sábado, 5 de outubro de 2019

DE CINZAS E BREU (registro ilustrado)

 Arte de Renato Aroeira, a partir de ideia de Chico Marinho sobre foto de Araquém Alcântara, que, no início de agosto do corrente, ao trafegar por um trecho da BR-163, a Rodovia Cuiabá-Santarém, registrou um tamanduá-mirim cego e com a sua parte frontal queimada saindo de um foco de incêndio na Floresta Amazônica. Curiosamente, ao sentir a presença do fotógrafo, o tamanduá ficou sob as suas duas patas inferiores e abriu os braços, numa atitude de defesa típica da espécie – o paradoxo é que a ameaça era outra...

“O sol há de brilhar mais uma vez, a luz há de chegar aos corações, do mal será queimada a semente, o amor será eterno novamente” – Juízo Final (1973), de Nelson Cavaquinho (1911 - 1986), musicista brasileiro, amante das balbúrdias.


Palco de um drama dantesco – a intensificação de queimadas em suas entranhas no mês de agosto, desencadeando, entre outras consequências, uma crise ambiental, política e diplomática –, a Floresta Amazônica atraiu e continua atraindo holofotes dos quatro cantos do mundo, que, perplexo e comovido, se interroga ante à devastação desenfreada e criminosa da Amazônia Legal, instituída pela lei˚ 1.806/1953 e que corresponde a 60% dos sete milhões de quilômetros quadrados ocupados pela Amazônia Internacional na América do Sul, que, além do Brasil, engloba mais oito países: Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia. No tocante à Amazônia Legal, esta abrange nove Estados de três regiões brasileiras: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins (Norte); Mato Grosso (Centro-Oeste) e Maranhão (Nordeste). Porém, não são apenas as queimadas em questão que chamam a atenção do planeta, mas de igual modo as suas causas, a sua motivação. Daí que noutro “palco”...
 Arte: Alisson Affonso

Escatológico. Eis a síntese do “discurso” de abertura da 74ª edição da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), proferido pelo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, na sede da instituição em New York, nos Estados Unidos, em 24 de setembro. Como já era esperado, uma grotesca e maçante aparição – performance típica das aberrações. E indigesta: ao longo de pouco mais de meia hora e como é do seu feitio, Bolsonaro não hesitou em atacar tudo e todos, indiscriminadamente, sem respeitar nada, nem ninguém – o que dirá a tribuna do evento! Um evento, aliás, cujo tema foi ‘Reunir esforços multilaterais para erradicação da pobreza, educação de qualidade, ações climáticas e inclusão’, embora, ao invés de esclarecer aos líderes estrangeiros quais os seus meios e métodos para resolver a crise ambiental que se abateu sobre a Amazônia, ele não somente justificou petulantemente as atuais queimadas como um incidente favorecido pelo clima seco e por práticas culturais locais, como também negou descaradamente que a floresta vem sendo devastada e consumida pelo fogo, chamando a mídia de mentirosa por divulgar o que, para ele, são inverdades, ao mesmo tempo afrontando todos os presentes, desafiando-os para comprovar o que dizia.

Um descarado, isso sim, pois, é público e notório, que, em agosto do corrente, por exemplo, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão responsável pelos dados de medição de desmatamento no Brasil, o desmatamento da Amazônia aumentou 222% em comparação com o mesmo período em 2018. Ora, o fato é que, por não ter a intenção de debelar a crise na Amazônia, mas agravá-la, posto que os seus planos macabros incluem a devastação da floresta e a dos povos que a habitam, Bolsonaro limitou-se à única coisa que sabe fazer, ou seja, parasitar, não medindo esforços para, com a sua truculência, jogar mais lenha na fogueira, o que, obviamente, aumentou os clamores de repulsa e de repúdio a sua pessoa, ao seu governo e a tudo o que lhe diz respeito, como amplamente difundiu a imprensa nacional e internacional – uma “pequena” amostra da sua caótica fala e a sua repercussão pode ser lida nas reportagens do penúltimo e antepenúltimo links em anexo, registrando que, além de manter a tradição não oficial de um representante brasileiro sempre fazer o discurso de abertura das sessões anuais da ONU desde os seus primórdios, o mandatário do Brasil apenas poluiu o ambiente com a sua costumeira fala desastrosa, incluindo as declarações contra o meio ambiente que definem a persona non grata que ele é, assim como o caráter ignóbil do seu governo e daqueles que o cercam. Infelizmente, o estímulo para a depredação ambiental que o planeta ora presencia. Sim, uma realidade que, segundo o resultado de uma pesquisa do Datafolha, divulgada nacionalmente em 04/09, só respalda os míseros 12% da população brasileira que aceitam o presidente do Brasil.


 Arte: Carlos Latuff

“O grupo dos mais afinados com Bolsonaro é formado pelos que votaram nele, aprovam seu mandato e concordam com suas declarações. São seus adeptos fiéis, entusiastas fanáticos, para não dizer adoradores em qualquer circunstância. Representam 12% da população com 16 anos ou mais. É o chamado grupo heavy do presidente, aquele núcleo duro de apoiadores irrestritos constituído por bolsonaristas radicais”, comentou o professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), Reginaldo Prandi, em artigo publicado no Jornal da USP (13/09). Para o pesquisador, que também é um dos fundadores do Datafolha, “o grupo dos 12% heavy não se destaca por seu tamanho, mas se sobressai por garantir uma base social concreta que legitima um presidente que afronta princípios da democracia, da cidadania, da solidariedade e do respeito ao próprio cargo que ocupa. Um presidente que trata como lixo o meio ambiente, a educação e a ciência, que não se vexa de se mostrar ignorante, malformado e mal-informado, preconceituoso, useiro e vezeiro de expressões chulas. Aliás, de poucas palavras, argumentação precária e articulação de frases travada”. Por fim, Prandi concluiu: “Se repito aqui o que já sabemos até as tampas, é apenas para demostrar que não há nada de subjetivo na afirmação de que o presidente Bolsonaro é do mal”. 


 Arte: Ribs

Não à toa, o “acelerador” dos incêndios na Amazônia, que atingiram o seu ponto mais alto naquele que ficou conhecido como o ‘dia do fogo’ (10/08), teria sido a negligência de Bolsonaro em relação ao meio ambiente e o seu desprezo pelos povos tradicionais, defendendo a ocupação das suas terras e a da floresta em si pelo capital – discurso esse esbravejado aos quatro ventos pelo celerado de plantão antes mesmo do resultado das eleições presidenciais brasileiras de 2018. Daí que, denunciado pelo jornal paraense Folha do Progresso em 05/08, o ‘dia do fogo’ refletiu consonância de demais antiambientalistas às declarações beligerantes de Bolsonaro e consistiu numa ação criminosa cujo epicentro foram os municípios de Nova Progresso e Altamira, no Sudoeste do Pará, estado brasileiro campeão em desmatamento e um dos principais focos de conflitos agrários no país, mas simultaneamente ocorrendo noutras áreas da Amazônia – à ocasião registrou-se a maior alta de queimadas, comprometendo unidades de conservação ambiental, terras indígenas, matas e pastagens, a ponto de, nesse dia, segundo o INPE, o aumento dos incêndios e queimadas em Novo Progresso ser de 300%: com 124 registros, tornou-se o recorde do ano, mas que durou pouco, pois, no dia 11, esse número pulou para 203 registros, com a cidade passando a conviver com uma densa nuvem de fumaça. Em Altamira, cuja parte do território está na área de influência da BR-163, o salto no dia 10 foi ainda maior, 743%, com 194 casos. No dia seguinte, foram 237 ocorrências de fogo.

Segundo nota técnica do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), intitulada Amazônia em chamas e divulgada no dia 20 de agosto, o número de focos de calor registrados na região foi de 60% mais alto do que o registrado nos três anos anteriores, atribuindo esse percentual ao crescimento desordenado do desmatamento. Sim, porque, como explicou a diretora de Ciência do IPAM, a geógrafa Ane Alencar, e uma das autoras da referida nota: “Não há fogo natural na Amazônia. O que há são pessoas que praticam queimadas, que podem piorar e virar incêndios na temporada de seca”. Um dos problemas, contudo, enfrentados por quem mora na região é a fumaça dos incêndios, que, além de provocar impactos ambientais e socioeconômicos, desencadeia problemas respiratórios. No Acre, por exemplo, destaca a nota, cidades passaram a respirar “uma quantidade de material particulado muito acima do que é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)”.

Já na introdução da nota, um pertinente e suscinto esclarecimento: “O fogo é um elemento comum na paisagem rural brasileira. Usado para limpar áreas recém-desmatadas e outros tipos de terreno, como pasto, frequentemente escapa ao controle e queima o que não deveria queimar. Na Amazônia não é diferente. Sua incidência na região está diretamente relacionada à ação humana e as chamas costumam seguir o rastro do desmatamento: quanto mais derrubada, maior o número de focos de calor”. E maior devastação. Na opinião do doutor em Ecologia Paulo Moutinho, pesquisador do Ipam e coautor da nota: “Combater o desmatamento, um vetor das queimadas, e desestimular o uso do fogo para limpar o terreno são fundamentais para garantir a saúde das pessoas e das florestas”. No caso do Acre, refém das queimadas e chamado de o coração da Amazônia, o governador decretou situação de emergência no Estado – o governador do Amazonas também.

