domingo, 28 de abril de 2013

28 DE ABRIL: DIA MUNDIAL DA EDUCAÇÃO*


“Não se pode falar de educação sem amor...”.

Paulo Freire (1921 - 1997)
Educador, filósofo marxista e patrono da educação brasileira (lei de 13/04/2012).



Consciência crítica inevitavelmente precoce decorrente de fatos, queiram ou não, incontestáveis...

“A única coisa que interfere no meu aprendizado é a minha educação...”.

Albert Einstein (1879 - 1955)
Físico alemão


A data em homenagem à educação é fruto de um documento assinado por 180 países participantes do Fórum Mundial de Educação realizado entre 26 e 28 de abril de 2000, na cidade de Dakar, no Senegal, durante o qual, segundo o educador brasileiro Mateus Prado, os signatários do referido documento “se comprometiam a não poupar esforços, políticos e financeiros, para que a educação chegasse a todas as pessoas do planeta até o ano de 2015” – fórum esse considerado um marco para a educação global, pois nele os países participantes assumiram o compromisso de atingirem os objetivos da Declaração de Jomtien, criado na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, no ano de 1990, na Tailândia, estando, entre os tais objetivos a universalização do acesso à educação e a promoção da equidade, ampliando os meios e o raio de ação da educação básica e propiciar um ambiente adequado à aprendizagem. Porém, de acordo com recentes informações fornecidas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO, “o Brasil está entre os 53 países que ainda não atingiram e nem estão perto de atingir os objetivos do programa Educação para Todos até 2015, apesar de ter apresentado importantes avanços no campo da educação ao longo das duas últimas décadas”.


“Se você acha que a educação é cara, tenha a coragem de experimentar a ignorância...”.

Derek Bok
Advogado e educador norte-americano, ex-aluno e ex-presidente da Universidade de Harvard.

Continuando no Brasil...

“O verdadeiro órfão é aquele que não recebeu educação...”.

Etienne Bonnot de Condillac (1714 - 1780)
Pintor e filósofo francês


Objetivos do programa Educação para todos:

1. Desenvolver e melhorar a protecção e a educação da primeira infância, nomeadamente das crianças mais vulneráveis e desfavorecidas;

2. Proceder de forma a que, até 2015,, todas as crianças tenham acesso a um ensino primário obrigatório gratuito e de boa qualidade;

3. Responder às necessidades educativas de todos os jovens e adultos, tendo por objectivo a aquisição de competências necessárias;

4. Melhorar em 50% os níveis de alfabetização dos adultos, até 2015;

5. Eliminar a disparidade do género no acesso à educação primária e secundária até 2005 e instaurar a igualdade nesse domínio em 2015;

6. Melhorar a qualidade da educação.


Enfim! Como diria o filósofo e matemático grego Pitágoras (570 a. C. – 480 a. C): — Educai as crianças para que não seja necessário punir os adultos...

Nathalie Bernardo da Câmara


* Publicado originalmente no dia 28 de abril de 2012.

sábado, 27 de abril de 2013

OS SOCIALISTAS E O FIM DA CASA GRANDE E DA SENZALA

“O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso...”.

Darcy Ribeiro (1922 - 1997)
Antropólogo, escritor e político brasileiro.


Por Lídice da Mata
Senadora pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) da Bahia, presidente regional do PSB-BA e relatora da PEC 66/2012 – material publicado no dia 18 de abril de 2013 no site do PSB (http://www.psb40.org.br/art_det.asp?det=335).


Em 1933, o sociólogo pernambucano Gilberto Freire revelava aos olhos da intelectualidade brasileira, em seu antológico livro Casa-Grande & Senzala, a nossa formação patriarcal, autoritária, baseada no latifúndio monocultor e com formação étnica mestiça, originária da submissão sexual dos africanos pelo senhor branco europeu. Em obra contemporânea, igualmente seminal de nossa sociologia, Sergio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, realçou os aspectos violentos e predatórios dessa relação entre os senhores e seus escravos, gerando uma sociedade essencialmente injusta e desigual.

A luta contra a injustiça, a intolerância e o racismo tem sido um compromisso histórico dos socialistas brasileiros. Coerente com essa historia, coube ao PSB a honra de exercer a relatoria da PEC 66/2012 que, ao estender às trabalhadoras e trabalhadores domésticos brasileiros direitos garantidos aos demais, encerrou historicamente um ciclo lamentável nas nossas relações trabalhistas. Finalmente, se corrige uma injustiça social em relação aos mais de 7 milhões de trabalhadores domésticos do nosso Brasil.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 66/2012, oriunda da PEC 478/2010 da Câmara dos Deputados, promulgada como Emenda Constitucional 72/2013 no dia 2 de abril, acrescentou 16 direitos a esses trabalhadores. Este é o resultado de anos de luta socialista. E, principalmente, resultado também da luta da bancada feminina na Constituinte. Justiça se faça, o movimento pela conquista desses direitos teve início com Laudelina Campos Melo, que fundou a primeira associação da categoria, em Campinas, no ano de 1936.

