terça-feira, 27 de dezembro de 2016

SAI ANO, ENTRA ANO, É A MESMA LADAINHA...

“O hipócrita que representa sempre o mesmo papel deixa, enfim, de ser hipócrita...”.

Friedrich Nietzsche (1844 - 1900), filósofo alemão.


Final de ano, mudança de ano – isso todo ano... Não são poucos os que acreditam que, apesar dos pesares, tal período do ano é, indiscutivelmente, de festejos, num ciclo aparentemente ad aeternum, como se “todos” tivessem a obrigação de comemorar uma mera substituição de calendário, esquecendo-se de que o calendário em si é apenas uma invenção criada, entre outros fins, para registrar a passagem do tempo e determinar o modus operandi das sociedades, alijando fatores outros desse processo. Ocorre que, não importa o motivo, nem todo mundo adere ao coro da Maria vai com as outras – eu, particularmente, de há muito não me entusiasmo sequer um milésimo de segundo com essa euforia coletiva –, reservando-se a uma individualidade que, queiram ou não reconhecê-la, é inerente ao ser dito humano, pois, nisso, ele difere-se de produtos manufaturados fabricados em grande quantidade, obedecendo ao mesmo padrão – a qualidade pouco importa – e em série –  de preferência, rotulados –, apesar de a sociedade capitalista, desumana, consumista e excludente por excelência bater o pé, querendo que assim o fosse – bate tanto que, um dia, a casa cai... Enfim! Só que não é assim que a banda toca. Como diria um provérbio francês, oriundo dos escolásticos da Idade Média: Des goûts et des couleurs, il ne faut pas discuter, ou seja, não se discute preferências, ainda mais, sobretudo, no caso do Brasil, na atual conjuntura – uma época de trevas que nem a “luz” dos irritantes e perigosos fogos de artifício (o nome já o diz), invariavelmente soltados no réveillon, é capaz de dissipar ou minimizar as suas sombras. Pelo contrário, apenas acentuam-nas! Sim, o momento não é favorável, não havendo, portanto, o que se comemorar, o que festejar, sendo o “policiamento” de certas pessoas, diga-se de passagem, querendo, a ferro e fogo, ditar as reações alheias diante, por exemplo, do desmantelo pelo qual passa o país e em relação ao futuro do brasileiro, ainda mais irritante e perigoso do que fogos de artifício.

Ora, essas pessoas podem até ser absurdamente otimistas, tanto faz se a situação pareça-lhes ou não adversa, é um direito que lhes assiste, mas não têm direito algum de cercear os sentimentos de terceiros, se de pessimismo, realismo ou, ainda, ceticismo – o que dirá nenhuma das alternativas! Sim, porque nada impede que alguém seja indiferente ao que bem entender – questão de foro íntimo. Quanto a mim, atenho-me apenas aos fatos, não ao faz de conta dos contos de fadas. Desse modo, quando vejo o desgoverno imposto ao Brasil, onde, por exemplo, as suas riquezas naturais estão sendo leiloadas a preço de banana – melhor comparar com o preço do suspiro, trocado por lágrima nas ruas do país, já que a banana anda os olhos da cara –, tornando ainda mais insossa a mal fadada sina do brasileiro, sentenciado à morte por Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) aprovadas a 3x4 por corruptos de plantão e demais medidas fascistas, que, entre outras, considerando o recém-estrangulamento da democracia, confiscam os direitos dos trabalhadores, sabotam o acesso da população à educação e à saúde, além de importarem não somente as pragas do Egito, mas também as do tio Sam, eu estaria assinando um atestado de alienação mental e política caso sentisse-me otimista ante a tamanha catástrofe social e econômica que ora abate a outrora Terra dos Papagaios, num retrocesso histórico a perder de vista, e os gentis que nela habitam. Enquanto isso, no cenário internacional, o mundo assiste, omisso e cúmplice, a uma tragédia anunciada: a devastação e a derrocada da Síria por insanos perversos, soterrando, em meio a escombros humanos e de concreto, uma História milenar, tudo indicando que o país será banido do próximo mapa-múndi, tristemente traçado com a carne e o sangue de arameus e assírios. Infelizmente, o genocídio do povo sírio sequer servirá de exemplo para conter o belicismo, que, patológico e sem cura, só tem se espalhado mundo afora. E com a velocidade de rastilhos de pólvora.


Festejos para que te quero!

Em sua tese de doutoramento, intitulada Festa à brasileira: sentidos do festejar no país que “não é sério” (1998), com uma versão para eBook disponibilizada em 2001, a antropóloga brasileira Rita Amaral (1958 - 2011), nascida em São Paulo, capital, embora gostasse de dizer que era pernambucana, não apenas imprimiu cores e tons aos rituais das festas populares do Brasil, que, aliás, “movem interesses políticos e econômicos que poucas vezes se imagina”, mas as radiografou – abaixo, uma das passagens que se destaca na obra da pesquisadora e traduz o seu entendimento dos festejos:

“O divertimento (pressuposto da festa) é uma rápida fuga da monotonia cotidiana do trabalho pela sobrevivência, não tendo, a princípio, qualquer ‘utilidade’. No entanto, a humanidade precisa da ‘vida séria’, pois sabe que, sem ela, a vida em sociedade tornar-se-ia impossível. Disto resulta que a festa deixa de ser ‘inútil’ e passa a ter uma ‘função’, pois ao fim de cada cerimônia, de cada festa, os indivíduos voltariam à ‘vida séria’ com mais coragem e disposição. A festa (como o ritual) reabasteceria a sociedade de ‘energia’, de disposição para continuar. Ou pela resignação, ao perceber que o caos se instauraria sem as regras sociais, ou pela esperança de que, um dia, finalmente, o mundo será livre (como a festa pretende ser, durante o seu tempo de duração) das amarras que as regras sociais impõem aos indivíduos...”.


