Arte de Renato Aroeira, a partir de ideia de Chico Marinho
sobre foto de Araquém Alcântara, que, no início de agosto do corrente, ao trafegar
por um trecho da BR-163, a Rodovia Cuiabá-Santarém, registrou um tamanduá-mirim
cego e com a sua parte frontal queimada saindo de um foco de incêndio na Floresta
Amazônica. Curiosamente, ao sentir a presença do fotógrafo, o tamanduá ficou
sob as suas duas patas inferiores e abriu os braços, numa atitude de defesa
típica da espécie – o paradoxo é que a ameaça era outra...
“O sol há de brilhar mais
uma vez, a luz há de chegar aos corações, do mal será queimada a semente, o
amor será eterno novamente” – Juízo Final (1973), de Nelson Cavaquinho (1911
- 1986), musicista brasileiro, amante das balbúrdias.
Palco de um drama dantesco – a intensificação
de queimadas em suas entranhas no mês de agosto, desencadeando, entre outras
consequências, uma crise ambiental, política e diplomática –, a Floresta
Amazônica atraiu e continua atraindo holofotes dos quatro cantos do mundo, que,
perplexo e comovido, se interroga ante à devastação desenfreada e criminosa da
Amazônia Legal, instituída pela lei˚ 1.806/1953 e que corresponde a 60% dos
sete milhões de quilômetros quadrados ocupados pela Amazônia Internacional na
América do Sul, que, além do Brasil, engloba mais oito países: Guiana Francesa,
Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia. No tocante à
Amazônia Legal, esta abrange nove Estados de três regiões brasileiras: Acre,
Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins (Norte); Mato Grosso (Centro-Oeste)
e Maranhão (Nordeste). Porém, não são apenas as queimadas em questão que chamam
a atenção do planeta, mas de igual modo as suas causas, a sua motivação. Daí
que noutro “palco”...
Arte: Alisson Affonso
Escatológico. Eis a síntese do “discurso” de abertura da 74ª edição da
Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), proferido pelo
presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, na sede da instituição em New York, nos
Estados Unidos, em 24 de setembro. Como já era esperado, uma grotesca e maçante
aparição – performance típica das aberrações. E indigesta: ao longo de pouco
mais de meia hora e como é do seu feitio, Bolsonaro não hesitou em atacar tudo
e todos, indiscriminadamente, sem respeitar nada, nem ninguém – o que dirá a
tribuna do evento! Um evento, aliás, cujo tema foi ‘Reunir esforços
multilaterais para erradicação da pobreza, educação de qualidade, ações
climáticas e inclusão’, embora, ao invés de esclarecer aos líderes estrangeiros
quais os seus meios e métodos para resolver a crise ambiental que se abateu
sobre a Amazônia, ele não somente justificou petulantemente as atuais queimadas
como um incidente favorecido pelo clima seco e por práticas culturais locais, como
também negou descaradamente que a floresta vem sendo devastada e consumida pelo
fogo, chamando a mídia de mentirosa por divulgar o que, para ele, são inverdades,
ao mesmo tempo afrontando todos os presentes, desafiando-os para comprovar o
que dizia.
Um descarado, isso sim, pois, é público e notório, que, em agosto do
corrente, por exemplo, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), órgão responsável pelos dados de medição de desmatamento no
Brasil, o desmatamento da Amazônia aumentou 222% em comparação com o mesmo
período em 2018. Ora, o fato é que, por não ter a intenção de debelar a crise
na Amazônia, mas agravá-la, posto que os seus planos macabros incluem a devastação da
floresta e a dos povos que a habitam, Bolsonaro limitou-se à única coisa que
sabe fazer, ou seja, parasitar, não medindo esforços para, com a sua
truculência, jogar mais lenha na fogueira, o que, obviamente, aumentou os
clamores de repulsa e de repúdio a sua pessoa, ao seu governo e a tudo o que
lhe diz respeito, como amplamente difundiu a imprensa nacional e internacional
– uma “pequena” amostra da sua caótica fala e a sua repercussão pode ser lida
nas reportagens do penúltimo e antepenúltimo links em anexo, registrando que,
além de manter a tradição não oficial de um representante brasileiro sempre
fazer o discurso de abertura das sessões anuais da ONU desde os seus
primórdios, o mandatário do Brasil apenas poluiu o ambiente com a sua
costumeira fala desastrosa, incluindo as declarações contra o meio ambiente que
definem a persona non grata que ele é, assim como o caráter ignóbil do
seu governo e daqueles que o cercam. Infelizmente, o estímulo para a depredação
ambiental que o planeta ora presencia. Sim, uma realidade que, segundo o
resultado de uma pesquisa do Datafolha, divulgada nacionalmente em 04/09, só
respalda os míseros 12% da população brasileira que aceitam o presidente do
Brasil.
Arte:
Carlos Latuff
“O grupo dos mais afinados com Bolsonaro é formado pelos que votaram
nele, aprovam seu mandato e concordam com suas declarações. São seus adeptos
fiéis, entusiastas fanáticos, para não dizer adoradores em qualquer
circunstância. Representam 12% da população com 16 anos ou mais. É o chamado
grupo heavy do
presidente, aquele núcleo duro de apoiadores irrestritos constituído por
bolsonaristas radicais”, comentou o professor emérito da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), Reginaldo
Prandi, em artigo publicado no Jornal da USP (13/09). Para o
pesquisador, que também é um dos fundadores do Datafolha, “o grupo
dos 12% heavy não
se destaca por seu tamanho, mas se sobressai por garantir uma base social
concreta que legitima um presidente que afronta princípios da democracia, da
cidadania, da solidariedade e do respeito ao próprio cargo que ocupa. Um
presidente que trata como lixo o meio ambiente, a educação e a ciência, que não
se vexa de se mostrar ignorante, malformado e mal-informado, preconceituoso, useiro
e vezeiro de expressões chulas. Aliás, de poucas palavras, argumentação
precária e articulação de frases travada”. Por fim, Prandi concluiu: “Se repito aqui o que
já sabemos até as tampas, é apenas para demostrar que não há nada de subjetivo
na afirmação de que o presidente Bolsonaro é do mal”.
Arte: Ribs
Não à toa, o “acelerador” dos incêndios na
Amazônia, que atingiram o seu ponto mais alto naquele que ficou conhecido como o
‘dia do fogo’ (10/08), teria sido a negligência de Bolsonaro em relação ao meio
ambiente e o seu desprezo pelos povos tradicionais, defendendo a ocupação das
suas terras e a da floresta em si pelo capital – discurso esse esbravejado aos
quatro ventos pelo celerado de plantão antes mesmo do resultado das eleições
presidenciais brasileiras de 2018. Daí que, denunciado pelo jornal paraense Folha
do Progresso em 05/08, o ‘dia do fogo’ refletiu consonância de demais
antiambientalistas às declarações beligerantes de Bolsonaro e consistiu numa
ação criminosa cujo epicentro foram os municípios de Nova Progresso e Altamira,
no Sudoeste do Pará, estado brasileiro campeão em desmatamento e um dos
principais focos de conflitos agrários no país, mas simultaneamente ocorrendo noutras
áreas da Amazônia – à ocasião registrou-se a maior alta de queimadas, comprometendo
unidades de conservação ambiental, terras indígenas, matas e pastagens, a ponto
de, nesse dia, segundo o INPE, o aumento dos incêndios e queimadas em Novo
Progresso ser de 300%: com 124 registros, tornou-se o recorde do ano, mas que durou
pouco, pois, no dia 11, esse número pulou para 203 registros, com a cidade
passando a conviver com uma densa nuvem de fumaça. Em Altamira, cuja parte
do território está na área de influência da BR-163, o salto no dia 10 foi ainda
maior, 743%, com 194 casos. No dia seguinte, foram 237 ocorrências de fogo.
Segundo nota técnica do Instituto de Pesquisa Ambiental
da Amazônia (Ipam), intitulada Amazônia em chamas e divulgada no dia 20
de agosto, o número de focos de calor registrados na região foi de 60% mais
alto do que o registrado nos três anos anteriores, atribuindo esse percentual ao
crescimento desordenado do desmatamento. Sim, porque, como explicou a diretora
de Ciência do IPAM, a geógrafa Ane Alencar, e uma das autoras da referida nota:
“Não há fogo natural na Amazônia. O que há são pessoas que praticam queimadas,
que podem piorar e virar incêndios na temporada de seca”. Um dos problemas,
contudo, enfrentados por quem mora na região é a fumaça dos incêndios, que,
além de provocar impactos ambientais e socioeconômicos, desencadeia problemas
respiratórios. No Acre, por exemplo, destaca a nota, cidades passaram a
respirar “uma quantidade de material particulado muito acima do que é
recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)”.
Já na introdução da nota, um pertinente e suscinto
esclarecimento: “O fogo é um elemento comum na paisagem rural brasileira. Usado para
limpar áreas recém-desmatadas e outros tipos de terreno, como pasto,
frequentemente escapa ao controle e queima o que não deveria queimar. Na
Amazônia não é diferente. Sua incidência na região está diretamente relacionada
à ação humana e as chamas costumam seguir o rastro do desmatamento: quanto mais
derrubada, maior o número de focos de calor”. E maior devastação. Na
opinião do doutor em Ecologia Paulo Moutinho, pesquisador do Ipam e coautor da
nota: “Combater o desmatamento, um vetor das queimadas, e desestimular o uso do
fogo para limpar o terreno são fundamentais para garantir a saúde das pessoas e
das florestas”. No caso do Acre, refém das queimadas e chamado de o coração
da Amazônia, o governador decretou situação de emergência no Estado – o governador
do Amazonas também.
Falando em órgão, desmistificando o entendimento
que muitos têm de que a Amazônia é o “pulmão do mundo”, a geógrafa Eliana
Castela, natural do Acre, numa postagem em sua página do Facebook, foi até bem
didática. Na verdade, explica, a Floresta Amazônica é o “refrigerador” da Terra,
posto que “a floresta é a garantia de chuvas. Destruí-la resultará no
agravamento do aquecimento global e consequente degelo das calotas polares,
elevando o nível do mar e reduzindo a quantidade de terras emersas”. Resumindo:
a floresta em si é a maior consumidora de quase todo o oxigênio que produz, mas
manter a floresta é fundamental para o clima. Na realidade, as algas marinhas é
que são o pulmão do mundo. Já para o jornalista Ney Gastal, “a Amazônia é uma fábrica
de chuvas”. Só que quanto mais o desmatamento progride, mais as chuvas tendem a
rarear, comprometendo o equilíbrio da floresta. Sem falar que a sua devastação
igualmente ameaça a biodiversidade do mundo.
