sábado, 25 de abril de 2020

105 ANOS DO GENOCÍDIO ARMÊNIO


“Uma pequena nuvem pode encobrir o sol...” – provérbio armênio


Em tempo: 24 abril de 1915 é a data convencionalmente lembrada com pesar como o início do genocídio do povo da Armênia – mais de um milhão e meio de óbitos, cometido pelo sunista Império Otomano (1299 - 1923) contra o primeiro país do mundo a se tornar oficialmente cristão (301 d. C.), a Armênia, ressaltando que genocídio é considerado como um dos crimes contra a humanidade pelo Tribunal de Haia. Países diversos, ainda, continuam sendo pressionados pelo atual Estado da Turquia, sucessora do Império Otomano, a negarem o genocídio. Sim, a Turquia, que, aliás de há muito, se gaba dos seus “famosos” tapetes tipo exportação, fruto da exploração do trabalho infantil, negando esse e demais crimes ao longo da sua história  a literatura está repleta de casos sobre a truculência turca. Sem falar na hipocrisia do lema do país: Paz em casa, paz no mundo... 

Esta semana, assisti na TV a Cabo ao filme ‘A Promessa’ (2017), do norte-irlandês Terry George, lamentando o genocídio dos armênios, povo de uma cultura riquíssima, maravilhosa... 

Em 20 de abril de 1965, o Uruguai foi o primeiro país do mundo a reconhecer o genocídio armênio.

Em 2001, a França foi o primeiro país europeu a reconhecer oficialmente o genocídio armênio, pedindo que a Turquia admitisse o genocídio.

O Brasil? Ah, o Brasil...

Em 24 de abril de 2015, em plena recordação na Armênia do centenário do fato, o papa Francisco o definiu como o “primeiro genocídio do século XX”.

Nathalie Bernardo da Câmara

segunda-feira, 13 de abril de 2020

EDUARDO GALEANO: AS QUATRO FRASES QUE AUMENTAM O NARIZ DE PINÓQUIO




1 – Somos todos culpados pela ruína do planeta.

A saúde do mundo está feito um caco. “Somos todos responsáveis”, clamam as vozes do alarme universal, e a generalização absolve: se somos todos responsáveis, ninguém é. Como coelhos, reproduzem-se os novos tecnocratas do meio ambiente. É a maior taxa de natalidade do mundo: os experts geram experts e mais experts que se ocupam de envolver o tema com o papel celofane da ambiguidade.

Eles fabricam a brumosa linguagem das exortações ao “sacrifício de todos” nas declarações dos governos e nos solenes acordos internacionais que ninguém cumpre. Estas cataratas de palavras – inundação que ameaça se converter em uma catástrofe ecológica comparável ao buraco na camada de ozônio – não se desencadeiam gratuitamente. A linguagem oficial asfixia a realidade para outorgar impunidade à sociedade de consumo, que é imposta como modelo em nome do desenvolvimento, e às grandes empresas que tiram proveito dele. Mas, as estatísticas confessam.

Os dados ocultos sob o palavreado revelam que 20% da humanidade comete 80% das agressões contra a natureza, crime que os assassinos chamam de suicídio, e é a humanidade inteira que paga as consequências da degradação da terra, da intoxicação do ar, do envenenamento da água, do enlouquecimento do clima e da dilapidação dos recursos naturais não-renováveis. A senhora Harlem Bruntland, que encabeça o governo da Noruega, comprovou recentemente que, se os 7 bilhões de habitantes do planeta consumissem o mesmo que os países desenvolvidos do Ocidente, “faltariam 10 planetas como o nosso para satisfazerem todas as suas necessidades”. Uma experiência impossível.

Mas, os governantes dos países do Sul que prometem o ingresso no Primeiro Mundo, mágico passaporte que nos fará, a todos, ricos e felizes, não deveriam ser só processados por calote. Não estão só pegando em nosso pé, não: esses governantes estão, além disso, cometendo o delito de apologia do crime. Porque este sistema de vida que se oferece como paraíso, fundado na exploração do próximo e na aniquilação da natureza, é o que está fazendo adoecer nosso corpo, está envenenando nossa alma e está deixando-nos sem mundo.