EM TEMPO:

No dia 18 de março de 1991, teci alguns versos que revelam a minha indiferença em relação aos calendários – o que dirá as convenções! Todas.

O futuro não é o amanhã
nem fica revolto no tempo à espera
– o futuro é o segundo seguinte
que compõe os minutos na balada das horas.

Nathalie Bernardo da Câmara



quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

DOM PAULO EVARISTO ARNS: O CARDEAL DOS DIREITOS HUMANOS

 Caricatura: Gilmar de Oliveira Fraga

“A minha impressão era que haviam apagado todas as luzes...” – sobre o Ato Institucional nº 5, o famigerado AI-5, decretado em 13 de dezembro de 1968.

Dom Paulo Evaristo Arns
(14/9/1921 - 14/12/2016)


Símbolo de resistência à ditadura militar no Brasil (1964 - 1985), o arcebispo emérito da Arquidiocese de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, internado para tratar de uma broncopneumonia desde o dia 28 de novembro no Hospital Santa Catarina, em São Paulo, faleceu na manhã desta quinta-feira (14) por falência múltipla dos orgãos.

Em sua longa trajetória, trabalhou como jornalista, professor e escritor. Publicou 57 livros. Durante a Ditadura Militar, destacou-se por sua luta política, em defesa dos direitos humanos, contra as torturas e a favor do voto nas Diretas Já. Em 1972, criou a Comissão Justiça e Paz de São Paulo e, como presidente regional da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), liderou a publicação do Testemunho de paz, documento com fortes críticas ao regime militar que ganhou ampla repercussão à época. 




Arns organizou, ainda, de 1979 a 1985, e em completo sigilo, o Projeto Brasil: Nunca Mais desenvolvido ao lado do rabino Henry Sobel, Pastor presbiteriano Jaime Wright e equipe, no qual reuniram informações em 707 processos do Superior Tribunal Militar (STM), revelando a extensão da repressão política no Brasil e sistematizada em um livro, publicado pela Editora Vozes em 1985. Um dos criadores da Pastoral da Criança, em 1983, com o apoio de sua irmã, Zilda Arns, que morreu no terremoto de 2010 no Haiti, onde realizava trabalhos humanitários, Arns recebeu inúmeros prêmios e homenagens no Brasil e no exterior.

Numa postagem do meu blog, publicada na década passada, relatei uma passagem curiosa que se destaca no ativismo de Arns e que remonta a 1985, quando o então prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano, considerada o quarto e atual estágio da Inquisição, ou seja, o cardeal Joseph Ratzinger, à época arcebispo de Munique, na Alemanha – depois, papa Bento XVI –, decidiu aplicar um corretivo ao frade franciscano e teólogo brasileiro Leonardo Boff por causa do livro Igreja: carisma e poder (1981), publicado pela Editora Vozes, apenas porque o autor denunciava a opressão da mulher, a concentração do poder nas mãos do clero e defendia os direitos humanos.

Considerando Boff um caso de heresia, Ratzinger interrogou-o e torturou-o por horas, condenando-o ao silêncio obsequioso, proibindo-o de “falar, escrever, publicar, dar aulas...”: “Uma espécie de silêncio penitencial”, de acordo com Boff, um dos fundadores da Teologia da Libertação e segundo o qual: “os métodos da atual Inquisição mudaram. Hoje, se tortura apenas a psique do acusado, não mais o seu corpo...”.

O fato é que o tal do silêncio obsequioso só foi suspenso graças ao arcebispo dom Paulo Evaristo Arns, que, em encontro com Ratzinger, disse: “Sua Santidade, o senhor fez com um aluno meu (Boff) aquilo que os militares do Brasil fazem: fechar a boca, cortar a língua”. Sem saída e constrangido, o cardeal tentou se defender: “Eu, como os militares, torturadores? Absolutamente! Liberem o Boff!”... E Boff foi liberado.

Os cartunistas irão homenagear Arns com uma exposição, a ser marcada. Para enviar os seus cartuns, o jornalista e cartunista Jal José Alberto Lovetro pede que enviem os seus cartuns em tamanho A3, jpeg, 300 DPI para: flashexpocartoon@gmail.com


Nathalie Bernardo da Câmara


Eis o link para a exposição virtual em homenagem a dom Paulo: acabei de receber (21 de dezembro):
http://yoba.com.br/16/2016/12/21/cartunistas-homenageiam-dom-paulo-evaristo-arns-em-exposicao-virtual/


quarta-feira, 12 de outubro de 2016

NADA A FESTEJAR

“A cada um a sua pitada de sal...”.

Luiz Maranhão (1921 – 1974), 
advogado, político, jornalista e educador brasileiro.


“Vamos brincar!”, diz o Facebook, porque “no Dia das Crianças, comemoramos a alegria e a curiosidade das crianças brasileiras”...........................................................

Então, nada brincando, a sorte das crianças, no caso, as brasileiras, e as do mundo inteiro, é a inocência, mas, mesmo assim, percebem quando algo está errado. Quando tem uma nota destoando. Já fui criança, sei disso. E não ando vendo nenhuma criança feliz, pois está faltando saúde, educação etc etc etc...

