sábado, 30 de março de 2013

RESPINGOS DA DITADURA MILITAR NO BRASIL (1964 - 1985)...

Carlos Alexandre Azevedo (1972 - 2013)

Morrer aos poucos

Por Luciano Martins Costa
Do Observatório da Imprensa


O técnico de computadores Carlos Alexandre Azevedo morreu no sábado (16/2), após ingerir uma quantidade excessiva de medicamentos.

Ele sofria de depressão e apresentava quadro crônico de fobia social.

Era filho do jornalista e doutor em Ciências Políticas Dermi Azevedo, que foi, entre outras atividades, repórter da Folha de S. Paulo.

Ao 40 anos, Carlos Azevedo pôs fim a uma vida atormentada, dois meses após seu pai ter publicado um livro de memórias no qual relata sua participação na resistência contra a ditadura militar.

Travessias torturadas é o título do livro, e bem poderia ser também o título de um desses obituários em estilo literário que a Folha de S. Paulo costuma publicar.

Carlos Alexandre Azevedo foi provavelmente a vítima mais jovem a ser submetida a violência por parte dos agentes da ditadura.

Ele tinha apenas um ano e oito meses quando foi arrancado de sua casa e torturado na sede do Dops paulista.

Foi submetido a choques elétricos e outros sofrimentos.

Seus pais, Dermi e a pedagoga Darcy Andozia Azevedo, eram acusados de dar guarida a militantes de esquerda, principalmente aos integrantes da ala progressista da igreja católica.

Dermi já estava preso na madrugada do dia 14 de janeiro de 1974, quando a equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury chegou à casa onde Darcy estava abrigada, em São Bernardo do Campo, levando o bebê, que havia sido retirado da residência da família.

Ela havia saído em busca de ajuda para libertar o marido.

Os policiais derrubaram a porta e um deles, irritado com o choro do menino, que ainda não havia sido alimentado, atirou-o ao chão, provocando ferimentos em sua cabeça.

Com a prisão de Darcy, também o bebê foi levado ao Dops, onde chegou a ser torturado com pancadas e choques elétricos.

Depois de ganhar a liberdade, a família mudou várias vezes de cidade, em busca de um recomeço.

Dermi e Darcy conseguiram retomar a vida e tiveram outros três filhos, mas Carlos Alexandre nunca se recuperou.

Aos 37 anos, teve reconhecida sua condição de vítima da ditadura e recebeu uma indenização, mas nunca pôde trabalhar regularmente.

Aprendeu a lidar com computadores, mas vivia atormentado pelo trauma. Ainda menino, segundo relato da família, sofria alucinações nas quais ouvia o som dos trens que trafegavam na linha ferroviária atrás da sede do Dops.

Para não esquecer

O jornalista Dermi Azevedo poderia ser lembrado pelas redações dos jornais no meio das especulações sobre a renúncia do papa Bento 16.

Ele é especialista em Relações Internacionais, autor de um estudo sobre a política externa do Vaticano, e doutor em Ciência Política com uma tese sobre igreja e democracia.

Poderia também ser uma fonte para a imprensa sobre a questão dos direitos humanos, à qual se dedicou durante quase toda sua vida, tendo atuado em entidades civis e organismos oficiais.

Mas seu testemunho como vítima da violência do Estado autoritário é a história que precisa ser contada, principalmente quando a falta de memória da sociedade brasileira estimula um grupo de jovens a recriar a Arena, o arremedo de partido político com o qual a ditadura tentou se legitimar.

A morte de Carlos Alexandre é a coroa de espinhos numa vida de dores insuperáveis, e talvez a imposição de tortura a um bebê tenha sido o ponto mais degradante no histórico de crimes dos agentes do Dops.

A imprensa não costuma dar divulgação a casos de suicídio, por uma série controversa de motivos.

No entanto, a morte de Carlos Alexandre Azevedo suplanta todos esses argumentos.

Os amigos, conhecidos e ex-colegas de Dermi Azevedo foram informados da morte de seu filho pelas redes sociais, por meio de uma nota na qual o jornalista expressa como pode sua dor.

A imprensa poderia lhe fazer alguma justiça.