2- É verde aquilo que se pinta de verde.

Agora, os gigantes da indústria química fazem sua publicidade na cor verde, e o Banco Mundial lava sua imagem, repetindo a palavra ecologia em cada página de seus informes e tingindo de verde seus empréstimos. “Nas condições de nossos empréstimos há normas ambientais estritas”, esclarece o presidente da suprema instituição bancária do mundo. Somos todos ecologistas, até que alguma medida concreta limite a liberdade de contaminação.

Quando se aprovou, no Parlamento do Uruguai, uma tímida lei de defesa do meio-ambiente, as empresas que lançam veneno no ar e poluem as águas sacaram, subitamente, da recém-comprada máscara verde e gritaram sua verdade em termos que poderiam ser resumidos assim: “os defensores da natureza são advogados da pobreza, dedicados a sabotarem o desenvolvimento econômico e a espantarem o investimento estrangeiro”.

O Banco Mundial, ao contrário, é o principal promotor da riqueza, do desenvolvimento e do investimento estrangeiro. Talvez, por reunir tantas virtudes, o Banco manipulará, junto à ONU, o recém-criado Fundo para o Meio-Ambiente Mundial. Este imposto à má consciência vai dispor de pouco dinheiro, 100 vezes menos do que haviam pedido os ecologistas, para financiar projetos que não destruam a natureza. Intenção inatacável, conclusão inevitável: se esses projetos requerem um fundo especial, o Banco Mundial está admitindo, de fato, que todos os seus demais projetos fazem um fraco favor ao meio ambiente.

O Banco se chama Mundial, da mesma forma que o Fundo Monetário se chama Internacional, mas estes irmãos gêmeos vivem, cobram e decidem em Washington. Quem paga, manda, e a numerosa tecnocracia jamais cospe no prato em que come. Sendo, como é, o principal credor do chamado Terceiro Mundo, o Banco Mundial governa nossos escravizados países que, a título de serviço da dívida, pagam a seus credores externos 250 mil dólares por minuto, e lhes impõe sua política econômica, em função do dinheiro que concede ou promete.

A divinização do mercado, que compra cada vez menos e paga cada vez pior, permite abarrotar de mágicas bugigangas as grandes cidades do sul do mundo, drogadas pela religião do consumo, enquanto os campos se esgotam, poluem-se as águas que os alimentam, e uma crosta seca cobre os desertos que antes foram bosques.


3 – Entre o capital e o trabalho, a ecologia é neutra.

Poder-se-á dizer qualquer coisa de Al Capone, mas ele era um cavalheiro: o bondoso Al sempre enviava flores aos velórios de suas vítimas… As empresas gigantes da indústria química, petroleira e automobilística pagaram boa parte dos gastos da Eco-92: a conferência internacional que se ocupou, no Rio de Janeiro, da agonia do planeta. E essa conferência, chamada de Reunião de Cúpula da Terra, não condenou as transnacionais que produzem contaminação e vivem dela, e nem sequer pronunciou uma palavra contra a ilimitada liberdade de comércio que torna possível a venda de veneno.

No grande baile de máscaras do fim do milênio, até a indústria química se veste de verde. A angústia ecológica perturba o sono dos maiores laboratórios do mundo que, para ajudarem a natureza, estão inventando novos cultivos biotecnológicos. Mas, esses desvelos científicos não se propõem encontrar plantas mais resistentes às pragas sem ajuda química, mas sim buscam novas plantas capazes de resistir aos praguicidas e herbicidas que esses mesmos laboratórios produzem. Das 10 maiores empresas do mundo produtoras de sementes, seis fabricam pesticidas (Sandoz-Ciba-Geigy, Dekalb, Pfizer, Upjohn, Shell, ICI). A indústria química não tem tendências masoquistas.