Em 1943, a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) excluiu os trabalhadores domésticos da redefinição dos direitos trabalhistas. Somente em 1972, parcela desses direitos foi concedida pela Lei Nº 5.859, que estabeleceu o direito à formalização do contrato de emprego doméstico, por meio de anotação na carteira de trabalho.

Intensa foi a participação das mulheres que, juntamente com associações da categoria, como a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), desde 1986 buscaram articular ações visando à plena conquista dos direitos desses trabalhadores. E foi no processo Constituinte que essa participação se consolidou, dando continuidade à luta para ampliar os direitos dos trabalhadores domésticos que ora se consolida.

Aos poucos, fomos angariando apoio dos movimentos de mulheres, feministas e de agências internacionais, entre elas a Organização Internacional do Trabalho (OIT), Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) e Organização das Nações Unidas (ONU Mulheres). O tema também ganhou a pauta de trabalho do governo federal, envolvendo a Secretaria de Políticas para as Mulheres, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e o Ministério do Trabalho e Emprego.

Embora tenhamos avançado, na Constituinte de 1988 os trabalhadores domésticos conquistaram apenas nove direitos. Hoje, outros 16 foram estendidos à categoria, totalizando 25 conquistas.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD de 2011, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que do total de empregados domésticos do País, 93% são mulheres e mais de 50% negras.

A realidade é que o emprego doméstico no Brasil vem daquela cultura secular, da casa grande e da senzala: de pessoas, principalmente mulheres e negras, total ou semiescravizadas, servindo aos seus senhores e senhoras, em troca de casa e comida. Tal comportamento se estendeu séculos afora, com mulheres se deslocando, principalmente do Norte e Nordeste do País, para trabalhar em outras regiões, como domésticas, em busca de melhores condições de vida.

A Emenda Constitucional promulgada pelo Senado no mês de abril consolida uma luta socialista de anos. E mais: concede aos trabalhadores domésticos a dignidade de ver seus direitos expressos na Carta Magna brasileira, como todos os demais.

O tema ganhou a imprensa nacional e internacional, pois afeta diretamente trabalhadores e empregadores. Dúvidas surgem. Receios de aumento do desemprego da categoria também. Mas, na prática, muitos dos direitos que não estavam formalizados já eram práticas de convivência. A informalidade, que muitos argumentam possa aumentar, infelizmente é uma realidade no mercado de trabalho doméstico, já que segundo o Ministério do Trabalho, apenas um terço da categoria possui carteira assinada.

A tendência é que patrões e empregados cheguem a um consenso sobre a melhor forma de se adaptarem às mudanças legais. E o Congresso Nacional está empenhado em agilizar a regulamentação dos direitos que ainda requerem complementação legal. Tanto que a recém-criada Comissão Mista de Consolidação da Legislação Federal definiu como prioridade regulamentar a EC 72/2130. Durante os primeiros trabalhos da comissão já foram propostas medidas para diminuir o impacto econômico nos bolsos das famílias brasileiras.

Da luta socialista, podemos tirar uma experiência: toda vez que se aprova um novo direito para o trabalhador no País, os argumentos são de que vai haver desemprego. Foi assim, por exemplo, quando na Constituinte discutimos o direito de as trabalhadoras terem 120 dias de licença maternidade. Decorridos 25 anos, temos mais do que o dobro de mulheres no mercado de trabalho.

Demos início a uma profunda mudança cultural, comportamental e do próprio mercado de trabalho doméstico. Essa já é uma tendência mundial. A existência do trabalho doméstico na forma como ainda existe no Brasil é praticamente única em todo o mundo. O grande pensador brasileiro Darcy Ribeiro, disse certa vez que “o Brasil foi o último país a acabar com a escravidão, e que isso tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso”.

Com a Emenda Constitucional 72/2013, os socialistas brasileiros podem se permitir a sensação de que valeu a longa luta. Após quase cinco séculos, finalmente a casa grande e a senzala estão onde devem permanecer para sempre, nos registros de um passado amargo de nossa memória.

Confira abaixo os direitos dos trabalhadores domésticos desde a Constituinte em 1988 até os tempos atuais.

 
Direitos concedidos na Constituinte (1988)
1. Salário mínimo;
2. Irredutibilidade do salário;
3. Décimo terceiro salário;
4. Repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
5. Férias anuais remuneradas com, pelo menos, 1/3 a mais do salário normal;
6. Licença maternidade de 120 dias;
7. Licença-paternidade;
8. Aviso prévio proporcional ao tempo de serviço;
9. e Aposentadoria, além de integração à Previdência Social.

Direitos ampliados pela Emenda Constitucional 72 (2103)

Direitos imediatos:
1. Garantia de salário, nunca inferior ao mínimo;
2. Proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
3. Jornada de trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 44 semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo;
4. Hora extra de no mínimo 50%;
5. Redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
6. Reconhecimento de convenções e acordos coletivos de trabalho;
7. Proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
8. Proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
9. Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos.

