quarta-feira, 21 de abril de 2010

TORTURA NUNCA MAIS?


“A tortura é o crime mais cruel
e bárbaro contra a pessoa humana...”.

Philip Potter
Ex-Secretário-Geral do Conselho Mundial de Igrejas


Brasília, 17 de abril. Câmara Legislativa do Distrito Federal. Enquanto, reunidos em plenário, deputados estão prestes a eleger, pelo voto indireto, o novo governador do Distrito Federal, que assumirá o governo interinamente, exercendo o que se chama de mandato-tampão até o dia 31 de dezembro do corrente, do lado de fora, reunidos nos gramados, em vigília desde a noite anterior, integrantes do Movimento Fora Arruda e Toda Máfia, impedidos de entrar nas galerias, protestam contra a eleição indireta, cuja legitimidade é questionada, do seu novo governante.

As eleições, por sua vez, foram convocadas a fim de evitar uma intervenção federal, cujo pedido, feito pela Procuradoria Geral da República, encontra-se em tramitação no Supremo Tribunal Federal. Ocorre que muitos dos deputados envolvidos no esquema do Mensalão dos Democratas estavam entre os vinte e quatro parlamentares supostamente aptos a elegerem o novo governador do Distrito Federal. Um deles, inclusive, é o deputado Geraldo Naves, sem partido, recém-saído da prisão, onde esteve por tentativa de suborno a uma testemunha do escândalo.

Afinal, como é público e notório, o Mensalão dos Democratas, que envolvia diretamente o então governador José Roberto Arruda, à época do DEM, e que foi desmantelado pela Operação Caixa de Pandora, deflagrada pela Polícia Federal, em novembro de 2009, caracterizou-se um esquema para lá de criminoso. Denunciado e ameaçado de impeachment, Arruda renuncia ao cargo, assumindo o vice Paulo Octávio, que também pertencia ao DEM. No entanto, em fevereiro, acusado de obstruir as investigações, Arruda tem a sua prisão decretada. Nesse ínterim, Paulo Octávio renuncia.

O presidente da Câmara Legislativa, por sua vez, o deputado Wilson Lima, do PR, se afasta da função para, interinamente, assumir o governo do distrito Federal. Arruda, que, inclusive, passou o carnaval e a semana santa vendo o sol nascer quadrado, é solto após dois meses na cadeia, no último dia 12. Dias depois, no sábado, 17, é eleito, por voto indireto, à revelia da população, o novo governador interino do Distrito Federal. Só que se engana quem pensa que, com a eleição de Rogério Rosso e da vice, Ivelise Longhi, ambos do PMDB, está descartada a possibilidade de uma intervenção federal.

Porém, se não houver, eles ficam no governo até a posse do governador eleito nas eleições de outubro. O fato é que, quando os manifestantes demonstram interesse em assistir, das galerias da Câmara Legislativa, à votação que se desenrola no plenário para eleger o novo governador do Distrito Federal, a polícia desanda a agredi-los, verbal e fisicamente, revelando descaso e desrespeito à integridade de todos os presentes. Daí um episódio, do qual tomei conhecimento através de um e-mail que me foi enviado, destacar-se dos demais ocorridos em meio aos protestos.

O referido episódio, que, aliás, nos reporta as aberrações cometidas nos porões da ditadura militar no Brasil (1964 - 1985), foi a tortura, tornada pública, de um dos manifestantes presentes ao protesto, o estudante Diogo Ramalho, membro do Movimento Fora Arruda e Toda Máfia, por policiais que, abusando da autoridade que lhes é conferida, não são dignos da farda que vestem, devendo, por isso, serem punidos por seus atos criminosos, incluindo, aí, a sua exoneração. A ironia é que o episódio da tortura à qual foi submetido o estudante aconteceu justo as vésperas do aniversário de Brasília.

Sim, no dia 21 de abril de 1960, por ordem e graça do presidente Juscelino Kubitschek (1902 - 1976) e dos candangos que arriscaram as suas vidas na aventura de um sonho, Brasília foi inaugurada, sendo, hoje, o seu cinqüentenário. O triste episódio da tortura ocorreu também as vésperas do feriado nacional em homenagem à memória do inconfidente mineiro Tiradentes, enforcado no dia 21 de abril de 1792. Enfim! O fato é que ninguém esquece uma tortura, não importa a sua natureza nem os motivos que a engendrou... Eis, portanto, abaixo, a transcrição do e-mail que recebi. Ele fala por si.


Nathalie Bernardo da Câmara


P.S.: As ilustrações foram escolhas minhas.






