segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

CRÔNICA DE UMA VIDA ANUNCIADA

(Originalmente publicada neste blog no dia 24 de outubro de 2009, depois, no dia 15 de setembro de 2010, 
embora a sua criação tenha sido em 2000).



"O inverno chegou com fúria: 
 a formiga tinha para onde ir;
a cigarra, que cantava,
morreu de fome e frio,
pois não tinha para onde fugir...".

Conclusão da história

Às vezes, penso se viver é realmente uma arte, se requer habilidades específicas, intuição ou, até mesmo, sabedoria; noutras, se, simplesmente, requer maneirismo, traquejo, jogo de cintura ou, no caso do brasileiro, um certo jeitinho; por fim, se não requer nada, nenhuma aptidão, nada, mas apenas viver, se deixar viver, ou melhor, se deixar levar ao sabor do vento, no ritmo do tempo, quer sejamos cigarras, quer sejamos formigas.

Não obstante, ociosos como as primeiras ou laboriosos como as últimas – somos, na verdade, um pouco de cada –, podemos presenciar, nesse período do ano, mais um despertar das cigarras, cantarolando o seu cio, cumprindo mais um ciclo que se encerra. Saindo dos seus casulos, após sete anos de espera, elas se esbaldam durante sete horas nos ares e nas luzes do planalto, por toda parte, dando vazão a um gozo, até então, adormecido.

São sete horas de puro êxtase! Tempo em que os machos emitem sons estrídulos, que fluem dos seus órgãos sexuais durante o coito, após o qual fenecem. Curiosamente, apesar de ser uma celebração à vida, o canto das cigarras nos ensurdece num primeiro momento, embora, aos poucos, nos acostumemos com ele – sintonia ininterrupta que passa a compor o cenário urbano, desafiando os ruídos do trânsito.

Já as formigas... As formigas, nesse período do ano, só pensam em trabalho. São, portanto, minoria. E, como toda minoria, elas quase nunca têm voz, apesar de não serem afônicas. Só que, por não terem voz, quase nunca são ouvidas e muito menos sentidas. Apuremos, então, a nossa audição para ouvirmos o canto das cigarras, soberanas, majestosas, macho ou fêmea, alardeando, aos quatro cantos, que o sentido da vida, para elas, é amar.

E as cigarras amam, sim, sem pudor, à céu aberto, protegidas do sol e do calor abrasador sob a copa das árvores – sua alcova, com sombras que são verdadeiros mantos, acalento necessário para o exercício do amor. E, assim, fiéis ao ofício de amar, as cigarras se concentram no seu idílio sazonal, indiferentes e imunes ao bafo quente e seco desse pássaro de concreto que é Brasília, cuspindo labor, rotina e cansaço por todos os lados.

Pois é! As cigarras, que, de tempo, só conhecem o seu próprio ciclo, sete anos debaixo da terra, sete na atmosfera, vivem incólume ao ritmo das formigas. Para elas, as cigarras, o importante é amar, nem que, para isso, tenham de passar sete anos a jejuar. Vai ver, é por isso que as cigarras se entregam ao amor de maneira tão intensa, valorizando a sua importância e a da vida – característica da sua natureza romântica.

Enquanto isso, nós, humanos, apesar de ora laboriosos como as formigas, ora ociosos como as cigarras, costumamos dar mais importância à retidão das primeiras que à amorosidade das últimas. Atados ao dever típico das formigas, esquecemos de amar, como as cigarras. Formais, desconhecemos o que seja descontração e felicidade. Quiçá, se o nosso ciclo fosse de apenas sete anos, como o das cigarras, daríamos à vida e ao amor a importância que lhes é devida.

Mas não. O labor supera o ócio, superando igualmente a afetividade e a entrega. A vida vira cotidiano e nos perdemos no dia a dia das nossas desilusões; como as formigas, estamos impregnados de retidão, sem o ímpeto das cigarras, sem tesão. Empedernidos, esquecemos de despertar os nossos sentidos adormecidos, esquecemos da maleabilidade dos nossos corpos ao amar, esquecemos dos nossos próprios ruídos e gozos, esquecemos de sonhar.

Assim, sem vermos o tempo passar, cada vez mais nos parecemos com formigas do que com cigarras, esquecendo da necessidade de uma alcova e da proteção de uma manto; ficamos ao relento, a vagar, tragando o bafo quente e seco de certos pássaros. E o que é pior, nem pássaros somos, porque não temos asas e nem somos livres. Preferimos a indiferença dos sentidos à sairmos do nosso casulo para a vida, esquecendo que viver é amar – inexorável verdade sem a qual não somos nada...

Nathalie Bernardo da Câmara

domingo, 30 de dezembro de 2012

FELIZES NOVOS ARES*


Por Marina Silva
Ambientalista brasileira e, só para ninguém esquecer, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente.


Gestores públicos passam o fim do ano às voltas com fechamento de orçamentos, pagando o possível e empurrando o impossível para a rubrica "restos a pagar" do ano seguinte. O pior é que isso acontece também nas empresas, sindicatos, associações e no orçamento das famílias. Tudo bem, algo sempre fica para depois. O problema é quando dívidas se arrastam, situações agudas ficam crônicas e atraso vira cultura.

Parece que algo assim acontece com a humanidade. Já se passaram 12 anos neste milênio e seguimos envolvidos com os problemas do século 20 e, o que é pior, tentamos resolvê-los com instrumental teórico do século 19. Que as mudanças na consciência são lentas, sabíamos. Mas agora o tempo é mais curto, somos 7 bilhões de pessoas num planeta convulsionado por mudanças no clima e com recursos comprometidos.