Tem quem diga que não estamos podendo nos dar ao luxo de ficar tristes, mas permanecermos atentos, alertas, por causa do golpe implacável contra o Brasil. Só que a criança aqui anda muito triste, inconsolável, porque está perplexa com tanta maldade, com tamanha perversidade. Como certas pessoas podem ser tão vis?! E isso, aliás, inclui a Síria... Numa querela ridícula, sem prurido algum, alguns países estão varrendo a Síria do mapa, literalmente, já virando lenda – um paradoxo, pois o nome ‘Síria’ remonta a ‘levante’. Hoje, infelizmente, está destroçada, sem forças sequer para levantar-se. Nem os Médicos sem Fronteiras dão jeito. Bye, arameus e assírios... – até o papa já implorou que parassem de brincar de guerra. E a criança chora, porque é sensível, com a má sorte de ter nascido poetisa – sensibilidade sem limites, igualmente sem fronteiras, podendo ir da felicidade extrema – há muito em falta – ao sofrimento absoluto. Dá poema.

Mas, a criança para. Não sabe mais nem o que escrever. Sim, porque cresceu e perdeu a inocência; aprendeu a distinguir o bem do mal. Tornou-se jornalista, historiadora... Não esquece uma data! Faz da pesquisa o seu leitmotiv – pena que muitos tenham a memória curta. E está muito muito muito desgostosa com o Brasil. Não com o país em si, com o seu maravilhoso povo e bela cultura, mas com os desgovernantes, pessoas do mal, bandidos, igual nas histórias que ouvia quando menina. O fato é que, no Brasil, com a democracia recentemente degolada, estamos náufragos, sem ter a quem recorrer, pois a própria dita Justiça vendeu-se. Maldade pior não podia – desde abril, a criança inclusive refere-se ao STF como sendo o Sistema Temerário da Federação...

E tirando de lado a mente fértil da criança, ela também pensa. Sim, além de imaginar, ela pensa com a mente leve, sem censuras. Por exemplo... Se Lula e Dilma tiveram câncer, ao governarem o país, é porque sentiram a complexidade de governar um país com dimensões continentais e culturais a perder de vista. Que, então, o ridículo senhor Michel Temer, que ainda passa ferro em roupa e embora vaso ruim seja difícil de quebrar, pois não possui sentimentos, dê uma derrapada daquelas numa descida de rampa. Nem o SAMU dará jeito! É só o que a criança está desejando agora.

Aí, a criança sai – foi comprar cigarros para ela ‘grande’ terminar este texto. No caminho, dois joões-de-barro pousam em seu caminho. Ela lembra-se, então, do poeta, o Manoel, que, aliás, nunca apreciou – e nem entende porque todos, parecem, têm de gostar. Na verdade, a criança sempre gostou de Mário Quintana, de Cecília Meireles... Ou isto ou aquilo é demais!


Ou Isto ou Aquilo

Cecília Meireles

Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo . . .
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.


E a criança volta, só ouvindo John Lennon imaginando paz. Mas, ela quer concluir. Só que não sabe como, pois, desde a aprovação da PEC 241, “a PEC da morte”, esta semana, dia 11, desnorteou-se, perdeu o eixo. Há dois dias, celerados degenerados – haja redundância – fizeram algo pior do que a história do lobo mau. Isso sem falar na venda do pré-sal, uma das maiores riquezas brasileiras, que entregaram de bandeja para os malditos Estados Unidos... É, a criança nunca gostou dos governantes dos EUA, capitalistas selvagens e megalomaníacos, só psicopatas! A cada governante norte-americano que assume, uma guerra é inventada para roubar uma riqueza alheia. No caso do Brasil, final de governo Obama... O infeliz sequer disparou um tiro para nos saquear! E nem adianta a criança buscar o colo da mãe, pois a mãe está igualmente impactada, já que é a segunda ditadura que enfrenta. No caso, civil, não militar, mas, de igual modo, ditadura – a criança também, já que, infelizmente, nasceu numa: é contemporânea do Ato Institucional nº 5, o famigerado AI-5 (1968), que cerceava as liberdades fundamentais dos indivíduos e promovia toda sorte de repressão. De fato, nada a comemorar.

É tudo muito triste, isto.  Prefiro aquilo.

E quero a minha ludicidade de volta...

Nathalie Bernardo da Câmara


Em tempo: no dia 13 de dezembro, 48 anos depois do AI-5, foi aprovada a PEC 55 (antiga 241), jurando de morte todos os brasileiros...

terça-feira, 11 de outubro de 2016

CASA DA MÃE JOANA

 “Política é a segunda profissão mais antiga do mundo.
Aliás, muito semelhante à primeira...”
.
Ronald Reagan (1991 - 2004),
ator e ex-presidente dos Estados Unidos.



Séc. XIV. Palco das venturas e desventuras de uma mulher que, de uma hora para outra, apesar dos títulos de nobreza, passou à condição de fugitiva. A história é deveras interessante, sobretudo por ser tratar nada mais nada menos de Jeanne I D’Anjou (1326 - 1382), rainha de Nápoles, princesa de Achaea, condessa de Provence e Forcalquier, rainha consorte de Maiorca, princesa consorte de Taranto e duquesa consorte de Brunswick-Grubenhagen. Nascida em Nápoles, Joana – em português – era filha de Charles, duque de Calabria e o primogênito do rei napolitano Robert (1278 - 1343), de Nápoles, chamado de O Sábio, e de Marie de Valois, irmã do rei francês Philippe VI de Valois (1293 - 1350).

Coroada rainha, em 1344, após a morte do avô, Joana era tida como uma protetora de poetas, artistas e intelectuais. A sua vida, contudo, foi recheada de escândalos e polêmicas as mais diversas, sendo, inclusive, acusada de conspirar contra a vida do primeiro marido, o príncipe húngaro Andrew, barbaramente assassinado. Exilada em Avignon, na França, Joana instalou-se em um castelo que já havia sido residência de vários papas. Levada a julgamento pelo suposto envolvimento na morte do marido, foi inocentada, ficando livre para mandar e desmandar em Avignon. O seu segundo marido, pois colecionou alguns, foi Louis de Taranto, o único à quem ela concedeu o status de co-rei.

