sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

COMO OS MORTOS EM PARIS OFUSCARAM AS VÍTIMAS DO BOKO HARAM

A painting symbolising Boko Haram’s destruction of Nigeria.
Photo: Debora Bogaerts / Creative Commons / Flickr


Ataque ao Charlie Hedbo gerou mais comoção do que duas mil execuções na Nigéria. Quanto vale a vida de um ser humano?

POLITIKE
Por Vivian Alt em 29 de janeiro de 2015

As primeiras semanas de 2015 testemunharam dois trágicos eventos: o ataque à revista francesa Charlie Hebdo e a série de atentados terroristas promovidos pelo grupo Boko Haram, na Nigéria. Em Paris 17 pessoas morreram, causando grande comoção pelo mundo. Na Nigéria, mais de 2 mil indivíduos perderam suas vidas, mas ao contrário do que houve na França, a mobilização internacional foi consideravelmente tímida. A cobertura e a reação das pessoas ao redor do mundo aos dois atentados, demonstra como a vida de um ser humano tem valor diferente de acordo com sua nacionalidade.

Como analisado por Caio Quero na segunda-feira, os irmãos Kouachi , responsáveis pelo ataque a Charlie Hebdo, compreenderam como funciona a mídia ocidental. Cherif e Said Kouachi sabiam que não era necessário um ataque de grandes proporções para chamar atenção da mídia, bastando atingir uma renomada revista no coração de uma das maiores cidades da Europa. O Boko Haram também compreendeu bem seu público: o grupo sabia que seria necessário grande número de vítimas para que as notícias do ataque chegassem às manchetes internacionais. Apesar do assustador número de mortos na Nigéria, em meio ao caos na Europa causado pelo ocorrido na redação do Charlie Hebdo, poucos voltaram seu foco para o que se passava no país africano.

Alguns sugeriram que os atentados em Paris foram mais comoventes, pois era mais fácil colocar-se no lugar das vítimas e, com isso, se sensibilizar mais. Apesar da maior identificação com as vítimas francesas ter valor significativo ao analisar reações sobre os dois atentados, a questão vai muito além deste argumento. Não houve grande comoção com o ocorrido na Nigéria devido ao pensamento de que guerras e violência são comuns, ou até mesmo naturais, em países do Oriente Médio, África, Ásia e América do Sul.

A mídia não deve ser culpada por tudo, uma vez que é apenas reflexo do modo de pensar das pessoas. Tal forma de pensar se assemelha a algo como: “as mortes na Nigéria não são tão trágicas quanto as na França, pois lá essas coisas acontecem o tempo todo. Portanto, é de se imaginar que os nigerianos estejam acostumados com isso”. Contudo, por mais recorrente que seja a violência, os nigerianos jamais se acostumarão em perder amigos e familiares em atentados do Boko Haram; da mesma forma que os franceses jamais se conformarão com ataques terroristas como o de Charlie Hebdo.


Boko Haram attack in Jos.
Photo: Carmen McCain / Creative Commons / Flickr


Há muitas semelhanças entre os atentados de França e Nigéria. No entanto, enquanto o futuro do país europeu é exaustivamente debatido, os problemas na Nigéria continuam às margens da agenda internacional de segurança. Na França, minorias enfrentam preconceitos e são marginalizadas da sociedade, contribuindo para surgimento de grupos extremistas e violentos. Na Nigéria, o Boko Haram surgiu com muçulmanos do Norte do país que viviam na pobreza e eram excluídos social e politicamente. Ademais, assim como na França, a maioria dos muçulmanos não apoia o grupo terrorista nem suas ideias de instaurar a Lei Sharia no país.

Deve-se destacar, ainda, que as respostas de ambos os governos para conter atos terroristas não parecem estar funcionando.

Na França, os primeiros dias após o atentado presenciaram onda sem precedentes de agressões a muçulmanos e judeus. Há grande probabilidade de que nos próximos meses sejam impostas ainda mais restrições em leis migratórias e que haja aumento na popularidade de partidos conservadores de direita, como a Frente Nacional de Marine Le Pen. Na França e em outros países europeus, segregação é a palavra chave para explicar extremismo. Ao invés de tornar a sociedade mais harmoniosa e pacífica, políticas restritivas possivelmente aumentarão exclusão social e intolerância às minorias, em especial aos muçulmanos. Por outro lado, políticas inclusivas podem levar a um ambiente menos hostil e mais pacífico.

Na Nigéria, nos dias que seguiram o massacre na cidade de Baga, o Boko Haram intensificou seus ataques, tendo inclusive utilizado crianças como amarradas em bombas para explodir um mercado. Preocupados com influxo de refugiados, países vizinhos como Chade, Camarões e Níger exigiram medidas severas do governo nigeriano no combate ao grupo terrorista e mobilizaram-se para proteger suas cidades fronteiriças. O governo enfrenta sérios problemas financeiros que o impossibilitam de treinar policiais, comprar armamentos e desenvolver um plano de ação efetivo, de fato necessitando de ajuda externa. As tentativas fracassadas do governo em acabar com o Boko Haram estão apenas criando mais oportunidades para que o grupo realize novos atentados.


Boko Haram’s attack in Nigeria.
Photo: Diario Critico de Venezuela


Apesar das semelhanças entre os atentados nos dois países, a França continua recebendo muito mais atenção, tanto da mídia quanto do grande público. Assim como em outros países do continente, o terrorismo na Nigéria é visto apenas como “mais um conflito africano” e as vidas de milhares inocentes não recebem o valor que deveriam.

