Por Marina Silva
Ambientalista brasileira,
ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente.
Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo dia 18 de janeiro de
2013.
No sábado passado, quando a polícia cercou o prédio
do Museu do Índio, que o governo do Rio quer demolir para construir um
estacionamento, dois carpinteiros que trabalhavam nas obras do Maracanã pularam
o muro e juntaram-se aos índios para ajudá-los a resistir contra a demolição.
É claro que foram demitidos depois que voltaram ao
trabalho, mas não estavam arrependidos, tinham a tranquilidade de quem agiu de
acordo com sua consciência. É uma pena que não vejamos esse apurado senso de
justiça na maioria de nossos dirigentes políticos.
Os operários do Rio mostraram, ainda, respeito e
carinho pelo patrimônio histórico e pela cultura indígena. Um deles disse que
sua família era do interior do Ceará, região em que havia muitos índios, e
achava que, assim como o Maracanã, o velho prédio do museu deveria também ser
restaurado.
Essa é uma bela lição, que todos devemos aprender.
Também é bela a lição que a sociedade e as organizações civis estão dando, ao
exigir que os governos estadual e municipal promovam o debate público sobre as
obras da Copa do Mundo, de modo que a cidade seja beneficiada, não apenas as
empresas que constroem ou que ocuparão os novos espaços.
Uma vitória o movimento já alcançou: a Escola
Municipal Friedenreich, considerada uma das melhores da cidade, que também
seria demolida, ganhou prazo de ao menos um ano para novas análises e debates
sobre seu futuro.
Um debate democrático chegará a soluções mais
adequadas, em que a escola, que viabiliza o trânsito de crianças e jovens para
um futuro melhor, seja considerada mais importante que melhorar o trânsito dos
carros, argumento para a maioria dessas obras.
Afinal, quem perde com a democracia? A vida no dia
a dia, a vizinhança no bairro, a educação das crianças, a cultura e a história –
tudo o que constitui a qualidade e as referências simbólicas de nossas vidas
não precisa ser soterrado por uma visão de cidade que parece descer do espaço.
Hipermoderna, mas sem as marcas e relevos da história de sua diversificada
formação, a cidade pode tornar-se artificial, como se fosse reservada ao uso
exclusivo de alienígenas.
Essas situações acontecem no Rio devido às obras da
Copa e da Olimpíada, e, por isso, ganham maior visibilidade. Mas são, também,
uma representação do que ocorre cotidianamente em nossas grandes e médias
cidades.
Ainda bem que temos uma ação da sociedade para
defender seus direitos, com a saudável ideia de que "a cidade é
nossa". Esse movimento nos chama; é hora de pular o muro e ficar do lado
dos índios, das comunidades e do esforço para construir cidades onde a
sustentabilidade cultural e social na vida não seja atropelada pela pressa dos
grandes eventos.
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