terça-feira, 13 de abril de 2010

ALELUIA, SENHOR, ALELUIA!
PARTE II
UM SALTO NO ESCURO...


“Até hoje, as esperanças dos jovens nunca conseguiram tornar o mundo melhor e o sempre renovado azedume dos velhos nunca foi tanto que chegasse para torná-lo pior...”.

José Saramago
Escritor português


Ano bissexto, de acordo com o calendário gregoriano, 1968 foi decretado o Ano Internacional dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas – ONU. Tal decisão, contudo, deu-se no dia 12 de maio, dez dias após ser desencadeado, em Paris, o movimento que ficou conhecido por Maio de 68. Porém, antes de comentarmos sobre o levante que sacudiu a capital francesa, embora repercutindo internacionalmente, e de fazermos uma retrospectiva dos principais acontecimentos ocorridos nesse ano, tentemos primeiro entender, a partir de uma análise feita pelo sociólogo francês Edgar Morin, em seu livro Introdução a uma política do homem, as causas que fizeram de 1968 um ano de singular efervescência, entrando para a História.

Para Edgar Morin, 1968 foi o ano de convergência de quatro crises, sendo a revolta estudantil internacional testemunha de cada uma das sociedades, de cada um dos sistemas e da crise planetária-antropológica. Ou seja:

1. A regressão de fórmulas liberais ou sem-liberais em proveito de ditaduras militares na órbita ocidental (Argentina, Peru, Bolívia, Brasil, Nigéria etc);

2. A tendência de generalização de sistemas bastardos de nacional-socialismo e de socialismo nacional espalhados pelo planeta;

3. A crise de desenvolvimento no sentido restrito do termo, com as dificuldades geográficas, nutricionais, econômicas e sociais do Terceiro Mundo e a crise de desenvolvimento no sentido amplo do termo (desenvolvimento do homem) que se desenrola nas sociedades ditas desenvolvidas;

4. A crise da modernidade (o bang da onda de choque cultural) e já a crise da civilização.

Enfim! Crises geram mudanças. E as crises mencionadas pelo sociólogo francês traduziram-se no leitmotiv que fez de 1968 um dos mais controvertidos anos do séc. XX. Segundo Marcelo Nogueira de Siqueira, pesquisador do Arquivo Nacional do Brasil, no Rio de Janeiro: “O ano de 1968, tido por muitos como o ano zero de uma nova modernidade, foi rico em fatos que transformaram o Brasil e o mundo. Na luta por direitos civis, nas artes e nos costumes, a década de 60 teve em 1968 seu ápice”. Vejamos, então, apenas a titulo de ilustração, alguns dos acontecimentos ocorridos nesse período, lembrando que, durante o desenrolar de 1968, o mundo vivia sob constante tensão, já que a guerra no Vietnã (1954 - 1975), que parecia não ter fim, inspirava em todos certa apreensão.







Janeiro: Antecipando a bela iniciativa da Organização das Nações Unidas - ONU de decretar 1968 o Ano Internacional dos Direitos Humanos, o papa Paulo VI (1897 - 1978), em mensagem lida no dia 8 de dezembro de 1967, propunha que, a partir do ano seguinte, ou seja, 1968, o dia 1° de janeiro passaria a ser reconhecido como o Dia Mundial da Paz, devendo, portanto, ser comemorado todos os anos subseqüentes, ad aeternu. Curiosamente, desde então, os papas têm o costume de, a cada ano, escolher um tema e de redigir uma mensagem a ser lida nesse dia. Assim, para 2010, Bento XVI escolheu o tema Se quiser cultivar a paz, preserve a criação. Porém, o que nem ninguém sabe é à qual paz e à qual criação o papa se referiu... Bom! Estava aberta, então, iniciado 1968, a porta para um ano que poderíamos chamar de sui generis. Afinal, só para termos uma idéia, mal começa o ano e já é realizado, no segundo dia de janeiro, na cidade do Cabo, na África do Sul, o primeiro transplante de coração do mundo considerado bem sucedido. Três dias depois, no dia 5, o mundo é surpreendido pela Primavera de Praga, um ousado gesto de rebeldia liderado pelo comunista tcheco Alexander Dubček (1921 - 1992), a fim de humanizar o Partido Comunista da Tchecoslováquia, desagradando, obviamente, os partidários do ex-ditador linha-dura soviético Joseph Stalin (1879 - 1953). Infelizmente, sete meses e quinze dias depois, no dia 20 de agosto, uma intervenção militar soviética põe fim ao sonho, à Primavera de Praga.






Braço, mão e relógio são do fotógrafo tcheco Josef Koudelka, que registrou o deserto da paisagem a sua frente, precisamente às 6h do dia 21 de Agosto de 1968, minutos antes dos tanques militares entrarem em alta velocidade nas ruas de Praga, abortando a tentativa dos comunistas renovadores tchecos, liderados por Alexander Dubcek, para porem termo ao regime de partido único, abrindo a sociedade ao pluralismo cultural e político. Foi tudo muito rápido. Até então deserta, a paisagem logo ganhou novos elementos e contornos: o embate de energias opostas e forças antagônicas, instaurando o caos.