As amplas conquistas obtidas com base no instrumental teórico-científico que produzimos para desafiar a natureza – firmados em dogmas que nos levaram à deificação da modernidade –, revelam agora que esses feitos, mesmo vastos, não nos tornaram mais livres dos males que ameaçam nossa vida: perda de biodiversidade, aumento da temperatura da terra, crise econômica, problemas em excesso. Isso mostra o quão prisioneiros somos da vastidão que criamos.

Pois a vastidão, como descreveu G. K. Chesterton, "entrava-se em salas cada vez mais amplas e sem janelas, salas grandes com sua perspectiva babilônica; mas a gente nunca encontrava a menor janela ou um sopro de ar vindo de fora." Ar vindo de fora: é o que precisamos para mover certezas que submetem a realidade ao nosso limitado modo de interrogá-la.

Já existe uma brisa. Organizações e empresas estão "se reinventando". A juventude cria novas redes, estilos de vida. As tecnologias oferecem suporte para avanços rápidos. Até a emergência econômica de países que sobreviviam na periferia anuncia novas oportunidades, desde que não repitam os erros das velhas potências.

Em 2012, o Brasil perdeu chances de realinhar-se com sua condição de potência socioambiental e sua vocação de líder de uma civilização sustentável. Ao invés de traçar metas urgentes na Rio+20, retrocedeu ao desmontar a legislação ambiental que proporcionava a diminuição do desmatamento. Perdeu a chance de fazer das obras da Copa do Mundo uma intervenção estratégica no planejamento urbano.

Deixou parâmetros da sustentabilidade fora das medidas de contenção da crise econômica. Insistiu numa forma centralizada de produção e distribuição de energia e não abriu espaço para novas matrizes renováveis.

Ainda é tempo. Mas, como dizia meu pai quando me atrasava na estrada de seringa, "avia, menina!".

*Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, no dia 28 de dezembro de 2012. Ah! A charge foi ideia minha. Bem pertinente, aliás...

sábado, 22 de dezembro de 2012

PAULO FREIRE E ANGICOS: 50 ANOS DEPOIS

“Mudar é difícil, mas é possível...”.

Paulo Freire (1921 - 1997)
Educador, filósofo marxista e patrono da educação brasileira (lei de 13/04/2012).


Divulgando o I Seminário Internacional Diálogos com Paulo Freire, cujo tema será ANGICOS – 50 ANOS DEPOIS: REFLEXÕES E CONTRIBUIÇÕES À PRÁTICA PEDAGÓGICA, a ser realizado nos dias 21 e 22 de fevereiro de 2013, na sede do CEMURE, em Natal. As inscrições, no valor de R$ 50,00, já podem ser feitas e são limitadas. Para os interessados, a ficha de inscrição encontra-se disponíveis no site do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Rio Grande do Norte (www.sintern.org.br), q promove o evento juntamente com a Palavramundo – Associação Diálogos com Paulo Freire. Maiores informações: (84) 3211 4432 – (84) 3211 4434, no site já mencionado ou no blog do cordelista potiguar Hailton Mangabeira, q fará a abertura do evento com os seus criativos e sempre tão críticos cordéis: http://hailtonmangabeira.blogspot.com

NBC

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O FIM DO BLÁBLÁBLÁ...


Saturou essa coisa de fim do mundo: um delírio sem pé nem cabeça! Na verdade, nesta sexta-feira (21), finda, no hemisfério sul, a primavera, cedendo espaço para o verão, enquanto, no hemisfério norte, finda o outono e começa o inverno... Tenhamos, portanto, o mínimo de bom senso e evitemos proferir certos absurdos, principalmente se considerarmos que o que anda na corda bamba, e não é de hoje, é a tão propalada ética – coisa que poucos cultivam –, e em todas as esferas da vida dita humana, seja ela pública ou privada, bem como a decência, a responsabilidade social e política de muitos, além da hipocrisia da sociedade, seja ela ocidental ou oriental, sobretudo a nossa consciência ambiental – esta última, aliás, sem sombra de dúvidas, deveria ser a nossa das maiores preocupações. Afinal, apesar de o mundo não acabar tão cedo, de algo temos certeza: por falta de discernimento, a raça humana está em extinção...

NBC

sábado, 15 de dezembro de 2012

OSCAR NIEMEYER POR LEONARDO BOFF

(15 de dezembro de 1907 - 05 de dezembro de 2012)


O Comunismo ético de Niemeyer

Por Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor brasileiro.
Depoimento publicado no dia 07 do corrente no site ADITAL – Notícias da América Latina e do Caribe.


Não tive muitos encontros com Oscar Niemeyer. Mas os que tive foram longos e densos. Que falaria um arquiteto com um teólogo senão sobre Deus, sobre religião, sobre a injustiça dos pobres e sobre o sentido da vida?


Nas nossas conversas, sentia alguém com uma profunda saudade de Deus. Invejava-me que, me tendo por inteligente (na opinião dele) ainda assim acreditava em Deus, coisa que ele não conseguia. Mas eu o tranquilizava ao dizer: o importante não é crer ou não crer em Deus. Mas viver com ética, amor, solidariedade e compaixão pelos que mais sofrem. Pois, na tarde da vida, o que conta mesmo são tais coisas. E nesse ponto ele estava muito bem colocado. Seu olhar se perdia ao longe, com leve brilho.