Alguns argumentam ser importante ajudar o governo nigeriano dado que a explosão de um conflito de maiores proporções poderia levar ao aumento do número de refugiados em direção à Europa e outros países desenvolvidos. Tal argumento, bastante utilizado, perpetua a lógica de que as vidas nigerianas possuem menos importância do que as francesas. É necessário fornecer ajuda à Nigéria, não pelo possível aumento do número de refugiados, mas porque milhares de inocentes, em sua maioria mulheres e crianças, estão sendo brutalmente assassinados. Pessoas não apenas estão morrendo, como mulheres estão sendo violentadas, crianças estão sendo sequestradas e usadas como explosivos humanos, além de outras atrocidades que violam os direitos humanos.

Com intuito de desenvolver análise mais profunda e crítica sobre o tema, o Politike publicará série de três artigos sobre o Boko Haram. Examinaremos o assunto, discutindo a história da Nigéria, seu contexto político e social, e possíveis cenários futuros para a crise. Fiquem ligados em nossos próximos textos!



quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O AFOXÉ DAS GALINHAS

“A gula é criativa...”.

Marcus Valerius Martialis (40 - 104 d. C.)
Poeta e epigramatista latino.


Conta-se que, aos domingos – não era surpresa para ninguém –, a paraguaia dona Palmira comia uma galinha caipira, que, dependendo da região brasileira, também é chamada de colonial, capoeira, pé-duro, pé sujo dos terreiros... E daquelas bem gordas! De preferência, com ovinhos, o seu pedaço predileto, preparadas por Lucicleide, importada de Portugal para ser a sua dama de companhia, e sempre do mesmo jeito, com os mesmos temperos – nunca revelados – e acompanhamentos, que, aliás, nunca eram alterados, nem em pensamento. Parecia até promessa! O fato é que a coisa era levada tão a sério que Palmira fazia de um tudo – como dizem os goianos – para, semanalmente, satisfazer o seu capricho. Detalhe: nunca sobrava comida – não havia essa de restos deixados para o outro dia –, mas, caso sobrasse, virava canja para o jantar, embora, ainda no almoço, todas as partes das galinhas fossem consumidas por Palmira e Lucicleide; por um ou mais convidados; visitas inesperadas ou eventuais penetras, que, ao contrário das más línguas, nunca foram destratados pela dona da casa, hospitaleira por excelência – e pensar que toda essa história começou com uma dieta, virando, aos poucos, ritual, tipo devoção.

O curioso é que, no início da dieta, nada balanceada, por sinal – o único balanço na casa de Palmira era o da rede na qual ela tirava uma sesta após o almoço dominical –, e nos meses subsequentes, a gentil senhora costumava comprar as suas galinhas caipiras – qualquer uma servia – no açougue do bairro. Certa feita, contudo, ela abandonou o açougue, deixando intrigados até os mais próximos, e virou habituée das feiras livres da cidade – hábito esse mantido até o dia em que, sem causa aparente, “a mulher da galinha caipira”, como ficou conhecida pelos feirantes, também se absteve de frequentá-los, optando por encomendar o seu objeto de desejo a amigos, conhecidos, vizinhos... Não importava se de corpo presente, por telefone ou recado: nunca por e-mail – Palmira era do tempo de telegrama! Isso sem falar que, aqui e acolá, rolava uma lembrancinha: ela ganhava galinhas – já depenadas, é claro –, que guardava no congelador, limitando-se a alimentar o seu estoque. Porém, inteirado do inusitado da situação, o seu meio-irmão sugeriu que, para lhe facilitar a vida, Palmira construísse um galinheiro no quintal da sua casa – sugestão essa que, diga-se de passagem, ela nem levou em consideração.

E isso não porque Palmira não tivesse vocação para granjeiro e não quisesse envelhecer criando galinhas, embora soubesse que esse é um sonho de consumo de muita gente – de repente, inconscientemente, até mesmo o seu –, mas apenas porque era alérgica a penas. E a milho. Um paradoxo? Sim, mas que fugia a sua alçada. O parente, por sua vez, não entendeu nada, já que, além de resto de comida, a ave em questão alimentava-se exatamente do referido grão (informação desnecessária para Palmira, porque, segundo ela, a sua alergia era ao milho in natura). O quiproquó? Anunciado... Felizmente, na iminência de um, Palmira o evitou, limitando-se a dá um pulo e, entre um salto e outro, bateu o pé, de papo cheio que estava das intromissões de terceiros nos seus affaires gastronômicos – afinal, quem comprava as galinhas caipiras que comia era ela, ninguém tinha nada a ver com isso e ponto final. Daí que, no auge do seu foco alimentar, Palmira decidiu inovar, adquirindo o seu prato fetiche diretamente do produtor, dispensando os intermediários, tanto fazendo, nesse sentido, que, um belo dia, por indicação de uma amiga, terminou conseguindo um fornecedor particular.

E foi assim que uma fase de colheita teve início para Palmira – a oportunidade de negociar com um produtor rural, sinônimo de aventura: viagens regulares ao campo, sentindo o cheiro do mato, respirando ar puro... Isso sem falar que a experiência permitiu que ela entrosasse-se melhor com assuntos tipo: as condições ambientais e as instalações ideais para a criação de galinhas caipiras; manejo produtivo; alimentação; controle de qualidade, entre outros, a ponto de transformá-la numa ativista pró-agricultura familiar e defensora fervorosa dos produtos orgânicos, combatendo os aditivos agrícolas, os transgênicos. Ocorre que, devido a sua aversão à rotina, Palmira só conseguiu resistir a seis meses de bucolismo, logo buscando uma novidade, que, no caso, foi a de propor a um amigo, importador local, que passasse a ser o seu novo fornecedor de galinha caipira, garantindo-lhe, semanalmente, um exemplar da ave – detalhe: a cada remessa, a galinha deveria proceder de um município distinto, ou seja, de naturalidade diferente. Só que, a par do histórico de Palmira, da sua excentricidade, o amigo achou prudente nem dizer nada – o que dirá questioná-la!