Na seqüência, viria, ainda, James IV de Maiorca e Otto, duque de Calabria. No dia 8 de agosto de 1347, indignada com a prostituição feminina nas ruas de Avignon, Joana publicou um edital que, segundo o escritor francês Alexandre Dumas, Pai (1802-1870), em seu romance Comemorou crimes, escrito em 1839/40, foi, provavelmente, o primeiro no gênero, além de determinar a criação de um prostíbulo, decretou normas de funcionamento e de conduta, a fim de que a ordem fosse mantida, a aplicação de severas sanções para toda e qualquer violação das normas de disciplina. A 'Nova Babilônia', no dizer de Dumas, era, por assim dizer, uma "instituição salutar".

No prostíbulo, portanto, reinavam soberanas línguas e costumes, esplendor e trapos, riqueza e miséria, rebaixamento e grandeza. Entre as normas, contudo, constava a restrição de que o estabelecimento abriria todos os dias do ano, "com exceção dos últimos três dias da Semana Santa", além – o mais curioso – de "a entrada ser barrada aos judeus", o que, de certa forma, contrariava a principal norma do estabelecimento:


"O lugar terá uma porta
por onde todos possam entrar...".

Toulouse-Lautrec (1864 - 1901), pintor francês

Au Salon de La rue des Moulins, 1894
Paris, França – Museu Toulouse-Lautrec


Joana foi mal interpretada, coitada, já que a sua intenção era a de ser a mais democrática possível, a fim de ser querida e popular por todos de Avignon, que ela, então, dominava. Porém, em 1380, foi declarada herege pelo papa Urbano VI (1318-1389) por diversos motivos, políticos e desregramento de comportamento, devendo ser executada – por ironia, um ancestral de Joana, o rei francês Louis IX (1214/15 - 1270), foi canonizado em 1297. O fato é que, após renunciar, ela foi presa na fortaleza de San Fele. Porém, à espera da execução, encerrada em uma cela, ainda segundo Dumas, a solidão aterrou o seu passado de glórias, cuja morte iminente não seria nada gloriosa. Tudo tinha desaparecido. Ajoelhou-se e rezou.

Para as suas respostas, um cordão de seda e ouro para o pescoço... Joana chorou e caiu sobre ele. Foi estrangulada. O dia? 12 de maio de 1382. O mandante da sua execução? O seu sobrinho Charles de Durazzo, que lhe herdou o trono, mas não a popularidade. 


Ao abrir o seu famoso prostíbulo, a ousadia de Joana foi tamanha que a norma "o lugar terá uma porta onde todos possam entrar" viajou o mundo de várias formas – virou máxima – e, chegando ao Brasil, trazida pelos colonizadores portugueses, tornou-se conhecida na expressão: Casa da mãe Joana, que, segundo o folclorista brasileiro Luís da Câmara Cascudo (1898 - 1986), significa onde cada um faz o que quer; um lugar onde impera a desordem, bem como a desorganização e o desmando, além da variante chula: Cu da mãe Joana – ninguém merece! No caso do gesto de Joana, uma alcunha, no mínimo, injusta. Alguém tem alguma dúvida?

Nathalie Bernardo da Câmara




domingo, 2 de outubro de 2016

ERA UMA VEZ UM VOTO...

por Paulo Stocker e Ademir Paixão


Corte e costura só nas revisões dos meus textos, mas, mesmo assim, comprei uma fita, não amarela, mas preta, cortando-a, aqui e acolá, ajustando-a, e, munida de agulha e linha, costurei-a na manga esquerda de uma surrada camiseta branca que eu nem sabia mais que existia, dando-me conta, já no primeiro dos “ais”, da imperativa necessidade e magnitude de um dado invento, ou seja, o dedal. Em seguida, não satisfeita apenas com a tarja preta, em sinal de luto pela democracia e pela Constituição brasileiras, imprimi as artes que ilustram esta postagem e, cuidadosamente, as colei na camiseta, mais parecendo que tinham sido desenhadas no próprio tecido – aí, sim, dei por concluído o dever de casa.
Hoje cedo, nem mal o dia havia raiado, mal via a hora de vestir o meu protesto individual e sair na rua, caminhando até a minha zona, distante apenas cinco quarteirões, onde, igual as demais, dá de tudo... Esperei, contudo, passar das oito para poder sair de casa, já que, primeira e única lição: a pessoa nunca deve chegar à zona cedo demais, porque vai que um mesário não compareça e, aí, num azar nunca dantes visto, ela pode ser sorteada para substituí-lo – ora, se já é uma antipatia a obrigatoriedade do comparecimento as urnas, o que dirá passar, igualmente obrigada, horas e mais horas como mesária numa eleição! É preferível ser presa por recusa.
Então... Chegando à zona, ouvi uma eleitora reclamar que havia passado 40 minutos esperando para fazer sabe-se lá o quê na urna. “Ah, não!” – pensei. – “Esqueci as minhas palavras cruzadas...”, mas logo me lembrei de que havia levado caneta e papel. Daí que, se fosse o caso de enfrentar uma fila, eu teria como me distrair, passar o tempo: poderia escrever uma ideia para algum artigo ou, quiçá, tecer um poema! Porém, para a minha agradabilíssima satisfação, mal entrei na minha seção e, minutos depois, já havia saído, pois, além de mim, no momento em que cheguei à sala indicada, só os mesários – redundante dizer que, na urna, apliquei o método dos zeros.
Sim, e a consciência vai muito bem, obrigada, tranquilíssima! Sem correr o risco de votar e eleger golpistas ou futuros golpistas, igual sucedeu-se com certo senador do Distrito Federal, o cidadão CB, que, sem prurido algum, traiu os seus eleitores, inclusive eu, e por duas vezes – sinto-me, até hoje, de certa forma conivente com a bandidagem alheia. Desse modo, não quis arriscar e, portanto, zerei a urna, passando longe nem que fosse a possibilidade de um voto de confiança, mesmo porque já a perdi. Preocupei-me apenas em ser digna e respeitosa comigo mesma. Simples assim. É, posso até continuar sendo obrigada a comparecer as urnas, mas, quanto a votar...
De volta para casa, talvez por associação, já que a minha zona é numa escola, pensei na sandice que é a aberração do programa “escola sem partido” – tudo em minúsculo, igual os dois neurônios divididos em nem sei quantas partes entre os ditos parlamentares que defendem a insana proposta. Então, se é para radicalizar, que as escolas deixem de abrigar zonas eleitorais, que estas passem a funcionar noutra freguesia (numa delegacia?).

