terça-feira, 31 de dezembro de 2013

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO?



— Para dizer o que vai acontecer, é preciso entender o que já aconteceu... – Maquiavel (1469 - 1527), político, escritor e filósofo italiano. 


segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

DA CULTURA DA CEBOLA AO ENIGMA DAS PALAVRAS

Dezembro de 1913. Um jornalista de um periódico nova-iorquino decide presentear os leitores do diário na semana do Natal – quiçá diverti-los nos últimos dias do ano que finda – e publica um passatempo, criado por ele, no suplemento de entretenimentos da edição de domingo do dia 21 – a iniciativa, tomada sem grandes expectativas, repercute positivamente nas cartas que, durante a semana, chegam à redação do jornal, e surpreende a todos. Diante, portanto, da sua boa acolhida, o passatempo, inovador – as nossas palavras cruzadas –, tem continuidade nas edições dominicais subsequentes e, aos poucos, passa a conquistar um número cada vez maior de simpatizantes, sendo, atualmente, comemorado o seu centenário. O criador, portanto, das palavras cruzadas, Arthur Wynne, um inglês radicado nos Estados Unidos, cuja história e a do seu invento iremos contar agora – um pouco, né?

Nascido em Liverpool, Inglaterra, no dia 22 de junho de 1871, Wynne logo se revela um jovem irrequieto, de excelente memória e extremamente intuitivo. Na iminência dos seus vinte anos de idade, no dia 6 de junho de 1891, ele emigra para os Estados Unidos, trocando o arado pelo jornalismo, e fixa residência na Pensilvânia, onde a profissão está em expansão – tempos depois, já não mais um mero desconhecido, confessou que, no début da sua carreira, se considerava um profissional medíocre, não parando, por isso, durante certo período, em redação alguma: — Era só entrar pela porta de uma empresa, retirar o meu chapéu, pegá-lo novamente e ir embora.

Porém, apesar de gracejar da sua – digamos – peculiaridade trabalhista, Wynne reconheceu que essa rotatividade deu-lhe a experiência de que ele necessitava para, enfim, estabelecer-se no Pittsburgh Press, onde, durante vários anos, fez um pouco de tudo, embora, quando não estava trabalhando, dedicava-se à música: era o segundo violino da Orquestra Sinfônica de Pittsburgh. Enfim! O tempo passa e, anos depois, eis que ele passa a trabalhar no New York World (1860 - 1931), ou The World, dirigido, à época, pelos herdeiros do polêmico jornalista e empreendedor húngaro-americano Joseph Pulitzer (1847 - 1911), que comprara a empresa em 1883. O passatempo criado por Wynne, por sua vez, foi chamado de Word-Cross Puzzle, o piloto das palavras cruzadas dos tempos modernos. O enigma, portanto, ou quebra-cabeça de palavras cruzadas, consistia num diagrama em forma de losango, contendo quadrados numerados a serem preenchidos com palavras correspondentes as 31 pistas ou sinais fornecidos por Wynne – na verdade, ao todo, 32 vocábulos, visto que o diamante, escavado no núcleo, já vinha com um, ou seja, FUN, nome do suplemento de entretenimentos do jornal, que, aliás, traduzido para a língua portuguesa, significa diversão.


Culturas cruzadas
Reprodução do primeiro enigma de palavras cruzadas criado por Arthur Wynne para o Fun, suplemento semanal de entretenimentos do New York World, publicado no dia 21 de dezembro de 1913 – para quem gosta de enigmas e queira decifrar o inventado por Wynne, apesar de cópias do mesmo andar circulando na internet, ofereço ao leitor deste blog duas opções: ou imprimir a versão acima, em inglês, e resolvê-la (a solução encontra-se ao final desta postagem), ou clicar no link (também em inglês, mas com a possibilidade de traduzir para o português): http://www.fun-with-words.com/worlds_first_crossword.html
 Dito isso, bon courage!

“Os enigmas têm sido o meu passatempo por anos...”.

A. W.


Realmente, uma surpresa para os leitores que, até então, nunca tinham visto nada igual, ou parecido. Desse modo, além de entretenimento, a criação do passatempo e a publicação de um novo enigma a cada domingo também se tornam chamariz para novos consumidores do jornal – aspectos que não somente aumentam os dividendos da empresa, mas que, igualmente, estimulam o feedback com os leitores. Tanto que, a partir do oitavo quebra-cabeça, Wynne decide aceitar sugestões e, eventualmente, passa a publicar colaborações que chegam através das cartas, promovendo, assim, uma interação que, de certa forma, faria História... Curiosamente, quatro semanas após a sua aparição no suplemento do jornal, o nome do passatempo é mudado de Word-Cross para Cross-Word – mudança essa, aliás, que, apesar de ocasionada por um erro de tipografia, passa, desde então, a ser mantida. E sem o hífen! As palavras cruzadas de Wynne, por sua vez, tornam-se uma espécie de coqueluche, embora, de certa forma, também passem a lhe dar dores de cabeça, já que, ao perceber o potencial da sua invenção e querer patenteá-la, foi demovido da ideia pelos próprios diretores do New York Word – nada estimulantes nem, muito menos, solidários –, que, sem meias-palavras, alegaram ser desperdício de dinheiro gastar com a patente. Isso porque, segundo eles, o recém-criado passatempo, a exemplo de casos anteriores, não passavam de modismo, motivo pelo qual, em seis meses, as pessoas acabariam por esquecê-lo – só que não foi bem isso o que aconteceu...

De qualquer forma, já introspectivo de natureza, Wynne deixou-se influenciar pelo conselho recebido – um disparate – e, não sendo lá muito persistente, findou por desistir da patente, abrindo mão dos seus direitos autorais. De acordo com o escritor brasileiro Sérgio Barcellos Ximenes, no seu Arthur Wynne, o desconhecido ilustre, o déficit do jornalista em autopromoção foi, inclusive, um dos casos de estudo de um livro sobre marketing pessoal lançado anos atrás nos EUA. Então... O somatório desses fatores impediu Wynne de reivindicar o devido espaço que, por seu feito, o de ter inventado as palavras cruzadas modernas, lhe cabia na mídia da época, consequentemente, o de se valer das oportunidades que surgiriam em decorrência da sua promoção junto ao público. Não obstante, a sua omissão terminou sendo o sinal que faltava – sem trocadilho – para que, nos anos vindouros, terceiros, quartos e quintos apropriassem-se da sua invenção e, sem o menor dos pruridos, nela metessem as mãos, literalmente falando, com o passatempo em questão, à revelia e à sombra do seu criador, ganhando novas definições, formas, contextos e dimensões outras, não esquecendo, obviamente, do tipógrafo – como poderia? –, que, talvez por zelo, desvelo, imperícia ou cansaço, mesmo – não importa –, inverteu os vocábulos escolhidos pelo jornalista e ainda suprimiu o hífen... Enfim! De carona na curiosidade que o invento do jornalista desperta, outros periódicos norte-americanos reproduzem-no, obtendo, igualmente, uma boa receptividade por parte dos seus respectivos leitores.

Enquanto isso – ele, sim, a novidade –, Wynne continua criando, apesar de ter se tornado mero coadjuvante no processo de evolução do passatempo que inventou: introduziu, por exemplo, quadrados pretos em arranjos simétricos, a fim de separar as palavras em linhas e colunas. De qualquer modo, o fato é que, em apenas uma década, a sua criação já havia se disseminado alhures: inicialmente, em todo o continente americano; na sequência, em boa parte da Europa, ou seja, do New York World para os EUA e dos EUA para o mundo. Ou melhor, de Everton, em Liverpool, na Inglaterra, para o planeta, cruzando eixos até então inimagináveis, fazendo do passatempo uma espécie de instituição planetária, diferentemente das tentativas anteriores, já no final do séc. XIX e em vários países europeus, mas que, por motivos os mais diversos, não vingaram, enquanto, quando surgiu, a criação de Wynne – o marco zero das palavras cruzadas modernas –, de cara já agradou o paladar popular. Porém, foi igualmente zero o valor que o outrora agricultor recebeu por não ter patenteado a sua criação, ou seja, nada, sequer 1 dólar – de repente, a cultura de cebolas teria, provavelmente, sido mais rentável... Sim, porque, na verdade, a maioria envolvida nessa história, abocanhou o seu quinhão – isso até hoje –, menos o seu criador, sendo a década de vinte, mais precisamente o ano de 1924, quando dois norte-americanos, Richard L. Simon (1899 - 1960) e M. Lincoln Schuster (1913 - 1976), publicaram The Cross Word Puzzle Book, o auge do enigma inventado por Wynne.