Falando em órgão, desmistificando o entendimento que muitos têm de que a Amazônia é o “pulmão do mundo”, a geógrafa Eliana Castela, natural do Acre, numa postagem em sua página do Facebook, foi até bem didática. Na verdade, explica, a Floresta Amazônica é o “refrigerador” da Terra, posto que “a floresta é a garantia de chuvas. Destruí-la resultará no agravamento do aquecimento global e consequente degelo das calotas polares, elevando o nível do mar e reduzindo a quantidade de terras emersas”. Resumindo: a floresta em si é a maior consumidora de quase todo o oxigênio que produz, mas manter a floresta é fundamental para o clima. Na realidade, as algas marinhas é que são o pulmão do mundo. Já para o jornalista Ney Gastal, “a Amazônia é uma fábrica de chuvas”. Só que quanto mais o desmatamento progride, mais as chuvas tendem a rarear, comprometendo o equilíbrio da floresta. Sem falar que a sua devastação igualmente ameaça a biodiversidade do mundo.


RAIOS-X DAS DEVASTAÇÕES 


 Artes: Carlos Latuff

Afora as severas estiagens – caso deste ano – “não há fogo natural na Amazônia”, como foi aclarado pela geógrafa Ane Alencar, do Ipam. Na verdade, o que há são queimadas, decorrentes do desmatamento, provocados por pessoas, que desencadeiam focos de incêndio. Segundo dados do Inpe, a onda de incêndios atingiu e continua atingindo não apenas a Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, mas também parte do Pantanal, alcançando, inclusive, a tríplice fronteira entre o Brasil, a Bolívia e o Paraguai – este último, no dia 23 de agosto, solidário com os países vizinhos, conseguiu controlar o fogo, cujas chamas, antes de serem contidas, chegaram a abocanhar 20.000 hectares de vegetação pantaneira.

Já os países que, junto com o Brasil, integram a Amazônia Internacional, também adotam providências no intuito de conterem os incêndios que se espalham por seus territórios. Porém, biomas como o Cerrado, a Mata Atlântica, a Caatinga e o Pampa foram igualmente atingidos pelas queimadas em solo brasileiro. E as cifras são alarmantes: houve um aumento de 83% no número de incêndios florestais no Brasil entre 1º de janeiro e 19 de agosto em comparação com o mesmo período do ano passado. Foram 72.843 queimadas neste ano, em comparação com 39.759 neste período em 2018. Deste total, entre os biomas brasileiros, 52,5% foram registrados na Amazônia, 30,1% no Cerrado e 10,9% na Mata Atlântica. O restante ocorreu no Pantanal, na Caatinga e no Pampa.

Divulgados em meados de julho pelo Inpe, os números chegaram a ser criticados pelo presidente Jair Bolsonaro, que, à época, acusou o órgão de distorcê-los, questionando a idoneidade do órgão: “Não queremos propaganda negativa do Brasil”. Ora, quer maior propaganda negativa do Brasil do que a sua figura patética no cargo de chefe do Executivo e as suas ações, invariavelmente escusas? Ocorre que, em resposta ao disparate, o então diretor do Inpe, Ricardo Galvão, argumentou que as acusações do presidente eram indevidas, pois denegria a imagem de pessoas “do mais alto nível da ciência brasileira”, não hesitando em classificar a atitude de Bolsonaro de “pusilânime e covarde”, acirando as desavenças com o presidente. O fato é que, por tornar público o descalabro dos incêndios nas matas brasileiras, o cientista tornou-se alvo da fúria de Bolsonaro, que, irresponsável e sumariamente, o demitiu no início de agosto: “Não havia mais clima para que ele continuasse no cargo”, justificou o presidente, indiferente às consequências não apenas do seu despotismo ao exonerar Galvão, mas também da sua negligência para com o meio ambiente como um todo.


 Arte: Alexandre Cabral (Aleco)

De pronto, ganhando as manchetes de jornais nacionais e estrangeiros, o episódio gerou notas e declarações de repúdio à demissão do físico brasileiro pulularam. Uma delas foi a de Douglas Morton, diretor da Nasa, a agência espacial americana, e professor-adjunto da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, que considerou a exoneração de Ricardo Galvão “altamente alarmante”, já que “reflete como o atual governo brasileiro encara a ciência”. Surpreso com a situação, ele acresceu: “Não acredito que o presidente Jair Bolsonaro duvide dos dados produzidos pelo Inpe, como diz. Na verdade, para ele, são inconvenientes. Os dados são inquestionáveis”.

Uma nota, entretanto, dentre muitas outras, mereceu destaque, que foi a emitida pela Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal (4ª CCR). O documento, assinado por Nívio de Freitas, subprocurador-geral da República e coordenador da 4ª CCR, foi direto: “Os trabalhos desenvolvidos pelo Inpe são de extremo rigor científico e gozam de prestígio e reconhecimentos internacionais”. Afirmando que as aferições do desmatamento na Floresta Amazônica e os laudos, produzidos há longos anos, “são totalmente confiáveis e cientificamente inatacáveis”, Nívio de Freitas aditou ser “inaceitável que eventual inconformismo com a exposição de dados oficiais, que, por força de comando constitucional são públicos, e que desvelam quadro de sensível aumento no desmatamento, possa justificar a descontinuidade de serviços e ações de interesse do Estado brasileiro”. Por fim, a nota afirmou que o desmatamento na Amazônia é “diretamente afetado por deficiências na cadeia de fiscalização, comando e controle” e que a “manipulação de atos estatais, com o objetivo de fins não expressos no ordenamento jurídico, são sempre ilegítimos e serão combatidos pelo MPF”.

Ora, só o que se tem visto desde o início do ano são atos estatais ilegítimos, preconizados, diga-se de passagem, ainda durante a campanha eleitoral para a presidência da República do então candidato Jair Bolsonaro (PSL), um político que, por seu histórico, é desprovido da envergadura que requer o cargo de chefe do Executivo e que, em menos de um ano de mandato, tem agido com truculência e a seu bel prazer, com ânimos destemperados e sem diplomacia alguma, ignorando e investindo agressivamente contra não importa quem, de servidores públicos a autoridades nacionais e estrangeiras, países aliados ou não. Recentemente, por exemplo, quando a Alemanha e a Noruega anunciaram ao mundo a suspensão do repasse ao Fundo Amazônia de pouco mais de R$ 280 milhões, destinados à fiscalização ambiental da Floresta Amazônia, Bolsonaro desdenhou-os, menosprezando a importância de tais recursos e a relação amical do Brasil com ambos os países.


 Arte: Rodrigo Brum

Aqui, um parêntese: uma ideia do governo brasileiro, proposta em 2007, durante a 13ª Conferência da ONU sobre as Mudanças no Clima (COP-13), a fim de arrecadar recursos – nacionais e estrangeiros – para manter viva a maior floresta tropical do mundo e, portanto, ajudar no combate às mudanças climáticas, a criação do Fundo Amazônia foi autorizada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no ano de 2008. Condicionadas à redução das emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento, as doações ao fundo são voluntárias – até o fim de 2018, o Fundo Amazônia recebeu aproximadamente R$ 3,4 bilhões em doações, sendo 93,8% provenientes do governo da Noruega, 5,7% do governo da Alemanha, por meio do KfW Entwicklungsbank, e 0,5% da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras). Porém, para quem questiona os interesses da Noruega e os da Alemanha por trás das suas doações ao fundo, explicações simples...

Segundo Carlos Minc, que, no segundo mandato de Lula ( 2007 - 2010), comandava a pasta ambiental em 2009, em substituição a Marina Silva e para quem “Bolsonaro e Salles [atual ministro do Meio Ambiente] transformaram o Brasil na escória ambiental do planeta”, quando o primeiro contrato de doação ao Fundo Amazônia foi firmado com o Ministério das Relações Exteriores da Noruega, a preocupação do país escandinavo estava relacionada aos impactos do aquecimento global, mais especificamente à elevação do nível do mar, e que, à ocasião, o ministro norueguês do Meio Ambiente teria usado uma frase mais ou menos assim: “A Noruega é um pequeno país ao lado da Groelândia. Quando aquilo derreter, um dos primeiros países a submergir. Então, para nós, a questão climática é uma questão de sobrevivência. O que estamos assinando, hoje, não é um ato de bondade, é um seguro de vida”. Quanto à Alemanha... De acordo com Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente, ainda no Governo de Lula, em 2010, ano em que foi firmado o primeiro contrato de doação do Estado alemão ao Fundo Amazônia, tal contribuição deu-se em decorrência da tradição de cooperação da Alemanha com o Brasil. Por e-mail, ainda de acordo com a reportagem do jornal O Eco, a Embaixada alemã no país confirmou o longo histórico de cooperação com o Brasil e ressaltou que a Alemanha costuma apoiar projetos de conservação ambiental não só na América Latina, mas em todo o mundo.

O fato é que os dois países só congelaram os seus repasses ao Fundo Amazônia em decorrência do descaso do próprio Bolsonaro com a questão ambiental, levando em conta que, desde o começo do seu mandato, os índices de desmatamento no Brasil só aumentam. Sem falar que, em maio, o ministro Ricardo Salles anunciou mudanças na gestão do Fundo Amazônia, ventilando a possibilidade de destinar parte dos seus recursos para indenizar proprietários de terras em áreas protegidas, o que, evidentemente, em nada agradou a Alemanha e a Noruega. Daí que, na prática, as atividades do fundo estão paralisadas, ressaltando que essa era uma das preocupações do ex-diretor do Inpe, o físico Ricardo Galvão, já que o monitoramento do desmatamento na Amazônia realizado pelo referido órgão pode sofrer grandes impactos caso o Fundo Amazônia seja extinto. 


 Arte: Cláudio de Oliveira

Cumulando-se a esse cenário desolador o desmonte de instituições ambientais, como, por exemplo, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes (ICMBio), autarquia ligada ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e reconhecida pela ONU, salientando que, no pensamento torto de Bolsonaro, áreas de proteção ambientais, terras indígenas e quilombolas são considerados entraves para o desenvolvimento do país – resta saber de qual país ele fala...