Impressionou-se sobremaneira, certa feita, quando lhe disse a frase de um teólogo medieval: "Se Deus existe como as coisas existem, então Deus não existe”. E ele retrucou: "mas que significa isso?” Eu respondi: "Deus não é um objeto que pode ser encontrado por ai; se assim fosse, ele seria uma parte do mundo e não Deus”. Mas então, perguntou ele: "que raio é esse Deus?” E eu, quase sussurrando, disse-lhe: "É uma espécie de Energia poderosa e amorosa que cria as condições para que as coisas possam existir; é mais ou menos como o olho: ele vê tudo mas não pode ver a si mesmo; ou como o pensamento: a força pela qual o pensamento pensa, não pode ser pensada”. E ele ficou pensativo. Mas continuou: "a teologia cristã diz isso?” Eu respondi: "diz mas tem vergonha de dizê-lo, porque então deveria antes calar que falar; e vive falando, especialmente os Papas”. Mas consolei-o com uma frase atribuída a Jorge Luis Borges, o grande argentino:”A teologia é uma ciência curiosa: nela tudo é verdadeiro, porque tudo é inventado”. Achou muita graça. Mais graça achou com uma bela trouvaille de um gari do Rio, o famoso "Gari Sorriso: "Deus é o vento e a lua; é a dinâmica do crescer; é aplaudir quem sobe e aparar quem desce”. Desconfio que Oscar não teria dificuldade de aceitar esse Deus tão humano e tão próximo a nós.


Mas sorriu com suavidade. E eu aproveitei para dizer: "Não é a mesma coisa com sua arquitetura? Nela tudo é bonito e simples, não porque é racional mas porque tudo é inventado e fruto da imaginação”. Nisso ele concordou adiantando que na arquitetura se inspira mais lendo poesia, romance e ficção do que se entregando a elucubrações intelectuais. E eu ponderei: "na religião é mais ou menos a mesma coisa: a grandeza da religião é a fantasia, a capacidade utópica de projetar reinos de justiça e céus de felicidade. E grande pensadores modernos da religião como Bloch, Goldman, Durkheim, Rubem Alves e outros não dizem outra coisa: o nosso equívoco foi colocar a religião na razão quando o seu nicho natural se encontra no imaginário e no princípio esperança. Ai ela mostra a sua verdade. E nos pode inspirar um sentido de vida.”


Para mim a grandeza de Oscar Niemeyer não reside apenas na sua genialidade, reconhecida e louvada no mundo inteiro. Mas na sua concepção da vida e da profundidade de seu comunismo. Para ele "a vida é um sopro”, leve e passageiro. Mas um sopro vivido com plena inteireza. Antes de mais nada, a vida para ele não era puro desfrute, mas criatividade e trabalho. Trabalhou até o fim, como Picazzo, produzindo mais de 600 obras. Mas como era inteiro, cultivava as artes, a literatura e as ciências. Ultimamente se pôs a estudar cosmologia e física quântica. Enchia-se de admiração e de espanto diante da grandeur do universo.


Mas mais que tudo cultivou a amizade, a solidariedade e a benquerença para com todos. "O importante não é a arquitetura” repetia muitas vezes, "o importante é a vida”. Mas não qualquer vida; a vida vivida na busca da transformação necessária que supere as injustiças contra os pobres, que melhore esse mundo perverso, vida que se traduza em solidariedade e amizade. No JB de 21/04/2007 confessou: ”O fundamental é reconhecer que a vida é injusta e só de mãos dadas, como irmãos e irmãs, podemos vive-la melhor”.


Seu comunismo está muito próximo daquele dos primeiros cristãos, referido nos Atos dos Apóstolos nos capítulos 2 e 4. Ai se diz que "os cristãos colocavam tudo em comum e que não havia pobres entre eles”. Portanto, não era um comunismo ideológico, mas ético e humanitário: compartilhar, viver com sobriedade, como sempre viveu, despojar-se do dinheiro e ajudar a quem precisasse. Tudo deveria ser comum. Perguntado por um jornalista se aceitaria a pílula da eterna juventude, respondeu coerentemente: "aceitaria se fosse para todo mundo; não quero a imortalidade só para mim”.


Um fato ficou-me inesquecível. Ocorreu nos inícios dos anos 80 do século passado. Estando Oscar em Petrópolis, me convidou para almoçar com ele. Eu havia chegado naquele dia de Cuba, onde, com Frei Betto, durante anos dialogávamos com os vários escalões do governo (sempre vigiados pelo SNI), a pedido de Fidel Castro, para ver se os tirávamos da concepção dogmática e rígida do marxismo soviético. Eram tempos tranquilos em Cuba que, com o apoio da União Soviética, podia levar avante seus esplêndidos projetos de saúde, de educação e de cultura. Contei que, por todos os lados que tinha ido em Cuba, nunca encontrei favelas mas uma pobreza digna e operosa. Contei mil coisas de Cuba que, segundo frei Betto, na época era "uma Bahia que deu certo”. Seus olhos brilhavam. Quase não comia. Enchia-se de entusiasmo ao ver que, em algum lugar do mundo, seu sonho de comunismo poderia, pelo menos em parte, ganhar corpo e ser bom para as maiorias.


Qual não foi o meu espanto quando, dois dias após, apareceu na Folha de São Paulo, um artigo dele com um belo desenho de três montanhas, com uma cruz em cima. Em certa altura dizia: "Descendo a serra de Petrópolis ao Rio, eu que sou ateu, rezava para o Deus de Frei Boff para que aquela situação do povo cubano pudesse um dia se realizar no Brasil”. Essa era a generosidade cálida, suave e radicalmente humana de Oscar Niemeyer.


Guardo uma memória perene dele. Adquiri de Darcy Ribeiro, de quem Oscar era amigo-irmão, uma pequeno apartamento no bairro do Alto da Boa-Vista, no Vale Encantando. De lá se avista toda a Barra da Tijuca até o fim do Recreio dos Bandeirantes. Oscar reformou aquele apartamento para o seu amigo, de tal forma que de qualquer lugar que estivesse, Darcy (que era pequeno de estatura), pudesse ver sempre o mar. Fez um estrado de uns 50 centímetros de altura E como não podia deixar de ser, com uma bela curva de canto, qual onda do mar ou corpo da mulher amada. Aí me recolho quando quero escrever e meditar um pouco, pois um teólogo deve cuidar também de salvar a sua alma.