O Brasil, por sua vez, no dia 15, sob a batuta de dois polêmicos brasileiros, assiste a estréia, no Rio de Janeiro, da peça Roda Viva, de autoria do multifacetado Chico Buarque de Holanda e dirigida pelo inquieto e irreverente José Celso Martinez Corrêa, que injeta certa rebeldia no palco, fazendo do espetáculo um libelo contra a ditadura militar (1964 - 1985). Porém, meses depois, no dia 18 de julho, após uma apresentação, em São Paulo, adeptos do Comando de Caça aos Comunistas - CCC invadiram o teatro e, encapuzados, armados de cassetetes e soco inglês sob as luvas, destruíram o cenário, invadiram os camarins, espancaram e abusaram dos atores e da equipe de produção, destruindo, ainda, figurinos e distribuindo pancadaria. O fato terminou por fazer da peça um símbolo de resistência contra a ditadura militar aos desmandos militares.

Fevereiro: De volta à Europa... No dia 5, estudantes ocupam universidades na
Espanha e na Itália, enquanto um consulado americano é invadido na Alemanha e, no dia 18, em Berlim, uma grande manifestação estudantil protesta contra a guerra no Vietnã.

Março: Não demora muito, no dia 7, é desencadeada a primeira batalha em Saigon e, em Cuba, no dia 15, são desapropriados os últimos estabelecimentos privados do país: bares, livrarias, oficinas... No dia seguinte, militares norte-americanos massacram cerca de cento e cinqüenta civis vietnamitas na aldeia de My Lai – episódio conhecido como a Matança de My Lai –, certos de que estavam atacando o Viet Kong, a guerrilha comunista. No mês anterior, quarenta mil soldados norte-vietnamitas haviam cercado a base americana de Khe Sanh, com os seus seis mil fuzileiros. Rompendo o cerco, mais de sete mil e quinhentas missões americanas descarregaram, em três semanas, quase 700 mil toneladas de bombas, em um ritmo de duas mil explosões por segundo. Na França, no dia 22, liderados por Daniel Cohn-Bendit, judeu franco-alemão, estudantes ocupam a torre administrativa da universidade de Nanterre, nas cercanias de Paris, e criam o Movimento 22 de Março – o embrião dos protestos de Maio de 68. No Brasil, no dia 28, o secundarista paraense Edson Luís de Lima Souto é assassinado pela polícia militar durante um confronto no
restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, tornando-se o primeiro dos estudantes a ser morto pela ditadura militar.


Abril: Cinco dias depois do ocorrido no
restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, ou seja, no dia 2, uma missa é realizada na Candelária, no Rio de Janeiro, em prostesto ao atentado contra a vida do estudante Edson Luís. Porém, finda a celebração, a cavalaria da polícia militar cercam todos que estavam no evento. O saldo do cerco abusivo? Dezenas de pessoas feridas. Em São Paulo, no dia 4, aos setenta e cinco anos, morre um dos maiores empreendedores brasileiros, o jornalista, empresário e político Assis Chateaubriand, detentor do maior império das telecomunicações no país. Endividado e tendo sofrido uma trombose, que o deixou paralisado, Chatô, como era conhecido, passou a se comunicar através de uma máquina de escrever adaptada as suas necessidades. Pertenciam-lhes os Diários Associados e a TV Tupi, ocupando, ainda, a cadeira de n° 37 da Academia Brasileira de Letras - ABL. Idealista, costumava dizer que amava três coisas na vida: o poder, a arte e a mulher.




Nesse mesmo dia, em Memphis, Tenessee, nos Estado Unidos, é morto, a tiros, com apenas trinta e nove anos de idade, o líder pacifista negro norte-americano Martin Luther King, Prêmio Nobel da Paz de 1964. No dia seguinte, eclodem conflitos raciais por quase todos os Estados Unidos, que, no dia 11, presenciam a assinatura da lei a favor dos direitos civis dos seus cidadãos pelo presidente norte-americano Lyndon Johnson (1908 - 1973). Em Paris, no dia 13, eu nasci. No Brasil, no dia 17, os militares determinam que mais de cinqüenta municípios passam a ser considerados área de segurança nacional, sendo suspensas, portanto, nesses municípios, as eleições de novembro daquele ano. No dia 20, um atentado a bomba destrói a entrada do edifício do jornal O Estado de São Paulo. Focos de tensões alastram-se mundo afora. Em Nova York, no dia 28, cerca de sessenta mil manifestantes protestam no Central Park, exigindo o fim da guerra no Vietnã. No dia seguinte, Nova York é palco – no caso, literalmente – de um outro acontecimento que, inquestionavelmente, divide a opinião pública: na Broadway, estréia o musical Hair, cuja letra é de autoria dos norte-americanos Gerome Ragni (1942 - 1991) e James Rado e música do compositor e pianista canadense Galt MacDermot. Dirigida por Tom O’Horgan (1926 - 2009), Hair escandaliza a sociedade não somente por exaltar a cultura hippie, com cenas de nudez e apologia as drogas, mas, também, por protestar contra o racismo e a guerra no Vietnã.

Maio: No dia 2, tem início o movimento que, execrando o statu quo da época, entrará para a História como os acontecimentos de Maio de 68. A seguir, portanto, um capítulo à parte, digamos, dedicado, exclusivamente, a esse período histórico.