Por exemplo, identificando os integrantes da equipe que na noite de 13 de janeiro de 1974 saiu à caça da família Azevedo.

Contar que Dermi, Darcy e seu filho foram presos porque os agentes encontraram em sua casa um livro intitulado “Educação moral e cívica e escalada fascista no Brasil”, coordenado pela educadora Maria Nilde Mascellani.

Era um estudo encomendado pelo Conselho Mundial de Igrejas.

Contando histórias como essa, a imprensa poderia oferecer um pouco de luz para os alienados que ainda usam as redes sociais para pedir a volta da ditadura.

 

À época, no Blog do Rovai, parte integrante da revista Forum, duas notas...

“É com pesar que o Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH emite essa Nota de Solidariedade para com a família do jornalista e cientista político Dermi Azevedo, militante aguerrido dos ideais libertários e um dos construtores do MNDH, pela morte de seu filho Carlos Alexandre Azevedo, o qual foi preso e torturado durante a ditadura militar, com apenas um ano e oito meses e não conseguiu se restabelecer, o que culminou com sua morte. Hoje a ditadura militar concluiu a morte de Carlos iniciada em tão tenra idade, este acontecimento entristece a todos nós, profundamente e fortalece nosso empenho na luta por Memória, Verdade e Justiça, de forma que a impunidade não continue se perpetuando”.

Cata de luto de Dermi Azevedo:

“Meu coração sangra de dor. O meu filho mais velho, Carlos Alexandre Azevedo, suicidou-se na madrugada de hoje, com uma overdose de medicamentos. Com apenas um ano e oito meses de vida, ele foi preso e torturado, em 14 de janeiro de 1974, no DOPS paulista, pela “equipe” do delegado Sérgio Fleury, onde se encontrava preso com sua mãe. Na mesma data, eu já estava preso no mesmo local. Cacá, como carinhosamente o chamávamos, foi levado depois a São Bernardo do Campo, onde, em plena madrugada, os policiais derrubaram a porta e o jogaram no chão, tendo machucado a cabeça. Nunca mais se recuperou. Como acontece com os crimes da ditadura de 1964/1985, o crime ficou impune. O suicídio é o limite de sua angústia.

Conclamo a todos e a todas as pessoas que orem por ele, por sua mãe Darcy e por seus irmãos Daniel, Estevão e Joana, para que a sua/nossa dor seja aliviada.

Tenho certeza de que Cacá encontra-se no paraíso, onde foi acolhido por Deus. O Senhor já deve ter-lhe confiado a tarefa de consertar alguns computadores do escritório do céu e certamente o agradecerá pela qualidade do serviço. Meu filhinho, você sofreu muito. Só Deus pode copiosamente banhar-te com a água purificadora da vida eterna.

Seu pai
Dermi
Segue em paz Carlos! Força Dermi e Darcy!”.

sexta-feira, 29 de março de 2013

FORMAS DE MATAR UM ESCRITOR*

“Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer: — E daí? Eu adoro voar...”.

Clarice Lispector (1920 - 1977)
Escritora e jornalista nascida na Ucrânia, naturalizada brasileira.


Exemplo de frase atribuída a Clarice Lispector na internet: "Ainda bem que sempre existe outro dia, e outros sonhos, e outros risos, e outras pessoas, e outras coisas". Outro exemplo: "Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome".

Ambas estão num site que, reagindo ao que o mundo virtual faz contra autores como Luis Fernando Verissimo e Caio Fernando Abreu, dispõe-se a conferir a autenticidade de citações. Tarefa digna, embora eu fique em dúvida sobre o que é pior: a Clarice falsa (sonhos e pessoas) ou a verdadeira (desejo sem nome).

Quer dizer, a Clarice transformada em autoajuda ou a tirada de contexto, numa vulgarização do registro original. A segunda frase é o ponto de vista de uma personagem – a protagonista de "Perto do Coração Selvagem" –, e fora do ambiente claustrofóbico e idiossincrático do romance vira apenas banalidade.

Há muitas formas de matar um escritor, e a mais segura talvez seja botá-lo num pedestal, escondendo as falhas e oscilações que o tornam humano – e, portanto, próximo do que a literatura deve ser. Acontece quando o transformamos num oráculo, com verdades a revelar sobre temas que pouco ou nada têm a ver com os seus.