Por duas vezes se ofereceu para fazer uma maquete de igrejinha para o sítio onde moro em Araras em Petrópolis. Relutei, pois considerava injusto valorizar minha propriedade com uma peça de um gênio como Oscar. Finalmente, Deus não está nem no céu nem na terra, está lá onde as portas da casa estão abertas.


A vida não está destinada a desaparecer na morte, mas a se transfigurar alquimicamente através da morte. Oscar Niemeyer apenas passou para o outro lado da vida, para o lado invisível. Mas o invisível faz parte do visível. Por isso ele não está ausente, mas está presente, apenas invisível. Mas sempre com a mesma doçura, suavidade, amizade, solidariedade e amorosidade que permanentemente o caracterizou. E de lá onde estiver, estará fantasiando, projetando e criando mundos belos, curvos e cheios de leveza.

NIEMEYER: A INCOMPLETUDE DOS 105...



Estou longe de tudo
de tudo que gosto, dessa terra tão linda que me viu nascer.
Um dia eu me queimo, meto o pé na estrada,
é aí, no Brasil, que eu quero viver.
Cada um no seu canto, cada um no seu teto,
a brincar com os amigos, vendo o tempo correr.
Quero olhar as estrelas, quero sentir a vida,
é aí, no Brasil, que eu quero viver.
Estou puto da vida, esta gripe não passa,
de ouvir tanta besteira não me posso conter.
Um dia me queimo, e largo isto tudo,
é aí, no Brasil, que eu quero viver.
Isto aqui não me serve, não me serve de nada,
a decisão está tomada, ninguém me vai deter
Que se foda o trabalho, e este mundo de merda,
é aí, no Brasil, que eu quero viver.

Oscar Niemeyer





Se vivo, o arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer (15 de dezembro de 1907 - 05 de dezembro de 2012), completaria, hoje, 105 anos de idade. Numa das vezes em que esteve na Argélia, onde ele possui quatro obras arquitetônicas concluídas e uma projetada, a porção poeta do carioca, que se encontrava saudoso, escreveu o poema acima. Ah! Abaixo, uma charge que muito pode nos revelar o inconformismo e a revolta que devem por deveras ter abalado o camarada quando deu-se conta de que não podia mais, que a devastação haveria de ser total... NBC

 

Pense a ousadia do jovem!


sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

DA QUEIXA À ARTE*

Foto: Divulgação.
O pintor, escultor e poeta francês Marcel Duchamp (1882 - 1968) “foi o responsável pelo conceito ready made, que se caracteriza pelo transporte de elementos da vida cotidiana para o meio artístico, que a princípio não eram reconhecidos como arte, selecionados sem critérios estéticos. Uma verdadeira renovação nas artes da época, o seu ready made mais famoso é a “fonte”, um urinol de porcelana branco considerado uma das obras mais marcantes do dadaísmo, criada em 1917...”. – Passagem extraída da postagem Questão Teórica 2 – Relacionada a Marcel Duchamp e o conceito Ready made, de autoria da comunicóloga brasileira Alexia Karoline Lirio, publicada no blog “A arte é a assinatura da civilização”.


Por Marina Silva
Ambientalista brasileira, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente.
Artigo publicado no dia 14 de dezembro de 2012 no jornal Folha de S. Paulo.


A indagação é justa como as pessoas a expressam: continuarei ou não no espaço da ação política institucional? Mais justa ainda é a pergunta oculta: ainda é possível ressignificar a política como mediadora da busca do bem comum? Sobre isso vale a pena iniciar uma agenda de conversa. Com todos: lideranças políticas, pessoas de movimentos sociais, juventudes, academia e uma multidão de amigos e colaboradores da campanha de 2010.

É grave a crise que vivemos no mundo, feita de múltiplas crises: econômica, social, ambiental, política e de valores (as duas últimas, a meu ver, estão na base das demais). Está evidente a insustentabilidade da nossa relação com o si-mesmo, com os outros, com a natureza. Evidente, também, é o esgotamento da fórmula política, que produz e reproduz os impasses críticos, produz perplexidade, não gera respostas nem novas perguntas.

No Brasil, repetimos a necessidade de fazer uma reforma política, mas a única coisa que reformamos é o prazo, sempre adiado e vencido. A política brasileira permanece estagnada, no conteúdo e na forma como, hoje, opera a maioria de seus partidos e lideranças. O sintoma da estagnação é a queixa, repetitiva, paralisante.

A possibilidade de ressignificar a política é uma nova atitude, que nos leve da gesticulação ao gesto e do gesto ao ato. Uma espécie de esforço reparador, envolvendo pessoas de diferentes segmentos da sociedade, no sentido de repatriar os valores, o sonho e a política como arte de realizar o bem comum, ideais que foram exilados do fazer político pelo excesso de pragmatismo, de apego ao poder pelo poder.

Nos últimos cem anos, a arte subsistiu, muitas vezes exilada da política, como o fazer humano capaz de realizar as promessas de mudança e a ideia de revolução. No outro território desse exílio, a política, sem arte, deixa de ser política. Vira "arte", sinônimo de malfeito, sua versão distorcida. E a sintomática repetição dos malfeitos faz com que a ideia de bem comum, originariamente associada à política, torne-se estranha a ela.

Minha agenda de diálogos ganha, inspirada na arte, esse sentido: inverter essa estranheza da ideia do bem comum, refazer para ela um novo ninho no ato político. Identifico, em cada brasileiro que tem coragem de assumir e encarar as crises deste tempo, um novo Marcel Duchamp capaz de realizar um "ready-made" na cidadania, na vida social, na economia, no ambiente.