DÉFENSE D’INTERDIRE!

OU

É PROIBIDO PROIBIR!

“As transformações necessárias do homem e da sociedade vão infinitamente mais longe do que as mais loucas das utopias nunca ousaram imaginar...”.

Jean-Marc Coudray
Pseudônimo do filósofo, crítico social e psicanalista grego Cornelius Castoriadis (1922 - 1997)



Posso dizer que, no dia 2 de maio de 1968, quando, na Universidade de Nanterre, nos arredores de Paris, apelidada de Feudo esquerdista, eclodiu aquele que viria a se tornar um dos mais emblemáticos acontecimentos históricos não somente do ano de 1968, mas, sobretudo, do séc. XX, eu estava não muito distante, na capital francesa. Infelizmente, não tinha idade o suficiente para participar do movimento, que, aliás, no dia seguinte, invadiu a Universidade da Sorbonne, no Quartier Latin, pertinho do Boulevard du Montparnasse, onde minha família morava. O bom mesmo, contudo, deve ter sido quando surgiram as famosas barricadas... E eu lá, no berço, sob o olhar atento da minha mãe, protegida. No entanto, no lugar dela, eu teria saído as ruas, não hesitando em levar minha filha recém-nascida nos braços, nem que fosse para, em meio ao tumulto, esbarrar, quiçá, no filósofo Jean-Paul Sartre (1905 - 1980). Porém, apesar de estar no cerne dos acontecimentos, não cheguei sequer a testemunhá-los de verdade.

Afinal, eu tinha, apenas, dezenove dias de nascida – o que não impediu, contudo, de ser contaminada pelo espírito contestador reinante. Assim, apesar de conhecer a História e dispor de livros, documentos e demais registros sobre os já mencionados acontecimentos para escrever um texto a respeito, achei que seria mais interessante transcrever um artigo de alguém que tenha vivenciado esse dado momento histórico. Daí optar por um artigo, contendo um breve texto de abertura, do jornalista e escritor francês Guy Sorman, que, à época, tinha vinte e poucos anos e pode, com autoridade, analisar os acontecimentos que se desenrolaram em Paris. Não obstante, a tradução que disponho é de autoria do poeta e compositor brasileiro Rodrigo Garcia e foi publicada no Diário do Comércio, no dia 7 de maio de 2008, quando dos quarenta anos de Maio de 68. De qualquer modo, as idéias do autor continuam bem-vindas, ressaltando que a ilustração da Mafalda, personagem do argentino Quino, foi iniciativa minha, substituindo a exclamação de igual fala, escrita no artigo, que diz a mesma coisa. E voilà!

Um dos primeiros cartazes
espalhados por Paris durante a revolta.



Foi há 40 anos, mas os que, como eu, participaram ativamente daqueles acontecimentos, a lembrança continua viva, como uma fotografia. Todo o processo durou três semanas, o equivalente a uma piscada na grande escala da História. Como qualificar esse período? Ainda não se sabe. Não era uma revolução, não foi um acontecimento político, houve pouca violência. Essa revolução, que quando foi produzida não tinha nome, não tinha líderes e não tinha programa, continua na eterna busca de uma designação. Vamos ficar então com o que é aceito convencionalmente:



Acontecimentos de Maio de 68


Por Guy Sorman
Filósofo e escritor francês

Em Paris, naquelas três semanas, basicamente não ocorreu grande coisa, e fora de Paris, menos ainda: os acontecimentos foram um não-acontecimento considerável, mas, apesar de tudo, o mundo inteiro acompanhava o que se passava em Paris. Sem dúvida nenhuma, o mais singular desse período foram as frases pichadas nas paredes, a invasão cartazes surrealistas. As mais populares declaravam que estava proibido proibir. Outros, enigmáticas, anunciavam Debaixo do chão, a praia, Corra, o velho mundo está atrás de você (pega na ideologia maoísta, em moda na época). Todas essas mensagens, que muitas vezes eram usadas por nós como um projeto, conclamavam a liberdade individual, a anarquia, a não-violência, o prazer imediato. A colocação de cartazes não era espontânea, mas obra de grupelhos de intelectuais que tiravam sua inspiração da poesia de André Breton, do anarquismo e do maoismo revisado em Saint-Germain-des-Prés. Mas o sucesso desses slogans vinha de como eles refletiam o espírito da época e as aspirações de uma geração.




E já não querem viver como seus pais - em 1789, em 1830 ou em 1968. Os acontecimentos de Maio de 1968 acabaram de uma forma tão inesperada como haviam surgido: no espaço de três semanas, aparentemente tudo voltou à ordem anterior. Os estudantes voltaram à universidade, os operários às fábricas, os padres às paróquias e o general De Gaulle à Presidência. Na verdade, tudo tinha mudado. E não só na França.


