Por Marina Silva
Ambientalista
brasileira, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente.
Artigo publicado no jornal
Folha de S. Paulo no dia 11 de janeiro de 2013.
Quando começam as chuvas, todos sabemos que haverá
enchentes nas grandes cidades, desbarrancamento e moradias soterradas nos
morros. A culpa, segundo os agentes públicos, é do excesso de chuvas e da
insistência dos moradores em permanecer no local.
Mais um ano de seca no sertão nordestino. Estados e
municípios disputam desesperados os recursos para barragens, carros-pipa,
poços, atendimento de emergência. A culpa? Das pessoas que moram em lugar
errado e da natureza, que mandou toda a água para outra região.
Já estamos nos acostumando com essa lógica. Nos
anos de crescimento e bonança, os que estão no poder arvoram-se a dar lições ao
mundo; nos anos das vacas magras, o problema é a crise na Europa, a guerra
cambial, a falta de ousadia dos empresários... Para os que estão na oposição, o
sucesso é resultado de alguma decisão anterior ao governo atual, enquanto o
fracasso vem dos erros cometidos por esse.
Atualmente, voltamos à "interrupção no
fornecimento" de energia (há que se buscar novos nomes para o velho apagão)
que, como sabemos, nos últimos anos teve vários culpados: faltou chuva nos
reservatórios, um raio desligou a transmissão, o calor fez todo mundo ligar o
ventilador.
Mas o ministro tem um jargão na ponta da língua que
sintetiza o condomínio dos culpados: "problemas ambientais'. Leia-se
índios e ecologistas, que atrasam a construção de usinas. Uns não têm força
para demarcar e proteger suas terras, outros não conseguem impedir a
desfiguração do Código Florestal, mas o ministro diz que, juntos, têm o poder
de apagar a luz do país.
Cá entre nós, desconfio que o planejamento
energético brasileiro é atrasado e não prevê a diversificação e distribuição
necessária para superar os limites de nossa matriz energética.
Digo "desconfio" porque quase ninguém
conhece os planos desse setor, herança e continuação das estruturas
centralizadas, anteriores à democratização do país. Os poucos que têm acesso
parecem muito competentes, mas não podem vencer um exército de índios.
A culpa do apagão e de todos os desastres anuais
previsíveis e anunciados não pode ser dos políticos e gestores públicos.
Afinal, quem escolhe os diretores de órgãos públicos e agências? Quem coloca
afilhados políticos em cargos técnicos? Quem faz acordos para entregar
ministérios com "porteira fechada" aos partidos políticos? Quem
nomeia os que, pouco tempo depois, serão flagrados em atos ilícitos e práticas
de corrupção?
Não, certamente a culpa não pode ser dos que
planejam, coordenam e executam as políticas públicas nas cidades, nos Estados e
no país.
Convoquem o povo, os índios, os ecologistas, a
chuva. Alguém terá que se casar com dona Culpa.
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