Caso dramático é o de ficcionistas cujo mérito maior não é a capacidade de síntese, ou mesmo as ideias. "Grande Sertão: Veredas" é um clássico por vários motivos, um deles o acúmulo caudaloso e virtuoso de termos raros e palavras inventadas por Guimarães Rosa, num ritmo e ambientação a serviço de uma grande narrativa de aventura.

É um efeito que só se potencializa por causa desse fluxo – ao qual o leitor precisa dedicar tempo, paciência e atenção diversos do que exige uma simples frase. Destacar do romance uma fala como "pão ou pães, é questão de opiniães", do jagunço Riobaldo, é escolher (e indiretamente apontar como essência) apenas o que Rosa tem de diluído – uma celebração algo ingênua, ou algo demagógica, de uma suposta sabedoria popular.

Se a fala até pode ser charmosa pela sintaxe, sonoridade e empatia que evoca no contexto de "Grande Sertão", na vida real equivale a uma criança dizendo espertezas diante de adultos. "Viver é muito perigoso", outra máxima conhecida do livro, não é uma tolice, ok, mas repita-a sem a muleta de um medalhão das letras, em tom compenetrado, numa festa ou reunião de trabalho, e saboreie o efeito que causará.

Claro que citar é inevitável. Há autores talhados para isso, de frasistas como Nelson Rodrigues e Paulo Francis a romancistas cujos diálogos valem de maneira autônoma. Isso ocorre quando os personagens estão no mesmo nível do criador, sem que o último precise se rebaixar ou distanciar – com ironia, crueldade, paternalismo ou condescendência – para exprimir a voz dos primeiros.

Também quando não emprestamos às frases uma filosofia moral adaptada a conveniências. Transformar Rubem Braga num militante da ecologia, como fez um programa recente de TV por causa de um trecho sobre passarinhos, é alistar o cronista numa batalha que não era a sua, ao menos nos termos ideológicos de hoje. E trair o que ele tinha de particular, sua melancolia cética e nunca açucarada, na contramão de qualquer bom sentimento da moda.

Da mesma forma, "o que desejo ainda não tem nome" talvez diga algo de "Perto do Coração Selvagem", mas usar isso em confissões de Facebook – como se houvesse grande transcendência nos anseios indizíveis do eu feminino – é puxar para si uma sugestão de mistério, profundidade, alma complexa. Um egocentrismo tão contemporâneo e distante do que o texto de Clarice significou, inclusive em risco de incompreensão e fracasso, à época em que foi escrito (1943).

A boa ficção usa mentiras para dizer a verdade, e as citações malfeitas são o contrário: usam verdades (trechos reais) para mentir (atribuir ao livro um sentido que ele não quer ter). Ao contrário do que pensa quem as promove, é um desserviço à literatura. Apenas mais um, num tempo em que pouca gente tem disposição para abrir um romance – ou pensar qualquer coisa – e ir além de meia dúzia de slogans.

* O titulo da presente postagem é a de um artigo, de autoria do escritor e jornalista brasileiro Michel Laub, publicado no dia 29 de março de 2013 no jornal Folha de S. Paulo, ora transcrito neste blog – a ilustração foi escolha minha.

SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO

“(...) Eu te amo porque te amo. / Amor é estado de graça / e com amor não se paga. / Amor é dado de graça, / é semeado no vento, / na cachoeira, no eclipse. / Amor foge a dicionários / e a regulamentos vários. (...)”.

Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987)
Poeta Brasileiro – As Sem razões do amorCorpo


Ponto. Intencionalmente, suprimi os primeiros e últimos versos do tão decantando poema de Drummond, que, por sua vez, a seu modo, enaltece o amor. E suprimi porque não concordo com as demais “razões” que o poeta atribui ao carro-chefe dos sentimentos do bem. Tipo: quando ele diz, por exemplo, que o amor não pode ser conjugado. Claro que pode! E em todos os tempos verbais, de preferência no presente...




As Sem razões de um feriado religioso


“A laicidade do Estado significa que ele deve ser neutro em matéria religiosa e isso não quer dizer que ele seja ateu ou agnóstico, quer dizer que o Estado não tem posição, deve respeitar todas as posições religiosas, mas não pode endossar nenhuma delas...”.