Desse modo, os dois fecharam negócio, embora ignorassem que, num futuro não muito distante, Palmira iria parar nas malhas de um divã... Enquanto isso, a caprichosa senhora perdia cada vez mais as contas de quantos galiformes já havia consumido ao longo do tempo, chegando ao cúmulo de cometer o absurdo de espalhar histórias sobre as suas travessuras galináceas por toda parte, transformando-se, aos poucos, numa personagem ainda mais sui generis, ou melhor, num griot de espalhafatosas saias, cujos causos, inclusive, atraiam toda sorte de curiosos, sobretudo quando, numa riqueza de detalhes impressionante, desatava a contar sobre a sua participação voluntária, meses antes, num roubo de galinhas em plena Semana Santa – obviamente que ela foi presa em flagrante, detida e, após uma noite atrás das grades (rara oportunidade para ver o sol nascer de um poleiro) e pagar fiança, liberada. Aí, então, era um deus nos acuda, com os ouvintes atingindo o ápice da sua euforia, gritando urras e mais urras. O episódio, contudo, a faltosa gota d’água para Palmira conscientizar-se de que necessitava de ajuda terapêutica – era evidente que padecia de alguma patologia.

Encurtando a história... Diante do “quadro” de Palmira, a sua mania por galinha caipira, o terapeuta não hesitou no diagnóstico: ela sofria de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), cujo tratamento, apesar de contrariada, seguiria à risca – tratamento esse que, aliás, lhe proporcionou deleites literários dantes nunca experimentados, como, por exemplo, incursões no universo penado da sua ave de predileção, despertando a sua curiosidade. Tanto que, entre uma e outra leitura, deparou-se com uma espécie de crônica, de autoria de um tal de Millôr, que ela nunca ouvira falar e com quem, de cara, logo antipatizou, visto que, sem melindre algum, o escritor nem fazia por onde disfarçar o seu desprezo pela galinha: depreciando a ave a 3x4, chegou a dizer que, de toda fauna existente na terra, a fêmea do galo “é, possivelmente, a mais estúpida” de “uma vasta hierarquia de imbecis” – Palmira ficou irada! Não obstante – isso ela já sabia –, o autor acrescentou que, do casal, a galinha é a única que, apesar de tudo, “põe ovos”, coisa que o galo não é capaz. Palmira exultou! E resolveu vingar-se: na ceia do último Natal, homenageou a ave adorada – gesto que poupou o primo peru.

Uma decisão – vale salientar –, que colocou a prêmio a cabeça de mais uma galinha, no caso, magistralmente recheada com os temperos secretos de Lucicleide, com quem, devidamente, a degustou. No réveillon, entretanto, tão logo raiou o dia do evento que ela considerava um dos mais gloriosos do ano – por isso convidar os amigos, mas apenas os mais íntimos, para um surpreendente banquete –, Palmira saiu de casa com ares de descontração, flanando pelas ruas do bairro, para buscar, pessoalmente, o jantar encomendado com antecedência ao amigo importador, bem como os demais itens da lista que pretendia cumprir antes mesmo do almoço, já que, extremamente disciplinada, costumava cumprir com certos horários, principalmente os das refeições. Afora isso, nenhum contratempo; o tempo, passando, de bocado em bocado, duplamente lento, favorecendo Palmira que, com a mente tranquila, após um cochilo vespertino, ocupou-se, faceira, de alguns retoques em certos ambientes da casa e na roupa reservada para a noite – noite essa que, ao cair, trouxe com ela os convidados, que, logo sendo recebidos no hall por Lucicleide, aguardavam, ansiosamente, para cumprimentar a anfitriã.

Não demorou muito, numa mise en scène impressionante, Palmira adentrou no seu grande salão oval portando um tradicional abadá, daqueles usados pelos nagôs, adquirido na manhã daquele dia numa liquidação, embora – ninguém entendeu nada – ela o tivesse recoberto de penas de pavão – não era, portanto, para o bico de mais ninguém. E ninguém deu um pio! Isto é... De um canto qualquer do recinto, um sobrinho da dona da casa, recorrendo a uma gíria, elogiou-a: — Fechou, tia!
— E a alergia a penas, Palmira? – o parente que sugeriu à anfitriã construir um galinheiro questionou-a.
— Só as de galinha; as de pavão, não... – Palmira esclareceu, sem titubear, com pose de iorubá.
— É isso aí! – ovacionaram alguns dos convidados, apoiando a exuberância do figurino de Palmira, apesar de não verem a hora de refastelarem-se nas iguarias do jantar.