RAIOS-X DAS DEVASTAÇÕES
Artes: Carlos Latuff
Afora as severas estiagens – caso deste ano – “não
há fogo natural na Amazônia”, como foi aclarado pela geógrafa Ane Alencar, do Ipam.
Na verdade, o que há são queimadas, decorrentes do desmatamento, provocados por
pessoas, que desencadeiam focos de incêndio. Segundo dados do Inpe, a onda de
incêndios atingiu e continua atingindo não apenas a Amazônia, a maior floresta
tropical do mundo, mas também parte do Pantanal, alcançando, inclusive, a
tríplice fronteira entre o Brasil, a Bolívia e o Paraguai – este último, no dia
23 de agosto, solidário com os países vizinhos, conseguiu controlar o fogo, cujas
chamas, antes de serem contidas, chegaram a abocanhar 20.000 hectares de vegetação
pantaneira.
Já os países que, junto com o Brasil,
integram a Amazônia Internacional, também adotam providências no intuito de
conterem os incêndios que se espalham por seus territórios. Porém, biomas como
o Cerrado, a Mata Atlântica, a Caatinga e o Pampa foram igualmente atingidos
pelas queimadas em solo brasileiro. E as cifras são alarmantes: houve um aumento de 83% no número de incêndios
florestais no Brasil entre 1º de janeiro e 19 de agosto em comparação com o
mesmo período do ano passado. Foram 72.843
queimadas neste ano, em comparação com 39.759 neste período em 2018. Deste
total, entre os biomas brasileiros, 52,5% foram registrados na Amazônia, 30,1%
no Cerrado e 10,9% na Mata Atlântica. O restante ocorreu no Pantanal, na
Caatinga e no Pampa.
Divulgados em meados de julho pelo Inpe, os números
chegaram a ser criticados pelo presidente Jair Bolsonaro, que, à época, acusou o
órgão de distorcê-los, questionando a idoneidade do órgão: “Não queremos
propaganda negativa do Brasil”. Ora, quer maior propaganda negativa do Brasil
do que a sua figura patética no cargo de chefe do Executivo e as suas ações,
invariavelmente escusas? Ocorre que, em resposta ao disparate, o então diretor
do Inpe, Ricardo Galvão, argumentou que as acusações do presidente eram
indevidas, pois denegria a imagem de pessoas “do mais alto nível da ciência
brasileira”, não hesitando em classificar a atitude de Bolsonaro de “pusilânime
e covarde”, acirando as desavenças com o presidente. O fato é que, por tornar
público o descalabro dos incêndios nas matas brasileiras, o cientista tornou-se
alvo da fúria de Bolsonaro, que, irresponsável e sumariamente, o demitiu no
início de agosto: “Não havia mais clima para que ele continuasse no cargo”,
justificou o presidente, indiferente às consequências não apenas do seu
despotismo ao exonerar Galvão, mas também da sua negligência para com o meio
ambiente como um todo.
Arte: Alexandre Cabral (Aleco)
De pronto, ganhando as manchetes de jornais
nacionais e estrangeiros, o episódio gerou notas e declarações de repúdio à
demissão do físico brasileiro pulularam. Uma delas foi a de Douglas Morton,
diretor da Nasa, a agência espacial americana, e professor-adjunto da
Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, que considerou a exoneração de
Ricardo Galvão “altamente alarmante”, já que “reflete como o atual governo
brasileiro encara a ciência”. Surpreso com a situação, ele acresceu: “Não
acredito que o presidente Jair Bolsonaro duvide dos dados produzidos pelo Inpe,
como diz. Na verdade, para ele, são inconvenientes. Os dados são
inquestionáveis”.
Uma nota, entretanto, dentre muitas outras, mereceu
destaque, que foi a emitida pela Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural
do Ministério Público Federal (4ª CCR). O documento, assinado por
Nívio de Freitas, subprocurador-geral da República e coordenador da 4ª CCR, foi
direto: “Os trabalhos desenvolvidos pelo Inpe são de extremo rigor científico e
gozam de prestígio e reconhecimentos internacionais”. Afirmando que as
aferições do desmatamento na Floresta Amazônica e os laudos, produzidos há
longos anos, “são totalmente confiáveis e cientificamente inatacáveis”, Nívio
de Freitas aditou ser “inaceitável que eventual inconformismo com a
exposição de dados oficiais, que, por força de comando constitucional são
públicos, e que desvelam quadro de sensível aumento no desmatamento, possa
justificar a descontinuidade de serviços e ações de interesse do Estado
brasileiro”. Por fim, a nota afirmou que o desmatamento na Amazônia é
“diretamente afetado por deficiências na cadeia de fiscalização, comando e
controle” e que a “manipulação de atos estatais, com o objetivo de fins não
expressos no ordenamento jurídico, são sempre ilegítimos e serão combatidos
pelo MPF”.
Ora, só o que se tem visto desde o início do ano
são atos estatais ilegítimos, preconizados, diga-se de passagem, ainda durante
a campanha eleitoral para a presidência da República do então candidato Jair
Bolsonaro (PSL), um político que, por seu histórico, é desprovido da envergadura
que requer o cargo de chefe do Executivo e que, em menos de um ano de mandato, tem
agido com truculência e a seu bel prazer, com ânimos destemperados e sem
diplomacia alguma, ignorando e investindo agressivamente contra não importa
quem, de servidores públicos a autoridades nacionais e estrangeiras, países
aliados ou não. Recentemente, por exemplo, quando a Alemanha e a Noruega anunciaram
ao mundo a suspensão do repasse ao Fundo Amazônia de pouco mais de R$ 280
milhões, destinados à fiscalização ambiental da Floresta Amazônia, Bolsonaro desdenhou-os,
menosprezando a importância de tais recursos e a relação amical do Brasil com
ambos os países.
Arte: Rodrigo Brum
Aqui, um parêntese: uma ideia do governo brasileiro,
proposta em 2007, durante a 13ª Conferência da ONU sobre as Mudanças no Clima
(COP-13), a fim de arrecadar
recursos – nacionais e estrangeiros – para manter viva a maior floresta
tropical do mundo e, portanto, ajudar no combate às mudanças climáticas, a criação do Fundo
Amazônia foi autorizada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES) no ano de 2008. Condicionadas à redução das emissões de gases de
efeito estufa provenientes do desmatamento, as doações ao fundo são voluntárias
– até o fim de 2018, o
Fundo Amazônia recebeu aproximadamente R$ 3,4 bilhões em doações, sendo
93,8% provenientes do governo da Noruega, 5,7% do governo da Alemanha, por meio
do KfW Entwicklungsbank, e 0,5% da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras). Porém,
para quem questiona os interesses da Noruega e os da Alemanha por trás das suas
doações ao fundo, explicações simples...
Segundo Carlos Minc, que, no segundo mandato de Lula ( 2007
- 2010), comandava a pasta ambiental em 2009, em substituição a Marina Silva e
para quem “Bolsonaro e Salles [atual ministro do Meio Ambiente] transformaram o
Brasil na escória ambiental do planeta”, quando o primeiro contrato de doação
ao Fundo Amazônia foi firmado com o Ministério das Relações Exteriores da
Noruega, a preocupação do país escandinavo estava relacionada aos impactos do
aquecimento global, mais especificamente à elevação do nível do mar, e que, à
ocasião, o ministro norueguês do Meio Ambiente teria usado uma frase mais ou
menos assim: “A Noruega é um pequeno país ao lado da Groelândia. Quando aquilo
derreter, um dos primeiros países a submergir. Então, para nós, a questão
climática é uma questão de sobrevivência. O que estamos assinando, hoje, não é
um ato de bondade, é um seguro de vida”. Quanto à Alemanha... De acordo com Izabella
Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente, ainda no Governo de Lula, em 2010, ano
em que foi firmado o primeiro contrato de doação do Estado alemão ao Fundo
Amazônia, tal contribuição deu-se em decorrência da tradição de cooperação da
Alemanha com o Brasil. Por e-mail, ainda de acordo com a reportagem do
jornal O Eco, a Embaixada alemã no país confirmou o longo histórico de
cooperação com o Brasil e ressaltou que a Alemanha costuma apoiar projetos de
conservação ambiental não só na América Latina, mas em todo o mundo.
O fato é que os dois países só congelaram os seus repasses
ao Fundo Amazônia em decorrência do descaso do próprio Bolsonaro com a questão
ambiental, levando em conta que, desde o começo do seu mandato, os índices de
desmatamento no Brasil só aumentam. Sem falar que, em maio, o ministro Ricardo
Salles anunciou mudanças na gestão do Fundo Amazônia, ventilando a
possibilidade de destinar parte dos seus recursos para indenizar proprietários
de terras em áreas protegidas, o que, evidentemente, em nada agradou a Alemanha
e a Noruega. Daí que, na prática, as atividades do fundo estão paralisadas,
ressaltando que essa era uma das preocupações do ex-diretor do Inpe, o físico
Ricardo Galvão, já que o monitoramento do desmatamento na Amazônia realizado
pelo referido órgão pode sofrer grandes impactos caso o Fundo Amazônia seja
extinto.
Arte: Cláudio de Oliveira
Cumulando-se a esse cenário desolador o desmonte de
instituições ambientais, como, por exemplo, o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes
(ICMBio), autarquia ligada ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e reconhecida
pela ONU, salientando que, no pensamento torto de Bolsonaro, áreas de proteção
ambientais, terras indígenas e quilombolas são considerados entraves para o
desenvolvimento do país – resta saber de qual país ele fala...
O fato é que, com a sua proposta de desmonte, o
presidente já deixou bem claro que o meio ambiente não é uma prioridade do seu
governo. Nem o meio ambiente, nem as terras indígenas, posto que, durante o seu
mandato, ele não permitirá demarcação de terras indígenas. Em contrapartida,
entregar as já existentes ao agronegócio – coisa até já ensaiada –, não lhe
afeta, pois, afinal, a única serventia do Brasil e do povo brasileiro para ele
é a possibilidade de espoliá-los, devastando-os social e economicamente e conduzindo-os
ao cadafalso, nem que, para isso, a sua “empreitada” seja pautada a ferro e
fogo, derramando sangue, suor e lágrimas.