Somando recursos próprios, apesar de receosos, Simon e Schuster realizaram uma experiência editorial inédita, e a referida publicação, por seu formato, pioneira do gênero. Com uma tiragem inicial de três mil exemplares, cada um com cinquenta palavras cruzadas e um lápis grafite, o êxito foi tamanho que criou um diferencial – um sinal? Não deu outra! Percebendo que havia mercado para o novo produto, a dupla imprimiu e logo vendeu mais quarenta mil exemplares do livro, aos poucos transformando o pequeno empreendimento na moderna e toda poderosa editora Simon & Schuster – atualmente, uma das quatro maiores da língua inglesa. Enfim! Quando da sua morte, no dia 14 de janeiro de 1945, aos 73 anos de idade, o obituário de Wynne no The New York Times limitou-se, por leviandade ou não, a uma curta nota, apesar de, no referido periódico, a criação do jornalista já badalasse com certa exclusividade. Tanto que, em 1993, ao ser contratado pelo jornal para assumir a editoria de palavras cruzadas, Will Shortz, um especialista em enigmas da atualidade, transformou o passatempo publicado no jornal num dos mais conceituados dos EUA e num dos mais famosos do mundo – um escracho, já que, no bojo das inúmeras apropriações indébitas em relação à criação de Wynne, o site do jornal é o único do país que cobra por cada acesso on-line aos jogos e passatempos diários publicados na sua edição impressa, invalidando, assim, a especulação infundada de que, com o advento da internet e a crise da imprensa escrita, as palavras cruzadas cairiam no ostracismo. Não caíram...


Cria sem dono
 Em 1998, os Correios dos EUA emitiram uma série de selos para homenagear os feitos ditos célebres ao longo do século XX no país (no caso do selo acima, só ficou faltando o nome do dono da mão, cuja mente inventiva criou as palavras cruzadas modernas...).

“O artista cria
não se apropria...”.

Esther Rogessi
Escritora brasileira.


É notória a existência de enigmas desde longa data. E tem de tudo um pouco! Segundo o escritor Sérgio Barcellos Ximenes, “a origem da prática lúdica de cruzamento de signos linguísticos” remonta aos antigos egípcios (séc. XIII e XII a. C.), cientificamente comprovada por pesquisas arqueológicas, que, aliás, nomearam “a imagem do conjunto de hieróglifos que designava esse jogo” de palavras cruzadas, perdendo as mesmas, em pioneirismo, apenas para as adivinhas. Os hieróglifos, por sua vez, e Wynne sabia disso, eram lidos em mais de uma direção, bem como conhecia um quebra-cabeça, que brincava na infância, os quadrados mágicos – a inspiração, aos 42 anos de idade, para a sua criação das palavras cruzadas modernas –, cujas regras eram semelhantes as de um outro passatempo, o laterculus (tijolinho), adotado pelos romanos do séc. 4 a. C. – jogo no qual, de acordo com a jornalista brasileira Mariana Proença, coordenadora-geral do Almanaque Brasil de Cultura Popular, determinadas letras cruzadas formavam frases ou expressões iguais na horizontal e na vertical”, ou de frente para trás e vice-versa, ou seja, os palíndromos, tendo sido os seus mais antigos registros encontrados nas ruínas da cidade italiana de Pompéia, que, em 79, foi destruída pelas larvas de um vulcão, tal qual a erupção da sociedade em consumir certa invenção...


O espólio de Arthur Wynne: as 1001 utilidades das palavras cruzadas dos tempos modernos
 “Desde o início, eu punha muita fé nas palavras cruzadas...”.

A. W.


No já velho Novo Mundo – o que dirá no protótipo, de há muito ancião –, o momento para os adeptos das palavras cruzadas é de comemoração. Tanto que a passagem do centenário do feito de Wynne não está passando em branco, como brancos ainda estão os quadrados de muitos diagramas do porvir – o período, portanto, apesar da virada de ano, é de interação, como o jornalista desejou que fossem a semana do Natal e o recesso do final de 1913, quando presenteou os leitores do jornal para qual trabalhava com a sua criação, que, mesmo não tendo sido patenteada, já foi mote de muitas histórias. Na verdade, o passatempo inventado por Wynne tornou-se, ao longo dos anos, num dos maiores fenômenos de todos os tempos. E um fenômeno não somente editorial, mas em diversos sentidos – sem trocadilho –, apenas confirmando a capacidade criativa do jornalista. Uma questão de iniciativa, sim, patentear uma criação, independentemente da opinião, favorável ou não, de terceiros a respeito – afinal, direitos autorais é coisa séria. Quanto ao presente de Natal ofertado por Wynne aos leitores do jornal, ou melhor, ao presente que legou à humanidade... Um gesto simples, genuíno, como as revoluções feitas com amor, sendo muitos, portanto, os méritos de Wynne, que, através dos seus enigmas, os quais requerem introspecção, seja em casa, na rua, não importa o lugar nem a situação; em revistas, jornais ou qualquer que seja o suporte, tem, ao longo de cem anos, estimulado hábitos saudáveis, preenchendo, positivamente, o tempo ocioso de muita gente, além de contribuir com o seu bem estar mental – não são à toa as pesquisas realizadas a fim de comprovar os poderes preventivos e terapêuticos das palavras cruzadas, principalmente no que diz respeito a doenças neurovegetativas, como, por exemplo, o mal de Alzheimer, que afeta a memória e o raciocínio, sobretudo de idosos, sendo os enigmas, para esses casos, uma espécie de higienização mental.

Daí lembrar-me que, outro dia, o jornalista brasileiro José Simão deu uma dica: parou de fumar por causa das palavras cruzadas, já que a mão ficava “ocupada com a caneta e a cabeça concentrada em cruzar aquele monte de letras...”. No rol, portanto, dos estudiosos que pesquisam os efeitos do feito de Wynne no organismo humano, a médica brasileira Tânia Guerreiro, especialista em geriatria e gerontologia, além de professora da Universidade Aberta da Terceira Idade da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UnATI/UERJ), declarou: — Em nossos dias, ao lado das tradicionais recomendações alimentares e de atividade física para uma vida longa e saudável, devemos incentivar o exercício diário da mente com atividades variadas e instigadoras que mobilizem as capacidades cognitivas. Dentre outras atividades, as palavras cruzadas realizadas regularmente possibilitam o exercício das capacidades de atenção e de concentração, favorecem o aprimoramento do processo de resgate de dados da memória de longa duração e facilitam a retenção de novos vocábulos, levando à ampliação do vocabulário e contribuindo, assim, para a melhoria da comunicação oral e escrita de indivíduos de qualquer idade...

E fico a imaginar se Joseph Pulitzer ainda fosse vivo quando Wynne quis patentear as suas palavras cruzadas: teria o arrojado jornalista e empresário desencorajado o editor idealista como assim fizeram os seus herdeiros? Provavelmente, não, porque, mesmo depois de acometido pela cegueira, Pulitzer continuou sendo um visionário. Enfim! Wynne só não virou, ele próprio, um enigma, ou uma lenda urbana, devido aos aficionados por sua criação, vista como um simples passatempo, um hobby, que pode incluir maratonas, encontros, torneios (o Encontro Brasileiro de Cruzadistas e o Torneio Americano de Palavras Cruzadas, que acontecem regularmente, são dois dos mais concorridos), ou, até mesmo, uma razão de viver, seja por paixão, ganha pão ou os dois em união. O profissional que cria os enigmas, por exemplo, é chamado de cruciverbalista, enquanto a profissão chama-se cruciverbalismo. O fazer palavras cruzadas, por sua vez, é denominado cruzadismo e os seus praticantes são conhecidos como cruzadistas. Segundo o pedagogo e artista multifacetado português António Martinó de Azevedo Coutinho, a coisa é tão levada a sério que, inclusive, “há tratados de palavras cruzadas, manuais e até volumosos dicionários de sinônimos, elaborados propositadamente para uso dos cruzadistas”. Sim, o universo das palavras cruzadas vai além da nossa vã filosofia. Numa reportagem publicada no jornal Expresso em 21 do corrente, que já começa dizendo: “Um pequeno jogo para Arthur Wynne, uma grande ocupação para a humanidade”, passa-se a ter uma ideia da seriedade e dedicação – quiçá, devoção, uma profissão de fé – de muitos dos que vivem nesse universo. Isto é, pelo menos em Portugal, sendo um jovem, de nome Paulo Freixinho, figurinha fácil no meio. Tanto que, no país, falou de quadradinhos, falou de Paulo Freixinho, o seu mais badalado cruzadista e cruciverbalista, cujo ritual de passagem, aliás, deu-se quando tinha quatorze anos de idade. E, até hoje, anda por ai...