Talvez possamos, como na subversiva arte de Duchamp, fazer um gesto capaz de transformar o feio e prosaico vaso da legislação eleitoral numa fonte restauradora de renovação da política. Impossível? Às vezes, o impossível é a única aspiração que resta a quem é verdadeiramente realista.

Conversemos, pois.

*A ilustração e a epígrafe são de minha responsabilidade.

VIVAS A LEONARDO BOFF!

“Para aqueles com estômago elitista, lugar de peão é na fábrica produzindo, alimentando a bomba do capitalismo!”.

Leonardo Boff
Filósofo, teólogo e escritor brasileiro, um dos fundadores da Teologia da Libertação, nascido no dia 14 de dezembro de 1938 – hoje, portanto, é o seu dia.



Oscar Niemeyer, a Veja online e o Escaravelho

Textos publicados no dia 09 de dezembro de 2012


Com a morte de Oscar Niemeyer aos 104 anos de idade ouviram-se vozes do mundo inteiro cheias de admiração, respeito e reverência face a sua obra genial, absolutamente inovadora e inspiradora de novas formas de leveza, simplicidade e elegância na arquitetura. Oscar Niemeyer foi e é uma pessoa que o Brasil e a humanidade podem se orgulhar.

E o fazemos por duas razões principais: a primeira, porque Oscar humildemente nunca considerou a arquitetura a coisa principal da vida; ela pertence ao campo da fantasia, da invenção e do lúdico. Para ele era um jogo das formas, jogado com a seriedade com que as crianças jogam.

A segunda, para Oscar, o principal era a vida. Ela é apenas um sopro, passageira e contraditória. Feliz para alguns mas para as grandes maiorias cruel e sem piedade. Por isso, a vida impõe uma tarefa que ele assumiu com coragem e com sérios riscos pessoais: a da transformação. E para transformar a vida e torná-la menos perversa, dizia, devemos nos dar as mãos, sermos solidários uns para com os outros, criarmos laços de afeto e de amorosidade entre todos. Numa palavra, nós humanos devemos aprender a nos tratar humanamente, sem considerar as classes, a cor da pele e o nível de sua instrução.

Isso foi que alimentou de sentido e de esperança a vida desse gênio brasileiro. Por aí se entende que escolheu o comunismo como a forma e o caminho para dar corpo a este sonho, pois, o comunismo, em seu ideário generoso, sempre se propôs a transformação social a partir das vítimas e dos mais invisíveis. Oscar Niemeyer foi um fiel militante comunista.

Mas seu comunismo era singular: no meu modo de ver, próximo dos cristãos originários pois era um comunismo ético, humanitário, solidário, doce, jocoso, alegre e leve. Foi fiel a esse sonho a vida inteira, para além de todos os avatares passados pelas várias formas de socialismo e de marxismo.

Na medida em que pudemos observar, a grande maioria da opinião pública mundial, foi unânime na celebração de sua arte e do significado humanista de sua vida. Curiosamente a revista VEJA de domingo, dedica-lhe 10 belas páginas. Outra coisa, porém, é a revista VEJA online de 7 de dezembro com um artigo do blog do jornalista Reinado Azevedo que a revista abriga.

Ele foi a voz destoante e de reles mau gosto. Até agora a VEJA não se distanciou daquele conteúdo, totalmente, contraditório àquele da edição impressa de domingo. Entende-se porque a ideologia de um é a ideologia do outro. Pouco importa que o jornalista Azevedo, de forma confusa, face às críticas vindas de todos os lados, procure se explicar. Ora se identifica com a revista, ora se distancia, mas finalmente seu blog é por ela publicado.

Notoriamente, VEJA se compraz em desfazer as figuras que melhor mostram nossa cultura e que mais penetraram na alma do povo brasileiro. Essa revista parece se envergonhar do Brasil, porque gostaria que ele fosse aquilo que não é e não quer ser: um xerox distorcido da cultura norte-americana. Ela dá a impressão de não amar os brasileiros, ao contrário expõe ao ridículo o que eles são e o que criam. Já o titulo da matéria referente a Oscar Niemeyer da autoria de Azevedo, revela seu caráter viciado e malevolente: ”Para instruir a canalha ignorante. O gênio e o idiota em imagens”. Seu texto piora mais ainda quando, se esforça, titubeante, em responder às críticas em seu blog do dia 8/12 também na VEJA online com um título que revela seu caráter despectivo e anti-democrático:”Metade gênio e metade idiota- Niemeyer na capa da VEJA com todas as honras! O que o bloco dos Sujos diz agora?” Sujo é ele que quer contaminar os outros com a própria sujeira de uma matéria tendenciosa e injusta.

O que se quer insinuar com os tipos de formulação usados? Que brasileiro não pode ser gênio; os gênios estão lá fora; se for gênio, porque lá fora assim o reconhecem, é apenas em sua terceira parte e, se melhor analisarmos, apenas numa quarta parte. Vamos e venhamos: Quem diz ser Oscar Niemeyer um idiota apenas revela que ele mesmo é um idiota consumado. Seguramente Azevedo está inscrito no número bem definido por Albert Einstein: ”conheço dois infinitos: o infinito do universo e o infinito dos idiotas; do primeiro tenho dúvidas, do segundo certeza”. O articulista nos deu a certeza que ele e a revista que o abriga possuem um lugar de honra no altar da idiotice.

O que não tolera em Oscar Niemeyer que, sendo comunista, se mostra solidário, compassivo com os que sofrem, que celebra a vida, exalta a amizade e glorifica o amor. Tais valores não cabem na ideologia capitalista de mercado, defendida por VEJA e seu albergado, que só sabe de concorrência, de “greed is good”(cobiça é coisa boa), de acumulação à custa da exploração ou da especulação, da falta de solidariedade e de justiça em nível internacional.