De fato, cada país viveu um Maio de 68 a seu jeito. Nos EUA, o pacifismo dos estudantes contra a guerra do Vietnã iria desembocar, cedo ou tarde, na retirada norte-americana. Em Varsóvia e em Praga, os levantes estudantis contra a ocupação soviética deixavam claro como o comunismo da Europa do Leste era apenas um frágil verniz. Na América Latina, veteranos de 68 voltaram para casa a fim de promover as revoluções sociais. Entretanto, além dessas circunstâncias locais, o balanço do Maio de 68 se traduz, sobretudo, em uma considerável transformação dos costumes no Ocidente, dos valores e das relações sociais: essencialmente, uma sociedade individualista substituiu uma sociedade hierárquica.

Esse individualismo se manifesta na vida privada: Maio de 68 foi uma liberalização sexual que coincidiu com a pílula anticoncepcional. Lembremos como anedota que os acontecimentos de Paris foram inicialmente provocados por uma discussão sobre a proibição da permanência de rapazes à noite nos dormitórios femininos das universidades entre um líder estudantil, Daniel Cohn Bendit, e o ministro da Educação. Essa liberalização sexual, por sua vez, levou a uma relativização do casamento: constituíram-se outras formas de casais e o divórcio perdeu importância.

O autoritarismo também caiu nas empresas, nas quais os métodos de administração mais participativos substituíram a hierarquia empresarial. Obviamente, contribuiu para essa mudança de rota o fato de que muitos os chefes atuais vieram da geração de 68. As igrejas cristãs evoluíram na mesma direção, ampliando a liberalização que o Concílio Vaticano II havia esboçado. As universidades e as sociedades ocidentais nunca restabeleceram a hierarquia do mandarinato. Em todas as partes foi preciso dar lugar a uma educação mais participativa e consultar os estudantes. Por fim, a vida política registrou o terremoto, adotando um estilo mais relaxado, mais próximo das preocupações diárias: o gaullismo, herdeiro da tradição monárquica francesa, não sobreviveu ao trauma de Maio de 68, já que o próprio De Gaulle decidiu renunciar um ano depois.

No mundo ideológico, a vítima mais visível foi o marxismo: os líderes do Maio de 68 eram anarquistas e, conseqüentemente, anticomunistas. Os que recorriam ao maoísmo, sem conhecer sua verdadeira natureza, eram sobretudo anti-stalinistas (da mesma forma, a ressurreição do trotskismo foi uma transformação desse anti-stalinismo). As revoltas no Leste Europeu, mais significativas do que esse debate teórico, anunciavam também a obsoleta letargia do marxismo como ideologia e, às vezes, como exercício do poder. Seriam necessários 20 anos para que os partidos comunistas desaparecessem realmente, mas a semente de sua morte anunciada foi lançada em 68.

A tradução para a realidade dessa mensagem política antitotalitária do Maio de 68 foi lenta e progressiva porque o movimento, com a exceção de poucos desvios (as Brigadas Vermelhas na Itália, a Facção do Exército Vermelho na Alemanha e as guerrilhas da América Latina), era essencialmente não-violento - um cruzamento dos hippies com Mahatma Gandhi. Foi relevante que em Paris não se teve de lamentar nenhuma vítima, apesar das três semanas de confrontos com a polícia: uma teatralização da Revolução, como dizia Raymond Aron, muito hostil aos estudantes porque afetavam sua dignidade de professor.

No geral, 40 anos depois desses acontecimentos, os protagonistas do Maio de 68 têm um sentimento de satisfação: nas sociedades ocidentais os objetivos foram alcançados genericamente. Muitos líderes do movimento se reciclaram em atividades prósperas, com certeza porque tinham alguma qualidade de líder. Mas os inimigos de Maio de 68 não desistem. É partir daí que se considera que a civilização ocidental se desmoronou nessas três semanas fatídicas. Por isso, na campanha eleitoral, o presidente Nicolas Sarkozy atacou violentamente a herança do Maio de 68 como origem do relativismo moral que acabaria tomando conta do Ocidente. Como interpretar tal saída do tom? Está justificada? De minha parte, vejo nela uma saudade do autoritarismo político: Sarkozy não poderá ser Napoleão, como qualquer dirigente político francês sonha em ser. E Sarkozy tem razão: uma sociedade francesa não tolera mais Napoleão.

Relativismo moral? Com certeza, o Ocidente não se reconhece mais como uma majestade imperial de potência colonial que impõe sua civilização ao mundo. O Ocidente agora está mais preocupado com seus próprios valores e respeita mais sua diversidade e a dos outros.

Mas, o que é o Ocidente senão esta capacidade para a autocrítica e uma permanente reinvenção de si mesmo? Maio de 68 nos abriu as janelas para nós mesmos e para o mundo: está bem assim. E, sobretudo, é irreversível!




Ainda as voltas no redemoinho do tempo, eis que, casualmente, pesquei, digamos, um texto divulgado no site oficial do Parlamento Europeu, no dia 16 de maio de 2008, intitulado O Legado de 1968 na Europa, produzido, tudo indica, pela assessoria de comunicação da instituição, já que não tem registro do autor. Ei-lo!


1968 foi um ano célebre pelos acontecimentos que o marcaram. Em França, o mês de Maio caracterizou-se por uma série de manifestações estudantis que contribuíram para as reformas sociais que se vieram a verificar em muitos países europeus. A Primavera de Praga, na Checoslováquia, foi um período de liberalização política e em Março de 1968 os estudantes universitários polacos revoltaram-se a favor de reformas e da liberdade de expressão.