Segundo a Fundação Nacional do Índio
(Funai), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP),
existem, atualmente, 567 áreas indígenas regularizadas, que ocupam cerca de 117
milhões de hectares em todo o Brasil. Outras 115 áreas estão em estudo na
autarquia, e seis estão interditadas (quando há restrições de uso e de ingresso
de terceiros) para a proteção de povos indígenas isolados – desde o início do
seu mandato, Bolsonaro foi derrotado duas vezes na tentativa de transferir a
demarcação de terras da Funai para o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (Mapa).
Agora, caso essa “má ideia” concretize-se, os
conflitos no campo irão acirrar-se ainda mais – não nos esquecendo da
agricultura familiar: em maio do corrente, o BNDES mais uma vez suspendeu o
repasse de verbas para o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf), além de R$ 6 bilhões que ainda não foram liberados para a
safra 2018/2019. Lamentavelmente, o Brasil assiste indignado os desmandos de Bolsonaro,
que, em seu desvario, determinado a desmontar o país, anda de mãos dadas com o
agronegócio, sinônimo de cifrões, e vive um eterno idílio com o seu próprio ego...
Felizmente, ao contrário dos instintos
genocidas do presidente do Brasil, o mundo está atento aos seus desmandos, considerados
por muitos como crimes contra a humanidade – não nos esquecendo da imprensa
nacional e internacional, ou melhor, da mídia de um modo em geral e das várias
petições online em diversas plataformas e em várias línguas em prol da
Amazônia, cuja agonia repercute além de todas as fronteiras, sejam elas reais
ou, no caso das assinaturas já coletadas, virtuais. Uma dessas petições, por
exemplo, foi criada pelo advogado Gabriel Santos de Souza, que nasceu e mora em
Rio Branco: “Ser contra o desmonte das políticas ambientais não é uma questão
ideológica, é uma questão de bom senso. Como a gente pode ser a favor de
medidas que vão prejudicar a qualidade do nosso ar, da nossa água e comida?
Isso é insanidade”, desabafou o advogado lamentando ao ver idosos e crianças aboletarem-se
nas unidades de saúde da sua cidade por causa de problemas respiratórios
decorrentes das queimadas criminosas.
Outro brasileiro inquieto ante as queimadas e o
desmatamento da Amazônia é Rafael Sampaio, diretor da plataforma Change.org
Brasil, na qual Santos de Souza hospedou a sua petição: “A floresta está sob
ataque desde o início de 2019 e as pessoas perceberam isso. O governo tem
adotado medidas em série para desacreditar programas públicos que visam
combater o desmatamento, colocando em xeque ONGs, ativistas e até institutos
renomados de pesquisa, como o Inpe. Além disso, as suas ações estimulam quem
desmata e dificultam a vida de indígenas e povos tradicionais. Cedo ou tarde,
esse caldo iria engrossar”. E continua engrossando.
Na opinião do ministro do Clima e Meio Ambiente da
Noruega, Ola Elvestuen – opinião essa divulgada após o governo norueguês
suspender recursos para o Fundo Amazônia –, “o que o Brasil tem feito mostra
que eles não estão preocupados em parar o desmatamento”, enquanto o nosso
governo está preocupado “com o que os cientistas chamam de ponto de inflexão”,
ou seja: “Se você cortar floresta depois de um determinado ponto, todo o resto
poderia se autodestruir porque o sistema florestal é dependente da chuva que
ele mesmo gera”.
Em fevereiro do ano passado, um estudo divulgado na publicação
especializada Science Advances indica que esse ponto não está tão
distante. Ele será atingido se o desmatamento chegar a 40% da floresta. Nesse
cenário, haveria longos períodos de seca nas regiões central, sul e leste da
Amazônia, enquanto as regiões sul e leste poderiam ficar parecidas com savanas.
“Apesar de não sabermos o ponto de inflexão exato, escreveu Carlos Nobre, um
dos autores do estudo e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia (INCT) para Mudanças Climáticas, estimamos que a Amazônia está muito
próxima de atingir esse limite irreversível”. Ou seja, se for zerado o
desmatamento na Amazônia e o Brasil cumprir seu compromisso de reflorestamento,
em 2030 as áreas totalmente desmatadas na Amazônia estariam em torno de 16% a
17%. Dessa forma, estaríamos no limite, mas ainda seguro, para que o
desmatamento, por si só não faça com que o bioma atinja um ponto irreversível. Nobre
estima, ainda, que aproximadamente 150 mil km² de matas “estejam em recuperação”,
o equivalente a 15% do total desmatado. O maior dos projetos é tocado pela ONG
Conservation International, que promete plantar 73 milhões de árvores em 70 mil
hectares no Amazonas, Acre, Pará e Rondônia.
Em sua entrevista, o ministro norueguês deu um ultimato: “A menos que o
Brasil volte com uma proposta de um novo conselho e um comitê técnico que a
Noruega e a Alemanha possam aceitar, é impossível continuar a cooperação”.
Criticadas por
Bolsonaro, Noruega e Alemanha reflorestam mais que desmatam – por Clarissa Neher, Leonardo Rodarte e Wanderley Preite Sobrinho e colaboração
para o UOL em Berlim e Oslo e do UOL em São Paulo (16/08/2019)
Um
estudo do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo do Brasil
(MapBiomas), divulgado no Estadão (28/08), afirma que “boa parte dos
milhões de hectares devastados da Amazônia não servem para coisa alguma. Nem
para pasto. Sem planejamento ambiental e agrícola, as terras foram mal
utilizadas e se deterioraram, tornando-se improdutivas. Criado em 2015, o
MapBiomas é uma rede colaborativa, formada por especialistas em biomas, usos da
terra, sensoriamento remoto, ciência da computação e SIG. Os cientistas mostram
que existem soluções, é só preciso implementá-las. Entre elas, zerar o
desmatamento e restaurar as florestas. E também os ecossistemas costeiros.
Ações que devem ser implementadas já, antes de o mundo ficar sufocado com o
aquecimento global – as emissões de dióxido de carbono (CO2) têm batido
recordes. As queimadas na Amazônia colaboram e muito com isso. O CO2 representa
76% do total de emissões de gases do efeito estufa lançados anualmente na
atmosfera – 62% provenientes de combustíveis fósseis, 11% do uso da terra e 3%
de químicos”.
Em
reportagem da revista Época (03/09), a geógrafa Ane Alencar, diretora de
Ciência do IPAM, disse que só
a mudança da política federal vai apagar as chamas que ardem na Amazônia:
“Vemos a ponta do iceberg. Temos ideia apenas deste início da estação seca. O
período de tempo mais crítico ainda nem começou em parte da região. Há muita
área desmatada, sujeita ao fogo”, sendo os desmatadores a principal causas das
queimadas, posto que “eles estão colocando mais fogo para desmatar”. Para ela,
o que realmente vai apagar o fogo é o combate ao desmatamento ilegal (99%),
defendendo a fiscalização para isso – coisa que, se tivesse acontecido até
julho, evitaria o que hoje se vê. Sobre o tema, o relatório Mudanças
Climáticas: Impactos e Cenários para a Amazônia, produzido por órgãos de
pesquisa com base em dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC), vinculado à ONU, e divulgado pelo UOL (05/09), aponta que o desmatamento,
que já cobre quase 20% da Amazônia brasileira, e a degradação ambiental, que
pode estar afetando uma área muito maior, a Amazônia já perdeu de 40% a 50% da
sua capacidade de bombear e reciclar a água. E que, somente em agosto, as
queimadas atingiram uma área equivalente a 4,2 milhões de campos de futebol, o
maior valor para o mês desde 2010.
O
pesquisador José Marengo, por sua vez, coordenador-geral de Pesquisa e
desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres
Naturais (Cemaden), afirmou que se o aquecimento seguir a tendência atual – sem
uma ação para conter o desmatamento, as queimadas e a degradação –, a situação
da Amazônia tende a se agravar a níveis críticos até o fim deste século: “A
previsão dos modelos climáticos para a Amazônia apresentados pelo IPCC apontam
para um aumento da temperatura média do ar projetado até o final do Século XXI
bem acima de 4% C e redução nas chuvas de até 40%. Essa mudança tem potencial
para gerar grandes desequilíbrios em ecossistemas vitais para a sobrevivência
da humanidade”, explicando que caso a temperatura tenha essa alta, “a floresta
pode colapsar. Significaria que o volume de CO2 que a floresta absorve hoje
seria liberado para o ar. Basicamente, chegaríamos a um ponto de não retorno, e
não só a floresta, mas outros sistemas poderiam colapsar. Haveria alterações no
ciclo hidrológico global e a possibilidade de extinção das espécies”.
Arte: Gilmar
Machado
Rechaçando as acusações deslavadas e
levianas de Bolsonaro de que Organizações Não Governamentais (ONGs) são as
responsáveis pelos focos de incêndio na Amazônia Legal, a Associação Brasileira
de ONGs (Abong) divulgou nota pública (21/08) assinada por 172 organizações,
justificando que “o aumento das queimadas não é um fato isolado”. E que, no
curto período do atual presidente do Brasil, “também cresceram o desmatamento,
a invasão de parques e terras indígenas, a exploração ilegal e predatória de
recursos naturais e o assassinato de lideranças de comunidades tradicionais,
indígenas e ambientalistas. Ao mesmo tempo, Bolsonaro desmontou e desmoralizou
a fiscalização ambiental, deu inúmeras declarações de incentivo à ocupação
predatória da Amazônia e de criminalização dos que defendem a sua conservação.
O
aumento do desmatamento e das queimadas representa, também, o aumento das
emissões brasileiras de gases do efeito estufa, distanciando o país do
cumprimento das metas assumidas no Acordo de Paris. Enquanto o governo
justifica a flexibilização das políticas ambientais como necessárias para a
melhoria da economia, a realidade é que enquanto as emissões explodem, o
aumento do PIB se aproxima do zero.