PELA NÃO OBRIGATORIEDADE 
DO COMPARECIMENTO AS URNAS NO BRASIL 


Nathalie Bernardo da Câmara


sexta-feira, 23 de setembro de 2016

DETENHAMOS CARLOS MAGNO !!!

Leo Villanova


Há dias não entrava no face... Quando foi ontem, passando sem querer defronte a uma TV e só ouvindo o “e agora fala o presidente da...”, algo assim, senti-me ultrajada, o sangue subiu para a cabeça e nem quis ouvir o resto da infâmia: antes que o infeliz do locutor pronunciasse “República”, desliguei, igual, outro dia, fiz com um aparelho de rádio. NÃO, NÃO reconheço esse infeliz como presidente do Brasil. Na verdade, NUNCA gostei de bandido e não seria agora. Esse ladrão não me representa: fui usurpada, violada em meus direitos constitucionais, civis. Um estupro? Por aí, estupro, já que, afinal, estupro não é só sexual e uma pessoa que tem a cara de pau de fazer o que ele fez não pode ser do bem. E estupro coletivo. Sinceramente, o que estou pensando, agora? Que um raio caia e, direitinho, acerte bem na cabeça desse infeliz. Um dia, ainda tenho essa esperança, quando existir Justiça nessa joça que se transformou o país, esse larápio haverá de ver o sol nascer quadrado. Infelizmente, o judiciário brasileiro é tão periculoso, mas tão periculoso – sempre o foi –, a ponto de nomear fedelhos, ainda imberbes, para juízes do que quer que seja. Ora, a criatura nem saiu das fraldas e já se torna apto para ditar os rumos de uma nação? Onde já se viu! A priori, o dito “juízo” deveria vir em final de carreira, não no início, já que até um maluco sabe que nem valor tem para opinar sobre a sua vida e a de quem que seja, a vida alheia – o que dirá sobre a de um país! É, esse temerário já está destroçando o Brasil e só vai parar quando roubar tudo o que puder e até o que não puder para deixar como herança. Seria ele brasileiro? E herança para quem? Para o povo brasileiro é que não o é. Por mim, já tinha feito como certos camaradas, enviando esse ser abjeto para o quinto dos infernos, mas... Se acham que é nas urnas que vamos resolver esse PROBLEMA... Ledo engano! Uma pessoa degenerada herda aos seus. Desse modo, tudo só tende a piorar. Ou ainda resta algum imbecil que continua acreditando na Justiça? Os contos de fadas são mais realistas. No Brasil, portanto, NÃO existe Justiça. Só uma corja de malfeitores arvorando-se em se achar superiores – coisa de burguês, de quem foi criado com a maldita lógica norte-americana de que só vale o terrorismo de Estado, o institucionalizado. Dá no mesmo: só tem gente do mal. E esse pessoal é tão perigoso que nem nos meus piores pesadelos entra. Precisamos proteger-nos.

Nathalie Bernardo da Câmara


quinta-feira, 2 de junho de 2016

SOBRE PERDÃO E TOLERÂNCIA: CARTA A UMA AMIGA

Bom dia! Não quis ser áspera, mas estava esgotada, cansada demais, às quatro da madrugada, já falando coisas que não passariam no meu crivo antes de dizer, pois sei que você ainda não tem respostas para certas perguntas.

Então... O perdão. Perdão é um sentimento exclusivamente cristão. O vocábulo é cristão. Como não sou cristã, não costumo senti-lo. E esse meu entendimento remonta à infância. Tive a oportunidade de presenciar certas coisas e a de ter o discernimento necessário para tal entendimento já tão cedo, fazendo cair as máscaras – na verdade, algo corriqueiro na vida de todo mundo, mas nem todos percebem. Pois, o perdão pode viciar as relações. Uma criatura chega, faz uma merda e já pensa: “Fulaninho (a) vai me perdoar.” Ora, se teve a capacidade de prever o desenrolar dos fatos, deveria saber que o que cometerá será, em tese, algo imperdoável. Só que quem faz uma, faz duas, três... E, aí, rola um rosário de perdões. Um atrás do outro, numa hipocrisia sem fim. E camuflagem de emoções, sentimentos. Sofrimentos. Na maioria dos casos, chega a ser leviano alguém pedir perdão para outrem. Sim, as pessoas deveriam era tomar vergonha na cara e não fazer as besteiras que fazem, acreditando na redenção. Fez e pronto. Assumam as consequências, não já prever que serão perdoadas, esperar por perdão. Tudo premeditado.