Mas não nos causa surpresa; a revista assim fez com Paulo Freire, Cândido Portinari, Lula, Dom Helder Câmara, Chico Buarque, Tom Jobim, João Gilberto, frei Betto, João Pedro Stédile, comigo mesmo e com tantos outros. Ela é um monumento à razão cínica. Segue desavergonhadamente a lógica hegeliana do senhor e do servo; internalizou o senhor que está lá no Norte opulento e o serve como servo submisso, condenado a viver na periferia. Por isso tanto a revista quanto o articulista revelam um completo descompromisso com a verdade daqui, da cultura brasileira.

A figura que me ocorre deste articulista e da revista semanal, em versão online, é a do escaravelho, popularmente chamado de rola-bosta. O escaravelho é um besouro que vive dos excrementos de animais herbívoros, fazendo rolinhos deles com os quais, em sua toca, se alimenta. Pois algo semelhante fez o blog de Azevedo na VEJA online: foi buscar excrementos de 60 e 70 anos atrás, deslocou-os de seu contexto (ela é hábil neste método) e lançou-os contra Oscar Niemeyer. Ela o faz com naturalidade e prazer, pois, é o meio no qual vive e se realimenta continuamente. Nada de surpreendente, portanto.

Paro por aqui. Mas quero apenas registrar minha indignação contra esta revista, em versão online, travestida de escaravelho por ter cometido um crime lesa-fama. Reproduzo igualmente dois testemunhos indignados de duas pessoas respeitáveis: Antonio Veronese, artista plástico vivendo em Paris e João Cândido Portinari, filho do genial pintor Cândido Portinari, cujas telas grandiosas estão na entrada do edifício da ONU em Nova York e cuja imagem foi desfigurada e deturpada, repetidas vezes, pela revista-escaravelho.

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Oscar Niemeyer e a imprensa tupiniquim- Antonio Veronese

Crítica mesquinha, que pune o Talento, essa ousadia imperdoável de alçar os cornos acima da manada. No Brasil, Talento, como em nenhum outro país do mundo, é indigerível por parte da imprensa, que se acocora, devorada por inveja intestina. Capitania hereditária de raivosos bufões que já classificou a voz de Pavarotti de ruído de pia entupida; a música de Tom Jobim de americanizada; João Gilberto de desafinado e Cândido Portinari de copista…

Quando morre um homem de Talento, como agora o grande Niemeyer, os raivosos bufões babam diante do espelho matinal sedentos de escárnio.

Não discuto a liberdade da imprensa. Mas a pergunta que se impõe é como um cidadão, com a dimensão internacional de Oscar Niemeyer, (sua morte foi reverenciada na primeira página de todos os grandes jornais do mundo) pode ser chamado, por um jornalista mequetrefe, num órgão de imprensa de cobertura nacional, de metade-gênio-metade idiota? Isso após sua morte, quando não é mais capaz de defender-se, e ainda que sob a desculpa covarde, de reproduzir citação de terceiros…
O consolo que me resta é que a História desinteressa-se desses espasmos da estupidez. Quem se lembra hoje dos críticos da bossa nova ou de Villa-Lobos? Ao talent, no entanto, está reservada a reverência da eternidade.

Antonio Veronese (mideart@gmail.com)

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Meu caro Antonio,

Que beleza o seu texto, um verdadeiro bálsamo para os que ainda acreditam no mundo de amanhã nascendo do espírito, da fé e do caráter dos homens de hoje!

Não é toda a imprensa, felizmente. Há também muita dignidade e valor na mídia brasileira. Mas não devemos nos surpreender com a revista semanal. Em termos de vileza, ela sempre consegue se superar. Ela terá, mais cedo ou mais tarde, o destino de todas as iniquidades: a vala comum do lixo, onde nem a história se dará o trabalho de julgá-la.

Os arquivos do Projeto Portinari guardam um sem número de artigos desta rancorosa revista, assim como de outras da mesma editora, sobre meu pai, Cândido Portinari e outros seus companheiros de geração. Sempre pérfidos, infames e covardes, como este que vem agora tentar apequenar um grande homem que para sempre enaltecerá a nossa terra e o nosso povo.

Caro amigo, é impossível ficar calado, diante de tanta indignidade.

Com o carinho e a admiração do professor João Candido Portinari (portinari@portinari.org.br)

*Leonardo Boff é filósofo, teólogo, escritor e comissionado da Carta da Terra.

http://leonardoboff.wordpress.com/2012/12/09/oscar-niemeyer-a-veja-online-e-o-escaravelho/

CLARICE LISPECTOR: NO LIMITE DA RAZÃO

“Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento...”.
(10 de dezembro de 1920 - 09 de dezembro de 1977)
Escritora e jornalista nascida na Ucrânia, mas naturalizada brasileira, considerada pela crítica literária do Brasil como uma das maiores escritoras do século XX.


Em 1976, apesar dos boatos de que Clarice Lispector não concederia mais entrevistas, o intrépido escritor, jornalista e crítico literário brasileiro José Castello, à época no jornal O GLOBO, marca um encontro com a escritora, já de antemão, contudo, tendo sido prevenido pelo escritor e jornalista brasileiro Otto Lara Resende (1922 - 1992), q, no ano anterior, lhe havia dito: "Você deve tomar cuidado com Clarice. Não se trata de literatura, mas de bruxaria...". Desse modo, portanto, no referido encontro, José Castello pergunta à escritora:

José Castello: Por que você escreve?

Clarice Lispector: Vou lhe responder com outra pergunta: — Por que você bebe água?