Segundo, ainda, a reportagem, o jovem faz de tudo: “para além de dois blogues, páginas de Facebook e um livro, tem vários quadros pintados com palavras cruzadas, t-shirts, marcadores de livros, um relógio e até ofereceu um colar à mulher com os célebres quadradinhos” – não é à toa que, na postagem do seu blog do dia 24, disse, bem-humorado, que as pessoas devem pensar que ele é “uma espécie de ET que passa a vida a consultar dicionários e a cruzar palavras, ainda por cima, um romântico, que diz: ‘é mais que paixão, é amor’...”. Não há como negar: no dia 21, também no seu blog, ele postou um enigma nos moldes do de Wynne, desenhando-a “à mão para recordar os tempos antigos... com a trama a lápis mal apagada e retoque a guache”..., acrescentando que “o enunciado” respeitou a numeração original, mas que “não foi feito na máquina de escrever porque não tinha uma por perto”. Enfim! O fato é que nem a concorrência do Sudoku (número sozinho, em japonês), uma espécie de quebra-cabeça matemático, que passou a existir discretamente na década setenta, mas que, de uns anos para cá, ganhou popularidade mundial, coloca em xeque a preferência do grande público pelas palavras cruzadas, que, há um século, tem sobrevivido até mesmo a guerras... Em determinados períodos históricos – diz a reportagem –, as palavras cruzadas foram “vistas como uma arma”. Em 1925, por exemplo, “o governo da Hungria determinou que o passatempo deveria ser submetido à censura antes da publicação, pois poderia estar a ser usado para divulgar ideias contrárias às do regime; durante a II Guerra Mundial [(1939 - 1945)], as forças armadas britânicas recrutaram especialistas em palavras cruzadas para tentar decifrar códigos secretos usados pelos alemães. Hitler aproveitou o gosto dos ingleses por este jogo e deixou cair sobre Londres folhetos com palavras cruzadas que continham propaganda ao regime alemão”...

E fico a pensar: teria Wynne tomado conhecimento de tal fato? Se ele tomou, o mesmo teria tido alguma influência na sua morte? Digo isso porque, coincidência ou não, 1945 foi o ano da morte do jornalista, o que me reporta ao engenheiro químico e industrial sueco Alfred Bernhard Nobel (1833 - 1896), criador prolífico e inventor, entre outras, do detonador (1863), da dinamite (1866) e da balistile (1887), que, por seus feitos, acreditava estar revolucionando a engenharia civil, embora eles logo tenham sido utilizados em ações militares, causando-lhe depressão e o levando ao isolamento. De igual modo, lembrei-me do aviador brasileiro Alberto Santos-Dumont (1873 - 1932), que, com a eclosão da I Grande Guerra Mundial (1914 - 1918), presenciando a utilização dos seus inventos para fins bélicos, entrou em depressão, tornando-se melancólico e recluso – quadro esse agravado pela Revolução Constitucionalista de 32, deflagrada por paulistas que se opunham à ascensão da ditadura de Getúlio Vargas (1882 - 1954) no Brasil e que culminou no suicídio daquele que é considerado o Pai da Aviação... Enfim! Em terras brasileiras, ainda, durante o regime militar (1964 - 1985), as palavras cruzadas foram alvo de censura: na mente ensandecida dos ditadores, o passatempo em questão seria uma brecha para eventuais mensagens contrárias ao regime. Nos EUA, por sua vez, os enigmas chegaram, inclusive, a serem utilizados por empresas ferroviárias para distraírem os passageiros durante as viagens de trens: eram impressos no verso dos cardápios dos vagões-restaurante... Um episódio, contudo, também ocorrido nos EUA e descrito na reportagem do Expresso, é, no mínimo, original, ou seja: um americano publicou num jornal de São Francisco um problema cuja chave era um pedido de casamento à namorada – nem é preciso dizer que ela nem chegou a resolver o problema e já foi logo aceitando o pedido. Enquanto isso, no país de dimensões continentais...


Qual o aloprado?
Abaporu (1928), Tarsila do Amaral (1886 - 1973) – Óleo sobre tela, 85 cm x 73 cm, que inspirou o movimento antropofágico no Brasil, considerado a síntese do Movimento Modernista Brasileiro, sendo, contudo, dividido em duas gerações: 1922-1930 e 1930-1945. É a pintura tupiniquim mais valorizada no mundo: em 1995, foi adquirida por US$ 1.500.000 pelo colecionador argentino Eduardo Constantini e, hoje, se encontra no Museu de Arte latino-americana de Buenos Aires (MALBA).

 “Brasileiro não sabe os nomes das plantas nem das flores, e qualquer objeto chama ‘coisa’, ‘troço’, ‘negócio’. (...) Eu gosto de decifrar palavras cruzadas para descansar o espírito e aprender o nome das coisas...”.

Manuel Bandeira (1886 - 1968)
Poeta, crítico literário e tradutor brasileiro.


Cresci ouvindo mamãe dizer que palavras cruzadas faziam bem para a memória, distraiam e mantinham a mente sã – ela sempre foi uma aficionada da criação de Arthur Wynne, que, em 1925, ano seguinte ao lançamento, nos EUA, da publicação do livro da dupla Simon & Schuster, desembarcou no Brasil através do já extinto jornal carioca A Noite, logo chamando a atenção de muitos para o novo, apesar de ainda ter levado certo tempo para o passatempo cair nas graças do povo – fato que ocorreu em 1948, quando, revolucionando o mercado editorial e consumidor no país, a Editora Gertum Carneiro S. A. (atual Ediouro Publicações) lançou a primeira revista de palavras cruzadas do Brasil, a Coquetel, embora, diferentemente, por exemplo, dos EUA, onde as definições são apresentadas fora dos diagramas, tenha adotado um formato criado e desenvolvido pelos alemães, no qual as definições encontram-se dentro dos diagramas. O fato é que, hoje, o selo é considerado o mais popular das marcas especializadas em passatempos no país.





Em segundo lugar, destaca-se a Gazeta Recreativa, revista surgida em 1950, cujo diferencial, desde o número do seu lançamento (acima), é dos enunciados fora e embaixo dos diagramas, mantendo o formato original criado por Wynne – conheci ambos os formatos ainda na minha infância, bem como sempre gostei de jogar as palavras cruzadas em tabuleiro, produzido por uma fábrica de brinquedos nacional, a Estrela, jogando-as até hoje, apesar de fazê-lo eventualmente. Enfim! Das revistas de passatempos mais consumidas, a Coquetel possui um catálogo de mais de oitenta publicações mensais, com diversos tipos de quebra-cabeça para todas as faixas etárias e níveis de dificuldade diferenciados, embora, seguindo as novas tendências, tenha expandido os seus para mídias outras, que podem, por exemplo, ser encontrados em CD, online, nos seus respectivos sites ou em redes sociais, no computador e nos suportes móveis, como smartphone e tablet – não falta opção. E isso para todas as marcas consumidas no país.

O fato é que, precedido pela Itália, França e EUA, o Brasil é considerado o quarto mercado consumidor de palavras cruzadas – estas, no país, octogenárias, há quase noventa anos circulando nacionalmente, com dois dos seus cruciverbalitas, ambos brasileiros merecendo destaque: Euro Oscar, ganhador de dezenas de concursos e torneios, acumulando vários recordes em língua portuguesa, já tendo, inclusive, utilizado álgebra nas suas técnicas, e José Roberto Brando, que, com quatorze anos de idade, começou a montar palavras cruzadas e, há mais de trinta, é considerado o mais importante colaborador de A Recreativa, embora tenha começado na concorrente, que, inclusive, em 2006, entrou para o Guinness Book por dois feitos: produziu a Maior Palavra Cruzada Direta do Mundo (25 metros de largura por 1,30 metros de altura, com dezesseis mil quadrinhos e, aproximadamente, três mil definições), seguida da Maior Caça-Palavra do Mundo (3,20 metros de largura por 1,30 metros de altura e dezoito mil letras).