E a tolerância anda no mesmo caminho do perdão, numa apologia sem fim à hipocrisia – a palavra, em si, já é feia. “Tolerância”... Isso é chegar ao limite de alguma coisa, quando, na verdade, o correto seria usar o vocábulo compreensão, acrescentando respeito. Sim, compreensão e respeito ao diferente de nós, não tolerância. E mesmo a compreensão e o respeito têm limite. Que as pessoas fossem sinceras e dissessem: “Não suporto!”. “Não quero isso para mim!”. E, aí, que se afastassem do objeto da sua náusea. Sim, porque, afinal, ninguém é obrigado a suportar certas coisas que vão de encontro ao que quer que acredite. Sim, sei que a gente vive em sociedade, somos um coletivo, mas, nem por isso, somos obrigados a ser conivente com a hipocrisia que outrem quer nos impor, conivente com a mediocridade.

Uma cena do filme ‘Pagu’, de Norma Bengell, que retrata momentos da vida da maravilhosa Patrícia Galvão, revolucionária comunista e intelectual de estirpe, que muito admiro, nunca sai do meu pensamento. Foi real, a situação, aliás, muito bem narrada no filme. A cena é o seguinte: numa das vezes em que foi presa, Pagu, que foi casada com Oswald de Andrade, é encarcerada num dado presídio de São Paulo. Isso durante a revolta comunista de 35, quando, mais uma vez, presa e torturada, ela recusou-se a cumprimentar o interventor federal Adhemar de Barros, um crápula, mais bandido não podia, numa “visita” que o meliante fez ao presídio onde a jovem estava enquadrada por “subversão”, ou seja, alguém que só quer liberdade.

Então... Enfileiradas, as presas, por ORDEM do responsável pelo presídio, teriam de cumprimentar o interventor, passando para sabe-se lá qual revista. Quase todas as mulheres, temerosas, estenderam a mão para o interventor, com exceção de Pagu, que, ciente do seu bom senso, se recusou ao gesto agressivo. Ou seja, ela não era obrigada a apertar a mão do cara que a colocou naquela situação. É demais, isso! Só que, resultado: por sua lucidez, acrescentaram mais cinco anos e seis meses a sua “pena”. Só tem covarde!

Muito louco, isso. Sim, porque quem tem argumento não recorre à violência, à opressão etc etc etc.

Será que respondi a duas das suas perguntas?

Nathalie



domingo, 22 de maio de 2016

O GUARDIÃO DO VALE DA UTOPIA

Por Zaori


No verão de 1990, o jornalista, artista plástico e ambientalista Vilmar Godinho foi acampar, por um mês, no Vale da Utopia, na Serra do Tabuleiro, em Santa Catarina. Porém, decidido a ficar no local, largou o emprego de publicitário, que mantinha em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e, por opção, instalou-se numa gruta, no meio do mato, onde, desde então, habita um espaço minúsculo, o qual comporta apenas poucas roupas, alguns livros e nada mais. Um pequeno fogão à lenha é o seu único “luxo”, questionado, aliás, entre outros “delitos”, pelo Ministério Público de Santa Catarina, que alega estar Vilmar utilizando recursos naturais para sobreviver, além de morar numa unidade de conservação. Ocorre que, apesar de ser uma Área de Preservação Permanente (APP), boa parte das terras do Vale da Utopia tem dono, mais de um, na verdade. E nenhum deles opõe-se à permanência de Vilmar na região, que, inclusive, se defende das acusações: Quando eu vim para cá, no começo, não tinha muito recursos. Eu já era vegetariano, mas, por sobrevivência, passei a pescar e a colher marisco. Hoje, só me alimento de plantas e frutas nativas. Sou bem curioso, provo uma folhinha, uma frutinha, observo o que os bichos comem…

Segundo uma das várias reportagens feitas em abril passado sobre a questão, “Godinho não caça animais, mas, assim como os homens paleolíticos, precisou conhecer o ambiente para garantir a coleta de alimentos”. E Vilmar explica: A gente fica um mês e descobre algumas coisas que pode colocar em prática no próximo. Depois, a gente fica um ano, aí o próximo ciclo fica mais fácil. Com essa ação, estão desviando a atenção e querendo me incriminar por extração de recursos naturais, lenha e água para beber, e por eu plantar plantas nativas que uso para me alimentar.

Para os moradores de Palhoça, cidade da Grande Florianópolis vizinha ao Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, Vilmar é um “defensor da natureza” e deve ficar. No dia 23 de abril, fizeram duas manifestações pedindo que a Justiça deixe-o em paz. O protesto também já ganhou uma página no Facebook, uma petição no Avaaz (https://secure.avaaz.org/…/Ministerio_Publico_de_Santa_Ca…/…) e duas hashtags para reunir as postagens relacionadas ao caso: #FicaVilmar e #DeixemOVilmarEmPaz.