O
Presidente deve agir com responsabilidade e provar o que diz, ao invés de fazer
ilações irresponsáveis e inconsequentes, repetindo a tentativa de criminalizar
as organizações, manipulando a opinião pública contra o trabalho realizado pela
sociedade civil.
Bolsonaro
não precisa das ONGs para queimar a imagem do Brasil no mundo inteiro”.
Em
entrevista ao Estadão, o coordenador de políticas públicas do Greenpace,
Marcos Astrini, chamou de covardes as declarações do estorvo: “Um presidente
que não assume os seus atos e tenta culpar terceiros pelos desastres ambientais
que ele mesmo promove no país”, acrescentando que, “desde que tomou posse, Bolsonaro tem
praticado um verdadeiro desmonte da política ambiental do país e feito diversas
declarações como esta que, além de muito constrangimento internacional, só
incentivam as práticas criminosas contra o meio ambiente e trazem prejuízos
para o país. Já foram oito meses de governo e, até agora, nenhuma medida foi
anunciada para conter o desmatamento ou proteger a Amazônia”, finalizou. Já o
WWF Brasil, em nota, afirmou que lamentava a “tentativa do presidente de
desviar o legítimo debate da sociedade civil sobre a necessidade de proteger a
Amazônia”, dizendo, ainda, que o poder público deveria “zelar pelo patrimônio e
não criar divergências estéreis e sem base na realidade”.
Exemplo disso foi a reação leviana de apoiadores do governo federal ao distorcerem uma fala do presidente francês, Emmanuel Macron, acusando-o de ameaçar a soberania brasileira, somente porque, em 22/08, em postagem no Twitter – a rede social preferida da maioria dos políticos –, ele defendeu que os incêndios na Floresta Amazônica fossem discutidos pela cúpula do Grupo dos 7 (G7), formada pelas sete maiores economias do mundo (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) e prevista para reunir-se em Biarritz, na França, no final de semana seguinte: “Nossa casa queima. Literalmente. A Amazônia (...) arde em chamas. É uma crise internacional”, escreveu Macron. Ora, o que se viu foi apenas uma real preocupação de Macron com a preservação ambiental – o que também deveria preocupar Bolsonaro, que se mostra indiferente a questão e cujo discurso tem sido favorável aqueles com os quais ele tem ligações políticas, no caso, as mineradoras, os garimpeiros, os madeireiros e os latifundiários.
Exemplo disso foi a reação leviana de apoiadores do governo federal ao distorcerem uma fala do presidente francês, Emmanuel Macron, acusando-o de ameaçar a soberania brasileira, somente porque, em 22/08, em postagem no Twitter – a rede social preferida da maioria dos políticos –, ele defendeu que os incêndios na Floresta Amazônica fossem discutidos pela cúpula do Grupo dos 7 (G7), formada pelas sete maiores economias do mundo (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) e prevista para reunir-se em Biarritz, na França, no final de semana seguinte: “Nossa casa queima. Literalmente. A Amazônia (...) arde em chamas. É uma crise internacional”, escreveu Macron. Ora, o que se viu foi apenas uma real preocupação de Macron com a preservação ambiental – o que também deveria preocupar Bolsonaro, que se mostra indiferente a questão e cujo discurso tem sido favorável aqueles com os quais ele tem ligações políticas, no caso, as mineradoras, os garimpeiros, os madeireiros e os latifundiários.
Arte:
Victor Solís (México)
O
fato é que quem ameaça alguma coisa aqui é o próprio Bolsonaro, porque, desde
que ele assumiu a presidência da República, os fiscais do Ibama estão sendo
hostilizados, principalmente na região Amazônica, já que o discurso antiambientalista do seu governo motivam os responsáveis pela
exploração predatória da Amazônia a intimidarem agentes de fiscalização do
Ibama: “Eles estão se sentindo empoderados agora”, disse um fiscal que trabalha
há mais de 15 anos no órgão em entrevista à revista Veja no mês de agosto
– as hostilidades por parte de grupos ilegais de madeireiros, garimpeiros e
grileiros não são nenhuma novidade, mas passaram a ser mais contundentes neste
ano, ainda mais depois que, em abril, numa feira agropecuária em Ribeirão Preto
(SP), Bolsonaro garantiu aos ruralistas presentes que pretendia fazer “um
limpa” nos dois órgãos ajuizados da fiscalização e preservação ambiental no
Brasil, ou seja, o Ibama e o ICMBio.
Só que,
apesar de a proteção das nossas matas não ser uma preocupação de Bolsonaro, 96%
dos seus eleitores defendem o aumento da fiscalização para combater o
desmatamento ilegal, como ficou atestado por uma pesquisa sobre o tema, realizada
entre os dias 14 e 16 de agosto com mil entrevistados em todas as regiões do
país. A exemplo de sondagens anteriores, também ficou evidente que 88% dos
brasileiros preocupam-se, sim, no caso, com o desmatamento ilegal da Amazônia e
que 84% acredita que a preservação da Amazônia é fundamental para a preservação
da identidade nacional.
Numa
entrevista ao Diário do Centro do Mundo, publicada em 23/08, a
professora Larissa Ramina, da cadeira de Direito Internacional da Universidade
Federal do Paraná (UFPR), disse que a declaração do presidente francês “não
configura, por si só, uma violação da soberania” brasileira, mesmo porque a
biodiversidade, adotada como convenção na Eco-Rio 92, é “uma das mais
importantes preocupações que concernem a todos os países e, portanto, à humanidade”
– com cerca de 5,5 milhões de quilômetros quadrados, a Amazônia é a maior
floresta tropical do mundo e possui a maior biodiversidade registrada numa área
do planeta. Questionada sobre o que poderia resultar do fato de que a real
ameaça à Amazônia é o próprio governo Bolsonaro, Ramina explicou que, em sinal
de protesto pela violação ao patrimônio amazônico, qualquer país pode “romper
relações diplomáticas com o Brasil”, suspendendo relações comerciais: É o que
chamamos de boicote ou embargo”.
No mesmo
dia, em sua conta no Twitter, a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS)
alertou para a piora da economia brasileira com eventuais sanções ao país por
causa do desmatamento na Amazônia: “Bolsonaro não ameaça apenas o meio ambiente,
mas poderá colocar o Brasil em uma recessão histórica”, escreveu a parlamentar,
acrescentando que “é a primeira vez em décadas que recebemos ameaças reais de
sanções econômicas” – não à toa, é como bem o disse Nívio de Freitas, subprocurador-geral da
República e coordenador da 4ª CCR, em nota de repúdio à exoneração de Ricardo
Galvão, ex-diretor do Inpe, no início de agosto, ou seja, que o Ministério
Público Federal (MPF) está atento, no caso, a crimes de responsabilidade porventura
cometidos pelo presidente Bolsonaro.
Tanto
que, ainda no dia 23 de agosto, a força-tarefa Amazônia, vinculada ao MPF e
criada há um ano, informou a abertura de um inquérito para apurar se o governo
federal realmente vem combatendo as queimadas e o desmatamento na Amazônia Legal
– dois dias antes, no bojo das investigações, o Ibama lançou um edital para
contratar uma empresa privada a fim de monitorar por satélite queimadas e
desmatamento, um serviço semelhante ao já realizado pelo Inpe e levianamente criticado
por Bolsonaro.
O procurador Luís Eduardo Marrocos Araújo,
por sua vez, coordenador do Grupo de Trabalho de Mudanças Climáticas da 4ª CCR,
enviou ofício às pastas do Meio Ambiente (MMA) e da Ciência e Tecnologia (MCTIC)
questionando se os ministérios detêm informações que coloquem sob suspeita os
dados do Inpe – a nova direção do instituto foi igualmente intimada: deverá
esclarecer se possui algum indicativo sobre fragilidade nos referidos dados. Isso
porque o documento objetiva fiscalizar o governo federal em relação ao cumprimento
da Lei de Política Nacional sobre Mudança do Clima, sancionada em 2009, do
Acordo de Paris, ratificado em 2017, e do compromisso do Brasil com as Nações
Unidas sobre Mudança do Clima, de 2015.
“O
Brasil tem o compromisso constitucional, legal e perante a comunidade
internacional de preservar a Amazônia, dado o papel crucial da floresta na
manutenção do clima mundial e regional. As presentes e futuras gerações têm o
direito de viver de forma sadia em um meio livre de alterações climáticas. Para
assegurar a preservação da Amazônia e de outros biomas, é essencial o
fornecimento de precisas, claras e suficientes sobre a sua gestão e conservação”,
disse, em nota, o procurador Luís Araújo – além das pastas comandadas por
Ricardo Salles e Marcos Pontes, os ministérios de Minas e Energia (MME) e o da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), também foram questionados sobre
as atuações do governo federal em função das mudanças climáticas.
Artes:
Dario Castillejos (México) e Laerte
Na
noite do dia 23 de agosto, em postagem no Twitter, pouco antes de um
pronunciamento nacional que faria, Bolsonaro comemorou o que ele considerou
“uma excelente conversa” com Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, com
quem mantêm laços estreitos: “As relações entre o Brasil e os EUA estão
melhores do que nunca. Temos o desejo mútuo de lançar uma grande negociação
comercial em breve, com a finalidade de promover a prosperidade dos nossos
povos”, acrescentando que “o presidente Trump também se colocou à disposição
para nos ajudar na proteção da Amazônia e no combate às queimadas, se assim
desejarmos”. Para o presidente dos EUA, que exaltou manter “uma relação sólida”
com o Brasil, “talvez mais do que nunca”, as perspectivas comerciais entre
ambos “são muito emocionantes” – no dia 27 de julho, em resposta a líderes
europeus que criticaram as suas políticas para a região amazônica e
posicionando-se contra a demarcação de mais de 30 reservas indígenas, ampliando
a área ambiental protegida, Bolsonaro chegou a dizer que a exploração da
Amazônia Legal, com destaque para as reservas de minérios, foi um dos motivos da
sua relação com os Estados Unidos, o que, obviamente, como ele afirmou, agrega “valor”.
E como! Tanto que, em entrevista ao jornal britânico Financial Times às
vésperas da reunião do G7 e indiferente a uma crescente mobilização global
contra os incêndios florestais e o desmatamento na Amazônia Legal, o ministro do
Meio Ambiente do Brasil, Ricardo Salles, alegou, descabidamente, que as atividades criminosas na região só acontecem porque
a legislação ambiental é restritiva. Para ele, a solução para a extração ilegal de madeira, por exemplo, é a monetização
da Amazônia Legal. Ou seja, a sua venda – ainda na sexta-feira, 23/08, o 342
Amazônia, movimento organizado pela produtora musical brasileira Paula
Lavigne, convocou atos em defesa da Floresta Amazônica por todo o país.