Direitos sujeitos à regulamentação:
10. Relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
11. Seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
12. Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);
13. Remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
14. Salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;
15. Assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até cinco anos de idade em creches e pré-escolas;
16. Seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

FRANÇA APROVA O CASAMENTO GAY


Casamento Gay

Por Eduardo Febbro, da Agencia Carta Maior
Publicado no dia 25 de abril de 2013

Tradução: Katarina Peixoto


A França se converteu no décimo-quarto país do mundo e no nono da Europa a autorizar por lei o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em sua segunda passagem na Assembleia Nacional, o projeto de lei foi aprovado por 331 votos a favor e 221 contra. O texto foi aprovado sem nenhum obstáculo maior em função da maioria confortável que o Partido Socialista tem na câmara. A aprovação deste importante dispositivo foi saudada com aplausos, lágrimas, abraços e gritos de “igualdade, igualdade”. Não era para menos. A oposição conservadora, os católicos integristas, os bispos e a extrema direita se uniram em um concerto de manifestações, violência e homofobia alarmante contra um projeto de lei que não faz mais do que legalizar o que já é um fato corrente na sociedade: a união entre pessoas do mesmo sexo.

Direita organizada

A lei sobre o “casamento para todos” também autoriza a adoção de filhos por pessoas do mesmo sexo. Este projeto socialista deu lugar a uma guerrilha nas ruas com católicos extremistas rezando de joelhos na porta da Assembleia Nacional, e também no parlamento: no total, a direita apresentou 8.555 emendas na Assembleia e 314 no Senado. A batalha se desloca agora para o Conselho Constitucional. A conservadora UMP (União por um Movimento Popular) apresentou um recurso ante o Conselho a fim de que o texto da lei fosse censurado. Se os integrantes do Conselho não censurarem a lei os primeiros casamentos poderão ocorrer já no próximo mês de junho.

Os opositores ao casamento igualitário não desistem. Apesar da aprovação da lei, os grupos hostis a ela já planejavam sair nesta mesma noite para se manifestar e esperam manter o ritmo dos protestos até o final de maio. Até agora tem sido tão violentos como ativos, mas não conseguiram que o presidente François Hollande cedesse à pressão da rua: fortes agressões físicas a homossexuais, insultos, destruição de entidades associativas, os contrários à lei e seu braço político, a UMP do ex-presidente Nicolas Sarkozy, mostraram o lado mais sujo e arruaceiro da costura. Em plena discussão da lei na Assembleia Nacional estes grupos criaram “comitês de recepção” com os quais perseguiam a fustigavam em público os deputados e ministros socialistas.

Igualdade

Na semana passada, o deputado opositor Philippe Cochet (UMP) acusou o governo de quere “assassinar as crianças” ao autorizar a adoção de crianças por casais homossexuais. Paradoxalmente, esta batalha não teve como objeto a privação de um direito, mas sim a conquista de um, mas a reação foi ao contrário. O sociólogo Eric Fassin escreveu nas páginas do Le Monde que “hoje é a igualdade dos direitos que suscita a violência homofóbica contra ela”. A direita francesa ofereceu um espetáculo deprimente enquanto que os socialistas salvaram o pouco que lhes resta de diferente: cópia atenuada na direita liberal, o socialismo resgatou de seus próprios valores esta lei com a qual marcou uma clara distinção com os conservadores. Ao menos uma, límpida e importante, entre tantas semelhanças. “Sabemos que não tiramos nada de ninguém”, disse a ministra da Justiça e promotora da lei, Christiane Taubira. De janeiro até agora, esta mulher quase desconhecida defendeu o projeto de lei a golpes de citações literárias, discursos humanistas e uma combatividade a toda prova.

Nicolas Gougain, o porta-voz da Inter-LGBT, a federação das principais associações que defendem os direitos dos homossexuais, declarou que esta lei era “uma vitória da igualdade, da democracia e da possibilidade de viver juntos”. No entanto, ele também reconheceu que os debates deixaram exposta “uma homofobia sem complexos”. Os ministros socialistas e as associações gays festejaram nesta terça-feira o fim dos debates e a vitória da sanção da lei.

Histeria conservadora

Do outro lado, as reações foram de uma hostilidade total. O porta-voz dos bispos da França, Monsehor Bernard Podvin, expressou sua “profunda tristeza”. Para ele, “o matrimônio é algo sagrado e não unicamente a extensão de um direito”. A direita seguiu com seu discurso alarmista e fora do lugar que consiste em acusar François Hollande de “dividir o país” com uma lei secundária em tempos de crise econômica. O deputado de direita (UMP) Hervé Mariton interpelou o Executivo dizendo que ele “agregava crise à crise, provocava tensões e acendia o estopim do homofobia”. No entanto, são os deputados da UMP que desfilam nas ruas junto aos bandos da extrema direita da Frente Nacional e dos grupelhos neonazistas.

François Hollande tornou realidade a promessa número 31 de sua plataforma eleitoral. O que está em jogo agora é o futuro político do movimento radical de oposição à lei se forjou com o correr dos meses e dos debates. O líder da UMP, Jean François Copé, quer recuperar esse movimento e transformá-lo em uma arma “global contra o governo. O objetivo são as eleições municipais do ano que vem, onde, segundo calcula a oposição, os socialistas poderão pagar o tributo das divisões provocadas pela lei. Ficaram no ar muitas feridas abertas e agressões. A máxima delas foi ver tanta gente e tanta violência desatada por colocar em defesa um direito.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

MESMO COM TANTOS MOTIVOS*

Por Evaldo Alves de Oliveira

Médico pediatra e homeopata, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN) – Crônica publicada no Blog do Evaldo no dia 26 de abril de 2013.