O amigo importador, quase diplomata, improvisou um discurso, dando uma de mestre de cerimônia e desandando a falar sobre o prato principal da virada do ano no lar-doce-lar de Palmira, ou seja: segundo ele, a dona da casa havia alcançado o cúmulo do refinamento, não medindo custos nem esforços para mandar buscar, diretamente da costa ocidental da África, uma dúzia de galinha d’angola, quantidade que representava os doze meses do ano, bem como o número exato de convidados, com a anfitriã mais uma vez superando-se nos esmeros gastronômicos e sentindo-se na crista da onda. Porém, com uma pulga atrás da orelha, um dos presentes perguntou: — E Palmira, não vai comer? Está de dieta? – o riso, então, tomou conta do salão.
— Claro que vai! – respondeu o importador. – Só que, para ela, o pedido foi especial: a galinha d’angola mãe de todas as outras que, em breve, serão servidas.
— E ela, a galinha mãe, chocou onde? – quis saber o parente em tom jocoso. – Na África ou no Brasil?
— No Brasil, porque a matriz foi importada... – disse o importador, meio sem graça.
— Quer dizer, então, que, de estrangeira, mesmo, só a galinha da Palmira... – ironizou o parente, com sarcasmo, já que (coisa que, aparentemente, só ele sabia) a meia-irmã tinha nascido no Paraguai.
— Por aí... – o importador deu de ombros, pois não simpatizava com o seu interlocutor.

Palmira, por sua vez, ignorou a maledicência e, não se dando por vencida, caminhou pelo salão, cumprimentando os convidados e, após certo tempo, anunciou que era chegada a hora do jantar. E, aí, foi aquele bafafá! Sim, porque, num piscar de olhos, o salão oval mais parecia um terreiro de candomblé: o gargarejo era reinava... Era tanta vela e incenso, acendidos pelo importador, que, por pouco, o local não se transformou em Fukushima, com todos, alegremente, dançando ao som de Clara Nunes, interpretando Morena de Angola, do cantor e compositor Chico Buarque, não faltando quase nada para, ao amanhecer, dona Palmira virar moda de viola. O fato é que, quando as primeiras luzes do novo ano despontaram, o galo do vizinho cantou... Supersticiosa, a anfitriã pediu para que os convidados retirassem-se, pois tinha uma simpatia a fazer – simpatia nada! Palmira estava era querendo ficar sozinha, recolher-se. Coisa que logo o fez, alongando-se numa espécie de divã que tinha em casa – uma transferência, devido ter passado o finado ano num, tratando do seu TOC por galinha caipira? –, e descansou um pouco: tinha um voo marcado para o final da tarde.

Na verdade, a festa de réveillon havia sido uma despedida, o bota-fora de Palmira, apesar de apenas Lucicleide ter conhecimento disso. Sim, “a mulher da galinha caipira” iria mudar-se, morar alhures – tal decisão, contudo, ela sabia, resultava das inúmeras sessões de psicologia analítica com o seu terapeuta junguiano. Em seu divã domiciliar, contudo, Palmira por pouco não caiu no choro, regredindo e dando uns cocoricós – coisa que, felizmente, não aconteceu. Humildemente, então, ela começou a se despojar das suas longas vestes, incluindo as penas de pavão, e adormeceu. Horas depois, quando acordou, tomou um banho de sais – incluindo sal grosso –, vestiu uma espécie de túnica de algodão e, displicentemente, foi até a cozinha: queria que Lucicleide pedisse um táxi para levá-la ao aeroporto. Cuidadosa, a dama de companhia sugeriu que, antes de sair, Palmira fizesse nem que fosse uma refeição leve. Porém, sentindo-se meio indisposta, a dona da casa relutou diante da cumbuca fumegante posta à mesa, mas Lucicleide não se fez de rogada e ditou um provérbio português: — Cautela e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém...

Ora, não era intenção de Palmira tomar caldo algum naquele momento – nem mesmo de galinha! De qualquer forma, sem opção, findou por sentar-se à mesa e, para espanto de Lucicleide, tomou toda a porção – se mágica, bom!... Ninguém nunca vai sabê-lo. O fato é que, depois desse dia, galinha, para Palmira, só em doses homeopáticas – e foi em doses igualmente moderadas que, tranquilamente, depois da frugal refeição, sentindo-se de certa forma renovada, ela dirigiu-se ao quarto e, juntamente com Lucicleide, recolheu algumas valises, levando-as para o carro – o resto da bagagem seguiria na sequência. E foi assim que, sem nem mesmo olhar para trás, Palmira fechou a porta principal da casa e, silenciosamente, partiu, tudo indicando que a terapia, deveras revolucionária, a transformou, fazendo dela outra mulher. Não aquela neurinha por galinha, mas uma pessoa despojada, desapegada... – desapego esse que, inclusive, foi determinante na hora em que ela comprou o bilhete de avião: a passagem era só de ida – curiosamente, durante muito tempo, ainda, os mais chegados ignorariam o seu paradeiro, com exceção, claro, de Lucicleide, que iria ao seu encontro algumas semanas depois.

E foi, encontrando Palmira lá pelas bandas do Paraguai, numa cidadezinha do interior, onde, apesar da aparente monotonia, ela decidiu passar o resto dos seus dias e onde, por ironia do destino – ou seria sina? – casou-se com um granjeiro, superando, obviamente, as suas alergias, além de rever a sua decisão de não mais comer galinha caipira, ou seja, teve uma recaída: voltou a consumir a ave todos os domingos – parecia religião –, embora, mesmo assim, tenha vivido feliz para sempre. Quer dizer... Para não morrer de tédio, ela teve uma ideia que, nada modestamente, considerou brilhante – partindo de Palmira, não poderia ser diferente: numa pequena marcenaria que havia na granja, passou a confeccionar séries e mais séries de uma espécie de matrioshka russa, embora, no caso, as peças de madeira retratassem uma galinha, que passou a comercializar nas feiras livres das redondezas. E cá estou eu, agora, a contar história – pelo menos parte da história de dona Palmira, que, de grão em grão, teve, enfim, conquistado o seu coração. E o seu estômago. Onde foi que eu ouvi isso? Como diria o arteiro Chicó: — Não sei, só sei que foi assim...