O fato é que, com a sua proposta de desmonte, o presidente já deixou bem claro que o meio ambiente não é uma prioridade do seu governo. Nem o meio ambiente, nem as terras indígenas, posto que, durante o seu mandato, ele não permitirá demarcação de terras indígenas. Em contrapartida, entregar as já existentes ao agronegócio – coisa até já ensaiada –, não lhe afeta, pois, afinal, a única serventia do Brasil e do povo brasileiro para ele é a possibilidade de espoliá-los, devastando-os social e economicamente e conduzindo-os ao cadafalso, nem que, para isso, a sua “empreitada” seja pautada a ferro e fogo, derramando sangue, suor e lágrimas.

Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), existem, atualmente, 567 áreas indígenas regularizadas, que ocupam cerca de 117 milhões de hectares em todo o Brasil. Outras 115 áreas estão em estudo na autarquia, e seis estão interditadas (quando há restrições de uso e de ingresso de terceiros) para a proteção de povos indígenas isolados – desde o início do seu mandato, Bolsonaro foi derrotado duas vezes na tentativa de transferir a demarcação de terras da Funai para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Agora, caso essa “má ideia” concretize-se, os conflitos no campo irão acirrar-se ainda mais – não nos esquecendo da agricultura familiar: em maio do corrente, o BNDES mais uma vez suspendeu o repasse de verbas para o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), além de R$ 6 bilhões que ainda não foram liberados para a safra 2018/2019. Lamentavelmente, o Brasil assiste indignado os desmandos de Bolsonaro, que, em seu desvario, determinado a desmontar o país, anda de mãos dadas com o agronegócio, sinônimo de cifrões, e vive um eterno idílio com o seu próprio ego...







Felizmente, ao contrário dos instintos genocidas do presidente do Brasil, o mundo está atento aos seus desmandos, considerados por muitos como crimes contra a humanidade – não nos esquecendo da imprensa nacional e internacional, ou melhor, da mídia de um modo em geral e das várias petições online em diversas plataformas e em várias línguas em prol da Amazônia, cuja agonia repercute além de todas as fronteiras, sejam elas reais ou, no caso das assinaturas já coletadas, virtuais. Uma dessas petições, por exemplo, foi criada pelo advogado Gabriel Santos de Souza, que nasceu e mora em Rio Branco: “Ser contra o desmonte das políticas ambientais não é uma questão ideológica, é uma questão de bom senso. Como a gente pode ser a favor de medidas que vão prejudicar a qualidade do nosso ar, da nossa água e comida? Isso é insanidade”, desabafou o advogado lamentando ao ver idosos e crianças aboletarem-se nas unidades de saúde da sua cidade por causa de problemas respiratórios decorrentes das queimadas criminosas.

Outro brasileiro inquieto ante as queimadas e o desmatamento da Amazônia é Rafael Sampaio, diretor da plataforma Change.org Brasil, na qual Santos de Souza hospedou a sua petição: “A floresta está sob ataque desde o início de 2019 e as pessoas perceberam isso. O governo tem adotado medidas em série para desacreditar programas públicos que visam combater o desmatamento, colocando em xeque ONGs, ativistas e até institutos renomados de pesquisa, como o Inpe. Além disso, as suas ações estimulam quem desmata e dificultam a vida de indígenas e povos tradicionais. Cedo ou tarde, esse caldo iria engrossar”. E continua engrossando.

Na opinião do ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Ola Elvestuen – opinião essa divulgada após o governo norueguês suspender recursos para o Fundo Amazônia –, “o que o Brasil tem feito mostra que eles não estão preocupados em parar o desmatamento”, enquanto o nosso governo está preocupado “com o que os cientistas chamam de ponto de inflexão”, ou seja: “Se você cortar floresta depois de um determinado ponto, todo o resto poderia se autodestruir porque o sistema florestal é dependente da chuva que ele mesmo gera”.


Em fevereiro do ano passado, um estudo divulgado na publicação especializada Science Advances indica que esse ponto não está tão distante. Ele será atingido se o desmatamento chegar a 40% da floresta. Nesse cenário, haveria longos períodos de seca nas regiões central, sul e leste da Amazônia, enquanto as regiões sul e leste poderiam ficar parecidas com savanas. “Apesar de não sabermos o ponto de inflexão exato, escreveu Carlos Nobre, um dos autores do estudo e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Mudanças Climáticas, estimamos que a Amazônia está muito próxima de atingir esse limite irreversível”. Ou seja, se for zerado o desmatamento na Amazônia e o Brasil cumprir seu compromisso de reflorestamento, em 2030 as áreas totalmente desmatadas na Amazônia estariam em torno de 16% a 17%. Dessa forma, estaríamos no limite, mas ainda seguro, para que o desmatamento, por si só não faça com que o bioma atinja um ponto irreversível. Nobre estima, ainda, que aproximadamente 150 mil km² de matas “estejam em recuperação”, o equivalente a 15% do total desmatado. O maior dos projetos é tocado pela ONG Conservation International, que promete plantar 73 milhões de árvores em 70 mil hectares no Amazonas, Acre, Pará e Rondônia.
Em sua entrevista, o ministro norueguês deu um ultimato: “A menos que o Brasil volte com uma proposta de um novo conselho e um comitê técnico que a Noruega e a Alemanha possam aceitar, é impossível continuar a cooperação”.

Criticadas por Bolsonaro, Noruega e Alemanha reflorestam mais que desmatam – por Clarissa Neher, Leonardo Rodarte e Wanderley Preite Sobrinho e colaboração para o UOL em Berlim e Oslo e do UOL em São Paulo (16/08/2019)


Um estudo do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo do Brasil (MapBiomas), divulgado no Estadão (28/08), afirma que “boa parte dos milhões de hectares devastados da Amazônia não servem para coisa alguma. Nem para pasto. Sem planejamento ambiental e agrícola, as terras foram mal utilizadas e se deterioraram, tornando-se improdutivas. Criado em 2015, o MapBiomas é uma rede colaborativa, formada por especialistas em biomas, usos da terra, sensoriamento remoto, ciência da computação e SIG. Os cientistas mostram que existem soluções, é só preciso implementá-las. Entre elas, zerar o desmatamento e restaurar as florestas. E também os ecossistemas costeiros. Ações que devem ser implementadas já, antes de o mundo ficar sufocado com o aquecimento global – as emissões de dióxido de carbono (CO2) têm batido recordes. As queimadas na Amazônia colaboram e muito com isso. O CO2 representa 76% do total de emissões de gases do efeito estufa lançados anualmente na atmosfera – 62% provenientes de combustíveis fósseis, 11% do uso da terra e 3% de químicos”.

Em reportagem da revista Época (03/09), a geógrafa Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM, disse que só a mudança da política federal vai apagar as chamas que ardem na Amazônia: “Vemos a ponta do iceberg. Temos ideia apenas deste início da estação seca. O período de tempo mais crítico ainda nem começou em parte da região. Há muita área desmatada, sujeita ao fogo”, sendo os desmatadores a principal causas das queimadas, posto que “eles estão colocando mais fogo para desmatar”. Para ela, o que realmente vai apagar o fogo é o combate ao desmatamento ilegal (99%), defendendo a fiscalização para isso – coisa que, se tivesse acontecido até julho, evitaria o que hoje se vê. Sobre o tema, o relatório Mudanças Climáticas: Impactos e Cenários para a Amazônia, produzido por órgãos de pesquisa com base em dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), vinculado à ONU, e divulgado pelo UOL (05/09), aponta que o desmatamento, que já cobre quase 20% da Amazônia brasileira, e a degradação ambiental, que pode estar afetando uma área muito maior, a Amazônia já perdeu de 40% a 50% da sua capacidade de bombear e reciclar a água. E que, somente em agosto, as queimadas atingiram uma área equivalente a 4,2 milhões de campos de futebol, o maior valor para o mês desde 2010.

O pesquisador José Marengo, por sua vez, coordenador-geral de Pesquisa e desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), afirmou que se o aquecimento seguir a tendência atual – sem uma ação para conter o desmatamento, as queimadas e a degradação –, a situação da Amazônia tende a se agravar a níveis críticos até o fim deste século: “A previsão dos modelos climáticos para a Amazônia apresentados pelo IPCC apontam para um aumento da temperatura média do ar projetado até o final do Século XXI bem acima de 4% C e redução nas chuvas de até 40%. Essa mudança tem potencial para gerar grandes desequilíbrios em ecossistemas vitais para a sobrevivência da humanidade”, explicando que caso a temperatura tenha essa alta, “a floresta pode colapsar. Significaria que o volume de CO2 que a floresta absorve hoje seria liberado para o ar. Basicamente, chegaríamos a um ponto de não retorno, e não só a floresta, mas outros sistemas poderiam colapsar. Haveria alterações no ciclo hidrológico global e a possibilidade de extinção das espécies”.


 Arte: Gilmar Machado

Rechaçando as acusações deslavadas e levianas de Bolsonaro de que Organizações Não Governamentais (ONGs) são as responsáveis pelos focos de incêndio na Amazônia Legal, a Associação Brasileira de ONGs (Abong) divulgou nota pública (21/08) assinada por 172 organizações, justificando que “o aumento das queimadas não é um fato isolado”. E que, no curto período do atual presidente do Brasil, “também cresceram o desmatamento, a invasão de parques e terras indígenas, a exploração ilegal e predatória de recursos naturais e o assassinato de lideranças de comunidades tradicionais, indígenas e ambientalistas. Ao mesmo tempo, Bolsonaro desmontou e desmoralizou a fiscalização ambiental, deu inúmeras declarações de incentivo à ocupação predatória da Amazônia e de criminalização dos que defendem a sua conservação.