Quando eu era criança, na minha cidade foi anunciado com estardalhaço que o governo daria prêmios, brindes e incentivos às pessoas mais pobres, e que tivessem muitos filhos. Enfim, o governo queria ajudar essa parcela mais pobre da população, quase toda pobre.

Houve uma grande festa, uma aglomeração gigantesca de pessoas, especialmente mulheres conduzindo seus filhos, na frente do Palacete Municipal. E haja música sob o comando de animadores, conjuntos tocando, e a contumaz presença de cantores de sucesso duvidoso, para o delírio do povo.

Uma senhora, que havia inscrito seus oito filhos para receberem os benefícios anunciados pelo poder público, parou na bodega do meu pai com um pequeno objeto na mão, sem entender ao menos o que era nem para que servia aquela estranha bolinha de cor azul que havia recebido como presente.

Após uma ligeira análise, todos ficaram sabendo. Tratava-se de um sabonete de bolinha, com um orifício no meio, por onde deveria passar uma correntezinha para ser amarrado a um lavatório. Em Areia Branca, na época, não havia lavatório, pois água encanada também não existia. Conheci lavatório no consultório de Dr. Vicente, o nosso inesquecível dentista pop star.

Essas lembranças foram arrastadas do passado pela força de uma música de letra despretensiosa que ouvi hoje pela manhã, na voz de Cássia Eller: mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como está, agora tanto faz, nem desistir nem tentar… E pensei: por que, ainda hoje, as coisas no Brasil continuam como antes?

Mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como está, temos o dever de nos indignarmos. Aqui e lá, ontem e hoje, são os mesmos políticos, os discursos sempre iguais, os conjuntos musicais que as prefeituras contratam a peso de ouro também são do mesmo naipe, com o agravante de fazerem barulhos ensurdecedores, e da sofisticação dos brindes, pois quem os recebe sequer os vê.

Em Brasília, como alhures, são gastos milhões de reais – no DF, através das emendas parlamentares – com festas, eventos e premiações que ninguém ouviu falar, ou jamais aconteceram, a um custo astronômico, a maioria dos conjuntos musicais de baixa qualidade, todos nivelados na altura da sarjeta. Uma nojeira que se perpetua.

Quando vejo na televisão esses homens ridículos enganando o povo, espantando demônios iguais a si próprios, quando me deparo com políticos afrontando o povo, em defesa de seus milhões, quando vejo esses grupos musicais exibindo-se nas pequenas cidades do interior, contratados a peso de ouro, imagino os estudantes – apesar de tantos motivos pra deixar tudo como está – protestando pacificamente em defesa de seus princípios, de seus direitos por algo bem melhor que uma bolinha azul com um furinho no meio.

*A ilustração foi escolha minha.

ABRIL, OUTRA VEZ*



Por Marina Silva
Ambientalista, ex-senadora, ex-ministra do Meio Ambiente, candidata ao Planalto em 2010 e, tudo indica, novamente candidata em 2014 – artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo nesta sexta-feira, 26 de abril de 2013.


A gestão clientelista do Estado está levando o Brasil a uma crise institucional. Os vícios derivados do fisiologismo, antigos e arraigados na política, foram exagerados nos últimos anos ao ponto de prejudicar o coração da República.

O Congresso Nacional, especialmente a Câmara dos Deputados, arrisca-se a institucionalizar uma ocupação perversa da chamada "máquina pública" para beneficiar aliados e perseguir adversários.

O prejuízo na identidade do parlamento é evidente: o lugar de resistência histórica contra o autoritarismo sendo usado como base de operações patrimonialistas de quem se acha dono de tudo e quer ser dono do resto. A atual legislatura tem pouco tempo para evitar ser caracterizada como a legislatura do retrocesso, dedicada a destruir os avanços institucionais que ali mesmo foram construídos desde a redemocratização e a Constituinte.

Começando pelos mais indefesos, que não tem "bancada", foram acolhidas várias iniciativas para desmontar a legislação que protegia o patrimônio ambiental e as comunidades indígenas e tradicionais. Em seguida, tudo o que constitui direito comum passou a ser alvo de desregulamentação.

Assim, chegamos ao que vem sendo chamado de "novo pacote de abril", em referência a um triste episódio da ditadura militar. Ensaia-se uma completa regressão política e institucional.

Na pauta do retrocesso está a PEC 37. Conhecida como "da impunidade", retira o poder de investigação do Ministério Público, responsável pela descoberta e julgamento de alguns dos principais crimes de corrupção nos últimos anos. Em apenas três países os promotores não podem conduzir investigações – e talvez por isso tenham dificuldade de manter regimes democráticos. O Brasil não deve entrar nesse time.

E na CCJ, os deputados aprovaram projeto em que se tornam revisores das decisões do STF. A presença de parlamentares condenados no "mensalão" mostra o tamanho da ousadia: os sentenciados se reúnem após o julgamento para validar ou não a decisão do juiz.

