Foto: Nathalie
Bernardo da Câmara
“Ninguém será sujeito à interferência na sua vida
privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à
sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra
tais interferências ou ataques” – art. 12 da Declaração Universal dos Direitos do Homem
(DUDH), adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de
dezembro de 1948.[1]
Um
tema recorrente no planeta, invariavelmente em debate, é o direito à privacidade[2] – um direito humano que,
na legislação brasileira, por exemplo, é garantido pela Constituição Federal
(1988) e pelo Código Civil (2002), além de ser igualmente resguardado por vários
documentos de âmbito internacional – entre eles, a supracitada declaração dos
direitos humanos, da qual,
inclusive, o Brasil é um dos seus signatários, sendo a violação desse direito,
portanto, o da privacidade, crime previsto por um rol de leis e, naturalmente, cabível
de penalidades, embora, em inúmeras situações e por motivos os mais diversos,
não aplicáveis, imputáveis.
Infelizmente,
por um precário, seletivo e, por conseguinte, excludente acesso à educação e à informação,
a maioria da população ignora o direito em questão – um direito, na verdade, de
todo cidadão, sem exceção. O leque, entretanto, daqueles que têm ciência da sua
existência não é pequeno, mas apenas na teoria, porque na prática o desdenham, posto
que não se importam com os danos das suas deliberadas intromissões na vida
privada de terceiros – fato que, particularmente, me incomoda, isto é: o
acintoso desrespeito e a inaceitável violação do direito à privacidade de outrem,
conquanto, no caso, o meu e o da minha entourage.
E
um episódio recentemente ocorrido é exemplo disso: sem decoro algum,
estupidamente, “entupiram” a caixa para correspondências da nossa casa com
propaganda eleitoral de diferentes formatos, contendo dados de uma dada
candidatura para o pleito de outubro do corrente, além de arremessarem por cima
do muro um punhado de “santinhos”
políticos que se espalharam na garagem e no jardim, poluindo visual e ambientalmente
um espaço privado. Achando pouco, ainda colaram um adesivo com foto e
identificação numérica da tal candidatura no invólucro que protege o registro
de luz que fica na parte externa do muro, defronte à rua.
Pois, saliento que o registro de luz pertence à empresa que distribui energia
elétrica no Rio Grande do Norte, encarregada por sua instalação, mas a guarda do
aparelho é de nossa responsabilidade. Daí que, na condição de consumidores, devemos
responder por todo e qualquer eventual dano causado ao registro. Ocorre que, por
não presenciar o vandalismo, não tive a oportunidade de soltar uns
impropérios contra os vândalos, restando-me, assim, retirar o adesivo da capa
de proteção do registro de luz e as demais peças publicitárias eleitorais atrevidamente
depositadas na chamada caixa dos Correios, desocupando-a – no caso, limpando-a.
Sem
falar que os “santinhos” jogados a esmo no jardim e na garagem foram
recolhidos, devidamente picotados e jogados num saco de lixo, visto que nem
para reciclagem o material não teria serventia em razão do seu alto grau de toxicidade.
Porém, apesar de cientes de que o entulho
que recolhemos não receberia o tratamento adequado, isso porque não defendemos
lixões a céu aberto nem aterros controlados ou sanitários, muito menos a
incineração de resíduos produzidos pelas populações do mundo inteiro por
questões ambientais, sabíamos que, de uma forma ou de outra, ele seria
eliminado, presumindo, agora, que muitos estão a questionar...
E
não apenas o destino da imensa produção de lixo da humanidade, mas também o do lixo
em questão, ao mesmo tempo se pensaríamos e agiríamos de igual modo caso alguma
candidatura que apoiamos com a intenção de nela votar promovesse essa espécie
de “boca de urna domiciliar”. Em termos, já que, apesar de não compactuarmos
com esse tipo de prática, pouco importando o remetente, e se a propaganda eleitoral divulgada, mesmo de forma
indevida, aleatória, fosse palatável à nossa ideologia, simplesmente a guardaríamos,
mantendo-a sempre à mão para, dependendo da situação, do contexto, repassá-la a
um parente ou amigo.
Decisão
essa, verdade seja dita e sem vestígio algum de hipocrisia, uma questão de foro
íntimo, outro direito resguardado por lei, até porque não saímos por aí
alardeando os nossos votos, algo que, diga-se de passagem, estamos evitando
fazê-lo por uma questão de cautela, o que me faz lembrar de um provérbio
popular português, igualmente apreciado por um saudoso e estimado camarada, ou
seja, o escritor José Saramago (1922-2010), isto é: “Cautela e canja de galinha
nunca fizeram mal a ninguém” – não à toa, outro dia escrevi no cabeçalho de uma
postagem que compartilhei numa certa rede social da internet o texto transcrito
abaixo:
“Diante dos inúmeros casos de violência, sejam elas físicas, morais e/ou
correlatas, que, abismados e indignados, o Brasil e o mundo têm testemunhado ao
longo dos últimos anos, antes mesmo das iminentes eleições e que, infelizmente,
já viraram lugar-comum ou, melhor dizendo, uma habitual e desprezível prática
de determinados candidatos reacionários de direita, de seus correligionários e
de seus potenciais eleitores, que ignoram o que seja democracia e civilidade,
desrespeitando às diferenças e sobretudo o direito de pensar – o que dirá
respeitar o direito inalienável de votar dos cidadãos, livres, inclusive, para
optar sobre o seu próprio voto –, fica uma dica: ‘abstrai e finge demência’”.
Obviamente
que não somos de abstrações quando se trata de política – talvez em momentos de
ócio criativo. Sem falar que em hipótese alguma somos dementes – pelo
contrário! E se reagimos com repulsa em relação à propaganda eleitoral que
agrediu o nosso direito à privacidade e a nossa ideologia – que o assédio não
se repita – foi porque ela consistia num engodo de quinta, evitando, ao picotarmos o material, não mais servindo
nem para fabricar um quebra-cabeças, que nenhum desavisado corra o risco de lê-lo,
quiçá sendo influenciado por falácias e tomando a incauta decisão de votar numa
candidatura comprometida com o retrocesso.
Porém, pensei em mudar de ideia quanto ao destino dado ao “lixo” em pauta – voilà a abstração! Quis até queimá-lo, não nego, mas igualmente descartei a ideia. Vaso sanitário? Nesse caso, o estrago seria grande... Reciclar? Nem pensar, também por causa dos efeitos nocivos do material! Daí, sem mais opções, só restou destinar as ditas “tripas” de celulose à caçamba do caminhão de limpeza da cidade, inexorável destino, aceitem ou não, de certos partidos políticos, cujos aderentes, de asas “picotadas”, partidas, não passam de causas perdidas, sem direito sequer a um santo que, mesmo se quisessem, não poderiam salvar as penadas “almas”...
Nathalie Bernardo
da Câmara
[1] Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Disponível em: ˂https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos˃. Acesso em: 17 de set. 2022.
[2]
HIRATA,
Alessandro. Direito à privacidade.
Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo
Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e
Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner
Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: ˂https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/71/edicao-1/direito-a-privacidade˃. Acesso em: 17 de set. 2022.
Muito bom o texto! Temos nossa privacidade invadida por completo. Soma-se também a poluição sonora que ultrapassa as paredes de nossas casas e o lixo sonoro vai diretamente para o interior do organismo.
ResponderExcluirBravo!
ResponderExcluirInvasão de privacidade e um eufemismo para estupro domiciliar.
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