Então... Em 2006, ainda, introduziu, por exemplo, alguns jogos japoneses de lógica no mercado brasileiro de passatempos – no ano anterior, havia lançado o Sudoku, que, aliás, nunca, até hoje, entendi a sua proposta. De qualquer modo, nenhum deles, diga-se de passagem, conseguiu desbancar a supremacia das palavras cruzadas. E uma curiosidade: anos antes, em 2002, reconhecendo que o hábito de resolver passatempos “desenvolve a percepção visual, enriquece o vocabulário e aumenta o poder de concentração”, o Ministério da Educação aprovou o programa Coquetel nas Escolas, que consiste no envio de revistas da marca para os estabelecimentos públicos e privados de ensino de todo o Brasil, cabendo aos mesmos apenas o custo de postagem; em 2010, por sua vez, foi lançada a revista Coquetel Conhecer, voltada para estudantes em fase preparatória para os exames de admissão nas universidades, ressaltando que, de há muito, as palavras cruzadas também já são utilizadas na alfabetização de adultos.

Uma fábrica de inovações, a Coquetel... Ultimamente, por exemplo, o selo de entretenimentos da Ediouro tem investido em projetos especiais, como, por exemplo, o das revistas de palavras cruzadas customizadas, cujo público é o empresarial, com cada empresa definindo os temas dos seus passatempos, que são do interesse do seu ramo de atuação, dirigidos, especificamente, aos seus respectivos consumidores. Outra curiosidade, entretanto, mas de maneira em geral, é a da referida marca costumar publicar nas páginas das suas revistas de passatempos as opiniões sobre palavras cruzadas de muitos dos seus consumidores, tipo a do ator e músico brasileiro Jackson Antunes, interessante por sua ambiguidade: “Brincando com as palavras você preenche os espaços vazios...”. O dançarino brasileiro Carlinhos de Jesus, por sua vez, declarou que, além de fã, até já encontrou o seu nome numa revista: “Achei o máximo!”, enquanto a atriz brasileira Ana Rosa disse que herdou o hábito da mãe.

O músico norte-americano Michael McKagan, ex-integrante da banda Guns N’ Roses, citado igualmente numa das revistinhas, afirmou que é fanático por palavras cruzadas e que, quando viaja de avião, ao invés de ser abordado por terceiros interessados em conversar sobre música, ele prefere encontrar alguém com quem possa resolver os passatempos. Outra que também gosta de fazer quebra-cabeça em aviões é a cantora brasileira Sandra de Sá, pois, segundo ela, se esquece do medo de voar, bem como a modelo e apresentadora de TV Adriane Galisteu, que, por sua mania, igualmente herdada da mãe, cruza os ares, apesar de não temer as alturas, enquanto cruza palavras, costume que também leva para a praia, pois, durante a resolução de enigmas, consegue relaxar, abstrair-se: “É quase uma fuga”, diz. Ocorre que, muitas vezes, quando um enunciado parece despropositado, ela reage, irritando-se e questionando quem o fez – igual me sinto, sabe-se lá com qual frequência...



Palavras nem sempre cruzadas

 “Eu não faço palavras cruzadas, eu resolvo...”.

Ary Fontoura
Ator brasileiro.
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Curiosamente, a minha preferência por tal ou qual quebra-cabeça é de fases, tipo as existenciais. De qualquer modo, de uns tempos para cá, ando com mania de Criptograma, da Coquetel – passatempo em que se descobre uma palavra por meio de símbolos, equivalentes a letras, capaz de me levar à abstração, desligando-me da realidade ao meu redor. De qualquer modo, confesso que, vez por outra, não disfarço a irritação ao identificar equívocos cometidos pelos cruciverbalitas – quando isso acontece, costumo fazer, nos cantos das páginas, alguma anotação a respeito, seja diante de uma palavra que considero, digamos, inventada ou alguma definição, no caso, fora de todo e qualquer contexto.

Por exemplo, na ilustração acima, escaneada de uma revista, o enunciado: Nas casas em destaque: a instituição fundada por seguidores de Martinho Lutero. E a solução do diagrama: Igreja evangélica – um equívoco, pois o teólogo alemão (1483 - 1546) é fundador do protestantismo, que, por sua vez, não é sinônimo de evangelismo... Outra situação: Nas casas em destaque: o sistema político de Cuba. E a resposta dada pela revista: regime comunista. Ora, não existe sistema político em lugar nenhum, mas sistema econômico. E regime diz respeito à política adotada por um dado governo, não a sua economia. Em momentos outros, ainda, enunciados mais específicos também já me chamaram a atenção, tipo:

Espécie de Medicina alternativa – Holística.
Errado: holismo é um conceito filosófico, uma doutrina epistemológica.

Desprovido de cabeça – Acéfalo.
Errado: acefalia é ausência de cérebro.

Opção religiosa de José Saramago – Ateísmo.
Errado: ateísmo não é religião, mas, a sua ausência, uma negação de Deus, e o escritor português (1922 - 2010) era ateu.

Médico da visão – oculista.
Errado: o especialista da visão chama-se oftalmologista; oculista é o profissional que confecciona armações de óculos.

O maior acionista da Petrobras – Governo.
Errado: é o Estado brasileiro.

Cidade que foi arrasada por uma bomba nuclear – Hiroxima.
Errado: é Hiroshima.

... Observando, ainda, que, entre outras, a quantidade de variações encontradas para o vocábulo Mozzarella, tipo de queijo italiano, é tamanha que, em certos momentos, coloca até em dúvida os nossos conhecimentos. E isso porque, mesmo existindo tradução para a palavra em demais línguas, só em português, por exemplo, existe mais de uma versão. E, desse modo, a coisa complica...


Só que, por aí e muito mais, vai... Ocorre que, em minha opinião, a maioria com anos de cruzamentos de palavras, os cruciverbalitas, por suas qualificações, não deveriam cometer, digamos, o que chamo de certos equívocos. Errar é humano? Sim, embora, de qualquer forma, erros não deveriam existir por parte desses profissionais, sobretudo porque as palavras cruzadas são exatamente conhecidas como fontes de aprendizados, não apenas como passatempo. Enfim! Certas particularidades que também não entendo nos diagramas é que “ã” e “õ”, por exemplo, pode; já o “ê” não pode. Outros dois excluídos são: “á” e “é” – crase, então, nem pensar! E, dependendo da conveniência, o hífen é ou não usado.

Recentemente, contudo, quando comentei com a minha mãe sobre a quantidade de respostas erradas que eu estava encontrando nos Criptogramas, ela disse que, “apesar dos erros, as palavras cruzadas prestam inestimáveis serviços ao exercício da memória...”. De qualquer modo, um detalhe que, de repente, poderia ajudar na explicação de falhas como as que são identificadas pelos cruzadistas é que, por exemplo, o processo de elaboração de muitos passatempos obedece a seguinte ordem: o criador limita-se a apresentar as respostas, enquanto as perguntas, elaboradas pelos editores, são dissimuladas o máximo possível – tal metodologia, portanto, podem incorrer em enganos...

Curiosamente, segundo o cruciverbalista Euro Oscar, são exatamente aos cruzadistas que cabe o mérito maior. E não somente por decifrar os enigmas, mas, também, por decifrar certas lacunas... Concordo, lembrando, todavia, que não existem pré-requisitos para se resolver um enigma – o que dirá identificar lacunas! Na verdade, não existe nenhum. Afinal, nem todas cruzadas são cruzadas... Por fim, escolhi o dia de hoje, intencionalmente, para postar estas minhas parcas palavras, pois, como o tema em questão não é algo habitual, quis, durante a última semana, acompanhar a repercussão que poderia haver na mídia em geral, do Brasil e do mundo, sobre o centenário das nossas palavras cruzadas.