Quando me falavam sobre a tentação autoritária de alguns setores da esquerda latino-americana, eu dizia que no Brasil não havia ambiente para essas aventuras. Com tantas velhas mentiras pintadas como novas verdades, penso que devemos ficar de olhos abertos.

Os senadores que ousaram manter os princípios democráticos derrotaram a "urgência" com que o governo queria prejudicar a formação de partidos que não estarão na sua base. O STF ouviu o apelo dos que resistiam e interrompeu o golpe. Mas foi apenas um dia da caça.

Como nem todos democratas de outrora resistem ao caçador da democracia que escondem atrás de si, é preciso repetir, como antigamente: a luta continua.

*A ilustração foi escolha minha.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

KU, KLUX, KLAN À BRASILEIRA

“A legislação atual é uma peça para inglês ver, sueco colocar em prática e brasileiro ignorar...”.

Madson Mira
Jornalista brasileiro, que proferiu a referida frase numa reportagem sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas, por ser a mesma tão inteligente, creio que ela vale para demais contextos. 


Diante das aberrações que, nos últimos tempos, têm assolado o Brasil, lembrei-me da frase que fiz de epígrafe para esta postagem – não achei nada mais oportuno. Vejamos... A onda evangélica que assola o país não está no gibi! Qualquer um, hoje, basta ter certa eloquência e dá na telha que se torna pastor – daí é um passo para se candidatar sabe-se lá para qual cargo eletivo. O fato é que, como se já não bastasse a ingerência da Igreja católica nos rumos do país, os evangélicos também estão indo pelo mesmo caminho, com o agravante de que, debaixo do braço, carregam, além da Bíblia, uma bagagem recheada do que há de mais indigesto numa cultura religiosa – pior, pois essa mesma cultura é forjada apenas com o intuito de influenciar e, perniciosamente, manipular a fé alheia em benefício das suas motivações pessoais e financeiras (sem querer discriminar, mas apenas constatando um fato, os evangélicos têm uma capacidade incrível de se reproduzir em série, tipo pardal, ou seja, feito praga que, aliás, só nidificam em habitações humanas e, pelo visto, não tem, infelizmente, nada que possamos fazer para combater a sua proliferação danosa. E em todos os sentidos!).




O mais grave é que essa parcela do eleitorado está crescendo. Isso sem falar que a população brasileira anda mais sem Norte do que bússola de marinheiro e mais perdida do que cego em tiroteio...




O pastor Silas Malafaia, por exemplo, é tão surtado que alardeia aos 4 cantos um sem fim de aberrações. Achando-se, com o ego mais inflado do que um balão, ele chegou ao cúmulo do absurdo e no auge da arrogância quando, numa recente entrevista com a jornalista brasileira Marília Gabriela, chegou mesmo a acreditar que seria capaz de convencer a experiente entrevistadora da pertinência das suas ideias neonazistas – infeliz do pastor, que, de há muito, já perdeu o senso do ridículo e o sentido das realidades...



O pastor Marco Feliciano, por sua vez, que, deputado federal (PSC-SP), contraria, inclusive, a gravidade – todas! –, limita-se a endossar as posturas escatológicas do seu companheiro de fé e continua a propalar as suas sandices. Pior! Ele não arreda pé, mas não arreda mesmo, da presidência da Comissão de Direitos Humanos e das Minorias da Câmara dos Deputados, quando, por uma questão de decoro – todos! –, deveria já ter renunciado, persona non grata que é em diversos segmentos da sociedade brasileira...



A coisa anda tão preocupante que, outro dia, ao ser divulgado na imprensa que Suzane Richthofen, aquela que, no dia 31 de outubro de 2002, foi coautora do assassinato dos seus pais a paulada – um crime bárbaro –, havia se convertido no presídio, tornado-se evangélica e virado pastora, os internautas, indignados, reagiram. À ocasião, ainda não se sabendo se a informação era boato ou não, muitos divulgaram nas redes sociais que a jovem havia sido compulsoriamente filiada ao partido de Feliciano e que iria assumir a presidência da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados – mais uma das controversas comissões permanentes da instituição. Felizmente, a informação foi realmente um boato. Afinal, pense numa psicopata de carteirinha assumindo tal responsabilidade! De fato, seria o fim dos tempos...



Ocorre que, por mais que haja negação nesse sentido, ou seja, a da indicação da pastora Suzane Richthofen para a presidência da referida comissão, os dois outros pastores acima mencionados também são psicopatas, embora, provavelmente, ainda não diagnosticados. Só que deveriam, e urgentemente, porque, além de praticarem a intolerância religiosa, entre outras posturas insanas, eles não passam de vermes medievais...



Completando, portanto, a série dos horrores, a Câmara dos Deputados está a um passo de aprovar a proposta que põe por terra a laicidade do Estado brasileiro, acintosamente desrespeitando a sua Constituição, permitindo, assim, que cultos de todos os matizes possam a 3x4, sem controle algum, aleatoriamente e apenas visando satisfazer os seus interesses nada escusos, interferir na legislação brasileira, acabando, sem dó nem piedade, com os últimos respingos de democracia no país.