Links para reportagens a respeito do tema da postagem...
Homem que vive em caverna no Vale da Utopia fala sobre a decisão da Justiça de expulsá-lo do local: http://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/302330-homem-que-vive-em-caverna-no-vale-da-utopia-fala-sobre-a-decisao-da-justica-de-expulsa-lo-do-local.html


Nathalie Bernardo da Câmara


quarta-feira, 18 de maio de 2016

NADA COMO UM DIA ATRÁS DO OUTRO



Hoje à tarde, ao dobrar uma rua, a caminho de um compromisso, tive uma surpresa boa: um imenso arco-íris, belo, completo, resplandecendo no horizonte! Eu não via um há bastante tempo – pena que não tive como registrá-lo... Pareceu-me, portanto, bom presságio, sobretudo nesse período de trevas imposto ao Brasil por um bando de dementes; uma gangue de degenerados, que, a qualquer custo, só pensa em saquear as riquezas do país, oprimir o seu povo; escroques, gente do mal, que nem parece humana, impiedosa e descaradamente golpeando o povo brasileiro, enfiando o punhal... Então, segundos depois, a chuva começou a cair, mas por pouco tempo, embora, não demorou muito, ela novamente deu o ar da graça – desta vez, um pé d’água maravilhoso, durante uns quinze minutos, apenas, mas o suficiente para deixar-me menos tristonha, mais leve e esperançosa, acreditando que, apesar de todos os crimes bárbaros que andam a cometer contra todos nós, contra a democracia, haverá de chegar o dia em que esses bandidos serão banidos do comando da nação, atualmente desgovernada, desordenada, em retrocesso – uma temeridade só! –, abertamente flertando com o abismo; haverá de chegar o dia em que sairemos desse luto ingrato, sem nada a temer...

Nathalie Bernardo da Câmara


PS: Texto escrito em 17/5/2016, sob o manto obscuro de um golpe de Estado travestido de impeachment, que, além de, no dia 12/5 do corrente, ter afastado a chefe do Executivo, a presidenta Dilma Rousseff, eleita democraticamente pelo voto popular, ora tripudia com o povo brasileiro – uma data, ainda, de outra luta, a do Dia Internacional contra a Homofobia, Bifobia e Transfobia. 

segunda-feira, 2 de maio de 2016

SENADOR CRISTOVAM BUARQUE: DIGA NÃO AO GOLPE DE ESTADO!

Foto: Lula Marques.

“Desvotação” do senador Cristovam Buarque (PPS-DF) na Virada Cultural do 1º de Maio, realizada no fim de semana no estacionamento da Torre de TV, em Brasília-DF.


Muitos alimentam a ilusão de que Brasília só tem político bandido, que é um antro de corruptos – ignoram que a maioria dos políticos, bandidos ou não, é originária de outros Estados e que só estão lá a trabalho, mesmo que seja só de terça a quinta, já que, nos outros dias da semana, costumam ficar nos seus Estados de origem. É como se Brasília fosse uma cidade-dormitório para eles. Porém, Brasília é muito mais do que isso: é todo um Distrito Federal, com o Plano Piloto, as cidades-satélites, a zona rural... E abriga pessoas nascidas lá e de toda parte, um caldeirão de culturas sempre em efervescência, dia após dia. Na política local, por exemplo, os eleitores de esquerda de Brasília são de uma consciência impressionante, tanto que, neste final de semana, na Virada Cultural do 1º de Maio, Dia Internacional do Trabalho, em defesa da democracia, pelos direitos dos trabalhadores e contra o golpe de Estado ora em curso no país, surpreenderam o Brasil com um protesto inusitado, que foi a “desvotação” do senador Cristovam Buarque por suas manifestações favoráveis ao golpistas, embora o político afirme que ainda não se decidiu se votará ou não contra o impeachment de Dilma. Não importa, hesitou. E o seu eleitorado não perdoou, demitiu. Se decidir, então, votar contra o impeachment, salva a pele. Agora, se decidir a favor, vai cair em desgraça política, porque, após passado todo esse “tumulto” e caso os golpistas realmente tomem posse da cadeira alheia, o PMDB vai dispensá-lo na primeira oportunidade, já que ele não terá mais serventia para os articuladores do golpe. Por outro lado, não terá mais eleitores, pois estes não perdoarão a traição e, onde quer que venha a passar, carregará consigo a pecha de golpista, pois o adjetivo sempre irá rondá-lo. E pode anotar: Cristovam Buarque não se elegerá mais nem para síndico de prédio.

 

Nathalie Bernardo da Câmara



quinta-feira, 28 de abril de 2016

CRÔNICA DA QUARTINHA


E assim caminha o brasileiro...

Cartum: Latuff.