O cartunista brasileiro Ziraldo, por sua vez, já admitiu ser um exímio cruzadista: “Mato até em inglês!”. Então, será que ele, também chargista, caricaturista, desenhista, pintor, dramaturgo, escritor, humorista, jornalista e, nas horas vagas, até piadista, já cruzou com o original da diversão que ele tanto aprecia? Quanto a mim, só conheci o seu inventor recentemente, durante uma pesquisa na internet, logo me tornando fã. Infelizmente, embora muitos façam palavras cruzadas, nem todos conhecem a sua história. Nem as antigas, nem, muito menos, as modernas, reinando, ao longo do tempo, majestosas, soberanas. Arthur Wynne, não somente um criador, mas, também, um eterno aprendiz...

Nathalie Bernardo da Câmara



O enigma de Arthur Wynne e a sua solução...

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

NATAL: O ÚLTIMO A SAIR, APAGUE AS LUZES...

 “Tente colocar bom senso na cabeça de um tolo e ele dirá que é tolice...”.

Eurípedes (480 - 406 a. C.)
Poeta grego.


Falar do descalabro na política da capital do Rio Grande do Norte tornar-se-ia redundante, visto que, nesse quesito, de há muito a Cidade do Sol anda para lá de desbotada – desbotamento esse que, aliás, foi capaz de contaminar até a sua paisagem urbana e litorânea, totalmente desfigurada: a acelerada verticalização de Natal, por exemplo, e os abusos cometidos contra o seu meio ambiente, literalmente poluído, têm, consideravelmente, comprometido a qualidade de vida da maioria da população local, outrora refrescada pela maresia e pela brisa do mar, mas que, sem o menor dos escrúpulos, tem sido impiedosamente esmagada pelo concreto dos prédios, sobretudo os residenciais, que, sem controle algum por parte dos órgãos de licenciamentos, se proliferam igual praga de pardal, numa promiscuidade aparentemente sem fim. Só que o mais grave, ainda, é que, como se já não bastassem todas as consequências nocivas e desastrosas inerentes ao aquecimento global, o forno no qual a região transformou-se, decorrente da ganância da construção civil – predadora por excelência – e do descaso dos poderes públicos constituídos, além da emissão de gás carbônico dos veículos que, igualmente incontroláveis, circulam em demasia por vias nada receptíveis para tamanho tráfego, fizeram Natal gerar o seu próprio “efeito estufa”, perdendo, com isso, o status de cidade a possuir o ar mais puro da América do Sul, limitando-se, hoje, portanto, a uma propaganda enganosa...

E o disparate ainda é maior devido o agravante de a cidade ter sido escolhida para ser uma das doze sedes da Copa do Mundo de 2014 – oportunismo da Federação Internacional de Futebol Amador (FIFA), que, aliás, nada tem de amadorismo; dos seus agregados, laranjas e certos políticos que compactuaram com toda essa armação... Ora, nem no maior pesadelo da sua população, Natal sequer poderia ter sido indicada para concorrer a um evento que, de tão megalomaníaco, é não somente esquizofrênico, mas, sobretudo, pernicioso! E ninguém é tolo para saber que, apesar do seu potencial turístico, a cidade não dispõe de características urbanísticas favoráveis e infraestrutura logística para a promoção de uma aberração desse porte. Isso sem falar no transtorno que tem sido para a população local ser obrigada a conviver com as obras cujos canteiros contêm dejetos de transações para lá de escusas – não esquecendo que o estádio de futebol em si é de um mau gosto arquitetônico sem precedentes, ou seja, uma edificação escabrosa, chamada, diga-se de passagem, de Arena das Dunas, nome que, inclusive, não poderia ser mais delirante, visto que, além de Natal não ter histórico de touradas, as suas dunas, uma riqueza natural incomensurável, estão, desde longa data, seriamente ameaçadas por dólares, euros e todo tipo de investimentos, inclusive o da já tão desacreditada moeda brasileira, que, de real, mesmo, só reflete (e muito mal) os índices da inflação da economia tupiniquim.




O fato é que, no bojo de tanto descaramento, as autoridades ditas competentes ainda afirmam que as supostas melhorias em andamento na cidade, inclusive as de (i) mobilidade urbana, não visam apenas o turismo nem os maiores interessados nessa economia, mas a população local, que, com a realização da Copa do Mundo em Natal, só tem a ganhar – aborrecimentos, no caso. Isso porque, se a maioria dessa mesma população há tempos está exaurida com o excesso de veículos por toda parte, o que dirá o aumento dos congestionamentos e recentes transtornos no trânsito, entre outros desconfortos e desagravos, acarretados pelas obras em função do vulgo “elefante branco” que é o novo estádio de futebol! – bilhões “investidos” em vão... E dizer isso é ser realista, embora, recentemente, numa reportagem de um jornal local, certo empresário classificou de pessimista quem pensa assim, pois, segundo ele, não consegue enxergar os benefícios que a Copa do Mundo trará... Tem dó! Só que, como desperdício pouco é bobagem, chegou o final do ano e, com ele, o Natal Iluminado, projeto que, de iniciativa dos poderes públicos locais, manterá a cidade iluminada durante o período natalino – período esse que, no caso de Natal, finda no dia 06 de janeiro de 2014, quando da Festa de Santos Reis. O detalhe, contudo, é que, considerados investimentos, os recursos (um total de R$ 4,5 milhões) para bancar todo esse derrame de energia são provenientes – nenhuma surpresa – do bolso do contribuinte.

Um contribuinte que, aliás, passa a maior parte do ano reivindicando uma cidade mais iluminada, mas que, agora, vê as taxas de iluminação pública que paga, para garantir a sua segurança, serem usadas indevidamente. Ocorre que toda essa encenação torna-se ainda mais grotesca porque parte desses mesmos recursos será utilizada pelos órgãos públicos para manter essa iluminação dispendiosa até o encerramento da Copa do Mundo, ou seja, julho de 2014, num desperdício só – como se a realização do evento na cidade fosse algo unânime na população, passando, portanto, uma falsa imagem da realidade, com a previsão, ainda, que essa segunda etapa da iluminação da cidade terá um componente “especial”, mesclada que será a uma decoração com motivos bem peculiares em pontos ditos estratégicos da capital potiguar, tipo: jogadores das seleções; bandeiras dos seus respectivos países; mascotes; saudações em diversas línguas etc – e eu que achava brega os penduricalhos natalinos; o pisca-pisca nos pinheiros de plástico em pleno verão... Enfim! Um aparato desnecessário – e apenas para justificar os quatro jogos que serão realizados no novo estádio de futebol –, mas, como recebeu a “benção” de técnicos da FIFA... Porém, o mais indigno disso tudo é que, de certa forma, a “tourada” está vinculada a toda sorte de tráfico: de drogas a seres humanos, não sendo à toa que as cidades escolhidas para sediarem a Copa do Mundo fazem parte de uma rota criminosa. Ninguém merece!


Nathalie Bernardo da Câmara

sábado, 21 de dezembro de 2013

SERIA O SOL PARA TODOS?

“Ao contrário do que muitas pessoas pensam, a maioria dos cegos é bem-humorada...”.

Geraldo Magela
Humorista brasileiro, portador da retinose pigmentar, conhecido por suas piadas e causos sobre cegos.


Quando se fala em acessibilidade, a maioria das pessoas ainda ignora que a implantação, determinada por lei, de vias de acesso, digamos, diferenciadas, tais como rampas, incluindo adereços como corrimões etc, em espaços públicos e estabelecimentos privados não é exclusividade dos cadeirantes. Na verdade, a tão em voga acessibilidade contempla não apenas aqueles que dependem de uma cadeira de rodas para o seu deslocamento, mas, também, portadores de demais necessidades especiais, como, por exemplo, os cegos, que, infelizmente, passam, igualmente, por situações as mais adversas possíveis, sofríveis, apesar de ser incontestável que a sua qualidade de vida poderia ser melhor, bem diferente, caso o tratamento que eles muitas vezes recebem da sociedade fosse sincero, não manifestado por boa vontade ou pena (sentimentos dispensáveis, pois são de fachada) –, mas por um gesto de solidariedade. O fato é que todos, sem exceções, portadores ou não de necessidades especiais, devem ser respeitados na sua condição humana. De qualquer modo, é como diria a propaganda que, vez por outra, passa na televisão sobre a Síndrome de Down: — Ser diferente é ser normal...