Daniel Sarmento
Professor adjunto de Direito Constitucional da UERJ e Procurador Regional da República.


Infelizmente, no caso do Brasil, por exemplo, não é isso o que acontece. O Estado brasileiro endossa, sim, posições religiosas, sobretudo e principalmente as da Igreja católica. Digo isso – nada pessoal – porque, apesar do Brasil ser o maior país católico do mundo – pudera, com o tamanho que ele tem –, a política tendenciosa do Estado de há muito já deveria ser coisa do passado. E nem me digam que tal prática ainda se dá – daí a mesma se justificar – porque a outrora Terra dos Papagaios foi achada por navegadores de um país, à época, eminentemente católico, que é Portugal, bem como colonizada, na sua maior parte, por enviados – iluminados? – lusos!

Na verdade, não é de hoje que muitos questionam a relação, muitas vezes promíscua, do Estado brasileiro com a Igreja católica – relação essa, aliás, que nem deveria existir, visto que a própria Constituição do país é bastante clara nesse aspecto. E o mesmo eu diria caso esse mesmo Estado mantivesse um relacionamento tão estreito, digamos, com o protestantismo, ou o islamismo, ou, ainda, com o candomblé. Tanto que fico pasma com a quantidade de feriados religiosos – católicos – existentes no Brasil. Isso sem falar que é inadmissível que se pare todo um país apenas porque dada religião – no caso, a católica – comemora uma ou mais datas.

E quem não é católico, pertence a outra religião ou não professa nenhuma? Subtende-se, pelo visto, que todos, sem exceção, independentemente das suas crenças, ou da sua ausência, devem parar as suas atividades para reverenciar uma data católica. O mais sensato, portanto, seria que o Estado brasileiro fosse coerente com a sua Constituição e abolisse de vez com os feriados religiosos – os ditos cívicos também! Sim, que fosse um Estado pautado pela modernidade – coisa que está longe de o ser – e que respeitasse os artigos constitucionais que deveriam regê-lo, norteá-lo, não atropelá-los, a ferro e fogo, de maneira tão primitiva.

Um exemplo, portanto, de que o Brasil ainda parece viver 1500? A obrigatoriedade do ensino religioso – católico, né? – nas escolas da rede pública de ensino do país. A respeito do assunto, o site Católicas pelo direito de decidir, publicou, em setembro de 2012, um artigo do jornalista Mário Henrique de Oliveira, intitulado Ser laico não é ser contra a religião, no qual ele diz:

— Apesar de o Brasil ser um Estado laico, também consta no texto da Constituição a obrigatoriedade do ensino religioso, além do país ter firmado um acordo com a Santa Sé que prevê o “ensino católico e de outras confissões” na rede pública de ensino, o que causa um conflito de interesses. Em muitos locais, o ensino religioso é considerado obrigatório e sua matrícula é feita de maneira automática, apesar de, por lei ele ser facultativa. Por isso, os envolvidos no debate acreditam que seria a retirada do ensino religioso das escolas. Para tanto, seria necessária a criação de uma PEC, Proposta de Emenda à Constituição, mas eles não enxergam uma força política hoje capaz de se articular para essa finalidade. Em vista disso, foram debatidas também algumas alternativas, entre as quais a criação do Plano Nacional para Enfrentamento da Intolerância Religiosa e de uma Comissão de Enfrentamento de Intolerância Religiosa, a formação de profissionais e gestores para lidar com a questão, revogação do acordo entre Brasil e Santa Sé, revisão do artigo 33 da LDB e eliminação de todos os símbolos e práticas religiosas da rotina escolar.

O referido artigo, por sua vez, cita outro, homônimo, publicado meses antes, em junho, pela revista Forum, de autoria do acadêmico Túlio Vianna, professor de Direito Penal da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que, certo momento, referindo à realidade brasileira, é incisivo:

— O ensino religioso nas escolas públicas não deve se converter em um instrumento de proselitismo do cristianismo.

Nunca passagem anterior do artigo, contudo, o professor já havia externado a sua lucidez de pensamento:

— Não há nada de democrático em querer impor o ensino de uma crença religiosa a quem não professa aquela religião.