Um dia que começa com Temer recebendo a benção do pastor Malafaia para iniciar a sua travessia numa hipotética ponte para o futuro só pode ser o prenúncio do fim do mundo, previsto, aliás, para ontem, quarta, 27, por uma seita dita cristã com sede nos EUA... Enquanto isso, já abençoado, Temer recebe um Collor renovado, apresentando proposta para a “reconstrução” do Brasil – essa foi de doer! Igual à frente fria que paira sobre o Sul e Sudeste do país, que, com ela, trouxe o anúncio do congelamento do salário mínimo e o dos servidores públicos numa eventual gestão Temer  imagina o que mais vem pela frente, na educação, na saúde... Nisso, é feita uma denúncia, com provas, de que Anastasia não é quem ele diz ser, mas sim um ciclista incauto, infringindo as leis do trânsito, não podendo, portanto, entre outras máculas curriculares, ser o relator do processo de impeachment contra Dilma no Senado. E quem liga para isso? O único que liga é Lewandowski, mas para Cunha, com quem marca um cafezinho e de quem ganha um mimo de 41,347% de reajuste escalonado para o judiciário, não um pagamento de fatura como as más línguas andam a dizer. Nesse meio tempo, juízes da América Latina tornam público um documento contra o golpe assinado pela categoria – infelizmente, os magistrados tupiniquins nem ao respeito se dão... Tem coisa mais feia do que isso? Tem, que é o filho de Kátia Abreu – quem herda aos seus não degenera –, sair colhendo assinaturas para criar uma lei anti-Lula, que, se aprovada, proibirá candidaturas para cargos públicos de quem não possui curso superior... Porém, pelo que ouvi dizer, o homenageado, com os seus mais de 50 títulos honoris causa, não está nem aí. Roseana Sarney, por sua vez, talvez possa ser a próxima ministra da Educação... Eita, engasguei. E com a pipoca que ainda nem comi, porque o STF proibiu, quando for assistir o filme Nise – O coração da loucura no primeiro cinema público de Belo Horizonte, recém-inaugurado. Falando na sétima arte, faleceu, também nesta quarta, o ator Umberto Magnani, 75, em consequência de um AVC – sim, o face também é obituário. Coincidentemente, há um ano, falecia, dormindo, em sua casa, Inês Etienne Romeu, 72, a única presa política a sair com vida da Casa da Morte, em Petrópolis, aparelho clandestino de tortura da ditadura militar, após 96 dias de tortura. Sobre o tema... A União Brasileira dos Escritores (UBE) – uma boa notícia, pois tinha de ter uma – pediu ao Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia, na Holanda, que abra uma investigação criminal contra Bolsonaro, argumentando para tal a sua apologia da tortura, crime de lesa-humanidade, durante a votação do impeachment de Dilma na Câmara dos Deputados, lembrando que outras investigações estão na agenda de instituições brasileiras. E não para por aí: está circulando uma petição, que já assinei, para que, em maio, o parlamentar não seja homenageado pela Câmara de Vereadores de Campo Grande, que pretende conferir-lhe o status de “visitante ilustre”... É, o face também gosta de dá um de colunista social – não foi à toa que conseguiu localizar Sérgio Moro nesta quarta, até então, de paradeiro ignorado. Sim, embora sem a sua capa indefectível – prefiro a do Zorro –, o juiz foi finalmente encontrado numa homenagem que lhe foi prestada, em Nova York, por ter sido capa da revista Time da semana como uma das cem pessoas mais influentes da atualidade... Ora, influente foi o casal que denunciou para o mundo, que está de olho, o golpe de Estado em curso no Brasil e a fraude que é a Rede Globo, como também marcou um golaço o Levante Popular da Juventude, protestando contra a emissora na final da Copa do Nordeste, realizada no estádio Arruda, em Recife, chamando-a de “golpista” ao vivo e a cores. À surdina, uma comissão do senado aprovou uma PEC que dispensa análises da viabilidade de uma obra, para poder autorizar ou não o licenciamento ambiental, a partir dos impactos socioambientais que ela pode gerar, rasgando, assim, a legislação vigente. Não, nada de proteger o meio ambiente para esse pessoal, que, com essa decisão, não fizeram que garantir vales... E outras Vales. Enquanto isso, no Vale da Utopia, no Parque estadual da Serra do Tabuleiro, o seu guardião, o artista plástico Vilmar Godinho, está sendo ameaçado pela decisão do Ministério Público de Santa Catarina de retirá-lo da caverna onde, por opção, mora há 26 anos, na maior interação com a natureza, sem fazer mal a ninguém. E para que ele tenha o direito de permanecer recluso também está rolando petição, manifestações locais. Outra boa notícia é que, na sessão da noite da Câmara dos Deputados, revoltadas com mais manobras de Cunha, parlamentares peitaram Cunha, ocuparam a mesa e botaram o meliante para correr – cabra frouxo! Já na Praça dos Três Poderes, as mulheres tentaram iluminar os senadores para que votem contra o golpe com um ‘iluminaço’ pela democracia. É, e no dia em que se comemorou o nascimento da escritora, filósofa e feminista inglesa Mary Wollstonecraft, Dilma declarou em entrevista que lutará para sobreviver. Por seu mandato e para defender o princípio democrático que rege a vida política brasileira. E na abertura Conferência Nacional de Direitos Humanos, para quem já tinha dito, referindo-se a Temer, que deve ser mesmo muito confortável ser presidente sem votos, Dilma aproveitou para alfinetar Cunha. Em sua opinião, o “pecado original” do processo de impeachment contra ela, que, no evento, garantiu encaminhar um projeto ao Congresso para, em regime de urgência, num prazo de 45 dias, pôr fim aos autos de resistência no país, uma antiga reivindicação dos movimentos sociais. Mas, como o dia foi longo e nada indicava que o mundo fosse acabar na data prevista pela seita cristã, ainda teve uma de Erundina, que, preocupada, desabafou: “Isso (golpe) enxovalha a imagem do Brasil no mundo.” Ora, onde já se viu bandido preocupado com imagem? Não estão preocupados com o Brasil, o que dirá com a imagem do Brasil no mundo! O mais preocupante, contudo, é que ambos, Cunha e Temer, parece não estarem batendo nada bem da cabeça: além da canalhice habitual, Cunha teve o disparate de dizer que o modus operandi do PT assemelha-se ao de organizações criminosas, quando, na verdade, o maior bandido, hoje, no Brasil, atuando como chefe de quadrilha, um gângster, é ele, inclusive na condição de “foragido”, pois responde a um sem fim de processos no STF – infelizmente, a instituição caiu no descrédito da população, pois, além de há meses não julgar o réu, está seriamente comprometida com ele. Temer, por sua vez, não admite que ninguém chame o processo de impeachment de golpe, mas chama de golpe a dissolução do Congresso e a possibilidade de novas eleições presidenciais serem convocadas – claro, já que o seu partido, o PMDB, não é bom de voto para vencer sequer uma. Nas vezes em que chegou a presidir o país foi de forma indireta ou, então, assumindo o cargo por vacância. É, dois homens de bens que, no andar da carruagem, continuando a falar desatinos, vão terminar num manicômio judiciário. Não, não aceito Temer como o meu presidente, como o presidente do meu país, como o presidente do Brasil. E, se necessário for, haverei, sim, de tornar-me uma desobediente civil.

Nathalie Bernardo da Câmara