Com a filosofia, portanto, de incentivar os princípios de igualdade e solidariedade humanas – princípios esses estabelecidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro de 1948 –, foi criado, no Brasil, por decreto (nº 51.405/61) publicado no Diário Oficial da União (DOU) em 26 de julho de 1961, o Dia Nacional do Cego. À época, o país era presidido pelo advogado Jânio Quadros (1917 - 1992), que, aliás, era míope e estrábico – outra história. Os princípios mencionados, por sua vez, prerrogativas para a preservação de direitos fundamentais, sem discriminação e distinção a qualquer nível... – se assim o é, que a data seja extensiva aos animas ditos irracionais, tipo gato, cachorro etc, já que também são seres vivos. Enfim! Desde então, a data é lembrada todo 13 de dezembro (Dia de Santa Luzia, considerada a protetora dos olhos) –, ressaltando que, de uns tempos para cá, a prioridade das ações globais contra a cegueira seja a da prevenção, através de novas drogas e técnicas cirúrgicas, contra doenças graves que podem provocar a cegueira (glaucoma, retinopatia diabética, degeneração macular e catarata, entre outras) – objetivo maior, por exemplo, do programa Visão 2020: o direito a ver, lançado em 1999, numa iniciativa conjunta da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Agência Internacional para a Prevenção da Cegueira (IAPB), pois, segundo nota divulgada pelo referido programa, visa “eliminar a cegueira evitável em todo o mundo até o ano de 2020. Isso porque até 80% dos casos de cegueira resultam de causas previsíveis e/ou tratáveis, mas, a cada cinco segundos uma pessoa fica cega no mundo e uma criança perde a visão a cada minuto. São 285 milhões de pessoas no mundo vivendo com baixa visão ou cegueira. Desses, 39 milhões são cegas e 246 milhões têm moderada ou grave deficiência visual”, sendo, portanto, um dos principais eventos do referido programa a promoção do Dia Mundial da Visão, comemorado, desde o seu lançamento, sempre na segunda quinta-feira de outubro de cada ano. No caso do Brasil, segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – obviamente que os dados não estão atualizados –, existiriam, digamos, 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual, das quais 582 mil são cegas e 6,0 milhões com baixa visão.



Retomando, contudo, o que dizia no primeiro parágrafo: além da ignorância como impedimento para que, na sociedade, muitos enxerguem o direito conquistado à acessibilidade para portadores de necessidades especiais (não nos esqueçamos dos idosos, dos obesos, dos que conduzem carrinhos de bebês, entre outras), têm pessoas que discriminam por puro e deslavado preconceito ou, meramente, por falta de interesse – nos dois casos, o resultado é o descaso, a anos-luz da tão decantada consciência, que, convenhamos, é algo que se adquire, circunstancialmente ou não, como bem o atestou a médica chinesa Margaret Chan, atual diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), que, ao lê-la, apenas corroborou o que constatei quando, em 2012, convalescia de um pé quebrado (explodido, no jargão médico), ou seja: — A deficiência é parte da condição humana. Quase todo mundo, em algum momento da vida, terá, temporária ou permanentemente, uma ou mais deficiências...



Um parêntese:

“O mais agudo dos nossos sentidos é o da visão...”.

Cícero (106 - 43 a. C.)
Político, orador e escritor romano.


E quando a visão nos falta, eu perguntaria? Bom! Durante a sua elaboração, enviei, por e-mail, a presente postagem a uma amiga, na expectativa, quiçá, de que ela fizesse algumas considerações e, de repente, desse alguma sugestão. Em resposta, recebi alguns comentários tecidos por ela, dizendo que, na condição de estrábica e astigmática, dispondo, portanto, de uma visão limitada, não eram poucas as situações desconfortáveis pelas quais já passou e ainda costuma passar, como, por exemplo, a dificuldade que tem em distinguir o destino dos transportes públicos nas vezes em que faz uso dos mesmos, bem como nas consultas que faz a dicionários e bulas de remédio... Por fim, citou um fato que, certa feita, lhe aconteceu numa festa: convidada por um rapaz para dançar, ela aceitou, pôs os óculos na mesa e foi para o salão. Ocorre que, quando a dança acabou, ela despediu-se do seu par e se afastou, mas, como o ambiente estava praticamente às escuras, não conseguiu sequer vislumbrar a mesa na qual se encontrava e terminou por pedir ajuda a terceiros para localizá-la. De imediato, lembrei-me de momentos nos quais, nas praias, no caso de adentrar sozinha de mar, eu, que sou míope desde criança, costumava, antes de tirar os óculos para ir nadar, fixar alguma edificação, de porte que se destacasse, próximo de onde deixaria os meus pertences, inclusive os óculos, para, ao retornar, ter uma referência do local onde os havia deixado. Só que o tempo passou e, não é de hoje, nas raras vezes em que, desacompanhada ou não, resolvo tomar um banho de mar, levo os meus óculos comigo. Medo de perdê-los na água? Nenhum, pois, ao mergulhar, certifico-me de que estão seguros numa das mãos. E vou que vou!

E essa coisa é tão curiosa que, outro dia, um amigo revelou-me que um dos motivos pelos quais gosta do meu blog é porque as “letras são grandes”, ou seja, o tamanho das fontes que utilizo para redigir os meus textos – consequentemente, postá-los – deve ser razoavelmente maior do que o dos demais sites da internet que acessa. Nesses momentos, visto que, por ter o que chamam de vista cansada, ele disse recorrer aos seus óculos de grau, ao contrário da minha amiga, que, por exemplo, para ler as epígrafes das ilustrações da cópia desta postagem, precisou de um zoom, aumentando o tamanho das fontes, apesar de, geralmente, vale salientar, ela não faça isso quando lê as minhas publicações no blog. Ocorre que, por ter tirado uma versão impressa pouco antes de lhe enviar a cópia virtual, eu nem me dei conta que, a fim de economizar tinta e papel, havia reduzido, intencional e proporcionalmente, todas as fontes – título, subtítulos, epígrafes, corpo do texto –, esquecendo-me, contudo, de voltá-las ao seu tamanho original. Ah! Não nego que, de vez em quando, também recorro ao zoom para facilitar as minhas leituras... Enfim! Desde as considerações feitas por meus amigos, nem ouso alterar a formatação que, normalmente, dou as minhas postagens – coisa que, independentemente da minha condição de míope, sempre fiz, embora, recentemente, o meu oftalmologista tenha diagnosticado que ando com a vista cansada – pudera, sempre exigi demais dos meus olhos –, levando-me, por isso, a adequar as minhas lentes ao novo problema – um saco! No mais, fico a pensar nas maravilhas tecnológicas que – não é de hoje – têm garantido a acessibilidade dos cegos, de nascença ou não, ao computador e a internet...

Por fim, fazendo alusão à pergunta lançada no início desta postagem, percebo que, de fato, pelo menos até onde tenho conhecimento, a visão é “o mais agudo dos nossos sentidos”. Desse modo, quando se é privado desse benefício que é enxergar, embora, muitas vezes, diante de certas situações, deseja-se nem ter visto-as – outra história –, dizem que os demais sentidos aguçam-se – tudo indica que sim. De qualquer maneira, o que viria a ser a visão? Segundo o Novo Dicionário da Língua Portuguesa: o ato ou efeito de ver; o sentido da vista; ponto de vista, aspecto; imagem vã, que se acredita ver em sonhos, ou por medo, loucura, superstição; visagem; fantasma; fantasia, quimera; maneira de compreender, de perceber determinadas situações; revelação. Por outro lado, de acordo, ainda, com o mesmo dicionário, o antônimo de visão é cegueira, definido como o estado de cego, ou seja, privado da vista; tiflose, o seu nome na medicina; estado de quem tem a razão obscurecida, o discernimento ou o raciocínio perturbado; afeição extrema, exagerada, no sentido figurativo, a alguém ou alguma coisa; falta de lucidez ou de inteligência, de bom senso – o que eu não sabia é que existe até cegueira verbal, cujo nome na medicina é alexia, nada mais do que a perda patológica da capacidade de apreender o significado da palavra escrita. Por isso que, sem a visão, ou seja, a capacidade de enxergar com olhos, literalmente falando, ou mesmo sem demais sentidos dados ao substantivo, metafóricos e/ou figurativos, depara-se, assim, com cegueiras as mais variadas, ou, digamos, apagões, cuja intensidade, pertinência e prazo de validade são proporcionais ao grau da sua gravidade, se parcial ou total, e, quando é o caso, do nível da sua consciência. Ou não...