De igual modo, eu diria, não há nada de democrático em querer impor a celebração de uma data religiosa a quem não professa aquela religião. Daí que, se os católicos têm, por exemplo, os seus santos de devoção, que eles realizem os seus rituais além dos adros das suas igrejas, sem que, necessariamente, pare-se um país – os feriados – por causa disso – o mesmo valendo para as demais religiões, ficando todas, portanto, perante a legislação vigente, em pé de igualdade, sem que o Estado privilegie apenas uma crença em detrimento de outras. Afinal, queiram ou não, o Estado não pode apoiar nenhuma manifestação de religiosidade, independentemente da sua natureza.

NBC

NO LIMITE DA INSANIDADE

“A crueldade é um dos prazeres mais antigos da espécie humana...”.

Friedrich Nietzsche (1844 - 1900)
Filósofo alemão


Ilhas Maldivas. Uma pequena República cravada no Oceano Índico, ao sul do continente asiático, com população aproximada de 400 mil pessoas – é o país menos populoso da Ásia e o menos populoso dos países muçulmanos. Há mais de 800 anos, o islamismo é a religião oficial das Maldivas e, segundo reza a lenda, 100% da sua população diz-se adepta dos preceitos de Maomé (570 - 632) – e diga que não é para ver se cabeças não rolam! Tanto que, mergulhada no mais profundo dos absurdos, um dos artigos da Constituição das Maldivas, que segue os ditames do islã, diz, por exemplo, contrariando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que “um não-mulçumano não pode se tornar um cidadão” – o país é o sexto que mais persegue cristãos no mundo e a prática aberta de qualquer outra crença religiosa é terminantemente proibida.


Então... Esta semana, desse cenário dantesco, vazou uma notícia que anda a chocar pessoas de bem e de bom senso em todo o planeta: segundo a agência de notícias BBC, após a polícia investigar o corpo de um recém-nascido, encontrado enterrado na ilha de Feydhoo, no Atol de Shaviyani, norte do país – o arquipélago possui 1.196 ilhas, agrupadas em 26 atóis –, descobriu-se que o bebê morto havia sido fruto de um estupro sofrido por uma adolescente, vítima do próprio padrasto, indo o caso parar nos tribunais.


Resumindo: o agressor, que ainda não foi julgado, é acusado de violentar a enteada, engravidá-la e matar o recém-nascido. A mãe da adolescente, por sua vez, por não ter denunciado o abuso as autoridades ditas competentes, foi igualmente acusada, embora também ainda não julgada. O detalhe, contudo, dessa trágica história – para lá de grotesca, por sinal –, é que, no que concerne à adolescente, hoje com 15 anos de idade, a sua condenação já é fato consumado – desde o ano passado, ela foi acusada de manter relações sexuais sem ser casada –, ou seja: 100 chibatadas com direito a público – maior exemplo de insanidade mental, a dos que decretaram tal sentença, não poderia haver.


O curioso, contudo, é a polêmica travada no próprio país a respeito dessa e de demais sentenças. Segundo, ainda, a BBC, o pesquisador Ahmed Faiz, da Anistia Internacional, disse, se referindo ao açoite e “pedindo que as autoridades abandonem a prática”:


— É cruel, degradante e desumano.


E ele acrescenta: “Estamos muito surpresos que o governo não esteja fazendo nada para anular esse tipo de punição”, removendo-a “totalmente da legislação”. De acordo com o pesquisador, que denuncia, “esse não é o único caso. Está acontecendo frequentemente. No mês passado [fevereiro], houve outra garota que foi violentada e condenada a chibatadas”, alertando, ao mesmo tempo, para a passividade da população, que se recusa a discutir esse tipo de sentença – sentença essa igualmente refutada pelo presidente Mohammed Waheed Hassan, que, eleito no dia 7 de fevereiro de 2012, admitiu uma possível revisão e mudança de certos aspectos da legislação do país, embora ainda não as tenha feito.