O aumento do desmatamento e das queimadas representa, também, o aumento das emissões brasileiras de gases do efeito estufa, distanciando o país do cumprimento das metas assumidas no Acordo de Paris. Enquanto o governo justifica a flexibilização das políticas ambientais como necessárias para a melhoria da economia, a realidade é que enquanto as emissões explodem, o aumento do PIB se aproxima do zero.

O Presidente deve agir com responsabilidade e provar o que diz, ao invés de fazer ilações irresponsáveis e inconsequentes, repetindo a tentativa de criminalizar as organizações, manipulando a opinião pública contra o trabalho realizado pela sociedade civil.

Bolsonaro não precisa das ONGs para queimar a imagem do Brasil no mundo inteiro”.

Em entrevista ao Estadão, o coordenador de políticas públicas do Greenpace, Marcos Astrini, chamou de covardes as declarações do estorvo: “Um presidente que não assume os seus atos e tenta culpar terceiros pelos desastres ambientais que ele mesmo promove no país”, acrescentando que, “desde que tomou posse, Bolsonaro tem praticado um verdadeiro desmonte da política ambiental do país e feito diversas declarações como esta que, além de muito constrangimento internacional, só incentivam as práticas criminosas contra o meio ambiente e trazem prejuízos para o país. Já foram oito meses de governo e, até agora, nenhuma medida foi anunciada para conter o desmatamento ou proteger a Amazônia”, finalizou. Já o WWF Brasil, em nota, afirmou que lamentava a “tentativa do presidente de desviar o legítimo debate da sociedade civil sobre a necessidade de proteger a Amazônia”, dizendo, ainda, que o poder público deveria “zelar pelo patrimônio e não criar divergências estéreis e sem base na realidade”.

Exemplo disso foi a reação leviana de apoiadores do governo federal ao distorcerem uma fala do presidente francês, Emmanuel Macron, acusando-o de ameaçar a soberania brasileira, somente porque, em 22/08, em postagem no Twitter – a rede social preferida da maioria dos políticos –, ele defendeu que os incêndios na Floresta Amazônica fossem discutidos pela cúpula do Grupo dos 7 (G7), formada pelas sete maiores economias do mundo (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) e prevista para reunir-se em Biarritz, na França, no final de semana seguinte: “Nossa casa queima. Literalmente. A Amazônia (...) arde em chamas. É uma crise internacional”, escreveu Macron. Ora, o que se viu foi apenas uma real preocupação de Macron com a preservação ambiental – o que também deveria preocupar Bolsonaro, que se mostra indiferente a questão e cujo discurso tem sido favorável aqueles com os quais ele tem ligações políticas, no caso, as mineradoras, os garimpeiros, os madeireiros e os latifundiários. 


Arte: Victor Solís (México)

O fato é que quem ameaça alguma coisa aqui é o próprio Bolsonaro, porque, desde que ele assumiu a presidência da República, os fiscais do Ibama estão sendo hostilizados, principalmente na região Amazônica, já que o discurso antiambientalista do seu governo motivam os responsáveis pela exploração predatória da Amazônia a intimidarem agentes de fiscalização do Ibama: “Eles estão se sentindo empoderados agora”, disse um fiscal que trabalha há mais de 15 anos no órgão em entrevista à revista Veja no mês de agosto – as hostilidades por parte de grupos ilegais de madeireiros, garimpeiros e grileiros não são nenhuma novidade, mas passaram a ser mais contundentes neste ano, ainda mais depois que, em abril, numa feira agropecuária em Ribeirão Preto (SP), Bolsonaro garantiu aos ruralistas presentes que pretendia fazer “um limpa” nos dois órgãos ajuizados da fiscalização e preservação ambiental no Brasil, ou seja, o Ibama e o ICMBio.

Só que, apesar de a proteção das nossas matas não ser uma preocupação de Bolsonaro, 96% dos seus eleitores defendem o aumento da fiscalização para combater o desmatamento ilegal, como ficou atestado por uma pesquisa sobre o tema, realizada entre os dias 14 e 16 de agosto com mil entrevistados em todas as regiões do país. A exemplo de sondagens anteriores, também ficou evidente que 88% dos brasileiros preocupam-se, sim, no caso, com o desmatamento ilegal da Amazônia e que 84% acredita que a preservação da Amazônia é fundamental para a preservação da identidade nacional.

Numa entrevista ao Diário do Centro do Mundo, publicada em 23/08, a professora Larissa Ramina, da cadeira de Direito Internacional da Universidade Federal do Paraná (UFPR), disse que a declaração do presidente francês “não configura, por si só, uma violação da soberania” brasileira, mesmo porque a biodiversidade, adotada como convenção na Eco-Rio 92, é “uma das mais importantes preocupações que concernem a todos os países e, portanto, à humanidade” – com cerca de 5,5 milhões de quilômetros quadrados, a Amazônia é a maior floresta tropical do mundo e possui a maior biodiversidade registrada numa área do planeta. Questionada sobre o que poderia resultar do fato de que a real ameaça à Amazônia é o próprio governo Bolsonaro, Ramina explicou que, em sinal de protesto pela violação ao patrimônio amazônico, qualquer país pode “romper relações diplomáticas com o Brasil”, suspendendo relações comerciais: É o que chamamos de boicote ou embargo”.

No mesmo dia, em sua conta no Twitter, a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) alertou para a piora da economia brasileira com eventuais sanções ao país por causa do desmatamento na Amazônia: “Bolsonaro não ameaça apenas o meio ambiente, mas poderá colocar o Brasil em uma recessão histórica”, escreveu a parlamentar, acrescentando que “é a primeira vez em décadas que recebemos ameaças reais de sanções econômicas” – não à toa, é como bem o disse Nívio de Freitas, subprocurador-geral da República e coordenador da 4ª CCR, em nota de repúdio à exoneração de Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe, no início de agosto, ou seja, que o Ministério Público Federal (MPF) está atento, no caso, a crimes de responsabilidade porventura cometidos pelo presidente Bolsonaro.

Tanto que, ainda no dia 23 de agosto, a força-tarefa Amazônia, vinculada ao MPF e criada há um ano, informou a abertura de um inquérito para apurar se o governo federal realmente vem combatendo as queimadas e o desmatamento na Amazônia Legal – dois dias antes, no bojo das investigações, o Ibama lançou um edital para contratar uma empresa privada a fim de monitorar por satélite queimadas e desmatamento, um serviço semelhante ao já realizado pelo Inpe e levianamente criticado por Bolsonaro.

O procurador Luís Eduardo Marrocos Araújo, por sua vez, coordenador do Grupo de Trabalho de Mudanças Climáticas da 4ª CCR, enviou ofício às pastas do Meio Ambiente (MMA) e da Ciência e Tecnologia (MCTIC) questionando se os ministérios detêm informações que coloquem sob suspeita os dados do Inpe – a nova direção do instituto foi igualmente intimada: deverá esclarecer se possui algum indicativo sobre fragilidade nos referidos dados. Isso porque o documento objetiva fiscalizar o governo federal em relação ao cumprimento da Lei de Política Nacional sobre Mudança do Clima, sancionada em 2009, do Acordo de Paris, ratificado em 2017, e do compromisso do Brasil com as Nações Unidas sobre Mudança do Clima, de 2015.

“O Brasil tem o compromisso constitucional, legal e perante a comunidade internacional de preservar a Amazônia, dado o papel crucial da floresta na manutenção do clima mundial e regional. As presentes e futuras gerações têm o direito de viver de forma sadia em um meio livre de alterações climáticas. Para assegurar a preservação da Amazônia e de outros biomas, é essencial o fornecimento de precisas, claras e suficientes sobre a sua gestão e conservação”, disse, em nota, o procurador Luís Araújo – além das pastas comandadas por Ricardo Salles e Marcos Pontes, os ministérios de Minas e Energia (MME) e o da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), também foram questionados sobre as atuações do governo federal em função das mudanças climáticas. 


Artes: Dario Castillejos (México) e Laerte


Na noite do dia 23 de agosto, em postagem no Twitter, pouco antes de um pronunciamento nacional que faria, Bolsonaro comemorou o que ele considerou “uma excelente conversa” com Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, com quem mantêm laços estreitos: “As relações entre o Brasil e os EUA estão melhores do que nunca. Temos o desejo mútuo de lançar uma grande negociação comercial em breve, com a finalidade de promover a prosperidade dos nossos povos”, acrescentando que “o presidente Trump também se colocou à disposição para nos ajudar na proteção da Amazônia e no combate às queimadas, se assim desejarmos”. Para o presidente dos EUA, que exaltou manter “uma relação sólida” com o Brasil, “talvez mais do que nunca”, as perspectivas comerciais entre ambos “são muito emocionantes” – no dia 27 de julho, em resposta a líderes europeus que criticaram as suas políticas para a região amazônica e posicionando-se contra a demarcação de mais de 30 reservas indígenas, ampliando a área ambiental protegida, Bolsonaro chegou a dizer que a exploração da Amazônia Legal, com destaque para as reservas de minérios, foi um dos motivos da sua relação com os Estados Unidos, o que, obviamente, como ele afirmou, agrega “valor”. E como! Tanto que, em entrevista ao jornal britânico Financial Times às vésperas da reunião do G7 e indiferente a uma crescente mobilização global contra os incêndios florestais e o desmatamento na Amazônia Legal, o ministro do Meio Ambiente do Brasil, Ricardo Salles, alegou, descabidamente, que as atividades criminosas na região só acontecem porque a legislação ambiental é restritiva. Para ele, a solução para a extração ilegal de madeira, por exemplo, é a monetização da Amazônia Legal. Ou seja, a sua venda – ainda na sexta-feira, 23/08, o 342 Amazônia, movimento organizado pela produtora musical brasileira Paula Lavigne, convocou atos em defesa da Floresta Amazônica por todo o país.