Na verdade, a sociedade sempre esteve repleta de apagões, não necessariamente visuais, mas... Temporários ou permanentes, os apagões são provocados por causas as mais diversas. E podem ser distorcidos, equivocados, errôneos, desencadeados, contudo, por motivos diversos, que, diga-se de passagem, já viraram lugar-comum. Sim, são cegueiras de diversos matizes, os mais distintos possíveis, previsíveis, imprevisíveis... Inimagináveis. Cegueiras reais ou simuladas, dissimuladas, deliberadas (falsas), convenientes, oportunistas, dúbias: cegueiras por contingências. Ingênuas, involuntárias; dementes, delirantes; individuais, partilhadas, compartilhadas e/ou coletivas: genéticas ou institucionalizadas. Cegueiras viróticas, endêmicas, dogmáticas, religiosas, ideológicas, culturais e, por aí, vai: todas alienantes... Isso sem falar das cegueiras ditas normais, tipo:


O amor é cego!
“Coração é terra onde ninguém mete a mão...”.

Roberto DaMatta
Historiador e antropólogo brasileiro.


E nem adianta tentar entender esse sentimento que, invariavelmente, se deixa guiar por uma lógica para lá de peculiar – a ele apenas pertence –, contrariando, óbvio, o dito bom senso, considerando ser “posto que é chama”, como já bem o disse o diplomata, dramaturgo, jornalista, poeta e compositor brasileiro Vinicius de Moraes (1913 - 1980). Falando em chamas... Na carona do pião, portanto, nada como uma volta, mas com prudente distanciamento e lucidez mental, no obscurantismo da Santa Inquisição (1134 - 1839), embora a sua criação oficial e regulamentação, com o nome de Tribunal do Santo Ofício, tenha ocorrido em 1231 – um período da História da humanidade que, para a infelicidade daqueles que nele viveram (os óbitos são incalculáveis), foi contaminado por múltiplas cegueiras –, uma das quais, por exemplo, insana ao cubo, era votada as mulheres de maneira em geral e implacavelmente: bastava as representantes do sexo feminino pensarem em fazer um simples chá com folhas de plantas aromáticas ou mesmo de alguma erva com poder terapêutico, para que, por esse bucólico gesto, elas fossem acusadas de bruxaria – prática que os inquisidores consideravam crime contra a fé... Daí que, não satisfeitos em saquear os seus bens, os caçadores de bruxas e os seus algozes – psicopatas por excelência – compraziam-se, ainda, em estuprá-las, exercendo toda sorte de crueldade. Por fim, coroando o festival de horrores, as mulheres eram julgadas, sem direito sequer à defesa, e condenadas à morte por heresia. O modus operandi? Forca, empalação, fogueira... – será que tiravam no palitinho? Porém, o boom era a morte na fogueira, onde elas ardiam, queimando por inteiro... O fato é que a Inquisição nada tinha de santa – o que dirá o seu tribunal! Sim, porque, como se sabe, santidade é igual Papai Noel, inexiste. Desse modo, não foi à toa que, deveras insana, a Idade Média também ficou conhecida como a Idade das Trevas... É como diria o filósofo italiano Giordano Bruno (1548 - 1600), dominicano que, por ter se rebelado contra o status quo dos seus pares de batina, um bando de celerados sádicos, ensandecidos, foi excomungado, igualmente torturado, preso e jogado à fogueira, ou seja: — Toda violência é um defeito do espírito...

Detalhe: ao final desta postagem, disponibilizei um link para uma publicação abordando o referido tema.


Trevas da Idade Média... 
“Só há uma treva: a ignorância...”.

William Shakespeare (1564 - 1616)
Poeta dramático inglês.


Em meados do séc. XIV, mais precisamente na última semana de novembro de 1327, um frade franciscano inglês, Guilherme de Baskerville, é levado a investigar uma série de mortes ocorridas num mosteiro beneditino incrustado nos Alpes italianos. Durante, portanto, sete dias e sete noites, Baskerville e o seu jovem auxiliar, o noviço Adso de Melk, investigam o mistério, já que os monges mortos, num total de sete, apresentam línguas e dedos manchados de tinta, e o elucidam – na verdade, um serial killer, executado por um também monge, o ancião espanhol Jorge de Burgos, que, outrora bibliotecário do mosteiro, encontra um manuscrito de Aristóteles (384 - 322 a. C.), no qual, julgado perdido, o filósofo grego faz uma apologia ao riso. Tempos depois, embora afastado das suas funções – ele se tornara cego –, Jorge de Burgos não mede esforços para, com os seus conhecimentos, controlar o acesso de outrem à biblioteca, evitando, por extensão, uma eventual leitura do tal manuscrito, do qual, aliás, considerando a periculosidade do seu teor, sempre se considerou guardião, não hesitando nem mesmo em destilar veneno nas páginas do seu achado – gesto que resulta no assassinato dos monges. Ocorre que, confrontado por Baskerville, que representa o frescor do Renascimento iminente, o ancião homicida, sem visão, literalmente, e desequilibrado do juízo, ou seja, duplamente cego, dos olhos e da mente, completamente sem noção, como se diz atualmente, simbolizando, com o seu dogmatismo religioso, a irracionalidade medieval, e no auge dos seus transtornos e sandices, desencadeia um incêndio no mosteiro e engole as páginas do manuscrito, morrendo envenenado – gesto esse que, ficcionalmente, põe por terra a oportunidade de demais leitores sorverem o seu conteúdo, ou seja, a mensagem do riso, que, associado à liberdade, era visto pelo monge como uma insubordinação e, por conseguinte, uma ameaça ao seu deus, as suas crenças, à Bíblia, enquanto que, metaforicamente, o mesmo gesto representaria a obstrução do acesso de quem quer que fosse à liberdade em si.

De autoria do escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano Umberto Eco, a história acima é contada no romance O Nome da rosa, publicado em 1980, sendo adaptado para o cinema em 1986 – o filme, homônimo, dirigido pelo cineasta francês Jean-Jacques Annaud, igualmente uma obra de arte. Desse modo, visto que o tema desta postagem é acessibilidade... Quando ainda era apenas uma adolescente, tive acesso aos dois, livro e película (incursões intelectuais que, inclusive, considero duas das mais ricas de toda a minha vida) – não é à toa que, em alguns textos de minha autoria, já fiz referências à narrativa de Eco. O historiador brasileiro Antônio Ozaí da Silva, por sua vez, citou o carro-chefe do italiano no ensaio Entre o sagrado e o profano: o interdito ao riso, publicado na Revista Espaço Acadêmico em março de 2006, motivado que foi pelos protestos que, à época, eclodiram em diversos recônditos do planeta depois que, inserido em certo contexto, o dinamarquês Jyllands-Posten satirizou, em charges, o profeta Muhammad (cerca de 570 – 632 d. C.), nascido em Meca e fundador da religião mulçumana. Reproduzindo as charges, o France Soir estampou: Sim, nós temos o direito de caricaturar Deus. À ocasião, igualmente divulgando o material, a Folha de S. Paulo suscitou o debate sobre o direito à liberdade de expressão, apesar de que, ressaltou, isso significasse “contrariar uma comunidade religiosa”.

Enquanto isso, no ensaio, o alerta para que, nos dias de hoje, “se não agirmos positivamente, os fundamentalistas de todos os credos e ideologias, no oriente e/ou no ocidente, imporão o seu fanatismo e a intolerância. Voltaremos, então, à Idade Média, de onde alguns parecem nunca terem saído ao reencarnarem os espíritos medievais”. Para o historiador, “ainda que as charges provoquem o riso, o fiel religioso, fundamentalista ou não, pode resistir ao riso se considerá-lo um sacrilégio. É seu direito! Mas pode este negar ao outro a faculdade de rir? O respeito à religiosidade do outro tem sentido se inserido no sistema religioso. Se frequento um determinado espaço sagrado, não devo ser jocoso em seu interior. Mas se não sou membro da comunidade religiosa não estou obrigado a seguir os mesmos preceitos. Se não riem, não quer dizer que também não devo rir; se não comem carne de porco, não significa que também devo me abster; se idolatram e cultuam imagens, não estou obrigado a fazer o mesmo. E ainda que eu me irrite com o desrespeito do outro à minha crença, não tenho o direito de lhe tirar a vida ou lhe ameaçar por isso”.