Ao mesmo tempo, os promotores não arredam pé da sua irracional decisão. A porta-voz do tribunal de menores, por sua vez, Zaima Nasheed, não deixou por menos e “disse que a jovem também deverá permanecer em um reformatório por oito meses. Ela defendeu a condenação”, alegando que a adolescente “cometeu, voluntariamente, um ato ilegal”. Quanta sandice! Afinal, estupro é estupro. E em qualquer país do mundo, não há como mascarar isso, pouco importando a cultura, a religião ou o que quer que o seja, muito menos se a vítima é ou não casada.


O fato é que “autoridades locais afirmam que ela [a adolescente] será punida quando completar 18 anos, a não ser que peça o adiantamento da punição” – acredito que não o fará, mesmo porque, em três anos, não é possível que o presidente Mohammed Waheed Hassan não derrube da Constituição das Maldivas certas práticas que equivalem as barbáries promovidas pelas Cruzadas movidas pela Igreja católica ou por sua dita Santa Inquisição, que de santa não tinha nada, durante a Idade Média.


Enfim! Caso a sentença não seja revogada antes da sua execução, a jovem terá sido duplamente ou mais violentada: por sua própria família, pelas leis arcaicas que regem o seu país, por sua cultura e religião ainda mais retrógadas, que, ao invés de se adaptarem a um novo curso vigente – estamos em pleno séc. XIX –, pararam no tempo – sempre estiveram –, estagnando-se. Daí que, em defesa dos direitos humanos e da integridade da adolescente em questão, bem como das demais que, sem sombra de dúvida, correm o mesmo risco, ou outros ainda mais graves – 90% dos envolvidos numa relação sexual antes do casamento são mulheres (no caso de estupros, nenhum agressor foi condenado nos últimos três anos) –, já há quem se manifeste contrariamente.


Maior comunidade online do mundo, a Avaaz, que, através das suas petições, dá voz a não importa qual povo e causa, a fim de que injustiças sejam denunciadas e, se possível, reparadas, lançou uma campanha, que anda a circular na internet, pedindo a apelação da sentença, a fim de evitar que a adolescente não padeça nas mãos de gente completamente destituída de discernimento. Curiosamente, segundo texto enviado por e-mail pela Avaaz, o atual governo das Maldivas, que anseia em se firmar como um país democrático, tornando-se “um modelo de democracia islâmica”, concorre “a um cargo de direitos humanos na Organização das Nações Unidas (ONU) em uma plataforma sobre os direitos das mulheres”... Pense o paradoxo!


Infelizmente, é necessário 1 milhão de assinaturas para que a petição, que visa libertar a adolescente do seu triste fardo, seja reconhecida e possa ser capaz de pressionar ainda mais o presidente Mohammed Waheed Hassan e a sua base parlamentar, que devem se opor aos extremistas islâmicos e buscar soluções, não somente no caso da adolescente, mas, também, em muitas outras situações onde os direitos humanos, especificamente os da mulheres, possam ser assegurados. Tanto que, visando alcançar esse intento, uma das propostas da Avaaz é a de um boicote internacional ao arquipélago asiático, destituindo a sua reputação como “destino turístico romântico”... Outro paradoxo! Enquanto isso, nas Maldivas, cuja História antiga é para lá de obscura, continua a prática do obscurantismo...


NBC



quinta-feira, 14 de março de 2013

E HAJA CONTINÊNCIA!

"Há sempre um zarolho ou um esperto que nos governa...".

José Saramago (1922- 2010)
Escritor português


Enquanto rolava uma hesitação por causa da fumaça preta que, há dias, era evaporada dos crematórios do Vaticano, eis que, de repente, uma suposta fumaça branca surge, lá da Argentina. O nome? Dom Jorge Mario Bergoglio. Evitando um arranca-rabo, que, não é de hoje, por causa de temas polêmicos, com o antigo cardeal (o hoje Papa Francisco I – eleito nesta quarta-feira, 13, um filho de família italiana imigrante na Argentina), la presidenta Cristina Kirchner vai ter de, agora, engolir um dos seus maiores desafetos. Sei não, mas, até ela, que, outro dia, pisou na imprensa latina, recebe, agora, as minhas condolências... Pense a situação da jovem! rs

NBC

sexta-feira, 8 de março de 2013

DIA INTERNACIONAL DA MULHER

“E se Deus é canhoto e criou com a mão esquerda? Isso explica, talvez, as coisas deste mundo...”.