Nathalie Bernardo da Câmara


quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

2015: SOB A NÉVOA DA HIPOCRISIA E DO OBSCURANTISMO...

Os sonhos são os parâmetros do nosso caráter...”.

Henry Thoreau (1817 - 1862)
Escritor norte-americano


Há quem me considere pessimista – nem isto nem aquilo, parafraseando a poetisa brasileira Cecília Meireles (1901 - 1964), ou seja: nem pessimista nem otimista. Na verdade, eu constato fatos – nada a ver com otimismo ou pessimismo. Só constato fatos. E não apenas porque sou formada em jornalismo, mas porque já o fazia desde a minha tenra idade – é da minha natureza. Uma das cartilhas, por exemplo, na qual nunca “rezei” foi na da dissimulação, na da hipocrisia – coisa que, por me fazer um enorme mal, desencadeando-me, inclusive, crises de esofagite, eu sempre abominei. Daí repudiá-la com todas as minhas forças. Ocorre que, infelizmente, essa dubiedade de comportamento dito humano está historicamente entranhada em não importa qual cultura dos rincões os mais diversos da Terra – planeta esse, coitado, de há muito implorando por arrego. E em todos os sentidos! Porém, essa situação agrava-se porque, desde que o mundo é mundo, parece até que é mais “cômodo” as pessoas optarem pela leviandade, ou pela omissão – coisa que, para quem tem bom senso, traduz-se numa postura para lá de ultrajante, sobretudo quando se constata que a mediocridade e o obscurantismo andam a se disseminar por toda parte, indiscriminadamente, tipo praga de gafanhoto ou de pardal, que, diga-se de passagem, só nidifica em habitações humanas, propagando de um tudo, menos harmonia.

Então... Eis que muitas culturas já estão sob os auspícios de um novo calendário – a euforia praticamente generalizada do réveillon deixou isso bem claro. O problema é que, por mais que, certa vez, a minha estimada amiga Rita Amaral (1958 - 2011), antropóloga brasileira de notório saber, tenha dito que “divertimento é coisa séria e pode até mesmo ser entendido como a segunda finalidade do trabalho, vindo logo após a necessidade de sobrevivência”, eu confesso que nunca me iludi com certas crendices nem com ditas “necessidades” humanas para externar “algo” supostamente reprimido – de uns tempos para cá, então, o meu ceticismo anda cada vez mais arraigado no meu tão sensível coração de poetisa! Não consigo, portanto, melhor dizendo, é humanamente impossível fazer vista grossa diante da hipocrisia, individual ou coletiva, do desprezo e da intolerância em relação as diferenças: sejam elas comportamentais, políticas, raciais, religiosas etc – as desigualdades sociais, então, só num crescente! O pior é que esse tipo de postura tem se tornado mais evidente e ostensiva a cada ano que passa. E nem adianta querer tapar o sol com a peneira, alienar-se, porque estamos diante um fato! Basta observar os conflitos que, no dia a dia, eclodem por toda parte, indiscriminadamente, seja no seu próprio quintal ou alhures. O fosso, por exemplo, entre a cultura ocidental e a oriental, numa vertigem lancinante.


Interrompendo...

Charge do cartunista francês Olivier Sanfilippo


No dia em que a nova edição do jornal satírico francês Charlie Hebdo foi publicada (07/01/2014), um ato terrorista, atribuído a fundamentalistas islâmicos, abalou a redação do semanário, matando 12 pessoas. Segundo o portal O Grito, “quatro dos principais nomes das HQs de humor na França, Wolinski, Cabu, Tignous e Charb foram confirmados entre os mortos no atentado à revista Charlie Hebdo, em Paris. As informações foram confirmadas pela polícia francesa. Segundo informações da AFP e The Guardian, dois homens entraram na redação [durante uma reunião de pauta] e iniciaram um tiroteio com fuzis. A revista já tinha sido alvo de ataques no passado depois de publicar caricaturas do profeta Maomé, o que é proibido segundo a religião muçulmana. Três anos atrás a sede chegou a ser incendiada em retaliação às charges. Wolinski tinha 80 anos e era considerado um mestre da charge. Ele trabalhou em revistas como Libération, Paris-Match, L’Écho des savanes e fundou a famosa revista satírica L’Enragé em 1968. “Wolinski influenciou todo mundo que vocês conhecem: Ziraldo, Jaguar, Nani, Henfil, Fortuna”, disse o cartunista brasileiro André Dahmer. Jean Cabut, outra vítima, era bastante popular na França, com passagens pela TV. Ele foi um dos fundadores da publicação Hara-Kiri, nos anos 1960. Stéphane Charbonnier, conhecido como Charb, era diretor da revista e um dos defensores da liberdade de expressão da publicação após as primeiras polêmicas com as charges de Maomé. Ao lado de Tinous, também morto, fez sua fama dentro das páginas da Charlie Hebdo. 



 Fotos de arquivo mostram cartunistas da equipe da revista 'Charlie Hebdo' mortos no ataque. Da esquerda para a direita: Georges Wolinski (em 2006), Jean Cabut - o Cabu (em 2012), Stephane Charbonnier - o Charb (em 2012) e Tignous (em 2008) (Foto: Bertrand Guay, François Guillot, Guillaume Baptiste/AFP)


Identificados todos os mortos do ataque à ‘Charlie Hebdo’ em Paris

Oito vítimas trabalhavam para a revista e duas eram policiais.
Um funcionário do prédio e um visitante também morreram.


07/01/2015Do G1, em São Paulo

A identificação das vítimas fatais do ataque à revista “Charlie Hebdo” foi encerrada na noite de quarta (7). Os atiradores que invadiram o local mataram 12 pessoas e deixaram 11 feridas, quatro delas em estado grave.