 Arte: Edgar Vasques

E eis que, no agendado pronunciamento nacional e em meio a um panelaço igualmente nacional, o presidente Bolsonaro tentou justificar o injustificável: as queimadas e o desmatamento na Amazônia Legal. Só que, de tão desafinada, fora do tom, sem convencer sequer uma criança de cinco anos de idade, a fala do presidente mais pareceu uma taquara rachada: além de proferir desfeitas a “diversos países desenvolvidos”, mas sem citar nomes, Bolsonaro atacou o presidente francês, Emmanuel Macron, que, sistemática e contundentemente, tem criticado a sua performance à frente do governo brasileiro e a sua proposta de desmonte da Amazônia Legal, contrariando compromissos assumidos anteriormente pelo Brasil – firmava-se, portanto, um imbróglio entre os presidentes da França e do Brasil, principalmente nas redes sociais.
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Isso porque durante a última reunião da cúpula do G20, realizada em Osaka, no Japão, final de junho do corrente, apesar de garantir a permanência do Brasil no Acordo do Clima de Paris, firmado em 2015 e no qual foram estabelecidas regras para conter o aquecimento global, prevendo a redução de gases que aumentam a temperatura do planeta, Bolsonaro, segundo Macron, logo se mostrou negligente com o meio ambiente, descumprido a promessa que lhe fez em zelar por ele: “Pode-se dizer que não me falou a verdade”, disse o presidente da França, que, por causa disso, ameaçou não ratificar o acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul), formado oficialmente pela Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil – após 20 anos de negociações, o acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul foi fechado em 28 de junho passado e abrange um universo de 740 milhões de consumidores, representando um quarto da riqueza mundial. Diante da situação, a chanceler alemã Angela Merkel e o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, apesar das acusações de ingerência por parte de Bolsonaro, manifestaram apoio ao presidente francês. Já o primeiro-ministro da Irlanda, Leo Varadkar, também ameaçou votar contra o acordo comercial caso o Brasil não cumpra com os seus “compromisso ambientais”.


 Arte: Miguel Paiva

De acordo, ainda, com o presidente francês, outros dois episódios acirraram os ânimos entre ele e o presidente brasileiro. Um deles ocorreu em 29 de julho, quando Bolsonaro cancelou na última hora um encontro em Brasília com o ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves le Drian, para ir ao barbeiro – a ocasião, o presidente do Brasil criticou o chanceler francês por ele ter se reunido com organizações não governamentais (ONGs) em sua visita ao Brasil: “Ele marcou audiência comigo. Aí fiquei sabendo que ele tinha marcado com o Mourão, tinha marcado com ONGs (...) Marcou também uma reunião com os governadores do Nordeste. A gente vê que...”, disparou, ressaltando a sua “alergia” a ONGs e alegando que conceder uma entrevista a um jornalista era “mais importante do que falar com o ministro francês”... O chanceler da França, por sua vez, em consideração ao Acordo de Paris, deu por encerrada a sua visita ao Brasil após um encontro com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e apenas no dia 04 de agosto, em entrevista ao semanário francês Le Journal du Dimanche, comentando sobre o fato de Bolsonaro não recebê-lo: “Todo mundo conhece as restrições que acompanham as agendas dos chefes de Estado. Então, obviamente, houve uma emergência capilar. Essa é uma preocupação estranha para mim”, ironizou Drian, com calvície avançada.

Já o terceiro dos três episódios... Notabilizando-se por criticar o desleixo de Bolsonaro em relação ao meio ambiente, pressionando-o para que combata os incêndios na Amazônia, Macron afirmou que os comentários a seu respeito postados no Twitter em 25 de agosto pelo ministro da Educação do Brasil, Abraham Weintraub, traduziram-se em “insultos” a sua pessoa – ao todo, foram três postagens, nas quais, desalinhando-se com o seu próprio cargo, Weintraub não poupou agressões gratuitas e grosseiras ao presidente da França. Na primeira postagem, referindo-se à ameaça do francês em não ratificar o acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, caso o Brasil não agisse contra os incêndios na Amazônia, o ministro da Educação disse que Macron não está a altura deste embate. É apenas um calhorda oportunista buscando apoio do lobby agrícola francês”. Já na segunda e terceira postagens, ainda desalinhando-se com o seu próprio cargo, ao mesmo tempo, por seu linguajar chulo, nivelando-se bem rasteiramente com o atual morador do Palácio da Alvorada, ambos sem argumentos para as críticas do presidente francês sobre a descompostura do governo brasileiro em relação ao drama na Amazônia, Weintraub disse que Macron não tinha caráter e era um “cretino”... 


 Arte: Ribs

Então, somando-se aos três episódios, um outro também ganhou repercussão: no sábado, 24/08, sem perder o que nunca teve, ou seja, decoro, seja como presidente da República do Brasil ou como indivíduo, e não tendo como justificar a sua falta de interesse pela preservação ambiental, nem em cumprir com os compromissos assumidos pelo país no Acordo de Paris, Bolsonaro optou pelo Facebook como tablado para mais uma das suas deploráveis “aparições”, no caso, atacar Macron com ofensas pessoais, não hesitando, para isso, em desrespeitar a primeira-dama francesa ao endossar, através de um comentário, uma postagem sexista de um internauta que, zombando, evidenciou com texto e uma montagem de imagens, a beleza e a diferença de idade entre a primeira-dama francesa e a brasileira.

Em linguagem informal, o comentário do presidente do Brasil repercutiu, sendo duramente criticada pela imprensa mundial, especialmente a francesa, que acusou Bolsonaro de sexismo; além de irritar as mulheres de meio-mundo. Entidades feministas brasileiras, por exemplo, manifestaram o seu repúdio à fala do chefe do Executivo e solidariedade à primeira-dama francesa, sendo, inclusive, criada a hashtag #DesculpaBrigitt ou #PardonBrigitte, que logo alcançou os trending topics do Twitter, merecendo destaque em jornais franceses. Segundo o Le Parisien, o movimento emocionou a companheira do presidente da França e o Le Figaro ironizou o fato de os brasileiros estarem pedindo desculpas pelas posturas de Bolsonaro, as quais “envergonham o país” ou, ainda, “Ele não nos representa”. Já Macron, em entrevista coletiva no dia 26/08, declarou que o comentário foi “extraordinariamente desrespeitoso” e que os brasileiros “tenham muito rapidamente um presidente que se comporte à altura” do cargo.

Na terça-feira, 27/08, Bolsonaro teve o desplante de dizer que não ofendeu a primeira-dama francesa e, no dia seguinte, apagou o seu comentário no Facebook, a fim de evitar “dupla interpretação” sobre o que ele escrevera. Ouvidos pelo jornal O Globo, especialistas em relações internacionais afirmaram que “o comentário de Bolsonaro sobre a mulher do presidente francês é uma ofensa sem paralelo nas relações internacionais, sobretudo entre países aliados”. Para Christian Lequesne, do Centro de Pesquisas Internacionais de Paris, esse tipo de coisa não se faz: “Quando se é um líder (...), se ataca ideias”, proferiu o acadêmico – sim, mas apenas quando se é um líder, não um parasita ambulante. O diplomata aposentado Marcos Azambuja, por sua vez, embaixador do Brasil em Paris de 1997 a 2003, sugeriu que o presidente peça desculpas à primeira-dama francesa: “Cortesia de gestos e de palavras é importante. Pedir desculpas a uma senhora que você possa ter ofendido é necessário. A diplomacia é feita de linguagem e civilidade. Houve uma perda da qualidade da linguagem nessa relação que não traz benefícios a ninguém e gera uma animosidade que é o oposto do que a diplomacia busca.

Para Heloisa Pait, professora de Sociologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), não somente o comentário em questão, mas também muitos outros, mostram que Bolsonaro não vê fronteira entre o público e o privado e que a sua fala do presidente na rede social “está na esfera do privado. Para além do seu conteúdo sexista, ela jamais deveria ser levada a público como foi. Isso, até pouco tempo atrás, não seria algo que um presidente traria a público, porque fazer isso vai contra uma série de princípios republicanos, de protocolos, de etiqueta” – princípios esses que o chefe do executivo brasileiro menospreza.


 Arte: Myrra

Numa coletiva no dia 26/08, após o encontro do G7, do qual foi o anfitrião, o presidente da França anunciou que, além de apoio militar para combater as queimadas na Amazônia, ficou acertado que o Grupo enviaria uma ajuda financeira de 20 milhões de euros (pouco mais de 83 milhões de reais) para os países contemplados pela floresta – ajuda essa que respeitará as suas respectivas soberanias, incluindo, entretanto, uma governança que inclua diferentes setores da sociedade de cada país. No caso do Brasil, cujo presidente tem ojeriza a ONGs, o governo federal deveria concordar em trabalhar com elas, bem como com as populações das nações beneficiadas com a ajuda.

Após as declarações de Macron, Bolsonaro voltou a atacá-lo em mensagens postadas em rede social, mas sem mencionar as ofensas que fez à primeira-dama da França: “Não podemos aceitar que um presidente, Macron, dispare ataques descabidos e gratuitos à Amazônia, nem que disfarce suas intenções atrás da ideia de uma 'aliança' dos países do G7 para 'salvar' a Amazônia, como se fossemos uma colônia ou uma terra de ninguém”. Numa entrevista, o presidente do Brasil afirmou que só aceitará discutir o recebimento da oferta financeira para ajudar no combate às queimadas na Amazônia se o presidente da França voltasse atrás em sua afirmação de que ele mentiu e desistisse de discutir a internacionalização da Amazônia: “Primeiramente, o senhor Macron tem que retirar os insultos que faz a minha pessoa. Ele me chamou de mentiroso. Depois, pelas informações que eu tive, a nossa soberania está em aberto na Amazônia. Para conversar ou aceitar qualquer coisa com a França, que seja com as melhores intenções possíveis, ele vai ter que retirar essas palavras. Primeiro retira, depois oferece, daí eu respondo” – o “messias” do caos, entretanto, uma besta fera ambulante, prostra-se aos pés de outra aberração...