"Tinha 24 anos e acabara de terminar os meus estudos no Instituto de Ciências Políticas de Paris (...). Morava no Quartier Latin e estava grávida da minha filha, com nascimento previsto para o início de Julho. Naturalmente, vivi esse mês mais como uma espectadora atenta e interessada do que como uma participante activa" relatou a eurodeputada francesa Nicole Fontaine, Presidente do Parlamento Europeu entre 1999 e 2002.

"O radicalismo dos slogans e o estilo revolucionário, muitas vezes criativo, que irritava e continua a irritar as pessoas demasiado bem-educadas, tinha por objectivo provocar e agitar uma sociedade francesa onde as normas sociais e morais, arcaicas e insuportáveis, eram transmitidas durante a juventude. O Maio de 1968 teve um efeito essencialmente catártico. Sem ele, a evolução dos costumes teria acontecido na mesma, mas provavelmente de uma forma mais conturbada", acrescentou Nicole Fontaine.

Em 1968, o eurodeputado alemão Milan Horáček (Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia) emigrou da Checoslováquia para a então República Federal da Alemanha e participou no movimento estudantil de Frankfurt. "Enquanto refugiados políticos checoslovacos, fomos simultaneamente apoiados pelos defensores do capitalismo e do comunismo. Claro que o nosso entusiasmo relativamente ao idealismo de esquerda era muito inferior ao de alguns activistas, porque já sabíamos como é que o socialismo funcionava na prática. Na Alemanha, os acontecimentos de 1968 permitiram uma alteração das mentalidades, o que fez com que hoje seja possível ter um presidente de câmara homossexual".

Para o eurodeputado polaco Bronislaw Geremek, historiador, ex-deputado e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros polaco (Grupo da Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa) "é muito difícil encontrar um denominador comum entre os movimentos de 68 na Europa Ocidental e na Europa Oriental. Os acontecimentos e objectivos que os motivaram não foram os mesmos. No entanto, todos os movimentos estiveram relacionados com a liberdade. Na Polónia, os acontecimentos de 1968 decorreram de uma iniciativa puramente intelectual e os outros grupos sociais não os apoiaram".

As alterações decorrentes dos acontecimentos de 1968 desempenharam um papel importante na construção da Europa actual, representada no Parlamento Europeu. O debate sobre o legado de há 40 anos continua aberto, mas muitos defendem que está na hora de olhar para o futuro.

O eurodeputado Daniel Cohn-Bendit, do Grupo dos Verdes - Aliança Livre Européia, um dos principais líderes dos movimentos estudantis da época, acredita que a questão deve ser encerrada. "Tudo isto para dizer que 1968 aconteceu há muito tempo. Continuar incessantemente o debate sobre 1968 não nos leva a lado nenhum. 1968 mudou o mundo, mas a sociedade dos nossos dias está diferente e é necessário outro tipo de debate".
Los Angeles, na Califórnia, vindo a falecer no dia seguinte. Ele tinha apenas quarenta e três anos e era o irmão caçula do ex-presidente John Kennedy (1917 - 1963), que também, anos antes, em 1963, morreu vítima de um atentado.
De fato!


Curiosamente, outro dia, lendo uma entrevista concedida pelo escritor português José Saramago ao jornalista e escritor também português João Céu e Silva, que resultou no livro Uma longa viagem com José Saramago, publicado em 2009, deparei-me com uma passagem onde o nobre Nobel, ao justificar ao entrevistador a sua opção por não ter tido filhos com a sua atual companheira, a jornalista espanhola Pilar Del Río, fez referência ao slogan É proibido proibir, bradado aos quatro cantos em maio de 1968, sobretudo em Paris, revendo, inclusive, de certa forma, a partir de um dado ponto de vista, o seu conceito a respeito.

Disse Saramago: “Educar um filho hoje, tentar educá-lo e depois sair-nos um problema era um risco...”. E ele prossegue: “Eu não quero dizer que o Maio de 68 tenha a culpa de todos os males que, neste particular, estamos a sofrer, mas, no fundo, uma palavra de ordem – para dizer assim – que era comum e foi enaltecida como algo transcendente para a sua realização era essa frase que dizia É proibido proibir, pois chegamos exatamente à situação em que isso está instalado na cabeça dos jovens, é proibido proibir, mesmo que eles não tenham lido nada sobre o Maio de 68. Só que não é proibido proibir! Em nome de quê é que se diz que é proibido proibir? De um ideal de sociedade tipo anarquista, libertário? Em que todas as vontades individuais se reuniam harmoniosamente no mesmo projeto... É isso? Sabemos que não é. Se é proibido proibir eu embebedo-me, eu drogo-me, dou um pontapé no rabo do professor e não acontece nada, porque se o professor me castigar até pode acontecer que o meu pai vá pedir contas à escola e, então, têm de repreender o professor, porque me deu um puxão de orelhas ou porque me castigou. O que é isto?”.