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)
Poeta brasileiro no livro de poema Hipótese.



“Não se nasce mulher: torna-se mulher...”.

Simone de Beauvoir (1908 - 1986)
Escritora francesa


O Dia Internacional da Mulher foi instituído há 103 anos. Em 1910, durante a II Conferência Internacional da Mulher Socialista, realizada em Copenhague, na Dinamarca, decidiu-se homenagear as mulheres do mundo inteiro, tendo, como gancho, segundo a antropóloga brasileira Elizabeth Mafra Cabral Nasser, um episódio q teria chocado o mundo: no dia 8 de março de 1857, “por reivindicarem melhores salários, melhores condições de trabalho, redução da jornada de trabalho de quatorze para dez horas, 129 operárias, de uma fábrica de tecidos em Nova York, foram trancadas na fábrica pelos patrões, que, em seguida, atearam fogo ao prédio. Claro, todas morreram queimada vivas!”.  

Uma citação do artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, q diz: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão  e consciência e devem agir em relação umas as outras com espírito de fraternidade...”. E voilà!
NBC

domingo, 3 de março de 2013

O CARTEIRO ESCRITOR

“O que se pode inferir sobre uma comparação entre a atividade do carteiro e a do poeta, é que em maior ou menor grau ambos trabalham com a palavra, têm a atribuição de levar a mensagem aos seus interlocutores...”.

Juarez Firmino
Professor universitário e gestor escolar brasileiro, comentando sobre o filme O Carteiro e o poetaIl Postino (1994), dirigido pelo britânico Michael Radford. No drama italiano, baseado no livro Ardiente paciencia (1985), do escritor chileno Antonio Skármeta, o poeta chileno Pablo Neruda (1904 - 1973), interpretado pelo ator francês Philippe Noiret (1930 - 2006), exila-se, por motivos políticos, numa ilha da Itália. No local, ele conhece um carteiro quase analfabeto, vivido pelo ator, poeta e diretor italiano, além de um dos adaptadores do roteiro, Massimo Troisi (1953 - 1994), contratado exclusivamente para se encarregar da correspondência do exilado. Curiosamente, com o passar do tempo, ambos desenvolvem uma bela e cúmplice amizade, com o carteiro solicitando ajuda do poeta, obviamente que com poesia, a fim de conquistar o grande amor da sua vida.


Numa manhã de sábado nublada, após uma noite de chuva inesperada – o frio ameno a minimizar os dissabores da mais agressiva das estações, que é o Verão –, a campainha toca, tirando-me dos meus devaneios, visto que, na vã tentativa de tecer um poema qualquer, me perdia entre um verso e outro, na rima de certa poesia. Qual não foi, então, a minha surpresa ao me deparar com um carteiro, que, além de entregar a correspondência, apesar de, naquela manhã específica, não ser a sua rota habitual, aproveitou o ensejo para, quebrando o protocolo, divulgar um livro, de sua autoria, intitulado Há algo errado no paraísoA Linguagem da fantasia e o desenvolvimento da personalidade. Ou seja, um ensaio, que, dividido em oito capítulos, cujas ilustrações de abertura são igualmente assinadas pelo autor, versa sobre a influência que a linguagem do universo lúdico exerce “no processo de desenvolvimento humano” e “a sua relação com as produções culturais”.

O livro, portanto, publicado em 2012, é o segundo de Francisco Canindé dos Santos, natural de Caicó, no Rio Grande do Norte, que, formado em Comunicação Social pela Federal (UFRN) e carteiro concursado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), estreou nas letras em 2009. Foi aí, então, que, instigada com o inusitado da situação, puxei conversa com o jovem, que já se apresentou como escritor, presenteando-o com um exemplar de um livro de poemas, de minha autoria, propondo, inclusive, que trocássemos e-mails – à ocasião, tomei conhecimento de que o jornalista-carteiro-escritor já está com um terceiro livro no prelo, sendo os temas ciência e religião os seus principais focos de interesses. Não obstante, fiquei sabendo, ainda, que, desde a sua adolescência, Francisco Canindé dos Santos também escreve poema, embora não com a mesma ênfase que dá à prosa. Enfim! Segundo ele, no primeiro parágrafo da conclusão do livro em questão:

— O reino do faz de conta é um local em que o real é parcialmente suspenso, retirado do tempo e do espaço (...). Esta atmosfera, ao repelir o protocolo da realidade, penetra mais adiante nos mistérios do inconsciente, liberando instintos que são reprimidos pela sociedade, ou até mesmo pelos entraves psicológicos do ser, como a vergonha e a timidez que impedem a expressão de certos desejos que causam o medo de não ser aceito pelos demais.