A recuperação do planeta ou daquilo que nos sobre dele implica na denúncia da impunidade do dinheiro e da liberdade humana. A ecologia neutra, que mais se parece com a jardinagem, torna-se cúmplice da injustiça de um mundo, onde a comida sadia, a água limpa, o ar puro e o silêncio não são direitos de todos, mas sim privilégios dos poucos que podem pagar por eles.

Chico Mendes, trabalhador da borracha, tombou assassinado em fins de 1988, na Amazônia brasileira, por acreditar no que acreditava: que a militância ecológica não pode divorciar-se da luta social. Chico acreditava que a floresta amazônica não será salva enquanto não se fizer uma reforma agrária no Brasil.

Cinco anos depois do crime, os bispos brasileiros denunciaram que mais de 100 trabalhadores rurais morrem assassinados, a cada ano, na luta pela terra, e calcularam que quatro milhões de camponeses sem trabalho vão às cidades deixando as plantações do interior. Adaptando as cifras de cada país, a declaração dos bispos retrata toda a América Latina. As grandes cidades latino-americanas, inchadas até arrebentarem pela incessante invasão de exilados do campo, são uma catástrofe ecológica: uma catástrofe que não se pode entender nem alterar dentro dos limites da ecologia, surda ante o clamor social e cega ante o compromisso político.


4 – A natureza está fora de nós.

Em seus 10 mandamentos, Deus esqueceu-se de mencionar a natureza. Entre as ordens que nos enviou do Monte Sinai, o Senhor poderia ter acrescentado, por exemplo: “Honrarás a natureza, da qual tu és parte.” Mas, isso não lhe ocorreu. Há cinco séculos, quando a América foi aprisionada pelo mercado mundial, a civilização invasora confundiu ecologia com idolatria. A comunhão com a natureza era pecado. E merecia castigo.

Segundo as crônicas da Conquista, os índios nômades que usavam cascas para se vestirem jamais esfolavam o tronco inteiro, para não aniquilarem a árvore, e os índios sedentários plantavam cultivos diversos e com períodos de descanso, para não cansarem a terra. A civilização, que vinha impor os devastadores monocultivos de exportação, não podia entender as culturas integradas à natureza, e as confundiu com a vocação demoníaca ou com a ignorância. Para a civilização que diz ser ocidental e cristã, a natureza era uma besta feroz que tinha que ser domada e castigada para que funcionasse como uma máquina, posta a nosso serviço desde sempre e para sempre. A natureza, que era eterna, nos devia escravidão.

Muito recentemente, inteiramo-nos de que a natureza se cansa, como nós, seus filhos, e sabemos que, tal como nós, pode morrer.

*****************************************************
Jornalista e escritor uruguaio, Eduardo Hughes Galeano (03/09/1940 - 13/04/2015) é autor de mais de quarenta livros e já foi traduzido em diversos idiomas. A sua obra transcende gêneros ortodoxos, combinando ficção, jornalismo, análise política e História. O seu livro mais famoso é Veias abertas da América Latina, publicado em 1971. A presente reflexão foi publicada no site Outras palavras no dia 17 de maio de 2011.