Os primeiros mortos a serem identificados foram quatro renomados cartunistas, Stéphane Charbonnier, conhecido como Charb e também editor da revista, o lendário Wolinski, Jean Cabu e Bernard Verlhac, conhecido como Tignous.

Além deles, outros quatro funcionários da “Charlie Hebdo” morreram: o também cartunista Phillippe Honoré, o vice editor Bernard Maris, um economista que também escrevia colunas para a publicação, o revisor Mustapha Ourad e a psicanalista Elsa Cayat, que escrevia uma coluna quinzenal chamada “Divan”.

Entre as outras vítimas fatais, segundo o jornal "Le Monde", estão o policial Franck Brinsolaro, morto dentro da redação, e o agente Ahmed Merabet, que morreu já na rua, durante a fuga dos atiradores. No ataque também morreram um funcionário da Sodexo que trabalhava no prédio, Frédéric Boisseau, de 42 anos, e um convidado que visitava a redação, Michel Renaud.

Ainda de acordo com o jornal, o jornalista Philippe Lançon é uma das vítimas gravemente feridas. Crítico literário do jornal "Libération", ele escreve crônicas para a "Charlie Hebdo".


E o último cartoon  de Charb...

 Publicada na última edição do Charlie Hebdo, a charge acima se revelou premonitória (“Ainda não houve atentados na França. Esperem. Temos até ao fim de janeiro para os nossos votos de Ano Novo”) – não demorou muito, a brutalidade do gesto covarde, que foi o ato terrorista contra o jornal, consternou a França. E o mundo.


Diante, portanto, do golpe que, covardemente, apunhalou a minha querida França e a liberdade de expressão, as palavras desandaram, desandei... O fato é que os brutos não amam. De qualquer maneira, o ato terrorista ocorrido em Paris apenas confirma o raciocínio original desta postagem. Ou seja, hipocrisia não leva a nada nem a lugar nenhum. Ignorância, intolerância e fanatismo, no caso, religioso, muito menos. Desse modo, os responsáveis por tamanha barbaridade só merecem o desprezo de todos. E a Cidade Luz, apesar de chocada, não irá ofuscar-se, não irá curvar-se diante do obscurantismo, representado ou não por capuzes. 



Nathalie Bernardo da Câmara


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

JORNAL FRANCÊS CHARLIE HEBDO É VÍTIMA DE ATENTADO CONTRA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO (atualizado)

Foto de capa da versão online do jornal francês Libération (07/01/2014).

“Os cartunistas vão resistir até a última gota de nanquim...”
Nani Lucas, chargista brasileiro.


Director e cartoonistas entre os 12 mortos do ataque a jornal francês

Público – Portugal

JOÃO RUELA RIBEIRO 
07/01/2015 

Foi morto o director do semanário Charlie Hebdo e vários membros do grupo de fundadores na sede de Paris. Hollande fala em "acto de barbárie excepcional".


Pelo menos 12 pessoas foram mortas durante no ataque a tiro às instalações do jornal satírico francês Charlie Hebdo nesta quarta-feira em Paris. Os autores do ataque estão em fuga e está em curso uma operação policial para os deter.

Entre as vítimas estão o director da publicação, Stephane Charbonnier, conhecido como Charb, e outros membros do grupo de fundadores, Georges Wolinski e Jean Cabut, que assinava como Cabu, segundo fontes policiais citadas pela imprensa local. Vários meios de comunicação relatam igualmente a morte do economista Bernard Maris, que colaborava com o jornal. A morte de dois agentes da polícia foi também confirmada pela procuradoria da capital francesa.

"Sinto-me muito mal. Mataram todos os meus amigos. É um massacre assustador. Há que não permitir que se instale o silêncio", afirmou aos microfones da rádio France Inter Philippe Val, que durante muitos anos foi director do Charlie Hebdo

Para além dos 12 mortos há ainda 20 feridos, dos quais quatro em situação grave, revelou o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, que também referiu terem sido três os autores do ataque e não dois, como chegou a ser avançado. O ministro garantiu ainda a mobilização de "todos os meios do Estado" para "neutralizar os três criminosos na origem deste acto bárbaro".

Perto das 11h30 (10h30 em Lisboa) três homens armados começaram a disparar no interior da sede do jornal satírico Charlie Hebdo, que em 2011 foi alvo de um outro ataque. Segundo uma fonte citada pela AFP, os homens estavam “armados com uma kalachnikov e um lança rockets” e disparam perto de "50 tiros", de acordo com algumas testemunhas.

Os homens, com a cara coberta, entraram no edifício, localizado numa rua movimentada do centro de Paris, quando decorria a reunião semanal da equipa do jornal, descreveu o jornalista Benoit Bringer à rádio France Info. “Alguns minutos depois, ouvimos muitos tiros”, disse Bringer. 

"Matámos o Charlie Hebdo"

Um vídeo filmado por jornalistas que fugiram para o telhado do edifício, mostra dois atacantes com capuzes, um deles dizendo: "Matámos o Charlie Hebdo. Vingámos o profeta Maomé".

Antes de fugirem, os homens trocaram tiros com alguns agentes da polícia, matando um deles à queima-roupa, segundo a France 24. Pouco depois, abandonaram o carro em que seguiam junto à Porta de Pantin, um subúrbio no Nordeste de Paris, onde atropelaram um peão, e continuam em fuga, de acordo com a polícia. 