Em busca do riso? 
“Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem...”.

Diálogo do livro ilustrado acima, de autoria do escritor português José Saramago (1922 - 2010), publicado em 1995 e adaptado para o cinema em 2008, cujo filme, homônimo, foi dirigido pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles.


Infelizmente, apesar do discernimento contido no ensaio do historiador Antônio Ozaí da Silva, a intolerância religiosa ao riso prossegue: feito rito – preferia que se reduzisse a mito... Tanto que, recentemente, na internet, encontrei uma belíssima reflexão sobre felicidade, tecida, com poesia e lucidez, pelo filósofo brasileiro Sergio Viula, embora, quando ele a escreveu, tenha sido para outro contexto – não importa, pois dá no mesmo: ele foi feliz – sem trocadilho – nas suas colocações. Sim, porque, afinal, o riso não tem de, necessariamente, ser sinônimo de deboche ou desdém. Na verdade, o riso aberto, franco, espontâneo está mais para felicidade do que para qualquer outra coisa. Eis, portanto, o que diz o filósofo a respeito: — O ressentimento contra a felicidade alheia é o maior atestado de infelicidade própria que alguém pode dar a si mesmo. Todo fundamentalista, por adiar a felicidade para o além-mundo, se ressente da felicidade dos outros. Por isso, ele abana as chamas de seu próprio inferno para cima daqueles que, ignorando seu esforço para estragar tudo, constroem sua felicidade aqui e agora da melhor maneira possível...

Não me resta citar, então, certo provérbio atribuído aos escolásticos da Idade Média – que paradoxo! –, mas que, ao longo do tempo, tornou-se um provérbio francês: Des goûts et des couleurs, il ne faut pas discuter, ou seja: não se discute gostos nem cores, significando, digamos, que, amparado pelos direitos que lhe confere a sua individualidade, cada um é livre para pensar e agir segundo as suas preferências – e ninguém tem nada a ver com isso. Voilà!

 


Enquanto isso, para refletir, demais exemplos de cegueira...
“A Bíblia é uma enxurrada de absurdos...”.

José Saramago


Espeto de pau!

“A Constituição Federal de 88 não se limitou a proclamar, como direito fundamental, a liberdade de religião (artigo 5º, inciso VI). Ela foi além, consagrando, no seu art. 19, inciso I, o princípio da laicidade do Estado, que impõe aos poderes públicos uma posição de absoluta neutralidade em relação às diversas concepções religiosas. Este princípio não indica nenhuma má vontade do constituinte em relação ao fenômeno religioso, mas antes exprime ‘a radical hostilidade constitucional para com a coerção e discriminação em matéria religiosa, ao tempo em que afirma o princípio da igual dignidade e liberdade de todos os cidadãos’ [Jónatas Eduardo Mendes Machado. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 347]”.

Daniel Sarmento, especialista em Direito Constitucional e Direito Público, no texto Legalização do aborto e constituição, Diferentes mas iguais. Estudos de Direito Constitucional (2006), citado por VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Tomemos a sério o princípio do Estado laico. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1830, 5 jul. 2008. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/11457. Acesso em: 21 dez. 3913.

 










Déficit nutricional?
“Vivemos em um mundo de abundância. Hoje, se produz comida para 12 bilhões de pessoas, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), quando, no planeta, habitam 7 bilhões. Comida, existe. Então, por que uma em cada sete pessoas no mundo passa fome?”.

Esther Vivas
Jornalista espanhola, ativista de movimentos sociais e de políticas agrícolas e alimentares, em artigo publicado em El País no dia 30 de julho de 2011, intitulado Os porquês da fome.


No Dia Mundial do Meio Ambiente de 2013, 05 de junho, o tema da campanha deste ano, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), foi Pensar. Comer. Conservar – Diga Não ao Desperdício, visando, assim, diminuir o desperdício, por consumidores e comerciantes, de alimentos próprios para o consumo. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), por sua vez, parceira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), chegou a divulgar que “1,3 bilhão de toneladas de comida são jogadas fora por ano em todo o mundo, o equivalente, digamos, ao que é produzido na África Subsaariana no mesmo período. Isso sem falar que uma em cada sete pessoas nesse mesmo mundo passa fome e mais de 20 mil crianças com menos de cinco anos morrem todos os dias por conta de desnutrição...”.



Segundo o PNUMA, 08 trilhões de dólares é o prejuízo anual que se tem com a destruição do meio ambiente. Resumindo: estamos falidos. E os recursos naturais exaurindo-se... Só que eu quero o meu ambiente por inteiro: não pela metade! – informações extraídas de postagens deste blog.







 Pedofilia: Crime de estupro (art. 213 do Código Penal brasileiro) contra crianças e adolescentes e crime de atentado violento ao pudor (art. 214 do Código Penal brasileiro), considerados crimes hediondos.

Pena: De 06 (seis) a 10 (dez) anos de reclusão.

Disque 100 para denunciar!





“Considero o dinheiro uma coisa sórdida...”.

Oscar Niemeyer (1907 - 2012)
Arquiteto brasileiro.
















Era uma vez...
“A miséria não acaba porque dá lucro...”.

Arnaldo Jabor
Jornalista brasileiro










Abre-te, Sésamo!
Um dilúvio de luz cai da montanha:
Eis o dia! eis o sol!

Antero de Quental (1842 - 1891)
Poeta português.


Eis o verão...

PIDO SILENCIO

AHORA me dejen tranquilo.
Ahora se acostumbren sin mí.

Yo voy a cerrar los ojos

Y sólo quiero cinco cosas,
cinco raices preferidas.

Una es el amor sin fin.

Lo segundo es ver el otoño.
No puedo ser sin que las hojas
vuelen y vuelvan a la tierra.

Lo tercero es el grave invierno,
la lluvia que amé, la caricia
del fuego en el frío silvestre.

En cuarto lugar el verano
redondo como una sandía.

La quinta cosa son tus ojos,
Matilde mía, bienamada,
no quiero dormir sin tus ojos,
no quiero ser sin que me mires:
yo cambio la primavera
por que tú me sigas mirando.

Amigos, eso es cuanto quiero.
Es casi nada y casi todo.

Ahora si quieren se vayan.

He vivido tanto que un día
tendrán que olvidarme por fuerza,
borrándome de la pizarra:
mi corazón fue interminable.

Pero porque pido silencio
no crean que voy a morirme:
me pasa todo lo contrario:
sucede que voy a vivirme.

Sucede que soy y que sigo.

No será, pues, sino que adentro
de mí crecerán cereales,
primero los granos que rompen
la tierra para ver la luz,
pero la madre tierra es oscura:
y dentro de mí soy oscuro:
soy como un pozo en cuyas aguas
la noche deja sus estrellas
y sigue sola por el campo.

Se trata de que tanto he vivido
que quiero vivir otro tanto.

Nunca me sentí tan sonoro,
nunca he tenido tantos besos.

Ahora, como siempre, es temprano.
Vuela la luz con sus abejas.

Déjenme solo con el día.
Pido permiso para nacer.

Pablo Neruda (1904 - 1973)
Poeta chileno.


O Solstício de verão, fenômeno que marca o início da estação no Hemisfério Sul (iniciou-se às 14h11 de hoje, 21 de dezembro de 2013), é conhecido por ser o dia mais longo do ano, e consequentemente, em termos de iluminação por parte do Sol, tem a noite mais curta do ano.



Fiat lux!



Sugestão para leitura:



Que seja feita a vontade de Deus? – Parte III – Adão, Eva e a serpente (14 de maio de 2011): http://abagagemdonavegante.blogspot.com.br/2010/05/que-seja-feita-vontade-de-deus-parte.html

A Bruxa e o mago: os dois lados da mesma moeda? (23 de maio de 2011): http://abagagemdonavegante.blogspot.com.br/2010/05/bruxa-e-o-mago-os-dois-lados-da-mesma.html



Nathalie Bernardo da Câmara