AS VEIAS ABERTAS DO ACRE




DOIS BELOS E PUNGENTES VERSOS, que, “atrevidamente”, dividi em quatro e montei-os numa arte que, por seu feitio, o teor do menu “devora”, alumiando o meu blog, são, com efeito, os que colhi de um poema de autoria da acreana Eliana Castela, que, em priscas eras, apesar de não simpatizar com a dor, atuou no teatro amador, afeita que sempre foi ao regalo de viver – iguaria que a faz sorrir e cantar, decantando o deleite de uma existência impregnada de um bom humor que lhe é intrínseco, peculiar, nada a satisfazendo mais do que, de mochila em mochila, ultrapassar fronteiras, aventurando-se mundo afora com o seu companheiro e também um querido meu, o escritor e artista multifacetado Mané do Café, pseudônimo de Jorge Carlos Amaral de Oliveira, que, diga-se de passagem, Eliana “importou” da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, logo se tornando produtora dos affaires artísticos e culturais do moço, agregando-os aos seus. Um exemplo dessa harmoniosa parceria é que, ano após ano, uma nova edição de um dos rebentos paridos pelo casal há uma década vem à tona, isto é, a Folhinha Poética, um calendário em verso e prosa e em formato digital, que, por sua proposta editorial, contempla poetas de pendores os mais diversos e de não importa qual recôndito, a cada edição homenageando um (a) operário (a) do verbo – em 2018, a poesia desta que ora escreve estas parcas linhas foi a homenageada do referido ano. Então... Poetisa, apesar de, atualmente, preferir ser chamada de poeta – anos atrás, ela gostava do nome poetiza (sim, com z) –, Eliana já deu à luz a três livros: Da escrita rupestre à era digitalalguns poemas, lançado pela Editora Mimeógrafo, bem como uma espécie de diário de bordo, onde, poeticamente, com a chancela da Chiado Editora, a artista registra as suas impressões Pelos Rios ao Sabor da Fruta, ambos em 2017, além de Carmeliana: a festa das flores, uma deliciosa celebração da Primavera declamada num só poema, ilustrado por Mané do Café e publicado pela Ibis Libris Editora, em 2019. Porém, eventualmente, ela publica os seus poemas em blogs, sites de periódicos e noutras mídias digitais. Um detalhe é que, além de tecelã da palavra, Eliana é geógrafa de formação, especialista em História da Amazônia e mestre em Extensão Rural, focando as suas pesquisas acadêmicas nos povos indígenas do Acre, o seu cantinho, que acolheu o lirismo de uma infância amparada pelo bucolismo e pela magia da floresta e regada a banhos de rios – “a melhor diversão do mundo, daquele mundo” (prosa poética Abandono, 16/03/2020). Sim, os rios, reciclando lágrimas na doçura das suas águas. Quiçá, uma das inspirações de uma iniciação poética tecida com a seiva leitosa das seringueiras e temperada com os matizes, os sons e os tons da “florestania” (dialeto acreanês), exalando o aroma do manacá do quintal da mãe, dona Giselda – cenário fecundo para o seu début na poesia, com poemas desabrochando e reluzindo sob a luz de uma candeia no breu e nas brenhas: um prelúdio que, rendendo-se à sabedoria da mãe-terra, se deixou seduzir por mantos de mistérios que nem mesmo a ludicidade do balanço embalando os sonhos de uma criança seria capaz de desvendá-los. De há muito, conquanto, a despeito das “lendas”, a minha amiga tem criado versos e histórias de gente grande, desmistificando-se por onde quer passe a sua poesia, abrindo-alas – aplausos!

*
**


Abaixo, ilustrado por Mané do Café, o poema Escassez na íntegra, publicado no blog Carmeliana (28/03/2020) – link anexado –, administrado pela própria Eliana Castela e abrigo digital da sua produção literária, cujos últimos versos impeliram-me a escrever sobre a poetisa.


 
  Leitura             Fiadeira


ESCASSEZ

Os anciãos estão partindo…
Fomos pegos de surpresa.
O envelhecimento populacional,
não mais preocupa.
Agora o mundo corre o risco de perder a vetustez,
tornar-se jovem de repente.
Será um mundo frágil, de experiência
e de pouca sabedoria.

A notícia não é boa:
Não saia de casa, feche a porta.
O tempo é imprevisto, pode ser um mês, dois…
Sem que os netos abracem seus avós,
sem que os filhos toquem as mãos de seus pais.
Num único dia, muitos velhos se vão.

Não velem seus mortos.
Velar é preparar o tempo de aceitação da ausência,
da falta que os que morrem fará.
Dessa vez não haverá tempo de preparação.

Para superar é preciso olhar o horizonte
ver o sol nascer.
Mesmo que se tenha que fechar os olhos,
acender a candeia da alma,
trazer a luz que salva as vidas.
Lembre-se que hoje, no céu cinza da epidemia,
não é dia de lua, nem cheia, nem meia…

Eliana Ferreira de Castela


Blog Carmeliana:

Nathalie Bernardo da Câmara