 Arte: Carlos Latuff

Sem perder a pose, Macron anunciou que a França não mais iria contribuir com o referido suporte financeiro do G7 para o Brasil, destinando os seus recursos para outros países da região. Mais: igual quando debochou  do congelamento das verbas da Alemanha e da Noruega para o Fundo Amazônia (R$ 299 milhões só este ano), as quais, aliás, eram bem maiores do valor que o governo brasileiro poderia ter recebido do G7 para controlar a crise nas florestas, além dos 10 milhões de libras (R$ 50,83 milhões) oferecido por fora pelo governo britânico e aceito pelo governo federal, minimizando a importância dos recursos anunciados por Macron, o presidente do Brasil continuou comportando-se como um alucinado, no caso, diante dos US$ 15 milhões (ou quase R$ 69 milhões), também por fora, que o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, colocou à disposição dos países afetados por fogos na região da Amazônia, entre eles o Brasil, mas que, devido o alinhamento do Canadá com a França, Bolsonaro recusou a oferta – recusa essa igualmente embasada no fato de Trudeau ser conhecido por defender ações globais de combate a mudanças climáticas, realidade negada por um estúpido Bolsonaro, assim como pelo chanceler brasileiro Ernesto Araújo, que, irresponsavelmente, fazendo jus a sua mente obtusa, atribui o aquecimento global à “uma trama marxista”... Noutra entrevista, ao longo do dia, Macron criticou o presidente do Brasil, reafirmando que a França não ratificará o acordo comercial Mercosul-União Europeia se não houver mudanças no discurso e na prática de Bolsonaro: “A condição era respeitar os engajamentos climáticos. O que se passou desde julho? Bolsonaro demitiu o cientista que fazia pesquisas independentes sobre a Floresta Amazônica e enviou várias mensagens de que não cumpriria esses engajamentos”. Segundo o presidente francês, não foi ele que mudou, mas Bolsonaro, que não respeitou a sua palavra ao não assegurar o respeito ao combate às mudanças climáticas e à proteção da Amazônia.


 Arte: Carlos Latuff

O presidente do Brasil “incitou agricultores e empresas mineradoras a incendiarem a Amazônia”, afirmou o cacique Raoni Metuktire, líder da etnia Kayapó, durante reunião do G7, em Biarritz, na França. Bolsonaro, por sua vez, não aceita conversar com Raoni, alegando que ele não é autoridade. Só que, “do jeito que o presidente fala da Amazônia, acho que quem não é autoridade é ele”, completou a liderança indígena brasileira de maior expressão internacional.

Dos sete países que integram o G7, apenas o presidente dos EUA não compareceu à reunião sobre mudanças climáticas e biodiversidade, posto que, em 2007, ainda no primeiro ano do seu mandato, ele retirou o seu país do Acordo de Paris sobre o Clima, não ratificando, portanto, o seu apoio ao referido acordo – não é nenhuma novidade, Trump nada contra a correnteza tal qual o presidente brasileiro, ou seja, negando a existência do aquecimento global, e, por isso, adotando uma série de medidas para alterar a política ambiental implementada por Barack Obama, seu antecessor, e por governos anteriores, justificando, caoticamente, que o mesmo prejudicava a economia do seu país. No dia 27 de agosto, por exemplo, após a reunião do G7 e no Twitter, Trump reforçou o seu apoio a Bolsonaro, que, na débil opinião do norte-americano, “está realizando um trabalho muito duro para combater os incêndios na Amazônia e, em todos os aspectos, fazendo um ótimo trabalho para o povo do Brasil”, acrescentando que o presidente brasileiro e o seu país “têm o apoio completo e total dos Estados Unidos!”.

Como era de se esperar e também na mesma rede social, Bolsonaro agradeceu ao presidente dos EUA: “Estamos tendo grande sucesso no combate aos incêndios. O Brasil é e seguirá sendo exemplo para o mundo em desenvolvimento sustentável. A campanha de fake news fabricada contra nossa soberania não prosperará”, afirmando, ao final, que os Estados Unidos poderão sempre contar com o Brasil – no caso, contar com ele, com o seu governo entreguista e com alguns gatos pingados, posto que, apesar de deliberadamente insistir em dizer que existe uma “campanha de fake News” contra a soberania brasileira, o entendimento de Bolsonaro sobre o vocábulo ‘soberania’ é tendencioso, já que o seu discurso exclui o presidente dos EUA, na verdade, a real ameaça nesse quesito, contemplando apenas o presidente da França e quem mais se posicionar contra as suas verdadeiras intenções em relação à Amazônia, no caso, a Legal, em território brasileiro.

Exemplo disso é que, ainda em 27/08, na conferência anual dos embaixadores franceses, logo após o encontro do G7, Macrou discursou sobre a importância estratégica da floresta amazônica para os países da região, mas também, em termos de aquecimento global e biodiversidade, para o “planeta inteiro”. E que, sobre o tema, obviamente referindo-se a Bolsonaro, mas sem citá-lo, que notara “inquietudes e certas inconveniências de alguns dirigentes, considerando que a soberania”, para eles, “era, no fundo, agressividade, o que é um erro”, acrescentando que, em “grandes acontecimentos”, a França, mesmo soberana, “aceita com alegria e benevolência a solidariedade internacional” – o que já não acontece com o Brasil de hoje, desgovernado por um presidente totalmente sem noção alguma. Dias antes, entretanto, às vésperas do encontro do G7, do qual fora o anfitrião, Macron enfatizou que um verdadeiro ecocídio vem desenvolvendo-se na Amazônia.


 Arte: Osmani Simanca

No dia 03 de setembro, em sua coluna semanal no Nocaute – Blog do Fernando Morais, o político e ex-diretor geral da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) Haroldo Lima falou que o descaso do governo Bolsonaro com a proteção da floresta amazônica repercute mundialmente e que a principal ameaça à soberania brasileira é, sobretudo, o interesse dos Estados Unidos na exploração da Amazônia conforme as suas estratégias geopolíticas e econômicas. Para ele, “cabe-nos fortalecer a nossa inegociável soberania na área, a nossa presença civil e militar na região, que requer desenvolvimento com sustentabilidade, produção crescente e preservação”, mas, para isso, é preciso a mobilização dos cientistas locais e dos povos da floresta, pesquisa e inovação, a fim de que “se desenvolvam tecnologias que prescindem das queimadas”, acrescentando que “a nossa soberania não nos dá o direito de queimar a floresta. Ademais, é preciso saber de onde vem a ameaça principal à nossa soberania naquela área”, disse Lima, referindo-se aos EUA e alertando: “O país que mais desrespeitou a soberania dos países latinos americanos desde o fim do Século XVIII até hoje foram os Estados Unidos (...) Precisamos nos acautelar contra manobras americanas para minar a nossa soberania na Amazônia (...) O lema fantasia de Bolsonaro é ‘Brasil acima de tudo’. O lema verdadeiro é ‘Estados Unidos em primeiro lugar’”.


QUEIMADAS, PARA QUE TE QUERO!


 Arte: Celso Augusto Schröder

Após uma reunião com integrantes da força-tarefa Amazônia no dia 26 de agosto, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou que o grupo “suspeita de ação orquestrada” em queimadas na Amazônia: “Há sinais disso, há elementos que justificam a abertura de inquéritos para investigar” os incêndios, acrescentou. Informando, ainda, que os ministérios públicos dos estados e da União decidiram formar uma coalizão, “a primeira das medidas de persecução penal que os ministérios públicos dos estados brasileiros e o MPF, por intermédio de promotores de Justiça e procuradores da República, tomarão ao longo das próximas semanas”, enfatizou. O que nós queremos é sincronizar a atuação do Ministério Público brasileiro para que as queimadas e os incêndios cessem e para que os infratores, aqueles que estão cometendo esses gravíssimos crimes de pôr fogo na floresta sejam identificados e punidos”, concluiu a procuradora-geral da República.

Um dos atos no âmbito das investigações do MPF é o ‘dia do fogo’, “celebrado” no dia 10 de agosto em Altamira e Nova Progresso, no Pará, cujo índice de queimadas na região foi o maior da Amazônia no período. Conforme denunciado no jornal Folha do Progresso (05/08), os ruralistas teriam organizado o “evento” com o objetivo de derrubar parte da floresta e plantar pasto, a fim de mostrar ao presidente Bolsonaro os seus respectivos apoios as suas decisões de “afrouxar” a fiscalização empreendida por agentes do Ibama e do ICMBio – de acordo com reportagem da revista Globo Rural, os responsáveis pelo ‘dia do fogo’ também reivindicavam ao governo federal o perdão das multas por infrações contra o meio ambiente.  


 Arte: Junião

Curiosamente, documentos publicados pelo site Poder 360 revelam que, quando o “dia do fogo” foi denunciado pela Folha do Progresso, o procurador Paulo de Tarso Moreira Oliveira, do Ministério Público Federal no Pará, alertou o Ibama dos planos criminosos, que, por sua vez, informou não poder intervir por não contar com reforços da Polícia Militar do Pará e porque a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), sob o comando do Ministério da Justiça, comandado por Sergio Moro, havia ignorado o alerta – o envio da Força Nacional para os estados do Pará e Rondônia foi autorizado por Moro somente no dia 21 de agosto e apenas após outra reportagem do Globo Rural foi que o presidente Bolsonaro determinou que a Polícia Federal também passasse a investigar o caso, dando início à  Operação Verde Brasil, que reúne várias agências para o combate aos incêndios na Amazônia Legal. Para Nívio de Freitas, subprocurador-geral da República e coordenador da 4ª CCR, a principal linha de investigação é de que grileiros, invasores de terras da União, sejam os principais responsáveis pelos crimes.