Curiosa reflexão, a de Saramago, que, em um rompante, me fez lembrar de um verso do poeta e diplomata brasileiro Vinícius de Moraes (1913 - 1980), que diz: “Filhos, melhor não tê-los, mas, se não os temos, como sabê-lo?”. Mas, antes de nos questionarmos a respeito de tê-los ou não tê-los – filhos, claro –, de como ou não sabê-lo, retomemos a nossa cronologia do ano de 1968, ainda no mês de maio, mais especificamente ao dia 26, quando, em São Paulo, é realizado, pelas mãos do cirurgião brasileiro Euryclides de Jesus Zerbini (1912 - 1993), o primeiro transplante de coração feito no Brasil. Zerbini torna-se, assim, o quinto médico a realizar um transplante de coração no mundo e o primeiro na América Latina.

Junho: O Brasil ainda não sabia, mas, no dia 5, nascia Sandra Annenberg, que se tornaria uma das suas mais simpáticas e competentes jornalistas. Porém, nos Estados Unidos, o candidato à presidência dos Estados Unidos, senador Robert Kennedy é atingido por tiros no Hotel Ambassador, em


(...) Das luas de rua no Rio
em 68, que nos resta
mais positivo, mais queimante
do que as fotos acusadoras,
tão vivas hoje como então,
a lembrar como a exorcizar? (...)

Julho: No dia 1°, é assinado o Tratado Sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares. No dia 13, a brasileira


No dia 13, no Brasil, morre o escritor Manuel Bandeira e, no dia 20, na Grécia, eis que se revela ao mundo o casamento do ano: o do magnata grego Aristóteles Onassis (1906 - 1975) com a norte-americana Jacqueline Kennedy (1929 -94), ex-primeira dama dos Estados Unidos e símbolo mundial de elegância e glamour.

Novembro: No dia 5, o republicano Richard Nixon (1969 - 1974) é eleito presidente dos EUA. No Brasil, no dia 21, o presidente Costa e Silva (1902 - 1969) aprova a lei de censura de obras de teatro e cinema, criando, também, o Conselho Superior de Censura. No dia 22, na Inglaterra e nos Estados Unidos, chega as lojas o Álbum branco (Whrite album), dos Beatles.




Dezembro: No dia 10, o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina é concedido ao indiano Har Gobind Khorana e aos norte-americanos Robert W. Holley (1922 - 1993) e Marshall Nirenberg W. (1927 - 2010), devido a interpretação dos três do código genético e a sua função na síntese protéica. Para maiores informações sobre os prêmios Nobel, bem como sobre o seu criador, Alfred Nobel (1833 - 1896), industrial e químico sueco, inventor da dinamite, cuja patente foi obtida em 1866, sugiro a leitura do texto Nobel: o detonador, postado neste blog no dia 26 de junho de 2009, logo em seguida a um texto sobre dom Hélder Câmara (1909 - 1999), intitulado Vai um Nobel?, que pode ser acessado através do link abaixo:
http://abagagemdonavegante.blogspot.com/2009/06/vai-um-nobel-eu-nao-tento-convencer-mas.html

Dom Hélder, aliás, cuja opção e militância pela defesa dos oprimidos e pela justiça social, bem como por seu engajamento político, articulando movimentos de resistência à ditadura militar, já havia posto o religioso em maus lençóis, ficava cada vez mais exposto à intolerância da direita e da extrema-direita. O jornal francês La croix, por sua vez, ciente das represálias sofridas pelo então arcebispo de Olinda e Recife, que, inclusive, havia sido fichado como “agitador” pelos órgãos de repressão do governo, constantemente denunciava que o bispo vermelho, como os seus opositores costumavam chamá-lo, já havia, de há muito, sido “totalement censuré” pela ditadura militar, inclusive recebendo ameaças.


Outro religioso que atuou em defesa das vítimas da repressão e dos direitos humanos foi dom Paulo Evaristo Arns, principalmente durante os chamados anos de chumbo, que teve início com a edição, pelo marechal Costa e Silva (1902 - 1969), em 13 de dezembro de 1968, do AI-5 – instrumento jurídico que suspendeu as liberdades democráticas e os direitos constitucionais e individuais dos cidadãos brasileiros, além de fechar o Congresso Nacional e censurar a liberdade de imprensa no Brasil.




O peso dos anos de chumbo seria sentido, ainda, até o final do governo do general Emílio Garrastazu Médici (1905 - 1985), em março de 1974 – anos de chumbo esses que o próprio dom Hélder sentiu nos ombros, quando, por exemplo, em 1970, o religioso teve a sua candidatura ao Prêmio Nobel da Paz prejudicada pelo então presidente da República Emílio Garrastazu Médici, que, além de considerar o religioso hostil ao regime, o tinha como persona non grata. O pior é que o boicote a dom Hélder não parou por aí. O episódio voltou a acontecer pelos três anos subseqüentes, ou seja, 1971, 1972 e 1973, anos em que dom Helder voltou a ser candidato ao mais prestigiado dos prêmios do planeta – em 1972, por exemplo, foi o único candidato e o prêmio não foi atribuído. Bom! Resta-nos pensar o quão, sem exceção, eram insanos e periculosos, sem exceção, os ditadores militares, bem como aqueles que os apoiaram... Enfim! Após algumas tentativas frustradas, o ser humano consegue pelo menos ver a lua de perto. O feito, atribuído aos tripulantes da Apollo 8, os astronautas norte-americanos Frank Borman, o comandante, James Lovell e William Anders, nascido em Hong Kong, teve início no dia 21, quando a nave decolou da base de lançamento do Centro Espacial Kennedy, nos Estados Unidos, saiu da órbita terrestre, entrou na órbita da lua, contornando-a, e, por fim, retornou à terra no dia 27. A missão, por sua vez, fez parte do projeto americano Apollo, que era o de uma nave espacial pousar na lua e o ser humano písar em solo lunar, façanha que somente no ano seguinte, em 1969, foi realizada – dizem – com êxito.