J. C.: Por que bebo água? Porque tenho sede.

C. L.: Quer dizer que você bebe água para não morrer. Pois eu também: escrevo para me manter viva...

A filósofa, escritora e crítica literária francesa Hélène Cixous, por sua vez, a maior especialista europeia da obra de Clarice Lispector, ao observar a singularidade de sua escrita foi longe: “Clarice não escreve em português, mas em ‘lispector’...”

NBC

PALMAS AO MINISTÉRIO PÚBLICO


“O Ministério Público não quer substituir o papel da polícia, que é importantíssimo e indispensável, é claro. Queremos manter a prerrogativa de fazer investigações suplementarmente, sobretudo em relação aos crimes não convencionais, em que a intervenção da instituição pode fazer a diferença, por ser independente e ter prerrogativas que a polícia não tem, o que a torna menos suscetível a pressões políticas. (...) Quem perde é a sociedade brasileira. Seria um retrocesso; um golpe ao regime democrático e ao avanço que já observamos na legislação brasileira. A sociedade que já viu aprovada leis como a da Improbidade Administrativa, a dos Crimes Econômicos, a Ficha Limpa, a Lei de Acesso à Informação, entre outras, de cunho democrático, não pode aceitar inerte a aprovação dessa PEC [nº 37⁄2011]”.

Gilberto Giacoia
Advogado brasileiro e procurador-geral de Justiça


Esclarecimento: O Dia Nacional do Ministério Público deste ano é marcado pelo repúdio à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 37⁄2011, aprovada no dia 21 de novembro deste ano pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, inviabilizando, assim, a atuação investigativa da instituição, bem como a de demais órgãos do País – atuação essa que passa a ser limitada apenas as Polícias Civil e Federal. De qualquer modo, a PEC nº 37⁄2011 ainda precisa passar por duas votações em plenário. Detalhe: apenas três países em todo o mundo vedam a investigação do MP: Quênia, Indonésia e Uganda. Eita! Continuando assim é que o Brasil desanda de vez, se autocondenando ao cadafalso...

Alguns motivos pelos quais o MP é contrário à PEC 37⁄2011:

- Retira a possibilidade de que instituições como o Ministério Público, COAF, Receita Federal, Ibama, Previdência Social, entre outros órgãos do Estado de fazer investigações criminais, e coloca até em dúvida a possibilidade da participação da própria PM nessas investigações;

- Enfraquece o combate à criminalidade organizada e à corrupção;

- A Constituição prevê que só o Ministério Público pode ajuizar a quase totalidade das ações penais (crimes de ação penal pública). Por isso, para que uma ação penal pública possa ser ajuizada, a Polícia necessariamente tem que encaminhar a investigação ao MP, que analisará as provas e fará a denúncia, ou determinará complementação de provas, ou, ainda, seu arquivamento, em caso de falta de indícios da autoria ou de prova da materialidade do crime. Se é ao MP que deve ser endereçada a investigação feita pela polícia, é incoerente que a instituição que deve proteger a sociedade e promover a persecução criminal seja impedida de apurar e de investigar por si própria, nos casos em que achar necessário. Quem decide sobre denunciar à Justiça ou não, não pode ser impedido de atuar na fase preliminar, que é investigar (suplementarmente).

- A PEC vai contra decisões dos Tribunais Superiores, que já garantem a investigação pelo MP.

- A Polícia não tem a prerrogativa da inamovibilidade, que têm os membros do MP. Um promotor que investiga um caso não pode ser afastado dessa investigação por nenhuma autoridade. Um delegado, por exemplo, pode ser transferido quando seu superior achar conveniente.

- Apenas três países em todo o mundo vedam a investigação do MP: Quênia, Indonésia e Uganda.

- Vai na contramão de tratados internacionais assinados pelo Brasil.

- Gera insegurança jurídica e desorganiza o sistema de investigação criminal.

- Enfraquece as instituições e desconsidera o interesse da sociedade e de cada cidadão, individualmente, que não teria a quem recorrer em caso de omissões da polícia.

NBC

 


Ministério Público

Por Antonio Gusman Filho
Advogado brasileiro e procurador de Justiça

No dia 14 de dezembro, comemora-se em todo o País o Dia Nacional do Ministério Público, definido no artigo 82 da Lei Orgânica Nacional do Parquet - Lei nº. 8.625 /93.


Instituição pública permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, O Ministério Público é autônomo, independente e não faz parte de nenhum dos poderes, nem do Judiciário, nem do Executivo ou Legislativo.


É incumbido pela Constituição Federal , da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis, agindo como fiscal da correta aplicação da lei, representando os interesses da sociedade.


Na prática, o Ministério Público atua propondo medidas administrativas e judiciais, exigindo dos poderes públicos e da sociedade o respeito aos direitos que estão na Constituição Federal e nas demais leis, em áreas diversas.


Com autonomia funcional, administrativa e financeira, o Ministério Público desenvolve suas atividades de maneira livre e independente, sempre lutando pelos direitos dos cidadãos, da criança e do adolescente, do portador de necessidades especiais, do consumidor, protegendo o meio ambiente e o patrimônio público, além de fiscalizar a moralidade no serviço público, tutelando, enfim, os interesses da sociedade.


Na área criminal, o Ministério Público atua como autor e fiscal da lei visando à punição daqueles cuja conduta reclama a repressão do Estado, por meio de aplicação da sanção penal.


Na condição de titular da ação penal pública, não é um mero espectador da investigação a cargo da autoridade policial, podendo, por isso, não só requisitar diligências, como realizá-las diretamente, quando elas se mostrem necessárias.


