quinta-feira, 19 de novembro de 2015

NA “PINDURA” DAS CHUTEIRAS

Charge Jorge Braga/Jornal O POPULAR – 8/11/2015


Outro dia, num ônibus, papeando com uma jovem professora que eu havia acabado de conhecer – falamos sobre acessibilidade nos transportes coletivos, coisas desse tipo –, findamos, casualmente, por esbarrar na ‘Regra 85/95’... Daí que cinco meses após a publicação no Diário Oficial da União (18/6) da Medida Provisória nº 676/2015, alterando a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, quando passaram a valer novas regras na concessão de benefícios da Previdência Social – medida essa aprovada em votação simbólica pelo Senado em 7/10 –, o Brasil ainda anda às voltas com dúvidas e questionamentos a respeito da chamada ‘Regra 85/95’, que, no frigir dos ovos, significa que o segurado tem de atingir um número mínimo de pontos, obtido a partir da soma da idade e o tempo da contribuição para poder aposentar-se com o valor integral do benefício – a mulher precisa somar 85 pontos e o homem 95.

Um assunto maçante, convenhamos, para leigos e, de repente, até mesmo para matemáticos, embora o seu entendimento faz-se necessário. Curiosamente, o assunto parece só não ser enfadonho para o polêmico sociólogo italiano Domenico de Masi: “Com o aumento da expectativa de vida, as pessoas passaram a viver muito mais do que antes, mas as regras da aposentadoria continuaram as mesmas da Sociedade Industrial. A aposentadoria deveria acontecer aos 80 anos, e não aos 60. Você sai do seu trabalho justamente na fase que adquiriu mais cultura e experiência, e é levado para uma vida vazia, sem objetivos”. É o que ele chama de ‘cultural gap’. Ideólogo do ‘ócio criativo’, que conjuga tempo livre e criatividade, Masi defende, ainda, a redução da jornada de trabalho, prerrogativa para validar o seu conceito. O fato é que, independentemente dos méritos das novas regras para a aposentadoria no Brasil, ou da sua ausência, tudo é uma questão de ponto de vista.

Tanto é que, muitos dos que antes da vigência das novas regras estavam na iminência de requerem os seus benefícios previdenciários tiveram de cancelar planos. Frustrados, sem a expectativa da aposentadoria, são capazes de tudo acumularem, menos tolerância – o que é até compreensível. Isso porque, levando em consideração as precárias condições de trabalhos e os baixos salários, entre outras adversidades, esses contribuintes serão obrigados a permanecerem, contrariados e sem estímulo algum, na árdua labuta ainda durante vários anos – e sabemos que não há nada mais antipático do que fazer algo por obrigação. Haja estresse! Este, por sua vez, no caso, abala, inexoravelmente, a saúde e o bem-estar do trabalhador, que, apesar de fatigado, terá, sem muitas opções, de render-se ou a uma queda paulatina da sua produtividade, consequentemente, da qualidade do seu trabalho, ou a uma radical mudança de pensamento, de mentalidade, atualizando-se.

O papo no ônibus? Quando pensamos que já vimos de tudo na vida... Lá pelas tantas, a minha interlocutora confidencia-me, gracejando, que um irmão seu, técnico em engenharia, algo assim, andava a fazer algo sui generis, ou seja, devido a Regra 85/95’, já pagava, há cerca de dois meses, o INSS para uma filha de... 4 anos de idade! Não nego, confesso, que me surpreendi ao tomar conhecimento do inusitado gesto – reação semelhante teve a jovem professora, disse-me ela, quando soube da decisão filial tomada em benefício da sobrinha. Pudera, pois, provavelmente, talvez seja o único caso, nesse sentido, no Brasil. Desse modo, não nos restou gargalhar, obviamente chamando a atenção dos demais passageiros, que ignoravam o motivo do nosso bom humor – motivo esse, aliás, que me legou reflexões, inspirando-me a escrever este artigo, cujo tema, para digerir, se é que isso é possível, faz-se necessário ainda mastigar bastante. E rir, se isso também é possível.

Nathalie Bernardo da Câmara




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