Sei não, mas a impressão que eu tenho é a de que o Brasil está desandando, e vertiginosamente, cada vez mais caminhando em direção ao precipício, com muitos dos seus parlamentares e congêneres insistirem na prática de uma política para lá de excludente, a exemplo da ultraconservadora Ku, Klux, Klan (KKK), que, aliás, nem o mais fétido dos esgotos consegue digeri-los, visto representarem o que há de mais degradante na espécie humana. O mais constrangedor, contudo, é que, infelizmente, quem elege os tiranos termina sendo o próprio povo, já que, no frigir dos ovos, apesar da boa fé, parece não saber distinguir o joio do trigo...



O sujo falando do mal lavado...



Abaixo, a transcrição, na íntegra, de uma reportagem publicada pelo G1 nesta quarta-feira, 17 de abril – tudo muito surreal, diga-se de passagem.
(NBC)

Deputados anunciam saída da Comissão de Direitos Humanos

Cinco parlamentares de oposição a Marco Feliciano renunciam às vagas.
Deputados querem que demais parlamentares deixem comissão.


Cinco deputados anunciaram nesta quarta-feira (17) que irão renunciar às suas vagas da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Erika Kokay (PT-DF), Jean Wyllys (PSOL-RJ), Domingos Dutra (PT-MA), Chico Alencar (PSOL-RJ) e Luiza Erundina (PSB-SP) deixarão o colegiado porque são contrários à presidência do deputado Marco Feliciano (PSC-SP).

A presença do deputado Marco Feliciano na presidência da comissão é contestada devido a posições que ele assumiu publicamente e foram consideradas racistas e homofóbicas por grupos de ativistas sociais. No Supremo Tribunal Federal (STF), Feliciano responde por discriminação e estelionato.

Os cinco parlamentares já haviam diminuído a frequência de participação nas sessões desde que Feliciano foi eleito presidente do colegiado, em março. Os parlamentares também anunciaram que vão pedir a todos os deputados que compõem a comissão para saírem do colegiado e retirar de discussão da comissão todos os projetos idealizados pela frente parlamentar de direitos humanos e minorias.

"Nós vamos retirar todos os nossos projetos da Comissão de Direitos Humanos porque eles serão adulterados e pisoteados pelo o que esta acontecendo hoje na CDH. Naquela comissão eles não vão poder ser respeitados pelo seus propósitos", afirmou Kokay.

Para a deputada petista, a retirada dos partidos vai fortalecer a frente dos direitos humanos e reforçar o movimento contrário à liderança do deputado Marco Feliciano na comissão.

"Nós não vamos entregar o ouro, nós vamos reafirmar, nós estamos reafirmando o nosso repúdio ao deputado Marco Feliciano e contra a comissão hoje - uma comissão racista, machista e sexista que não luta pelos direitos humanos", disse a deputada.

A Comissão de Direitos Humanos possui 18 titulares e 18 suplentes. O quórum mínimo é de dez parlamentares e são necessários nove deputados para se abrir uma sessão. Os suplentes dos deputados que deixaram os cargos não devem assumir as vagas porque atuam em outras comissões e não podem assumir mais de uma.

O deputado Jean Wyllys afirmou que a saída dos parlamentares da comissão não vai impedir que projetos do grupo sigam em andamento. De acordo com o deputado, a frente de direitos humanos poder fazer parte de outras comissões como a Comissão de Constituição e Justica da Câmara.

"Há muito trabalho e temos muito local para tocar o nosso trabalho. O que não podemos permitir e que a frente sirva de palanque para declarações fundamentalistas do deputado Marco Feliciano", afirmou Jean.

Os parlamentares pretendem conversar ainda nesta quarta-feira (17) com todos os partidos que compõe a Comissão - PDT, PPS, PDT, PSB, PRB, PV, PSC e PMN - para retirarem suas legendas da comissão para reforçar um "esvaziamento".

Para a deputada Erika, a "comissão já se esvaziou e perdeu credibilidade. A retirada dos partidos vai reafirmar isso", disse.

Os deputados anunciaram que pretender se reunir com o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), ainda nesta quarta para tratar do assunto e pedir apoio junto aos partidos.

Feliciano

Indagado sobre a saída dos cinco parlamentares da comissão, Feliciano, em um primeiro momento, disse que não estava “nem sabendo” sobre a decisão dos colegas de Legislativo. Depois, questionado sobre se a iniciativa poderia prejudicar os trabalhos do colegiado, o deputado do PSC foi enfático: “De maneira alguma. O quórum está feito e temos condições de trabalhar”, disse.

Feliciano também comentou a ameaça dos cinco deputados que estão deixando a comissão de pedir a retirada de seus projetos do colegiado. “Tem de verificar no regimento, mas acredito que, uma vez tendo sido mandado para cá, tem de ser votado por essa comissão”, ressaltou o deputado paulista.

.....................