O ataque coincidiu com a publicação da nova edição do Charlie Hebdo, que inclui um cartoon do director, Charb, que se revelou premonitório. "Ainda não houve atentados em França. Esperem. Temos até ao fim de Janeiro para os nossos desejos [de Ano Novo]."



O último cartoon de Charb


Um acto de bárbarie, diz Hollande

O Presidente francês, François Hollande, deslocou-se ao local do ataque que qualificou como "um acto terrorista", em declarações aos jornalistas. "Um acto de uma barbárie excepcional foi cometido hoje em Paris sobre jornalistas", disse ainda Hollande. "Vários atentados foram evitados" nos últimos tempos, acrescentou ainda o Presidente francês, sem entrar em mais pormenores. 

Hollande convocou uma reunião de emergência no Palácio do Eliseu para a tarde desta quarta-feira e irá fazer uma comunicação ao país às 20 horas (19h em Lisboa). O nível de alerta de segurança Vigipirate foi elevado para o escalão máximo de "atentado terrorista" para toda a região parisiense. Segundo apurou o jornal Le Figaro, junto de fontes policiais, todas as redacções de órgãos de comunicação em Paris estão a ter protecção policial extra.

Os grupos empresariais Le Monde, Radio France e France Télévision ofereceram as suas instalações e meios à redação sobrevivente do Charlie Hebdo para que "o jornal continue a viver", anunciaram em comunicado.

O primeiro-ministro, Manuel Valls, afirmou que cada francês está "horrorizado" com o ataque e que "a França foi atingida no seu coração".

A líder do partido de extrema-direita Frente Nacional, Marine Le Pen, dirigiu a sua condenação na direcção do "fundamentalismo islâmico". "Não se pode ter medo de usar as palavras: trata-se de um atentado terrorista cometido em nome do islamismo radical (...) Coloquem as questões certas e dêem respostas francas e claras", afirmou numa curta declaração.


Cartunistas brasileiros lamentam...

 Charge de Ed Carlos Santana


 Charge de Nei Lima


Charge do Seri


 Charge de Rico


Charge de Pelicano Vilas Boas


Charge do cartunista Renato Machado 


Mensagem do chargista Rodrigo Brum 


A homenagem de Mauricio de Sousa


O chargista Plantu, do jornal francês Le Monde, despede-se...




E o jornalista e chargista Cláudio de Oliveira deixa a sua mensagem numa dada rede social:



O presidente da Associação de Desenhistas/Chargistas do Brasil – ACB, por sua vez, José Alberto Lovetro (JAL), também publica na internet uma mensagem de luto, em francês, ilustrada por ele...



"La haine au nom d'une religion que demande la paix.

L'attentat au journal français Charlie Hebdo aujourd’hui, le 07 janvier 2015 à Paris, qui a fait victime 12 personnes dont 10 journaliste, nous fait une foi de plus témoins de la barbarie de l’humanité qui restera dans notre histoire.

Parmi les victimes étaient: l’éditeur et dessinateur Charb (Stephane Charbonnier) et les dessinateurs Cabu, Tignous et le fameux dessinateur Wolinski. Les bureaux du magazine ont été victime d’une tentative d’incendie par de terroristes en novembre 2011.

En septembre 2005 le journal danois a publié Jyllands-Posten 12 dessins qui représentaient le prophète Mohamed, (selon eles préceptes de la religion islamiste ne peut pas être représenté par aucun genre d’images) pour attaquer les extrémistes qui utilisent la religion comme excuse pour promouvoir le terrorisme dans le monde. Ces dessins ont enflammé le très délicat et fragile rapport entre l’occident et les peuples islamistes.

Meme si un média, ou dans ce cas, une dessinateur, montre un certain manque de respect à dês préceptes religieux, cela ne justifie pas cette violence.

Celle-ci porte préjudice aux propres islamiste puisque le terme Slam en arabe, Salam, signifie paix; ce que démontre les socles pacifiques et de tolérance de cette religion. Je suis certain que la plupart des islamistes sont contre ce type de violence. Nous ne pouvons pas généraliser.

Nous répudions tour acte et forme de violence à la liberta d’expression. Le dessinateur est, justement, l’artiste qui cherche à défendre eles plus faibles et opprimés depuis au moins 200 ans, quand ce genre d’activité a débuté.

Le mot « charge » est utiliza pour designer le genre de dessin qui porte un regard critique aux gouvernements, à la politiquice et aux dogmes qui tachent et les droits humains et la liberta d’expression. Ces mêmes dessinateurs, décédés, ont critiqué pendant leurs vies les gouvernement et politiques qui oppressent les pays du tiers monde.

Leis cas absurdes doivent toujours être résolus par la justice et de manières pacifiques pour que monde entier sache que nous sommes des êtres humains qui doivent être traités comme des humains et non comme des être irrationnels.

Nous espérons que ce tragique événement puisse servir d’exemple o propos de l’intolérance qui doit être balayé des rapports humains pour que la mort de ces jornalistas et dessinateurs ne soit pas vain."

Nous sommes en deuil.

José Alberto Lovetro (JAL)

Presidente de l’Association de Dessinateurs/Chargistes du Brésil - ACB

Sao Paulo le 07 janvier 2015

(illustration de la JAL-dessinateur brésilienne)


Charge do francês Olivier Sanfilippo


Diversas charges, ainda, criadas por cartunistas de várias nacionalidades protestando contra o atentado sofrido pelo jornal Charlie Hebdo... Eis os links: 





E o editorial do jornal Libération...

«Charlie» vivra


7 JANVIER 2015 

L’auter: Lauren Joffrin, directeur

ÉDITORIAL

Ils ont tué Cabu! Ils ont tué Cabu, le pacifiste, le généreux, le meilleur homme de la Terre autant que le meilleur dessinateur.