Com três tripulantes a bordo, a nave Apollo 11 pousou na lua no dia 20 de julho, sendo o primeiro ser humano a pisar no tão almejado solo o astronauta norte-americano Neil Armstrong, que, à época, não se fez de rogado e formulou uma frase de efeito, tornando-se uma das mais famosas já proferidas da História, que diz mais ou menos assim: “Um pequeno passo para o homem; um salto gigantesco para a humanidade”. Ocorre que, desde então, esse mesmo homem tem desafiado os seus próprios limites, tornando-se não somente um desbravador do espaço, mas, também, do universo como um todo, esquecendo, contudo, que o universo, ou seja, a natureza, o nosso meio ambiente – considero um sinônimo do outro – tem, igualmente, os seus limites. Daí que, não é de hoje, por um afã que invade e consome as suas estranhas – afã esse de novas conquistas, de tudo o que vê pela frente, marcando território –, o homem é uma ameaça a si mesmo, pondo em risco que está todas as suas possibilidades de sobrevivência. Os reveses ambientais, por exemplo, que temos testemunhado – falar do aquecimento global já virou redundância –, são a prova inconteste da iminente derrocada do planeta no qual vivemos, bem como será o de qualquer um que, porventura, o homem, um dia, sonhe habitar. Afinal, está mais do que claro que o maior predador que já existiu, pelo menos na face da terra, é o homem, insensível a tudo que está ao seu redor, salvo quando, raríssimas vezes, um sentimento puro de afeição lhe toca o coração, a exemplo da fotografia abaixo, considerada um ícone do amor romântico do séc. XX.



13 DE ABRIL:
DIA DO BEIJO




A história, contudo, da referida fotografia, intitulada Le Baiser de l’Hotel de Ville, Paris, 1950, do francês Robert Doisneau (1912 - 1994), é, entretanto, curiosa. Assim, sendo 13 de abril o Dia do Beijo, criado em 1982, homenageamos a data contando – para quem não sabe – os detalhes do caliente beijo, que, na verdade, foi quem fez a fama da fotografia. Ei-los... Certo dia, apesar de pautado para fazer uma reportagem para a revista francesa Life Magazine sobre apaixonados em Paris, Doisneau sentiu-se intimidado para adentrar na intimidade de casais que se abraçavam e se beijavam à céu aberto ou não. A opção, então, foi abordar dois belos jovens namorados que estavam a flanar e pedir que eles simulassem uma cena romântica. Daí o beijo. Nada, portanto, espontâneo. Muito menos, um flagrante, embora, de certa forma, o amor que, à época, sentiam um pelo outro tenha sido registrado pela lente do fotógrafo. O fato é que, esquecida nos arquivos da revista por mais de trinta anos, a fotografia foi casualmente descoberta e uma empresa de comercialização de posters adquiriu os direitos de utilização da imagem, visto ter percebido o seu potencial comercial. Divulgada no mundo inteiro, ganhou fama, tornando-se um sucesso de vendas. Ocorre que, de uma hora para outra, vários casais reivindicaram ser os protagonistas da fotografia, interessados nos dividendos que poderiam render os direitos autorais postos em questão. Foi aí, então, que, em 1992, durante uma entrevista, Doisneau decidiu revelar que tudo não passou de uma encenação, de uma fraude. E que, na verdade, o casal da fotografia eram dois estudantes de artes dramáticas: Françoise Bornet e Jacques Carteaud. Meses depois, contudo, de feita a fotografia, o romance dos dois acaba. O tempo passa e, em 2005, já casada e arrependida por ter posado para a fotografia, Françoise decide leiloar um dos seus originais, formato 18cm x 20cm, enviados à ela pelo próprio Doisneau, pondo-o à venda por 20 mil euros. Ao final do leilão, uma surpresa: a fotografia foi comprada por 155 mil euros, sem que fosse identificado o seu comprador, que a arrematou por telefone. C'est ça!




Pode parecer brega, mas, outra homenagem ao Dia do Beijo é a lembrança do bolero Bésame mucho, composição da pianista e cantora mexicana Consuelo Velázquez (1916 - 2005) – antes mesmo, segundo ela, de ter beijado alguém –, que, no dia 21 de fevereiro deste ano, completou setenta anos. Traduzida em mais de vinte idiomas, a composição é um ícone da música popular do mundo inteiro. Inspirada na ária Quejas, La Maja y el Ruiseñor, da ópera Goyescas, do espanhol Enrique Granados (1867 - 1916), o bolero, por exemplo, se popularizou nos Estados Unidos porque a canção foi associada as mulheres que esperavam os maridos de volta da II Grande Guerra Mundial (1939 - 1945). Então! São muitas as versões de Bésame mucho, mas, uma das poucas conhecidas é a dos Beatles, que gravou o bolero em 1969, incluindo-o no repertório de Let it be, último álbum produzido pelo grupo.