Em 23/08, com o aumento da repercussão nacional e internacional do descalabro provocado pelas queimadas e às vésperas da reunião do G7, o Governo Federal autorizou o envio de tropas das Forças Armadas para combater os incêndios na região – O decreto de Garantia da Lei e da Ordem Ambiental (GLOA) é válido para as áreas de fronteira, terras indígenas, unidades federais de conservação ambiental e outras áreas da Amazônia Legal. Os incêndios, por sua vez, foram considerados os mais intensos na região em cinco anos e, segundo a investigação da força-tarefa Amazônia do MPF e divulgada pelo jornal El Pais, representam um negócio milionário, ou seja: atear fogo em uma área de mil hectares custa cerca 1 milhão de reais no mercado negro – aplicado à conta da devastação já neste ano na floresta amazônica e em parte do Pantanal, o total desse valor representaria cerca de 20 milhões de reais...


 Arte: Dario Castillejos (México)

Num cenário de crimes e impunidade, o jornalista paraense Adecio Piran, editor do Folha do Progresso, jornal que denunciou o ‘dia do fogo’ nos primeiros dias de agosto, passou a sofrer represálias por parte dos organizadores do “evento”: um panfleto apócrifo caluniando e difamando o jornalista foi divulgado por grupos da rede social WhatsApp e distribuído em versão impressa à população de Novo Progresso, um dos motivos que o fez registrar os ataques num Boletim de Ocorrência (BO) na delegacia da Polícia Civil da cidade – outro motivo para o BO foi o fato de que os promotores do ‘dia do fogo’ estarem igualmente fazendo ameaças e coagindo os anunciantes do periódico, que, segundo Piran, sobrevive de pequenos anúncios, não recebe recursos públicos e ganhou credibilidade ao longo dos anos exatamente por denunciar crimes ambientais: “Eles [ruralistas] precisam entender que a Amazônia não é minha, é do planeta”.

Um inquérito para apurar crimes de calúnia e difamação contra o jornalista foi aberto pela Polícia Civil – um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) também foi instaurado para apurar crime de ameaça. Em nota, o Sindicato dos Jornalistas do Pará (Sinjor-PA) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) manifestaram repúdio e indignação sobre o caso, ainda pedindo “providências ao Governo do Estado do Pará e os órgãos de segurança pública para garantir a integridade física e os direitos do jornalista e que sejam identificados e punidos os autores das ameaças”. A par do ocorrido, a associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também manifestou solidariedade ao jornalista paraense, informando que as autoridades competentes investiguem as ameaças feitas a Piran, punindo os responsáveis. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI), por sua Vez, enviou carta ao governador do Pará, Helder Barbalho, manifestando preocupação com ameaças que o profissional de imprensa vem sofrendo depois da publicação do texto. Na carta, o presidente da ABI, Paulo Jeronimo de Sousa, afirmou que as ameaças “se caracterizam em uma tentativa de cerceamento do seu trabalho profissional e um ataque à Liberdade de Expressão”pedindo, ainda, o empenho pessoal de Barbalho para garantir a segurança do jornalista e a manutenção do veículo de imprensa.


CRIMES CONTRA A HUMANIDADE


 Arte: Aroeira

No decorrer das queimadas criminosas na Floresta Amazônica e dos embates desencadeados pelo fato em si e por suas motivações, um tema novamente veio à tona em meio às nuvens de fumaça: a possibilidade de Bolsonaro ser processado por crimes contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Primeiro tribunal penal internacional permanente, também chamado de Corte Penal Internacional (CPI), o TPI foi criado pelo Estatuto de Roma, documento elaborado por uma comissão organizada por iniciativa da ONU e aprovado por quase uma centena de países, cujos representantes reuniram-se na Itália em julho de 1998 – atualmente, mais de cem países, inclusive o Brasil, são signatários do referido estatuto. Sediado em Haia, nos Países Baixos, a partir de 2002, ano em que as suas atividades foram oficialmente iniciadas, o TPI julga pessoas, não Estados. E por quatro crimes principais: crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão, com cada um desses crimes contemplando atos criminosos específicos.

Quanto à entrada em cena do TPI... Isso acontece quando tribunais nacionais dos países signatários do Estatuto de Roma não conseguem ou não desejam realizar certos processos criminais, sendo o TPI, digamos, uma espécie de último recurso. No caso de uma denúncia, por exemplo, e qualquer pessoa física ou jurídica pode fazer uma, o TPI primeiro averigua a sua procedência. Se confirmada a indisposição do Estado da origem da denúncia em julgar o criminoso denunciado e o delito em questão seja da competência do Tribunal, este pode exercitar a sua jurisdição. Segundo o advogado brasileiro Édis Milaré, especialista em Direito Ambiental, um novo ato criminoso foi reconhecido como crime contra a humanidade pelo TPI no final de 2016, ou seja, o ecocídio, termo que designa a destruição em larga escala do meio ambiente, o que, entre outros, inclui a destruição de condições de existência de uma população porque o seu ecossistema foi destruído, como no caso de desmatamento, mineração irresponsável, grilagem de terras e exploração ilícita de recursos naturais.

Não à toa, em artigo publicado pelo jornal francês Le Monde logo após o resultado das eleições presidenciais brasileiras de 2018, juristas franceses já sinalizavam, como foi dito antes, para a gravidade dos “projetos antiecológicos” de Bolsonaro, evidenciando a sua negligência em relação ao meio ambiente e o seu desprezo pelas populações indígenas, postulando a ocupação das suas terras pelo capital: “Se forem executados, escreveram os juristas, alguns de seus projetos podem ser considerados como crimes contra a humanidade”. Além disso, os franceses também alertaram para a responsabilidade de empresas que, eventualmente, contribuam com essas ações na Amazônia: “A participação de empresas, direta ou indiretamente, no financiamento, concepção técnica ou implementação desses objetivos presidenciais poderia ser vista como uma cumplicidade nas violações dos direitos humanos”. E que “autores de crimes ambientais podem ser julgados no mesmo patamar de criminosos de guerra” – em setembro de 2017, numa palestra à maçonaria, o general Hamilton Mourão, que viria a se tornar vice de Bolsonaro, defendeu a venda de terras da Amazônia, chamando os indígenas de “indolentes”, e a privatização das estatais brasileiras.

Em entrevista à Rádio Brasil Atual (22/08), a pesquisadora Larissa Mies Bombardi, professora do departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), disse que “o governo [brasileiro] está caminhando num sentido em que mesmo os setores conservadores se assustam com as declarações” de Bolsonaro, como é o caso de Blairo Maggi, o maior produtor de soja do mundo, um dos símbolos do agronegócio brasileiro e ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do governo Temer. Segundo a pesquisadora, autora do Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia e para quem Bolsonaro está pondo em prática um projeto que suprime os direitos humanos básicos, Maggi anda perplexo com os excessos do governo federal – como “excessos”, ela cita como exemplo a negação das evidências científicas do aumento do desmatamento na Amazônia, indicadas pelo Inpe, e o aumento das queimadas. Para Maggi, que já arrebatou o “prêmio” Motossera de Ouro do Greenpeace por ser considerado o maior desmatador do Cerrado em 2005, o discurso agressivo de Bolsonaro contra o meio ambiente tem potencial até para cancelar o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia.

Em sua conta pessoal do Twitter, o jornalista e técnico agrícola Paulo Pimenta, líder do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara dos Deputados, declarou, em 23/08, que “o Brasil precisa ter a soberania sobre seu território – que inclui 60% de toda a Amazônia – respeitada e não abrimos mão disso! Mas devemos avaliar a viabilidade de apresentar formalmente ao Tribunal Penal Internacional uma denúncia contra Bolsonaro por crime contra a humanidade”. Um pensamento que, de há muito, tem pululado na mente de muita gente, eis que, no dia 27/08, um grupo de advogados do Instituto Anjos da Liberdade protocolaram uma denúncia contra Bolsonaro por crimes ambientais contra a humanidade – denúncia essa sustentada pela existência de um presidente da República que, declaradamente, é contra leis ambientais, e que os incêndios na Amazônia são reflexos dos seus projetos antiambientalistas, incluindo o menoscabo de populações indígenas e da ocupação das suas terras.

“Os danos ocorridos neste ano na Amazônia podem ser vistos como consequência de declarações irresponsáveis de Bolsonaro, assim como do desmonte de órgãos ambientais e das políticas de Estado de proteção a direitos socioambientais”, afirmou a advogada Eloísa Machado ao canal alemão Deutsche Welle. E ela acrescentou: “Os ataques de Bolsonaro aos órgãos de pesquisa, aos ambientalistas, às organizações não governamentais e aos órgãos de fiscalização ambiental se apresentaram como um salvo conduto para ações criminosas contra o meio ambiente”. Para os advogados que elaboraram a denúncia, Bolsonaro também tem de ser investigado por fazer analogia à tortura, ao desaparecimento forçado de pessoas e ao homicídio indiscriminado, além de defender políticas de extermínio.