Ils ont tué Wolin, Charb, Tignous, Bernard Maris, et les autres! Wolinski, le plus drôle, le sybarite tendre, celui qui aimait le plus la vie. Charb le père courage, Tignous le gentil teigneux, Bernard, le professeur d’éco que tout le monde aurait voulu avoir, le lettré plein de conviction et de culture. Ils ont failli tuer Philippe, notre ami. Philippe Lançon, brillant critique à Libération, journaliste et écrivain, qui en réchappe de justesse. Libération est touché au cœur. Charlie et sa bande, ce sont nos cousins. Avec leurs amis, leurs familles, nous pleurons.

Charlie, c’était le rire intelligent, le rire impitoyable, la dérision, le refus du tragique, l’ironie pleine d’espérance, Voltaire en vignettes, un coup de pied au cul des fanatiques. Contre les crayons, les fusains et les bulles, ils ont sorti les kalachnikovs. Quel aveu de faiblesse! Quand on na pas darguments, on tire.

Alors ils ont tué Charlie? Non. Ils ont raté leur coup. Charlie vivra, grâce à ses lecteurs, Charlie vivra en esprit, à travers nous tous. Nous sommes tous des Charlie.Libé avait accueilli Charlie il y a quelque temps, en raison d’un attentat, déjà, qui avait détruit leurs bureaux… Si nécessaire, nos locaux sont disponibles, naturellement. 

Ils ont raté leur coup. En tuant nos amis, ils nous ont meurtris mais ils nous ont fortifés. Les dessinateurs de Charlie, depuis un demi-siècle, illustrent tous les jours la raison d’être de la presse: savoir et juger, débusquer les ridicules et les injustices, se hâter den rire pour ensuite les combattre, mesurer, en même temps, la vanité du monde. Ils étaient des symboles de la génération 68, dont on dit tant de mal, mais dont on oublie qu’elle a ferraillé sans cesse pour plus de liberté. Ils ont renversé tous les tabous, ridiculisé tous les dogmes, mis un bonnet d’âne à toutes les statues du commandeur, fait un bras d’honneur à tous les donneurs de leçon.
Né sous la Ve autoritaire, Charlie a servi de bréviaire aux enfants de Mai. Chaque semaine, c’est un sarcasme jeté à la tête des puissants, un pied de nez à l’esprit de sérieux, le tout au service d’une société différente, un peu meilleure, un peu plus fraternelle. Si nous vivons avec moins de préjugés, moins de censure, moins de corsets et de principes désuets, avec un peu plus d’autonomie, de libre arbitre, d’humour, c’est aussi grâce à ce gang de viveurs tonitruants et chaleureux, qui ont toujours préféré un bon mot à un renoncement et qui l’ont payé de leur vie. Au long de leur longue histoire, ils n’ont jamais dévié. Tous les autoritaires, les solennels, les répressifs, les obscurantistes, les pisse-froid et les importants de France ont eu à se plaindre de Charlie. Les voilà vengés… Charlie fut jadis censuré par le gaullisme, scandale oublié. Charlie est poignardé par l’islamisme. On a changé d’époque.
Est-ce un hasard? Les terroristes ne se sont pas attaqués aux «islamophobes», aux ennemis des musulmans, à ceux qui ne cessent de crier au loup islamiste. Ils ont viséCharlie. C’est-à-dire la tolérance, le refus du fanatisme, le défi au dogmatisme. Ils ont visé cette gauche ouverte, tolérante, laïque, trop gentille sans doute, «droit-de-l’hommiste», pacifique, indignée par le monde mais qui préfère s’en moquer plutôt que d’infliger son catéchisme. Cette gauche dont se moquent tant Houellebecq, Finkielkraut et tous les identitaires… Les fanatiques ne défendent pas la religion, qui peut être accueillante, ils ne défendent pas les musulmans, qui sont révoltés dans leur immense majorité par ces meurtres abjects. Ils attaquent la liberté.
Ainsi la voie est toute tracée. Pour se défendre, la liberté respectera son propre principe: poursuivre sans relâche les criminels, les arrêter et les traduire devant les tribunaux réguliers, où ils recevront la punition méritée, ni plus, ni moins; réunir dans une juste mobilisation tous les républicains, qui désigneront sans ambages l’adversaire, le terrorisme et non l’islam, le fanatisme et non la foi, l’extrémisme et non leurs compatriotes musulmans, qui sont les premières victimes de l’intégrisme et qui sont solidaires dans l’épreuve.
Quant à nous, journalistes, amis des journalistes assassinés, nous continuerons. Avec un peu moins de cœur à l’ouvrage, sans doute, pour quelque temps, mais avec une résolution plus forte. Nous savons que cette profession est parfois dangereuse. C’était jusqu’à présent le lot des reporters qui partent nous informer sur les pays en guerre. Il en meurt des dizaines chaque année. Maintenant on veut porter la guerre jusque dans nos salles de rédaction. Nous ne ferons pas la guerre. Nous ne sommes pas des soldats. Mais nous défendrons notre savoir-faire et notre vocation: aider le lecteur à se sentir citoyen. Ce nest pas grand-chose mais cest quelque chose. Avec une certitude mieux ancrée: maintenant, nous savons pourquoi nous faisons ce métier.


E manifestações de protesto e de repúdio ao atentado terrorista persistem por toda parte, sobretudo na França...





Ils voulaient mettre la France à genoux, ils l'ont mise debout. #JeSuisCharlie


Tradução: Eles queriam a França de joelhos, eles a puseram de pé. #EuSouCharlie