“Quem tem
alma de pássaro não se aquieta em terra firme”
– título
de uma crônica da jornalista Karen Curi, Revista Bula (24/01/2015)
Por Nathalie Bernardo da Câmara
Estação das Chuvas
Há
um mês, dei por ensaiadas algumas linhas para tecer uma prosa tocada pelo pesar
da fatídica notícia do falecimento do jornalista potiguar Jailton Augusto
Guedes da Fonseca, primo paterno por quem eu sentia um enorme bem-querer, que,
de mala e cuia, “bateu as asas” e partiu, dando por encerrada a sua jornada cá
por estas bandas – partida essa que nos privou nem que fosse de uma derradeira
troca de ideias, quiçá sobre a pandemia, que, neste início de século,
surpreendeu o mundo, ou sobre qualquer outro tema, apenas acentuando a minha
sensação de que o tempo também “voa”...
Fruto
do enlace do comerciário José Guedes da Fonseca (1918 - 1982) e da professora
Joanita Costa da Fonseca (1915 - 1988), Jailton foi o primogênito de uma prole
de oito filhos, desabrochando num já acalorado fim de primavera, que lhe abria
a cortina da vida no dia 02 de dezembro de 1942. Profissionalmente, ao longo da
sua carreira, ele atuou como redator, pesquisador, planejador visual e foi
responsável por reformas gráficas de muitos periódicos – jornais e revistas –
locais, nacionais e, até mesmo, fora do Brasil.
Quanto
ao nosso convívio... Evidentemente que Jailton já sabia da minha existência
desde o meu nascimento, mas foi apenas depois que me tornei “gente grande”, já
formada em jornalismo e provavelmente “esbarrando-nos” na casa da minha avó
paterna, a inesquecível dona Nanoca (1910 - 2003), que morava na secular Quintino Bocaíuva, às margens do Potengi, de onde ela emanava poesia para toda cidade, e era tia dele por parte de pai,
que ficamos amigos. Revolvendo, portanto, as malhas do tempo e já versando
sobre a notícia que, em junho, me surpreendera, recordo-me que, vez por outra, encontrava
o meu primo num pequeno hotel onde ele residia, nas imediações da Igreja do
Galo, em Natal (RN).
Embalados
por temas os mais diversos após deixarmos a sua morada, como diriam os
portugueses, flanávamos pelas históricas ruas e ruelas da Cidade Alta, muitas
vezes rindo à beça quando um dos dois falava algo hilário – uma singularidade à
parte, as gargalhadas de Jailton eram vibrantes, calorosas, marcantes. É,
dava-nos bem, compartilhando certa cumplicidade. Bom de papo e piadista, quando
a “pauta”, então, era um conhecido, alguém da nossa entourage ou algum parente nosso, ele, com o
seu costumeiro boné, tinha o hábito de iniciar as suas falas dizendo: — Porque
fulano...
No
intuito de interrompê-lo, pois só aprecio o fuxico artesanal, eu enunciava: —
Jailton...
Dependendo
de quem se tratava, o repórter “de plantão” interrompia-me e, bem-humorado,
ignorando o tom crítico da minha chamada, prosseguia com a sua resenha. E aí,
ai do tal fulano! Obviamente que eu ouvia com particular curiosidade o que o
meu interlocutor tinha a narrar, ou seja, o “fato”, e ele era bom nisso, a
ponto de, algumas vezes, instigar-me, comentando sobre a “informação” que me
fora passada, às vezes concluindo a “matéria” ali mesmo, mas não sem antes
vislumbrar um sorriso traquina em seu semblante.
Uma
característica que lhe era intrínseca, o gozo em viver tornou-o, na juventude, um
dos baluartes do bloco ‘Cacareco’, cuja extinção não apagou a chama do
carnavalesco nato, que, ao longo do tempo, continuou a brincar noutros
carnavais, deleitando-se ao “bater as suas asas”. E sempre em harmonia. Tanto
que, certa vez – não me recordo o ano –, ele praticamente “intimou-me” para um
esquenta na casa da então companheira antes de sairmos para a folia na banda
‘Antigos Carnavais’, que, à época, estava em sua 5ª “edição” (guardo a camiseta
até hoje) e que, segundo o historiador e folclorista potiguar Gutemberg Costa,
surgiu de um movimento cultural homônimo, criado em 2002.
Então,
apesar de pensar em declinar do convite, posto que o meu “espírito”
carnavalesco de há muito esvaíra-se, findei por aceitá-lo, mas apenas por
apreciar a companhia festiva do anfitrião, indo, assim, ao esquenta. De lá,
seguimos para o Beco da Lama, onde reinava o clima alegre dos foliões com as
suas fantasias e magia, tal qual a natureza do meu primo, embora, no seu caso,
eu acrescentaria uma pitada de nostalgia – quem, em algum momento, não é por
ela afetado? –, deixando-o, a seu modo, acabrunhado, às voltas ora com as suas
reminiscências, ora com episódios recentes, presentes.
Nesse
ínterim, um encontro aqui, outro acolá – a vida seguindo o seu curso, o tempo a
passar... Voilà ele aí novamente, o tempo! Ora lento, ora veloz; ora querido,
ora temido...
E
eis que irrompe o dia 18 de junho de 2021. Na madrugada fria e solerte de uma
sexta-feira de outono – estação na qual as folhas têm o “péssimo” hábito de
caírem e após meses “engaiolado” num leito de hospital –, o já alquebrado
passarinho não resistiu às complicações cardiológicas, pulmonares e renais que
lhe fecharam a cortina da vida: ele, então, sem confete e serpentina, alçou um
mudo, solitário e terminal voo, embora legando um cadinho seu em cada ato dos
autos que “interpretou” ao longo da sua existência, mas deixando órfãos os seus
quatro filhotes e todos os que, lamentando a sua partida, o amavam, inclusive
eu, que, agora, lhe presto esta saudosa e afetuosa homenagem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Aceita-se comentários...