Assim, abaixo, para quem se interessar, disponibilizo três links de interpretações de Bésame mucho. Nos dois primeiros, Consuelo Velázquez pode ser vista interpretando o bolero em sua versão original, bem como instrumental, respectivamente. Já o terceiro link é o da versão dos Beatles. Sintam-se, então, à vontade. Ah! E um grande beijo...
http://www.youtube.com/watch?v=MJVL1wQby_8&feature=related


Bésame mucho (instrumental) – Consuelo Velázquez
http://www.youtube.com/watch?v=k7w0jgrHKDg&feature=related


Bésame muchoBeatles
http://www.youtube.com/watch?v=LzfUDt_5L-s&feature=related


Bésame muchoConsuelo Velázquez




Nathalie Bernardo da Câmara


"A memória, onde cresce a história, que, por sua vez, a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens".

Jacques Le Goff
Historiador francês











No dia 26, no Rio de Janeiro, estudantes realizam a Passeata dos Cem Mil, encabeçada por Vladimir Palmeira, então presidente da União Metropolitana de Estudantes - UME, em memória da morte de Edson Luís, morto em março, refletindo uma insatisfação popular diante das arbitrariedades da ditadura militar. O protesto, que reuniu cerca de cem mil pessoas, contou com a participação maciça de artistas, intelectuais, religiosos dos mais diversos credos e demais representantes da sociedade civil. O acontecimento, até então inédito na História do Brasil, inspirou o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987) a criar o poema Diante das fotos de Evandro Teixeira, autor da fotografia acima, considerada a mais famosa e badalada do evento. Transcrevemos, portanto, alguns dos versos do poema, que pode ser encontrado no livro Amar se aprende amando, publicado em 1985:

Martha Vasconcellos é eleita Miss Universo. No Vaticano, no dia 25, o papa Paulo VI publica a encíclica Humanae Vitae, segundo a qual todo ato de relação sexual dentro do casamento deve estar aberto à transmissão da vida, isto é, todos os métodos artificiais de controle de natalidade, ou seja, são proibidos o uso de anticoncepcionais.

Agosto: No dia 24, no oceano Pacífico a França explode a sua primeira bomba de hidrogênio.

Setembro: No dia 3, o
jornalista e deputado federal Márcio Moreira Alves (1936 - 2009), do MDB carioca, discursa no Congresso Nacional, em Brasília, criticando as Forças Armadas e a ditadura militar. Em dado momento, Márcio ironiza os militares, pedindo para as jovens moças evitarem dançar com cadetes. O discurso irrita os generais e Márcio é processado. No dia 11, é lançada a primeira edição da revista Veja, da Editora Abril, cuja manchete de capa foi O Grande duelo no mundo comunista.

Outubro: No dia 2, no México, o exército mata quarenta e oito pessoas durante manifestação estudantil na Praça das Três Culturas, ficando o episódio conhecido como o Massacre de Tlateloco. Ainda no dia 2, bem como no dia seguinte, em São Paulo, estudantes de esquerda da Universidade de São Paulo - USP, os conservadores da presbiteriana Mackenzie e integrantes do CCC entram em confronto, ficando o episódio conhecido como a Batalha da Maria Antônia, por ser o nome da rua que dividia as duas universidades. Também no dia 3, o general peruano Juan Velasco Alvarado (1910 - 1977) lidera um golpe de estado, dando início a um regime militar que duraria até 1980. No dia 12, cerca de mil e duzentos estudantes são presos em Ibiúna, São Paulo, quando, clandestinamente, realizavam o 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes- UNE, o mesmo dia em que é declarada a independência da
Guiné Equatorial. Um fato, contudo, ocorrido do dia 12 ao dia 27, marca o meio esportivo: pela primeira vez, os jogos olímpicos são realizados na América Latina, tendo como sede a Cidade do México.
Maio de 68 foi, antes de mais nada, uma obra espontânea dos que tinham 20 anos em maio de 1968, uma revolução mais geracional do que política. O que significava ter 20 anos em maio de 1968? Em primeiro lugar, uma negação da autoridade em qualquer de suas formas. Rechaçava-se a autoridade dos professores, dos pais, dos governantes, dos mais velhos, dos chefes. Essa reprovação, muito além das alusões pessoais, como as feitas a de Gaulle ou ao papa, questionava o princípio da autoridade e de todas as ideologias que legitimizavam a autoridade.

Assim, acusavam os partidos políticos, o Estado (personificado na ocasião pela grande figura tutelar e paternalista do general de Gaulle), o Exército, os sindicatos, a Igreja e a universidade. Isso era muito original? A Revolução Francesa, em 1789, foi obra de jovens de 20 anos, o romantismo de 1820 também, a revolução surrealista, da mesma forma. O esquema desses acontecimentos históricos é espantosamente repetitivo: após um longo período de dificuldades sociais, militares e econômicas, uma nova geração se subleva e diz:

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