Há 350 anos tinha início
o serviço postal no Brasil


“As cartas são a alma do negócio...”.

James Howell (1594 - 1666)
Historiador e escritor anglo-galês.


A epígrafe acima até já pode ter sido considerada uma máxima em uma época não tão remota assim, visto que, paulatinamente, de uns tempos para cá, a carta tem sido substituída pelo e-mail, o correio eletrônico disponibilizado pela rede mundial de computadores, ou seja, a internet. Porém, no caso Brasil, o primeiro texto contendo as características de tal formato remonta ao dia 1º de maio de 1500, quando, fazendo as honras de escrivão da armada do navegador português Pedro Álvares Cabral (mil quatrocentos e alguma coisa - 1520), supostamente o responsável pelo achado das novas terras e cujas datas de nascimento e morte nada mais são do que uma enorme vaga, o escritor Pero Vaz de Caminha (1450 - 1500), também de nacionalidade portuguesa, descreveu as suas impressões sobre a recente conquista lusa, enviando-as, prontamente, após lê-las a um grupo seleto de ouvintes, a d. Manuel I (1495 - 1521), então rei de Portugal. Desse modo, portanto, segundo reza a História dita oficial, o referido documento – conhecido como a Carta de Pero Vaz de Caminha – é considerado a certidão de nascimento do Brasil. De qualquer modo, foi apenas no dia 25 de janeiro de 1663, com a criação do Correio-Mor – nome dado, naqueles tempos, à função do nosso hoje carteiro –, quando, para todos os efeitos, o serviço postal teve início no país, embora mensageiros outros (tropeiros e bandeirantes, bem como demais viajantes, incluindo escravos) também exercessem esse papel.

Curiosamente, foi apenas no séc. XIX, em 1835, que a então Empresa de Correios passou a entregar correspondências em domicílios, com a introdução, ainda, em 1852, do telégrafo no Brasil. Não obstante, ou seja, de 1663 a 2013, trezentos e cinquenta anos de atividades transcorreram no país, com novas formas de entregas sendo criadas. E nem mesmo a internet, que, com os seus correios eletrônicos, diminuiu, consideravelmente, o fluxo de cartas, fez o atual Correios e Telégrafos do Brasil perder a sua serventia, já que os carteiros e as carteiras continuam exercendo o seu ofício com presteza e eficiência, sobretudo diante de uma nova realidade, que é a da entrega de um sem fim de encomendas de produtos adquiridos pelos usuários de lojas virtuais. Isso sem falar – é inevitável – da quantidade de material publicitário, periódicos e faturas que, diariamente, circulam por toda parte. Ah! E, de vez em quando, felizmente, uma eventual carta de um familiar, parente, amigo ou conhecido que, apesar dos insistentes e exaustivos apelos de toda ordem, ainda não aderiram ou sequer pensam em aderir ao correio eletrônico ou a não importa qual rede social – a não ser, claro, a uma rede de balanço, de preferência artesanal, na expectativa, no caso, de receber uma resposta a uma dada carta enviada, com direito, evidentemente, a selo postal, para ser lida, de preferência, no vai e vem envolvente de uma amena lembrança amical...

NBC

sábado, 2 de março de 2013

GATO TAMBÉM É CULTURA


A escritora norte-americana Mary Wilkins (1852 – 1930) certa vez disse: — Gatos amam mais as pessoas do que elas permitiriam, mas eles têm sabedoria o suficiente para manter isso em segredo...

Infelizmente, pela vulnerabilidade que lhe confere a sua condição humana, as pessoas, que aqui e acolá costumam meter os pés pelas mãos – e em tudo o que fazem –, tudo indica que nunca aprenderão a lição.

NBC