Arte: Edgar
Vasques
E eis que, no agendado
pronunciamento nacional e em meio a um panelaço igualmente nacional, o
presidente Bolsonaro tentou justificar o injustificável: as queimadas e o
desmatamento na Amazônia Legal. Só que, de tão desafinada, fora do tom, sem
convencer sequer uma criança de cinco anos de idade, a fala do presidente mais
pareceu uma taquara rachada: além de proferir desfeitas a “diversos países
desenvolvidos”, mas sem citar nomes, Bolsonaro atacou o presidente francês,
Emmanuel Macron, que, sistemática e contundentemente, tem criticado a sua performance
à frente do governo brasileiro e a sua proposta de desmonte da Amazônia Legal,
contrariando compromissos assumidos anteriormente pelo Brasil – firmava-se,
portanto, um imbróglio entre os presidentes da França e do Brasil,
principalmente nas redes sociais.
.
Isso
porque durante a última reunião da cúpula
do G20, realizada em Osaka, no Japão, final de junho do corrente, apesar de
garantir a permanência do Brasil no Acordo do Clima de Paris, firmado em 2015 e
no qual foram estabelecidas regras para conter o aquecimento global, prevendo a
redução de gases que aumentam a temperatura do planeta, Bolsonaro, segundo Macron,
logo se mostrou negligente com o meio ambiente, descumprido a promessa que lhe
fez em zelar por ele: “Pode-se dizer que não me falou a verdade”, disse o
presidente da França, que, por causa disso, ameaçou não ratificar o acordo
comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul), formado
oficialmente pela Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil – após 20 anos de
negociações, o acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul foi fechado em
28 de junho passado e abrange um universo de 740 milhões de consumidores, representando um
quarto da riqueza mundial. Diante da situação, a chanceler alemã Angela Merkel
e o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, apesar das acusações de
ingerência por parte de Bolsonaro, manifestaram apoio ao presidente francês. Já
o primeiro-ministro da Irlanda, Leo Varadkar, também ameaçou votar contra o
acordo comercial caso o Brasil não cumpra com os seus “compromisso ambientais”.
Arte:
Miguel Paiva
De acordo, ainda, com o presidente francês, outros
dois episódios acirraram os ânimos entre ele e o presidente brasileiro. Um
deles ocorreu em 29 de julho, quando Bolsonaro cancelou na última hora um
encontro em Brasília com o ministro das Relações Exteriores da França,
Jean-Yves le Drian, para ir ao barbeiro – a ocasião, o presidente do Brasil criticou
o chanceler francês por ele ter se reunido com organizações não governamentais
(ONGs) em sua visita ao Brasil: “Ele marcou audiência comigo. Aí fiquei sabendo
que ele tinha marcado com o Mourão, tinha marcado com ONGs (...) Marcou também
uma reunião com os governadores do Nordeste. A gente vê que...”, disparou, ressaltando
a sua “alergia” a ONGs e alegando que conceder uma entrevista a um jornalista era
“mais importante do que falar com o ministro francês”... O chanceler da França,
por sua vez, em consideração ao Acordo de Paris, deu por encerrada a sua visita
ao Brasil após um encontro com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e apenas
no dia 04 de agosto, em entrevista ao semanário francês Le Journal du
Dimanche, comentando sobre o fato de Bolsonaro não recebê-lo: “Todo mundo
conhece as restrições que acompanham as agendas dos chefes de Estado. Então,
obviamente, houve uma emergência capilar. Essa é uma preocupação estranha para
mim”, ironizou Drian, com calvície avançada.
Já o terceiro dos três episódios... Notabilizando-se
por criticar o desleixo de Bolsonaro em relação ao meio ambiente,
pressionando-o para que combata os incêndios na Amazônia, Macron afirmou que os
comentários a seu respeito postados no Twitter em 25 de agosto pelo ministro da
Educação do Brasil, Abraham Weintraub, traduziram-se em “insultos” a sua pessoa
– ao todo, foram três postagens, nas quais, desalinhando-se com o seu próprio
cargo, Weintraub não poupou agressões gratuitas e grosseiras ao presidente da
França. Na primeira postagem, referindo-se à ameaça do francês em não ratificar o
acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, caso o Brasil não
agisse contra os incêndios na Amazônia, o ministro da Educação disse que “Macron não está a
altura deste embate. É apenas um calhorda oportunista buscando apoio do lobby
agrícola francês”. Já na segunda e terceira postagens, ainda desalinhando-se
com o seu próprio cargo, ao mesmo tempo, por seu linguajar chulo, nivelando-se
bem rasteiramente com o atual morador do Palácio da Alvorada, ambos sem argumentos para as
críticas do presidente francês sobre a descompostura do governo brasileiro em
relação ao drama na Amazônia, Weintraub disse que Macron não tinha caráter
e era um “cretino”...
Arte: Ribs
Então, somando-se aos três episódios, um outro
também ganhou repercussão: no sábado, 24/08, sem perder o que nunca teve, ou
seja, decoro, seja como presidente da República do Brasil ou como indivíduo, e não
tendo como justificar a sua falta de interesse pela preservação ambiental, nem
em cumprir com os compromissos assumidos pelo país no Acordo de Paris,
Bolsonaro optou pelo Facebook como tablado para mais uma das suas deploráveis
“aparições”, no caso, atacar Macron com ofensas pessoais, não hesitando, para
isso, em desrespeitar a primeira-dama francesa ao endossar, através de um comentário,
uma postagem sexista de um internauta que, zombando, evidenciou com texto e uma
montagem de imagens, a beleza e a diferença de idade entre a primeira-dama
francesa e a brasileira.
Em linguagem informal, o comentário do presidente
do Brasil repercutiu, sendo duramente criticada pela imprensa mundial,
especialmente a francesa, que acusou Bolsonaro de sexismo; além de irritar as
mulheres de meio-mundo. Entidades feministas brasileiras, por exemplo,
manifestaram o seu repúdio à fala do chefe do Executivo e solidariedade à
primeira-dama francesa, sendo, inclusive, criada a hashtag #DesculpaBrigitt ou
#PardonBrigitte, que logo alcançou os trending topics do Twitter, merecendo
destaque em jornais franceses. Segundo o Le Parisien, o movimento
emocionou a companheira do presidente da França e o Le Figaro ironizou o
fato de os brasileiros estarem pedindo desculpas pelas posturas de Bolsonaro, as
quais “envergonham o país” ou, ainda, “Ele não nos representa”. Já Macron, em entrevista
coletiva no dia 26/08, declarou que o comentário foi “extraordinariamente
desrespeitoso” e que os brasileiros “tenham muito rapidamente um presidente que
se comporte à altura” do cargo.
Na terça-feira, 27/08, Bolsonaro teve o desplante
de dizer que não ofendeu a primeira-dama francesa e, no dia seguinte, apagou o
seu comentário no Facebook, a fim de evitar “dupla interpretação” sobre o que ele
escrevera. Ouvidos pelo jornal O Globo, especialistas em relações
internacionais afirmaram que “o comentário de Bolsonaro sobre a mulher do
presidente francês é uma ofensa sem paralelo nas relações internacionais,
sobretudo entre países aliados”. Para Christian Lequesne, do Centro de
Pesquisas Internacionais de Paris, esse tipo de coisa não se faz: “Quando se é
um líder (...), se ataca ideias”, proferiu o acadêmico – sim, mas apenas quando
se é um líder, não um parasita ambulante. O diplomata aposentado Marcos Azambuja, por
sua vez, embaixador do Brasil em Paris de 1997 a 2003, sugeriu que o presidente
peça desculpas à primeira-dama francesa: “Cortesia de gestos e de palavras é
importante. Pedir desculpas a uma senhora que você possa ter ofendido é necessário.
A diplomacia é feita de linguagem e civilidade. Houve uma perda da qualidade da
linguagem nessa relação que não traz benefícios a ninguém e gera uma
animosidade que é o oposto do que a diplomacia busca.
Para
Heloisa Pait, professora de Sociologia da Universidade Estadual Paulista
(Unesp), não somente o comentário em questão, mas também muitos outros, mostram
que Bolsonaro não vê fronteira entre o público e o privado e que a sua fala do
presidente na rede social “está na esfera do privado. Para além do seu conteúdo
sexista, ela jamais deveria ser levada a público como foi. Isso, até pouco
tempo atrás, não seria algo que um presidente traria a público, porque fazer
isso vai contra uma série de princípios republicanos, de protocolos, de
etiqueta” – princípios esses que o chefe do executivo brasileiro menospreza.
Arte:
Myrra
Numa
coletiva no dia 26/08, após o encontro do G7, do qual foi o anfitrião, o
presidente da França anunciou que, além de apoio militar para combater as
queimadas na Amazônia, ficou acertado que o Grupo enviaria uma ajuda financeira
de 20 milhões de euros (pouco mais de 83 milhões de reais) para os países
contemplados pela floresta – ajuda essa que respeitará as suas respectivas
soberanias, incluindo, entretanto, uma governança que inclua diferentes setores
da sociedade de cada país. No caso do Brasil, cujo presidente tem ojeriza a
ONGs, o governo federal deveria concordar em trabalhar com elas, bem como com
as populações das nações beneficiadas com a ajuda.
Após as
declarações de Macron, Bolsonaro voltou a atacá-lo em mensagens postadas em
rede social, mas sem mencionar as ofensas que fez à primeira-dama da França:
“Não podemos aceitar que um presidente, Macron, dispare ataques descabidos e
gratuitos à Amazônia, nem que disfarce suas intenções atrás da ideia de uma
'aliança' dos países do G7 para 'salvar' a Amazônia, como se fossemos uma
colônia ou uma terra de ninguém”. Numa entrevista, o presidente do Brasil afirmou que só aceitará discutir o recebimento da oferta financeira
para ajudar no combate às queimadas na Amazônia se o presidente da França voltasse
atrás em sua afirmação de que ele mentiu e desistisse de discutir a
internacionalização da Amazônia: “Primeiramente, o senhor Macron tem que
retirar os insultos que faz a minha pessoa. Ele me chamou de mentiroso. Depois,
pelas informações que eu tive, a nossa soberania está em aberto na Amazônia.