Uma observação: Sinto que é imperativo que eu me explique, ou seja: no dia 11 de agosto de 2012, publiquei uma postagem, intitulada Dia de Feira... : http://abagagemdonavegante.blogspot.com.br/2012/08/dia-de-feira.html


Bom! “É pertinente dizer que quando o teólogo e monge agostiniano alemão Martinho Lutero (1483 - 1546) decidiu iniciar o movimento que ficou conhecido como a Reforma Luterana, ele não poderia prever que, com os seus protestos contra o que ele considerava abusivo na Igreja católica, iria cindir em duas partes e de maneira tão radical o Ocidente cristão. Tais protestos, portanto, culminariam no surgimento do protestantismo, de há muito, contudo, desvirtuado por homens de má fé. E desvirtuado, inclusive, porque muitas das práticas da Igreja católica criticadas pelo teólogo e afixadas em uma espécie de manifesto na porta da igreja da Universidade de Wittenberg, onde ele lecionava, em 1517, o que lhe valeu, obviamente, a excomunhão pelo papa Leão X (1475 - 1521) em 1521, são reproduzidas pela quantidade exorbitante das ditas Igrejas evangélicas espalhadas mundo afora. Ou seja, elas em nada comungam com as ideias de Lutero, podendo, portanto, serem tudo, menos protestantes, ou melhor, luteranas. Tanto é que, por exemplo, a principal das práticas contestadas pelo teólogo, que era a venda de indulgências, à época corrompendo de bom grado as entranhas da Igreja católica, tem sido o leitmotiv das Igrejas evangélicas, transformadas, digamos, em empresas privadas, tudo em conformidade, aliás, com as leis que regem o capitalismo”.

NBC

segunda-feira, 15 de abril de 2013

ESTUPRO: É PRECISO COIBIR TAL PRÁTICA E PUNIR OS CULPADOS


A Cultura do estupro gritando – e ninguém ouve

Por Nádia Lapa*
Jornalista e escritora brasileira
Publicado na revista Carta Capital no dia 11 de abril de 2013


Como a essa altura vocês já devem saber, Gerald Thomas tentou colocar as mãos por dentro do vestido da Nicole Bahls durante um evento no Rio. Era noite de lançamento de um livro dele e a Livraria da Travessa estava lotada. Repórteres, cinegrafistas, funcionários da loja, clientes.

Pelas notícias, ninguém fez nada. Nas imagens dá para ver que o colega de trabalho de Nicole no Pânico continuou a entrevista como se nada tivesse acontecendo. Enquanto isso, Thomas enfiava a mão entre as pernas de Nicole e ela tentava se desvencilhar.

Sempre rolam os xingamentos à mulher, claro. São os usuais: que ela estava pedindo, que ela estava gostando, que o trabalho dela é esse mesmo, que a roupa era justa. Vocês estão cansados de saber quais as justificativas injustificáveis para o assédio e a agressão sexual.

Mas duas coisas me chamam a atenção nesse caso. A primeira é ninguém ter feito nada. Acharem normal. Acharem aceitável. Se a agressão tivesse sido com uma atriz considerada recatada, as pessoas reagiriam da mesma forma?

Duvido. Indignar-se-iam, aposto. Muita gente nas redes sociais se posicionou e apontou o comportamento de Gerald Thomas como agressão, mas a imprensa tratou como algo que “Nicole não esperava”, mostrando o assunto como mero constrangimento.

Se a mulher geralmente já é tratada como “coisa”, como um objeto para deleite masculino, quando ela tem seu corpo e sua sexualidade transformada em um produto vendável, tudo só piora. Nicole faz sucesso porque tem um corpão, segundo os padrões de beleza atuais. Ela aparece de biquini na televisão, tira fotos “sensuais”, usa roupas curtas e provocantes. Como ela “provocou” (apenas sendo quem ela é), ela merece ser apalpada por um estranho.

Porém, não existe isso de “provocar”. Gerald Thomas não é um animal irracional. Ele – e eu e você – deve esperar o consentimento do outro para poder tocar em seu corpo. Nicole Bahls claramente disse “não”, ao tentar tirar as mãos de Thomas. Parece que não é suficiente, como não é suficiente quando viramos o rosto para evitar o beijo do desconhecido na balada.

Criou-se a ideia de que o homem deve insistir e insistir, enquanto a mulher tenta guardar algo. O “não” é visto como “talvez”. No entanto, se a mulher transforma o talvez em um “deixa pra lá”, ela na verdade não está consentindo. Não é um “sim” entusiasmado, intenso, certeiro, como deve ser em qualquer relação. É um “sim” por convenção social, por achar que ele já fez demais, que agora merece o contato sexual, que é melhor ceder e se livrar logo. Isso não é consentimento, é coerção.

O pior é que esses caras não se veem como agressores, uma vez que todo mundo encara tais comportamentos como “normais”. Brad Perry tem uma frase ótima em Yes Means Yes: “estes homens acreditam piamente que “não” significa “insista”, e nunca se veem como estupradores, apesar de admitirem o padrão de ignorar e suprimir a resistência verbal e física”.

A segunda coisa que me incomoda no caso é terem dito “mas por que ela não fez algo?”. Infelizmente, a maior parte das pessoas que sofre algum tipo de agressão (não só sexual) não faz alguma coisa. Ser vítima é costumeiramente confundido com “ser frágil”. É difícil encarar polícia, legista, imprensa, opinião pública. No caso desse post, o cara estava agredindo na frente de todos – e ninguém fez nada.

Se fosse você a vítima, você não pensaria que a errada é você por não estar gostando, já que todo mundo está achando muito normal?

