essencial de fora. Esse é um costume miserável que, infelizmente, se perpetua. Confesso que só mantenho uma conta nessa rede social porque, infelizmente, ela é o melhor espaço, hoje, para manter contato com colegas, amigos e, também, pleitear oportunidades profissionais. Se surgir outra rede mais evoluída, inteligente e refinada, inclusive na parte de design, que se torne popular, certamente migrarei para lá. Enquanto isso, que haja mais manifestos da livre expressão do nu dentro do Facebook. Por trás dessa invasão de privacidade e comportamento maniqueísta, existe um jogo que questiona se o Estado é realmente laico e, também, o direito de se expressar artisticamente no Brasil, cujas leis garantem que isso é permitido.”

Um dossiê da censura

O poeta, ensaísta e tradutor Claudio Willer compõe, desde o ano passado, um dossiê da censura no Facebookque agora chegou ao relato 69, exatamente com o caso da censura à minha página. Segundo ele, “as práticas do Facebook são desrespeitosas, ofensivas. Devemos nos recusar a ser tutelados, tratados como incapazes ou algo assim. E subordinar a legislação brasileira aos estatutos de uma corporação multinacional é, evidentemente, intervenção colonialista”.

No ano passado, em seu blog, Willer premonitoriamente comentava:

“Nesse momento, há dois grandes temas em debate, relativos ao meio digital. Um, a censura em redes sociais. Outro, as ‘políticas de privacidade’ das ferramentas de busca, provedores de conteúdo e redes sociais. Quanto a esse assunto, se quiserem montar um ‘perfil’ a partir de meus acessos e buscas, para comercializá-lo, então quero comissão… Chamarem a utilização comercial de informações pessoais de ‘política de privacidade’ é, evidentemente, linguagem orwelliana.”

George Orwell, aliás, também é citado no post dos Advogados Ativistas, no dossiê de Willer, em 26/7/2013. Este grupo surgiu recentemente no FB e seu objetivo é subsidiar os manifestantes com informações jurídicas.

“A Equipe de administradores dos Advogados Ativistas teve o acesso da página bloqueado em razão de uma CENSURA feita pelo Facebook. Tratava-se de um ‘printscreen’ que denunciava um perfil de um policial militar (Túlio Oliveira) que dizia querer matar manifestantes. Nos comentários feito pelo PM, vários dos seus colegas de corporação concordaram com a declaração do militar. O grupo Advogados Ativistas repudiou a conduta e convocou sua equipe para tomar as medidas cabíveis, qual seja, levar ao conhecimento das autoridades competentes a conduta do oficial. O post tornou-se viral e atingiu mais de 300.000 pessoas. De alguma forma, o Facebook encontrou uma maneira de censurar a página por 12 horas. A equipe AA não concorda com esta punição e está pedindo explicações ao Facebook Brasil, pois acredita ser realmente uma forma de censura. Desafia-se o Facebook a encontrar em suas ‘políticas de comunidade’ alguma cláusula que tenha-se quebrado. Parece-nos por demais oportuna a frase de George Orwell, ‘Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir’.”

Recentemente o Facebook divulgou um comunicado, creio que a respeito de censuras a paginas de órgãos de imprensa em sua rede. (Sim, Folha de S.Paulo e CartaCapital também foram censurados, a primeira por postar foto de ocupantes da Câmara Muncipal de Porto Alegre posando nus, e a segunda por uma foto de mulher nua e agachada, em matéria sobre revista em presídios. O jornal Brasil de Fato, que não publica nus, mas fala de política, ficou alguns dias sem poder postar e a Mídia Ninja, por algumas horas.

1. Diz um trecho do comunicado do FB:

“Não removemos conteúdos com base no número de denúncias recebidas: temos uma infraestrutura robusta de denúncia que inclui links para reportar páginas que estão no Facebook e também um time de revisores altamente treinado para avaliar esses casos. Quando um conteúdo é denunciado, ele só é removido se violar nossos Termos de Uso. É importante esclarecer que não retiramos conteúdos com base no número de pessoas que reportaram algo.”

>> Digo eu. Muitos pensavam que quanto maior o numero de denúncias anônimas, mais efetivas. FB diz que não é o caso. Mas seus vigilantes “revisores altamente treinados” costumam avaliar com base em que padrões? Porque estes que o FB alega – incitação à violência, pornografia e qualquer tipo de assédio – realmente não convencem. Nus artísticos não são pornografia, discursos políticos censurados são os discursos que não convêm a alguns.

2. Diz outro trecho do comunicado do FB:

“Em quase todos os casos, revisamos manualmente todas as denúncias e não temos sistemas automatizados que removem discursos políticos: para proteger milhões de pessoas que se conectam e compartilham informações diariamente no Facebook, a esmagadora maioria do conteúdo é revisada manualmente. Utilizamos sistemas automatizados apenas para um número muito limitado de casos, como, por exemplo, spam. Nestas situações, a automação é usada com mais frequência para que possamos priorizar os casos que precisam de revisão manual, mas isto não substitui a revisão manual.”

>> Digo eu. Sabíamos, desde matéria publicada no UOL ano passado, que há censores contratados no mundo pelo FB. Muitos não acreditavam. Inúmeras são as páginas denunciando a censura nessa rede em todo o mundo, as mais recentes no ano passado, especialmente na Europa, desde os movimentos Occupy. Imagine-se o trabalho de Sísifo de milhares de censores, lendo centenas de milhares de posts no mundo todo, em alta rotatividade.

Um novo F.a.c.e – Frente Alternativa contra o Establishment

Em todo o mundo há protestos contra a censura do FB, especialmente a textos e fotos de ativistas políticos. No ano passado, o Wikileaks anunciou que construiria uma rede para se contrapor a Zuckerberg, mas em função de tudo o que aconteceu, o projeto abortou. Agora, na Argentina é anunciada a criação de uma nova rede social para a América Latina,que critica e imita o Facebook, o Facepopular, em que “face” não significa rosto, mas “Frente Alternativa Contra o Establishment”, e tem uma postura crítica em relação ao establishment Facebook, que lhe serviu de inspiração. Seus idealizadores dizem que o objetivo é “gerar um canal de comunicação e interação comunitária sem as arbitrariedades e modelos de imposição de outras redes sociais desenhadas e operadas fora da América Latina por corporações multinacionais”.