Para conversar ou aceitar qualquer coisa com a França, que seja com as melhores
intenções possíveis, ele vai ter que retirar essas palavras. Primeiro retira,
depois oferece, daí eu respondo” – o “messias” do caos, entretanto, uma besta
fera ambulante, prostra-se aos pés de outra aberração...
Arte:
Carlos Latuff
Sem perder a pose, Macron anunciou
que a França não mais iria contribuir com o referido suporte financeiro do G7 para
o Brasil, destinando os seus recursos para outros países da região. Mais: igual
quando debochou do congelamento das verbas da Alemanha e da Noruega para o Fundo Amazônia
(R$ 299 milhões só este ano), as quais, aliás, eram bem maiores do valor que o governo
brasileiro poderia ter recebido do G7 para controlar a crise nas florestas, além
dos 10 milhões de libras (R$ 50,83 milhões) oferecido por fora pelo governo
britânico e aceito pelo governo federal, minimizando a importância dos recursos
anunciados por Macron, o presidente do Brasil continuou comportando-se como um
alucinado, no caso, diante dos US$ 15 milhões (ou quase R$ 69 milhões), também
por fora, que o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, colocou à
disposição dos países afetados por fogos na região da Amazônia, entre eles o
Brasil, mas que, devido o alinhamento do Canadá com a França, Bolsonaro recusou
a oferta – recusa essa igualmente embasada no fato de Trudeau ser conhecido por
defender ações globais de combate a mudanças climáticas, realidade negada por
um estúpido Bolsonaro, assim como pelo chanceler brasileiro Ernesto Araújo, que,
irresponsavelmente, fazendo jus a sua mente obtusa, atribui o aquecimento
global à “uma trama marxista”... Noutra
entrevista, ao longo do dia, Macron criticou o presidente do Brasil, reafirmando que a França não
ratificará o acordo comercial Mercosul-União Europeia se não houver mudanças no
discurso e na prática de Bolsonaro: “A
condição era respeitar os engajamentos climáticos. O que se passou desde julho?
Bolsonaro demitiu o cientista que fazia pesquisas independentes sobre a
Floresta Amazônica e enviou várias mensagens de que não cumpriria esses
engajamentos”. Segundo o presidente francês, não foi ele que mudou, mas
Bolsonaro, que não respeitou a sua palavra ao não assegurar o respeito ao
combate às mudanças climáticas e à proteção da Amazônia.
Arte:
Carlos Latuff
O presidente do Brasil “incitou agricultores e
empresas mineradoras a incendiarem a Amazônia”, afirmou o cacique Raoni
Metuktire, líder da etnia Kayapó, durante reunião do G7, em Biarritz, na França.
Bolsonaro, por sua vez, não aceita conversar com
Raoni, alegando que ele não é autoridade. Só que, “do jeito que o presidente
fala da Amazônia, acho que quem não é autoridade é ele”, completou a liderança
indígena brasileira de maior expressão internacional.
Dos sete países que integram o G7, apenas o
presidente dos EUA não compareceu à reunião sobre mudanças climáticas e
biodiversidade, posto que, em 2007, ainda no primeiro ano do seu mandato, ele
retirou o seu país do Acordo de Paris sobre o Clima, não ratificando, portanto,
o seu apoio ao referido acordo – não é nenhuma novidade, Trump nada contra a
correnteza tal qual o presidente brasileiro, ou seja, negando a existência do
aquecimento global, e, por isso, adotando uma série de medidas para alterar a
política ambiental implementada por Barack Obama, seu antecessor, e por
governos anteriores, justificando, caoticamente, que o mesmo prejudicava
a economia do seu país. No dia 27 de agosto, por exemplo, após a reunião do G7
e no Twitter, Trump reforçou o seu apoio a Bolsonaro, que, na débil opinião do
norte-americano, “está realizando um trabalho muito duro para combater os
incêndios na Amazônia e, em todos os aspectos, fazendo um ótimo trabalho para o
povo do Brasil”, acrescentando que o presidente brasileiro e o seu país “têm o
apoio completo e total dos Estados Unidos!”.
Como era de se esperar e também na mesma rede social, Bolsonaro
agradeceu ao presidente dos EUA: “Estamos tendo grande sucesso no combate aos
incêndios. O Brasil é e seguirá sendo exemplo para o mundo em desenvolvimento
sustentável. A campanha de fake news fabricada contra nossa soberania não
prosperará”, afirmando, ao final, que os Estados Unidos poderão sempre contar
com o Brasil – no caso, contar com ele, com o seu governo entreguista e com
alguns gatos pingados, posto que, apesar de deliberadamente insistir em dizer
que existe uma “campanha de fake News” contra a soberania brasileira, o
entendimento de Bolsonaro sobre o vocábulo ‘soberania’ é tendencioso, já que o
seu discurso exclui o presidente dos EUA, na verdade, a real ameaça nesse
quesito, contemplando apenas o presidente da França e quem mais se posicionar
contra as suas verdadeiras intenções em relação à Amazônia, no caso, a Legal,
em território brasileiro.
Exemplo disso é que, ainda em 27/08, na conferência anual dos
embaixadores franceses, logo após o encontro do G7, Macrou discursou sobre a
importância estratégica da floresta amazônica para os países da região, mas
também, em termos de aquecimento global e biodiversidade, para o “planeta inteiro”.
E que, sobre o tema, obviamente referindo-se a Bolsonaro, mas sem citá-lo, que
notara “inquietudes e certas inconveniências de alguns dirigentes, considerando
que a soberania”, para eles, “era, no fundo, agressividade, o que é um erro”,
acrescentando que, em “grandes acontecimentos”, a França, mesmo soberana, “aceita
com alegria e benevolência a solidariedade internacional” – o que já não
acontece com o Brasil de hoje, desgovernado por um presidente totalmente sem
noção alguma. Dias antes, entretanto, às vésperas do encontro do G7, do qual fora
o anfitrião, Macron enfatizou que um verdadeiro ecocídio vem desenvolvendo-se
na Amazônia.
Arte:
Osmani Simanca
No dia 03 de setembro, em sua coluna semanal no Nocaute –
Blog do Fernando Morais, o político e ex-diretor geral da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural
e Biocombustíveis (ANP) Haroldo Lima falou que o descaso do governo Bolsonaro com a
proteção da floresta amazônica repercute mundialmente e que a principal ameaça
à soberania brasileira é, sobretudo, o interesse dos Estados Unidos na
exploração da Amazônia conforme as suas estratégias geopolíticas e econômicas.
Para ele, “cabe-nos fortalecer a nossa inegociável soberania na área, a nossa
presença civil e militar na região, que requer desenvolvimento com
sustentabilidade, produção crescente e preservação”, mas, para isso, é preciso
a mobilização dos cientistas locais e dos povos da floresta, pesquisa e inovação,
a fim de que “se desenvolvam tecnologias que prescindem das queimadas”,
acrescentando que “a nossa soberania não nos dá o direito de queimar a floresta.
Ademais, é preciso saber de onde vem a ameaça principal à nossa soberania
naquela área”, disse Lima, referindo-se aos EUA e alertando: “O país que mais
desrespeitou a soberania dos países latinos americanos desde o fim do Século
XVIII até hoje foram os Estados Unidos (...) Precisamos nos acautelar contra
manobras americanas para minar a nossa soberania na Amazônia (...) O lema
fantasia de Bolsonaro é ‘Brasil acima de tudo’. O lema verdadeiro é ‘Estados
Unidos em primeiro lugar’”.
QUEIMADAS, PARA QUE TE QUERO!
Arte: Celso
Augusto Schröder
Após uma reunião com integrantes da força-tarefa
Amazônia no dia 26 de agosto, a então procuradora-geral da República, Raquel
Dodge, afirmou que o grupo “suspeita de ação orquestrada” em queimadas na
Amazônia: “Há sinais disso, há elementos que justificam a abertura de inquéritos
para investigar” os incêndios, acrescentou. Informando, ainda, que os
ministérios públicos dos estados e da União decidiram formar uma coalizão, “a primeira
das medidas de persecução penal que os ministérios públicos dos estados brasileiros e o MPF,
por intermédio de promotores de Justiça e procuradores da República, tomarão ao
longo das próximas semanas”, enfatizou. “O que nós queremos é sincronizar a
atuação do Ministério Público brasileiro para que as queimadas e os incêndios
cessem e para que os infratores, aqueles que estão cometendo esses gravíssimos
crimes de pôr fogo na floresta sejam identificados e punidos”, concluiu a procuradora-geral da
República.
Um dos atos no âmbito das investigações do MPF é o ‘dia do fogo’, “celebrado”
no dia 10 de agosto em Altamira e Nova Progresso, no Pará, cujo índice de
queimadas na região foi o maior da Amazônia no período. Conforme denunciado no jornal Folha do Progresso
(05/08), os ruralistas teriam organizado o “evento” com o objetivo de derrubar
parte da floresta e plantar pasto, a fim de
mostrar ao presidente Bolsonaro os seus respectivos apoios as suas decisões de “afrouxar”
a fiscalização empreendida por agentes do Ibama e do ICMBio – de acordo com reportagem da revista Globo
Rural, os responsáveis pelo ‘dia do fogo’ também reivindicavam ao governo
federal o perdão das multas por infrações contra o meio ambiente.
Arte: Junião
Curiosamente, documentos publicados pelo site Poder 360 revelam que, quando o
“dia do fogo” foi denunciado pela Folha do Progresso, o procurador Paulo de Tarso Moreira
Oliveira, do Ministério Público Federal no Pará, alertou o Ibama dos planos
criminosos, que, por sua vez, informou não poder intervir por não contar com
reforços da Polícia Militar do Pará e porque a Força Nacional de Segurança
Pública (FNSP), sob o comando do Ministério da Justiça, comandado por Sergio
Moro, havia ignorado o alerta – o envio
da Força Nacional para os estados do Pará e Rondônia foi autorizado por Moro somente no dia 21 de agosto e apenas após outra
reportagem do Globo Rural foi que o presidente
Bolsonaro determinou que a Polícia Federal também passasse a investigar o caso,
dando início à Operação Verde Brasil,
que reúne várias agências para o combate aos incêndios na Amazônia Legal. Para
Nívio de Freitas, subprocurador-geral da República e coordenador da 4ª CCR, a
principal linha de investigação é de que grileiros, invasores de terras da
União, sejam os principais responsáveis pelos crimes.