Lisa Jervis discorre sobre isso no mesmo livro: “estou falando de uma construção cultural nojenta, destrutiva, que encoraja as mulheres a culparem a vítima, a se odiarem, a se culparem, a se responsabilizarem pelo comportamento criminoso dos outros, a temerem seus próprios desejos e a desconfiarem dos seus próprios instintos”.

Se o corpo da mulher é ainda visto como “de todos”, como acontece no caso daquelas que usam a sexualidade para “vender”, fica ainda mais difícil ter noção de que o corpo lhes pertence. Que é só seu. Que ninguém, ninguém pode tocá-lo sem consentimento.

Acabarmos com a cultura do estupro é um processo social, coletivo, mas também individual. Nós temos que encarar nossos corpos como nossos e de mais ninguém, além de repensarmos o sexo, transformando-o no que realmente é: prazeroso e consensual. Qualquer coisa fora disso é agressão.

(PS: Yes Means Yes é um livro de Jessica Valenti e Jaclyn Friedman sobre a cultura do estupro. É uma coletânea de artigos muito interessante e que recomendo muito. O texto de Brad Perry se chama Hooking up with healthy sexuality: the lessons boys learn (and don’t learn) about sexuality, and why a sex-positive prevention paradigm can benefit everyone involved).

*A ilustração foi ideia minha.
**Texto originalmente publicado em Cem Homens.

sábado, 13 de abril de 2013

SOU DO TEMPO DE CARTA

“A carta é telefonema antiquado, do tempo em que as pessoas sabiam escrever e ler...”.

Eno Teodoro Wanke (1929 - 2001)
Poeta e engenheiro brasileiro.


Numa época em que a linguagem das novas tecnologias, nos seus mais diversos formatos, remonta, ou melhor, equipara-se, majoritariamente, à do telegrama  de há muito, diga-se de passagem, caído no ostracismo , com a informação, no caso, divulgada de maneira sintetizada, com frases curtas e objetivas nas redes sociais, caracterizada, ainda, por sua instantaneidade, bem como, na maioria das vezes, por lembrar as pré-históricas inscrições rupestres, de tão superficial e artificial que é, torna-se até compreensível que muitos andem a defender a revisão de certos conceitos, sobretudo os que dizem respeito à comunicação.

Então... Se, por um lado, a internet derruba fronteiras, aproximando os seus usuários nas malhas insondáveis de um mundo virtual, por outro distancia esses mesmos usuários de um convívio real, que, num tempo nem tão remoto assim, humanizava as relações interpessoais  hoje, quiçá à beira de um colapso, aos poucos se transformando em algo obsoleto. Afinal, o que se tem visto são os internautas dedicando-se compulsivamente as tais redes sociais em detrimento do bom senso  comportamento, aliás, preocupante, pois afeta e compromete a identidade cultural não somente de um indivíduo, isoladamente, mas de um povo, inserindo todos numa imensa aldeia global – conceito de há muito preconizado por Marshall McLuhan (1911 - 1980), filósofo e educador canadense.

Isso sem falar na desenfreada inserção no mercado de novas tecnologias, que, disponibilizadas a 3x4, acelera, igualmente, a adesão cada vez mais crescente de consumidores os mais diversos, que, a cada instante que se passa, se diluem nas entranhas do tempo, vertiginosamente, alheios ao sentido da sua própria existência, não mais, inclusive, atentos aos seus bens mais genuínos, as coisas mais simples do dia a dia, perdendo antigas referências. Daí, então, que, outro dia, num repente de nostalgia, me dei conta de que, de certa forma, em muitos aspectos, posso, no quesito comunicação, me considerar arcaica.

Vejamos: apesar, digamos, de fazer uso de e-mails e de outras ferramentas correlatas, sou, ainda, do tempo de carta, diário, bilhete, errata; sou do tempo de livro. De quando, por exemplo, os volumes de uma obra eram chamados de tomos e compostos em linotipo; sou do tempo de taquigrafia. De escrever a mão, de papel carbono e máquina de datilografia; sou do tempo de copy desk, diagramação e jornal impresso; sou do tempo de vinil. De radiola de ficha, rádio de pilha, tv preto-e-branco e fita-cassete; sou do tempo de lambe-lambe, slide e negativos. Sou do tempo de super-8, de película de 35 mm; sou do tempo de bip, telefone fixo e orelhão  de ficha e de cartão; sou do tempo de circo, quando os palhaços pululavam no picadeiro, não nas urnas.

De igual modo, sou do tempo de matinê, quando se chupava roletes de cana espetados em palitos de coqueiro nas antigas salas de cinema, paulatinamente prostituídas para a difusão de certa fé religiosa ou, então, desativadas por nada, sendo outras abertas em lugares sem graça, tipo um shopping center. Enfim, sou do tempo do tilintar de um triângulo a chamar o freguês para comer cavaco-chinês; sou do tempo de sineta, de badalo de sino, de apito de trem, de assovio; sou do tempo do clamar e aclamar das palmas, do tempo em que a palavra dada era lei, não se questionava. Por fim, sou do tempo de rabiscar recado, tipo esse. Afinal, sou do tempo de saudade, de colher uma flor, tecer poemas e declamar versos de amor...

NBC