 Arte: Ivan Cabral

No dia 6 de setembro, seis dos nove países amazônicos reuniram-se na cidade colombiana de Letícia, localizada na fronteira com o Brasil e com o Peru, e anunciaram uma declaração de preservação da Amazônia, o Pacto de Letícia pela Amazônia – as exceções foram a Venezuela, a Guiana e a França, através do seu território ultramar na fronteira com o Brasil, a Guiana Francesa, que não foram convidados, mas que, posterior e curiosamente, os demais países deverão convidar para aderirem ao pacto, bem como Bolsonaro, que não compareceu ao encontro, sendo representado pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Resposta à crise ambiental, política e diplomática deflagrada pelo aumento do desmatamento da Floresta Amazônica – os países signatários se reunirão novamente em dezembro, no Chile –, o pacto pela Amazônia pretende propor ações concretas para a proteção da floresta, também ameaçada pelo desmatamento para o cultivo e para a extração de madeira, a mineração ilícita, o comércio ilegal de espécies e a invasão de reservas indígenas, entre outras. Porém, requer, ainda, o compromisso de Bolsonaro. Isso porque o Brasil não somente é responsável por 60% da Amazônia, mas sobretudo porque a retórica bélica do brasileiro, atacando ONGs, tribos indígenas e governos estrangeiros,  compromete toda a região amazônica. Sem falar que, dizendo-se cético em relação às alterações climáticas, o seu discurso a favor da exploração de minérios em áreas protegidas e o seu descaso com a fiscalização de crimes ambientais tem sido apontado pelos ambientalistas como combustível para as queimadas. Falando nisso... Na noite de 14/09, o fogo alcançou a Vila de Alter do Chão, no oeste do Pará, à margem direita do Rio Tapajós e território do povo Borari, sobretudo numa Área de Proteção Ambiental (APA), criada em 2003, mas que, até hoje, não possui um Plano de Manejo. Sem falar que as chamas destruíram uma grande área de um tipo de vegetação rara na Amazônia, a Savana Amazônica – objeto de pesquisa e monitoramento há mais de três décadas pelo Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA), que, inclusive já catalogou espécies de animais endêmicos, ou seja, animais que só vivem nessa área.


 Arte: Clayton

Segundo o relatório Máfias do ipê: como a violência e a impunidade impulsionam o desmatamento na Amazônia brasileira, divulgado na terça-feira (17/9) pela ONG Human Rights Watch, uma das maiores ONGs globais focadas na defesa de direitos humanos, boa parte do desmatamento na Amazônia é realizado por complexas redes criminosas que se valem de assassinatos e de alianças com empresas para cumprir seus objetivos. De acordo com o relatório, a impunidade alimenta a destruição da floresta. Citando dados compilados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), organização ligada à Igreja Católica, o documento diz que mais de 300 pessoas foram assassinadas na última década no Brasil no contexto de conflitos pelo uso da terra e de recursos naturais na Amazônia e que apenas 14 casos foram julgados destacando que a maioria dos mortos eram indígenas ou membros de comunidades locais contrários à exploração ilegal de madeira e os responsáveis tinham envolvimento com a destruição da floresta e “viam suas vítimas como obstáculos às suas atividades criminosa”.

Pesquisador sênior da Human Rights Watch e responsável pelo relatório, César Muñoz informou à BBC News Brasil que o trabalho da ONG enfoca a ação de quadrilhas especializadas na extração de madeira e que essas quadrilhas não são os únicos responsáveis pela destruição da floresta, mas são o “ator mais perigoso pela escala da destruição [que promovem] e porque usam da intimidação e violência contra moradores e agentes ambientais”, costumando agir em terras públicas. Para o pesquisador, outro aspecto preocupante é a “lavagem” da madeira, que consiste em fraudar a origem da sua extração para permitir a sua comercialização, ou seja, redes criminosas se aliam a empresas do setor madeireiro e forjam documentos que regem a exploração da madeira em trechos da floresta onde a extração é permitida. Segundo Muñoz, quando as quadrilhas não são detidas, elas retiram todas as árvores de grande valor da floresta, que, repleta de pequenas clareiras e ramais, se torna mais exposta ao fogo. Por fim, o relatório diz que, além das quadrilhas, ações do governo Bolsonaro têm deixado defensores da floresta em posição ainda mais vulnerável e dificultado o cumprimento de metas assumidas pelo Brasil para mitigar as mudanças climáticas. Diante da fala do beligerante na ONU, então!


 Arte: Iotti

O que é preocupante, pois, assim como Bolsonaro, outros alienados a postos, sobretudo integrantes do governo federal, zombam do aquecimento global. Tanto que, no dia 28 de agosto, quando o Congresso Nacional instalou a Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas (CMMC) para discutir o tema das mudanças climáticas e o aumento recente no número de queimadas da Amazônia, se especula que o governo Bolsonaro valeu-se de manobras para eleger o senador Zequinha Marinho (PSC-PA), outro que nega a ação humana como principal agente das mudanças climáticas, para a presidência da referida comissão, rompendo um acordo anterior anunciado pelo presidente do Senador, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que queria o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) como presidente do colegiado: “Nas últimas horas antes da instalação [da Comissão] teve uma interferência do governo, inclusive com troca de integrantes, e surgiu esse nome, do Zequinha, para participar de uma disputa que não estava prevista”, disse Vieira à BBC News Brasil. “Ninguém sabia que teria eleição, foi uma interferência do governo realmente na busca de ter o controle sobre a comissão” – à ocasião, em entrevista à TV Senado, Zequinha Marinho não economizou nos disparates, tipo: “A influência humana é muito pequena” nas alterações do clima, “algumas estatísticas dizem que não chega a 4%”. Para ele, “tem muita coisa que é muito folclórica nessa questão de mudança climática”. Nossa, como pode pessoas assim ocuparem certas funções? Isso porque elas representam um retrocesso gritante, o que é uma temeridade, ainda mais quando, excepcionalmente este ano, no caso dessa comissão, os seus integrantes, deputados e senadores, é que serão os responsáveis por coordenar a resposta do Congresso Nacional ao aumento do desmatamento e do número de queimadas na região amazônica: “Ele [Zequinha] acha que não tem aquecimento”, declarou Vieira, para quem o senador do Pará, apesar de ter nascido no Tocantins, “é um retrato daquilo que o governo [federal] quer. Um controle sobre as informações, negando inclusive a ciência”, ao contrário, como sabemos, da maioria absoluta dos pesquisadores que estudam o tema afirmar que a temperatura média do planeta, que não é plano, está inquestionavelmente aumentando e que este aumento é provocado, sim, pela ação humana. E principalmente por meio da emissão em larga escala dos chamados gases do efeito estufa, sobretudo o dióxido de carbono.


ERA UMA VEZ?



Arte: Lex

Semanas de fuligens, meses de trevas... No âmago de polêmicas estéreis e contraproducentes, um inculto e execrável Bolsonaro protagoniza a sua própria fraude num folhetim de quinta, com a sua popularidade – já não era sem tempo – despencando em queda livre, ou melhor, “derretendo” cada vez mais rápido – um reflexo de que “a democracia no Brasil foi capturada por um processo fraudulento”, como afirmou o senador Humberto Costa (PT-PE) em meados de junho, defendendo veementemente – com toda razão – que as eleições presidenciais de 2018 foram maculadas. Não à toa, em artigo publicado na Carta Capital (05/08), o jornalista e escritor Camilo Vannuchi ressaltou que “Bolsonaro transforma o fake-revisionismo em marca de seu governo. Hoje, esse revisionismo fake assume a forma de negação. Negação e chacota – com a assinatura oficial da Presidência da República”, acrescentando que, junto com o fake-revisionismo declaratório, “Bolsonaro exerce o fake-revisionismo pela caneta, com efeitos ainda mais devastadores”. Mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela USP e ex-membro da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo (2014 - 2016), Vannuchi foi além: “Quando um presidente da República mente, é fundamental afirmar que ele mentiu. Quando uma declaração é mentirosa ou criminosa, é importante não a noticiar como uma declaração polêmica ou controversa. O nome correto da mentira é… mentira”, finalizando que “a naturalização da mentira e do fake-revisionismo praticado por Bolsonaro é irmão siamês da naturalização do mal. Acostumar-se com ela é um atentado não apenas contra a democracia ou contra a história, mas contra a humanidade”.

Eis a banalização do mal, faltando apenas um decreto para oficializá-la como instrumento do atual desgoverno federal, que, sem limites, se impõe ao Estado brasileiro. Outro exemplo da banalização do mal? Conta o fotógrafo Araquém Alcântara, o da fotografia do tamanduá-mirim queimado pelas chamas da Amazônia, que, certo dia, nos confins da região, ouviu a confissão de um matador de aluguel: — Aqui, seu moço, homem não tem palavra, mulher não tem honra, terra não tem dono e árvore não tem raiz.

Não, não é assim que a humanidade tem de caminhar.


Nathalie Bernardo da Câmara


P.S.: Enquanto isso, Bolsonaro e a cúpula do seu governo espera com temor a realização do Sínodo da Amazônia, ou Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica, que, de 06 a 27 do corrente, ocorrerá no Vaticano e que pretende produzir um forte discurso em defesa da floresta e dos seus povos. Na quinta-feira (03/10), em coletiva de imprensa para apresentar a programação do evento, o relator da assembleia episcopal, cardeal Cláudio Hummes, ressaltou que a Igreja reuniu-se com representantes do governo Bolsonaro para explicar que a soberania do Brasil “não está em discussão”, acrescentando que, sobre isso, há até uma declaração oficial dos bispos brasileiros afirmando que a soberania brasileira é intocável, “o que não quer dizer que o resto do planeta não possa falar nada sobre o que acontece na Amazônia”, afirmou Hummes, também arcebispo de São Paulo e amigo pessoa do papa Francisco, que, no mesmo dia da coletiva de imprensa, declarou que os incêndios florestais na Amazônia são sim um “problema mundial”. E voilà!


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