Na esfera civil, intervém em questões relativas a direito de família, de menores e de incapazes. Contudo, dentre todas as funções atribuídas à Instituição, a que atualmente vem lhe dando maior relevância é a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, por meio dos Inquéritos Civis e das Ações Civis Públicas, que são os instrumentos utilizados na investigação e repressão de condutas lesivas aos bens e direitos comuns à coletividade.


A instituição é composta por Procuradores de Justiça, Promotores de Justiça, Servidores e Estagiários. O Procurador-Geral de Justiça exerce a chefia da Instituição, sendo nomeado pelo Governador do Estado dentre integrantes de carreira, indicado em lista tríplice elaborada, através de votação, pelos membros da carreira em efetivo exercício, para mandato de dois anos, permitida uma recondução por igual período, na forma da Lei Complementar.


Historiadores e juristas afirmam que há 4 mil anos, no Egito, pessoas ligadas ao faraó agiam como os Promotores atualmente. Mas a instituição Ministério Público só veio a surgir na França, com o Imperador Napoleão. No Brasil, foi criada após a Proclamação da República. Foi o Ministro da Justiça, Campos Salles, que, durante o governo provisório, deu caráter institucional ao Ministério Público. Por isto, Campos Salles é o patrono do Ministério Público.


Parabéns a todos os incansáveis e profícuos membros dessa respeitável Instituição que se esmeram na titânica luta em busca do bem comum, não dando tréguas àqueles que se desviam do reto caminho da moralidade, da verdade e da Justiça, doa a quem doer.


* Extraído de: Associação do Ministério Público de São Paulo – 07 de Dezembro de 2007.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

GONZAGÃO: CENTENÁRIO DE NASCIMENTO



Uma pérola encontrada no youtube: Luiz Gonzaga (13 de dezembro de 1912 – 02 de agosto de 1989) e Gonzaguinha (22 de setembro de 1945 - 29 de abril de 1991) cantando, em raro dueto, A Vida do viajante, acompanhados no piano por Wagner Tiso. Tudo de bom!

NBC


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

LÍNGUA NOS DENTES*


Por Dora Kramer
Jornalista brasileira
Artigo publicado no dia 12 de dezembro de 2012 no jornal O Estado de S. Paulo.


Ás do volante na ultrapassagem de obstáculos, o ex-presidente Luiz Inácio da Silva agora está diante de um quase intransponível: a abertura de inquérito policial para investigar as denúncias feitas por Marcos Valério Fernandes de Souza à Procuradoria-Geral da República, apontando Lula como ator principal do mensalão.

Se o operador do esquema disse a verdade ou se mentiu não é algo que possa ser revolvido com negativas, tentativas de desacreditar o acusador ou acusações sobre conspirações de natureza política.

Inclusive porque a história está muito mais "amarrada" do que deixam transparecer o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal. Roberto Gurgel tomou outro depoimento de Marcos Valério além daquele revelado ontem pelo Estado.

No curso do julgamento, o STF fez reuniões administrativas ainda sob a presidência de Carlos Ayres Britto para tratar do assunto.

Ficou acertado o início do processo de negociação da delação premiada, mas mantido em sigilo para impedir que novos fatos interferissem no julgamento em curso e que agora está na fase de conclusão.

A depender da qualidade das informações que venha a fornecer, Marcos Valério terá benefícios nos processos relativos ao mensalão em tramitação na primeira instância e em novos que venham a ser abertos.

Mas é possível que obtenha do relator Joaquim Barbosa um regime especial de prisão (cela isolada ou na companhia de preso com curso superior, acesso facilitado a visitas, direito a livros e televisão) na hora da definição da execução da pena.

Não por acaso esse assunto foi ventilado há poucos dias no STF. A forma de cumprimento das sentenças ficará a cargo de Barbosa e não de juiz de vara de execuções.

Embora Valério não seja visto como testemunha confiável, seu melhor ou pior destino está atrelado às provas que possa apresentar. Ele mentiu muito, prometeu demais, entregou quase nada e agora sua única chance de salvar em parte a pele é falar a verdade.

Por que não falou antes? Primeiro porque o advogado dele era contra o recurso da delação e, segundo, porque percebeu tarde que a rede de proteção prometida pelo PT não existia.

Condenado a 40 anos e com a perspectiva de passar o resto da vida na cadeia devido aos outros processos, a única opção era tentar reduzir os danos. Como o mensalão propriamente dito já estava desvendado, de novidade relevante só o papel de Lula.

Agora o Ministério Público tem dois caminhos: arquivar o caso ou pedir ao Supremo que determine abertura de investigação.

Para arquivar, no entanto, é preciso que não reste dúvida sobre a existência de indícios de que houve crime. E os vestígios estão presentes em pelo menos um dos episódios narrados por Marcos Valério.

É o caso do depósito de "cerca de R$ 100 mil" na conta da empresa Caso, segundo Valério, para pagar despesas pessoais do então presidente da República.

Na quebra de sigilo ordenada pela CPI dos Correios, em 2005, aparece o registro de R$ 98.500 depositados na firma de propriedade de Freud Godoy assessor direto de Lula, coordenador de segurança de suas quatro campanhas presidenciais e até 2006 com sala no Palácio do Planalto.

Um personagem complicado, obrigado a se demitir quando foi apontado por um dos "aloprados" presos com dinheiro para compra de dossiê contra adversários políticos como o mandante do negócio.

Esse e outros relatos de Marcos Valério por si acionam os botões da engrenagem investigativa que, como uma máquina quando ligada, funciona à revelia das vontades.

Lula poderá de novo alegar que não sabia de nada?

Poderá, mas desta vez há personagens notórios demais, detalhes verossímeis demais e um arsenal imponderável demais nas mãos de um homem que, além de não ter nada a perder, não esquece os maus bocados vividos em experiência traumática na cadeia.

*A ilustração foi sugestão deste blog.