Em 23/08, com o aumento da repercussão
nacional e internacional do descalabro provocado pelas queimadas e às vésperas
da reunião do G7, o Governo Federal autorizou o envio de tropas das Forças
Armadas para combater os incêndios na região – O decreto de Garantia da Lei e
da Ordem Ambiental (GLOA) é válido para as áreas de fronteira, terras
indígenas, unidades federais de conservação ambiental e outras áreas da
Amazônia Legal. Os incêndios, por sua vez, foram considerados os mais intensos
na região em cinco anos e, segundo a investigação da força-tarefa Amazônia do
MPF e divulgada pelo jornal El Pais, representam um negócio milionário,
ou seja: atear fogo em uma área de mil hectares custa cerca 1 milhão de reais
no mercado negro – aplicado à conta da devastação já neste ano na floresta
amazônica e em parte do Pantanal, o total desse valor representaria cerca de 20
milhões de reais...
Arte:
Dario Castillejos (México)
Num cenário de crimes e impunidade, o jornalista
paraense Adecio Piran, editor do Folha do Progresso, jornal que denunciou o ‘dia do
fogo’ nos primeiros dias de agosto, passou a sofrer represálias por parte dos
organizadores do “evento”: um panfleto apócrifo caluniando e difamando o
jornalista foi divulgado por grupos da rede social WhatsApp e distribuído em
versão impressa à população de Novo Progresso, um dos motivos que o fez registrar
os ataques num Boletim de Ocorrência (BO) na delegacia da Polícia Civil da
cidade – outro motivo para o BO foi o fato de que os promotores do ‘dia do
fogo’ estarem igualmente fazendo ameaças e coagindo os anunciantes do
periódico, que, segundo Piran, sobrevive de pequenos anúncios, não recebe
recursos públicos e ganhou credibilidade ao longo dos anos exatamente por
denunciar crimes ambientais: “Eles [ruralistas] precisam entender que a
Amazônia não é minha, é do planeta”.
Um
inquérito para apurar crimes de calúnia e difamação contra o jornalista foi
aberto pela Polícia Civil – um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) também
foi instaurado para apurar crime de ameaça. Em nota, o Sindicato dos
Jornalistas do Pará (Sinjor-PA) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj)
manifestaram repúdio e indignação sobre o caso, ainda pedindo “providências ao
Governo do Estado do Pará e os órgãos de segurança pública para garantir a
integridade física e os direitos do jornalista e que sejam identificados e
punidos os autores das ameaças”. A par do ocorrido, a associação Brasileira de
Jornalismo Investigativo (Abraji) também manifestou solidariedade ao jornalista
paraense, informando que as autoridades competentes investiguem as ameaças
feitas a Piran, punindo os responsáveis. A Associação Brasileira de Imprensa
(ABI), por sua Vez, enviou carta ao governador do Pará, Helder Barbalho,
manifestando preocupação com ameaças que o profissional de imprensa vem
sofrendo depois da publicação do texto. Na carta, o presidente da ABI, Paulo
Jeronimo de Sousa, afirmou que as ameaças “se caracterizam em uma tentativa
de cerceamento do seu trabalho profissional e um ataque à Liberdade de
Expressão”, pedindo, ainda, o empenho pessoal de Barbalho para
garantir a segurança do jornalista e a manutenção do veículo de imprensa.
CRIMES CONTRA A HUMANIDADE
Arte: Aroeira
No
decorrer das queimadas criminosas na Floresta Amazônica e dos embates
desencadeados pelo fato em si e por suas motivações, um tema novamente veio à
tona em meio às nuvens de fumaça: a possibilidade de Bolsonaro ser processado
por crimes contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).
Primeiro tribunal penal internacional permanente, também chamado de Corte Penal
Internacional (CPI), o TPI foi criado pelo Estatuto de Roma, documento
elaborado por uma comissão organizada por iniciativa da ONU e aprovado por
quase uma centena de países, cujos representantes reuniram-se na Itália em julho de 1998 – atualmente, mais de cem países, inclusive o Brasil, são signatários do referido
estatuto. Sediado em Haia, nos Países Baixos, a partir de 2002, ano em que as
suas atividades foram oficialmente iniciadas, o TPI julga pessoas, não Estados.
E por quatro crimes principais: crimes de genocídio, crimes contra a
humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão, com cada um desses crimes contemplando
atos criminosos específicos.
Quanto
à entrada em cena do TPI... Isso acontece quando tribunais nacionais dos países
signatários do Estatuto de Roma não conseguem ou não desejam realizar certos processos
criminais, sendo o TPI, digamos, uma espécie de último recurso. No caso de uma denúncia, por
exemplo, e qualquer pessoa física ou jurídica pode fazer uma, o TPI primeiro averigua a sua
procedência. Se confirmada a indisposição do Estado da origem da denúncia em julgar o criminoso denunciado e o delito em questão seja da competência do Tribunal, este pode
exercitar a sua jurisdição. Segundo o advogado brasileiro Édis Milaré,
especialista em Direito Ambiental, um novo ato criminoso foi reconhecido como
crime contra a humanidade pelo TPI no final de 2016, ou seja, o ecocídio, termo
que designa a destruição em larga escala do meio ambiente, o que, entre outros,
inclui a destruição de condições de existência de uma população porque o seu
ecossistema foi destruído, como no caso de desmatamento, mineração
irresponsável, grilagem de terras e exploração ilícita de recursos naturais.
Não
à toa, em artigo publicado pelo jornal francês Le Monde
logo após o resultado das eleições presidenciais brasileiras de 2018, juristas
franceses já sinalizavam, como foi dito antes, para a gravidade dos “projetos
antiecológicos” de Bolsonaro, evidenciando a sua negligência em relação ao meio
ambiente e o seu desprezo pelas populações indígenas, postulando a ocupação das
suas terras pelo capital: “Se forem executados, escreveram os juristas, alguns
de seus projetos podem ser considerados como crimes contra a humanidade”. Além
disso, os franceses também alertaram para a responsabilidade de empresas que,
eventualmente, contribuam com essas ações na Amazônia: “A participação de
empresas, direta ou indiretamente, no financiamento, concepção técnica ou implementação
desses objetivos presidenciais poderia ser vista como uma cumplicidade nas
violações dos direitos humanos”. E que “autores de crimes ambientais podem ser
julgados no mesmo patamar de criminosos de guerra” – em setembro de 2017, numa
palestra à maçonaria, o general Hamilton Mourão, que viria a se tornar vice de
Bolsonaro, defendeu a venda de terras da Amazônia, chamando os indígenas de
“indolentes”, e a privatização das estatais brasileiras.
Em
entrevista à Rádio Brasil Atual (22/08), a pesquisadora Larissa Mies
Bombardi, professora do departamento de Geografia da Universidade de São Paulo
(USP), disse que “o governo [brasileiro] está caminhando num sentido em que
mesmo os setores conservadores se assustam com as declarações” de Bolsonaro,
como é o caso de Blairo Maggi, o maior produtor de soja do mundo, um dos
símbolos do agronegócio brasileiro e ministro da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento do governo Temer. Segundo a pesquisadora, autora do Atlas
Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia e
para quem Bolsonaro está pondo em prática um projeto que suprime os direitos
humanos básicos, Maggi anda perplexo com os excessos do governo federal – como “excessos”,
ela cita como exemplo a negação das evidências científicas do aumento do
desmatamento na Amazônia, indicadas pelo Inpe, e o aumento das queimadas. Para
Maggi, que já arrebatou o “prêmio” Motossera de Ouro do Greenpeace por ser
considerado o maior desmatador do Cerrado em 2005, o discurso agressivo de
Bolsonaro contra o meio ambiente tem potencial até para cancelar o acordo
comercial entre o Mercosul e a União Europeia.
Em sua conta
pessoal do Twitter, o jornalista e técnico agrícola Paulo Pimenta, líder do
Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara dos Deputados, declarou, em 23/08, que
“o Brasil precisa ter a soberania sobre seu território – que inclui 60% de toda
a Amazônia – respeitada e não abrimos mão disso! Mas devemos avaliar a
viabilidade de apresentar formalmente ao Tribunal Penal Internacional uma
denúncia contra Bolsonaro por crime contra a humanidade”. Um pensamento que, de
há muito, tem pululado na mente de muita gente, eis que, no dia 27/08, um grupo
de advogados do Instituto Anjos da Liberdade protocolaram uma denúncia contra
Bolsonaro por crimes ambientais contra a humanidade – denúncia essa sustentada
pela existência de um presidente da República que, declaradamente, é contra
leis ambientais, e que os incêndios na Amazônia são reflexos dos seus projetos
antiambientalistas, incluindo o menoscabo de populações indígenas e da ocupação
das suas terras.
“Os
danos ocorridos neste ano na Amazônia podem ser vistos como consequência de
declarações irresponsáveis de Bolsonaro, assim como do desmonte de órgãos
ambientais e das políticas de Estado de proteção a direitos socioambientais”, afirmou
a advogada Eloísa Machado ao canal alemão Deutsche Welle. E ela
acrescentou: “Os ataques de Bolsonaro aos órgãos de pesquisa, aos
ambientalistas, às organizações não governamentais e aos órgãos de fiscalização
ambiental se apresentaram como um salvo conduto para ações criminosas contra o
meio ambiente”. Para os advogados que elaboraram a denúncia, Bolsonaro também
tem de ser investigado por fazer analogia à tortura, ao desaparecimento forçado
de pessoas e ao homicídio indiscriminado, além de defender políticas de
extermínio.
Arte: Ivan
Cabral
No dia 6 de setembro, seis
dos nove países amazônicos reuniram-se na cidade colombiana de Letícia,
localizada na fronteira com o Brasil e com o Peru, e anunciaram uma declaração
de preservação da Amazônia, o Pacto de Letícia pela Amazônia – as
exceções foram a Venezuela, a
Guiana e a França, através do seu território ultramar na fronteira com o
Brasil, a Guiana Francesa, que não foram convidados, mas que, posterior e
curiosamente, os demais países deverão convidar para aderirem ao pacto, bem
como Bolsonaro, que não
compareceu ao encontro, sendo representado pelo
ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Resposta à crise ambiental, política e
diplomática deflagrada pelo aumento do desmatamento da Floresta Amazônica – os países signatários se reunirão novamente em dezembro, no Chile –, o pacto pela Amazônia pretende propor
ações concretas para a proteção da floresta, também ameaçada pelo desmatamento para o cultivo e para a extração de
madeira, a mineração ilícita, o comércio ilegal de espécies e a invasão de
reservas indígenas, entre outras. Porém, requer, ainda, o compromisso de Bolsonaro. Isso porque o Brasil não
somente é responsável por 60% da Amazônia, mas sobretudo porque a retórica
bélica do brasileiro, atacando ONGs, tribos indígenas e governos
estrangeiros, compromete toda a região amazônica. Sem falar que, dizendo-se
cético em relação às alterações climáticas, o seu discurso a favor da
exploração de minérios em áreas protegidas e o seu descaso com a fiscalização
de crimes ambientais tem sido apontado pelos ambientalistas como combustível
para as queimadas. Falando nisso... Na noite de
14/09, o fogo alcançou a Vila de Alter do Chão, no oeste do Pará, à margem direita do Rio
Tapajós e território do povo Borari, sobretudo numa
Área de Proteção Ambiental (APA), criada em 2003, mas que, até hoje, não possui
um Plano de Manejo. Sem falar que as chamas destruíram uma grande área de um tipo
de vegetação rara na Amazônia, a Savana Amazônica – objeto de pesquisa e
monitoramento há mais de três décadas pelo Instituto Nacional de Pesquisa da
Amazônia (INPA), que, inclusive já catalogou espécies de animais endêmicos, ou
seja, animais que só vivem nessa área.
Arte:
Clayton
Segundo o
relatório Máfias do ipê: como a violência e a impunidade
impulsionam o desmatamento na Amazônia brasileira, divulgado na
terça-feira (17/9) pela ONG Human Rights Watch, uma das maiores ONGs globais focadas
na defesa de direitos humanos, boa parte do desmatamento na Amazônia é
realizado por complexas redes criminosas que se valem de assassinatos e de
alianças com empresas para cumprir seus objetivos. De acordo com o relatório, a
impunidade alimenta a destruição da floresta. Citando dados compilados pela
Comissão Pastoral da Terra (CPT), organização ligada à Igreja Católica, o
documento diz que mais de 300 pessoas foram assassinadas na última década no
Brasil no contexto de conflitos pelo uso da terra e de recursos naturais na
Amazônia e que apenas 14 casos foram julgados destacando que a maioria dos
mortos eram indígenas ou membros de comunidades locais contrários à exploração
ilegal de madeira e os responsáveis tinham envolvimento com a destruição da floresta
e “viam suas vítimas como obstáculos às suas atividades criminosa”.
Pesquisador
sênior da Human Rights Watch e responsável pelo relatório,
César Muñoz
informou à BBC News Brasil que o trabalho
da ONG enfoca a ação de quadrilhas especializadas na extração de madeira e que essas quadrilhas
não são os únicos responsáveis pela destruição da floresta, mas são o “ator
mais perigoso pela escala da destruição [que promovem] e porque usam da
intimidação e violência contra moradores e agentes ambientais”, costumando agir
em terras públicas. Para o pesquisador, outro aspecto preocupante é a “lavagem”
da madeira, que consiste em fraudar a
origem da sua extração para permitir a sua comercialização, ou seja, redes
criminosas se aliam a empresas do setor madeireiro e forjam documentos que
regem a exploração da madeira em trechos da floresta onde a extração é
permitida. Segundo Muñoz, quando as quadrilhas não são detidas, elas retiram
todas as árvores de grande valor da floresta, que, repleta de pequenas
clareiras e ramais, se torna mais exposta ao fogo. Por fim, o relatório diz que,
além das quadrilhas, ações do governo Bolsonaro têm deixado defensores da
floresta em posição ainda mais vulnerável e dificultado o cumprimento de metas
assumidas pelo Brasil para mitigar as mudanças climáticas. Diante da fala do
beligerante na ONU, então!
Arte: Iotti
O que é preocupante, pois, assim como Bolsonaro, outros alienados a
postos, sobretudo integrantes do governo federal, zombam do aquecimento global. Tanto que, no dia 28 de agosto, quando o
Congresso Nacional instalou a Comissão Mista Permanente sobre Mudanças
Climáticas (CMMC) para discutir o tema das mudanças climáticas e o aumento
recente no número de queimadas da Amazônia, se especula que o governo Bolsonaro
valeu-se de manobras para eleger o senador Zequinha Marinho (PSC-PA), outro que
nega a ação humana como principal agente das
mudanças climáticas, para a
presidência da referida comissão, rompendo um acordo anterior anunciado pelo
presidente do Senador, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que queria o senador
Alessandro Vieira (Cidadania-SE) como presidente do colegiado: “Nas últimas horas antes da instalação [da Comissão] teve uma
interferência do governo, inclusive com troca de integrantes, e surgiu esse
nome, do Zequinha, para participar de uma disputa que não estava prevista”,
disse Vieira à BBC News Brasil. “Ninguém sabia que teria eleição, foi
uma interferência do governo realmente na busca de ter o controle sobre a
comissão” – à ocasião, em entrevista à TV
Senado, Zequinha Marinho não economizou nos disparates, tipo: “A influência
humana é muito pequena” nas alterações do clima, “algumas estatísticas dizem
que não chega a 4%”. Para ele, “tem muita coisa que é muito folclórica nessa
questão de mudança climática”. Nossa, como pode pessoas assim ocuparem certas
funções? Isso porque elas representam um retrocesso gritante, o que é uma
temeridade, ainda mais quando, excepcionalmente
este ano, no caso dessa comissão, os seus integrantes, deputados e senadores, é
que serão os responsáveis por coordenar a resposta do Congresso Nacional ao
aumento do desmatamento e do número de queimadas na região amazônica: “Ele [Zequinha]
acha que não tem aquecimento”, declarou Vieira, para quem o senador do Pará,
apesar de ter nascido no Tocantins, “é um retrato daquilo que o governo [federal]
quer. Um controle sobre as informações, negando inclusive a ciência”, ao
contrário, como sabemos, da maioria absoluta dos pesquisadores que estudam o tema
afirmar que a temperatura média do planeta, que não é plano, está
inquestionavelmente aumentando e que este aumento é provocado, sim, pela ação
humana. E principalmente por meio da emissão em larga escala dos chamados gases
do efeito estufa, sobretudo o dióxido de carbono.
ERA UMA VEZ?
Arte:
Lex
Semanas
de fuligens, meses de trevas... No âmago de polêmicas estéreis e
contraproducentes, um inculto e execrável Bolsonaro protagoniza a sua própria
fraude num folhetim de quinta, com a sua popularidade – já não era sem tempo –
despencando em queda livre, ou melhor, “derretendo” cada vez mais rápido – um reflexo
de que “a democracia no Brasil foi capturada por um processo fraudulento”, como
afirmou o senador Humberto Costa (PT-PE) em meados de junho, defendendo
veementemente – com toda razão – que as eleições presidenciais de 2018 foram
maculadas. Não à toa, em artigo publicado na Carta Capital (05/08), o jornalista
e escritor Camilo Vannuchi ressaltou que “Bolsonaro
transforma o fake-revisionismo em marca de seu governo. Hoje, esse
revisionismo fake assume a forma de negação.
Negação e chacota – com a assinatura oficial da Presidência da República”,
acrescentando que, junto com o fake-revisionismo
declaratório, “Bolsonaro exerce o fake-revisionismo pela caneta, com efeitos
ainda mais devastadores”. Mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela
USP e ex-membro da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo
(2014 - 2016), Vannuchi foi além: “Quando um presidente da República
mente, é fundamental afirmar que ele mentiu. Quando uma declaração é mentirosa
ou criminosa, é importante não a noticiar como uma declaração polêmica ou
controversa. O nome correto da mentira é… mentira”, finalizando que “a
naturalização da mentira e do fake-revisionismo praticado por Bolsonaro é irmão
siamês da naturalização do mal. Acostumar-se com ela é um atentado não apenas
contra a democracia ou contra a história, mas contra a humanidade”.
Eis
a banalização do mal, faltando apenas um decreto para oficializá-la como
instrumento do atual desgoverno federal, que, sem limites, se impõe ao Estado
brasileiro. Outro exemplo da banalização do mal? Conta o fotógrafo Araquém
Alcântara, o da fotografia do tamanduá-mirim queimado pelas chamas da Amazônia,
que, certo dia, nos confins da região, ouviu a confissão de um matador de
aluguel: — Aqui, seu moço, homem não tem palavra, mulher não tem honra, terra
não tem dono e árvore não tem raiz.
Não,
não é assim que a humanidade tem de caminhar.
Nathalie Bernardo da Câmara
P.S.: Enquanto isso, Bolsonaro e a cúpula do seu
governo espera com temor a realização do Sínodo da Amazônia, ou Sínodo dos
Bispos para a Região Pan-Amazônica, que, de 06 a 27 do corrente, ocorrerá no
Vaticano e que pretende produzir um forte discurso em defesa da floresta e dos
seus povos. Na quinta-feira (03/10), em coletiva de imprensa para apresentar a
programação do evento, o relator da assembleia episcopal, cardeal Cláudio
Hummes, ressaltou que a Igreja reuniu-se com representantes do governo Bolsonaro
para explicar que a soberania do Brasil “não está em discussão”, acrescentando
que, sobre isso, há até uma declaração oficial dos bispos brasileiros afirmando
que a soberania brasileira é intocável, “o que não quer dizer que o resto do
planeta não possa falar nada sobre o que acontece na Amazônia”, afirmou Hummes,
também arcebispo de São Paulo e amigo pessoa do papa Francisco, que, no mesmo
dia da coletiva de imprensa, declarou que os incêndios florestais na Amazônia
são sim um “problema mundial”. E voilà!
Links
consultados:
https://www.reddit.com/r/brasilnoticias/comments/curkf4/luís_francisco_carvalho_filho_o_dia_do_fogo/
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