Do protesto à tortura

Por Diogo Ramalho*



Sábado, dia 17 de Abril de 2010, foi mais um dia que entrou para a História do Distrito Federal, dentro do contexto da maior crise institucional-política já enfrentada pela Capital desde sua fundação, cinqüenta anos atrás. Os protestos se iniciaram na sexta-feira a noite, através de uma vigília convocada pelo Movimento Fora Arruda e Toda Máfia em frente à Câmara Legislativa do Distrito Federal. Na vigília houve músicas, brincadeiras como mímica e reflexões.

O sábado começou agitado. Das cerca de trinta pessoas que dormiram na vigília, às 14h, o número saltou para quase trezentas pessoas, uma hora antes de iniciar a sessão da Câmara que elegeu o escolhido de Arruda pra governar interinamente o Distrito Federal até 31 de dezembro. Estudantes, trabalhadores e cidadãos vieram de toda parte do DF protestar contra uma eleição totalmente ilegítima, já que, dos vinte e quatro votantes do seu colégio eleitoral, dez parlamentares e suplentes foram flagrados na Operação Caixa de Pandora: a Eurides da Bolsa, o Geraldo Naves que saiu da Penitenciaria quatro dias antes da votação, entre outros.

Às 15h, quando iniciava-se a seção dentro da Câmara, na rua que dá acesso à CLDF manifestantes atearam fogo em pneus interditando por dez minutos a via. Às 16h, dezenas de manifestantes tentaram entrar na galeria para garantirem o ideal democrático de que na casa do povo, o povo não pode ser impedido de entrar, ainda mais quando, em nome dele, corruptos decidem. A resposta imediata da polícia militar, sob o comando do Coronel Silva Filho (aquele que em 09 de Dezembro, a mando de Arruda, massacrou com cavalaria e muita violência cinco mil cidadãos que protestavam em frente ao Palácio Buriti) foi de repressão violenta, cacetadas para todo lado, gás de pimenta, socos e pontapés. Vinte pessoas ficaram feridas, oito tiveram que ser atendidas em hospitais, dois policias se feriram e seis pessoas foram presas. Eu fui o segundo a ser preso.

Quando prenderam o primeiro companheiro, eu era um dos que gritavam para soltá-lo, e gritei bem forte várias vezes: “Vocês têm que prender os filhos da puta que estão aí dentro votando em nosso nome”. No meio do caos, muita confusão, um tenente, já conhecido meu de outros protestos, olhou no meu olho enfurecido e disse que prenderia a mim. Eu disse: “Prende, então! Não estou fazendo nada”. Fui preso por desacato a autoridade.

A PM estava enfurecida, mas fui conduzido primeiro para a 2ª DP, onde já encontrei rapidamente com o advogado do Movimento Fora Arruda e Toda Máfia, que me orientou a ficar em silêncio até a chegada dele na DRPI, para onde eu estava sendo transferido, pois era um direito constitucional meu. Fiquei trinta minutos na viatura, sem sofrer qualquer violência dos Policiais Militares. Chegando na DRPI, ainda sozinho, na presença apenas de três policiais militares e três policiais civis, sentei-me no banco e aguardei. Começou, então, a tortura moral. O policial civil agente Barcelar, que me torturou fisicamente momentos adiante, iniciou o diálogo com os policias militares dizendo que esses baderneiros deviam ser todos veados, porque, ao invés de estarem em casa fudendo uma mulher, estavam nas ruas protestando. E, aí, se seguiram as ofensas verbais. Eu, calado.

Num dado momento o agente Barcelar me perguntou se minha identidade era do Distrito Federal. Eu disse que era de Minas Gerais. Aí, mais ofensas: “O que você tá fazendo aqui seu merda? Você nem de Brasília é, seu bosta, e tá protestando, puta que pariu etc”. Em seguida, perguntou meu nome para puxar minha ficha. Eu disse: “Só vou falar quando meu advogado chegar”. Isso foi o suficiente para dar início a tortura.

O agente Barcelar (ex-carcereiro por mais de quinze anos, agora trabalhando no “Administrativo”), após a minha simples frase de que estava aguardando meu advogado, deu a volta no balcão de atendimento, foi até a cadeira em que eu permanecia sentado, me pegou pela camisa, jogando-me com violência no chão, rasgando toda a lateral da camisa e já iniciando uma série de murros na cabeça, chute, me arrastou pelos cabelos junto a outro agente da polícia civil, que eu não soube identificar posteriormente, porque eu estava no chão, e as duas mãos do agente Barcelar e a mão do outro agente me arrastaram pelos cabelos, pelos corredores da DRPI, até chegar na cela, onde, por estar sendo arrastado, lesionei a coluna na barra de ferro do chão da cela.

O agente bateu a porta da cela e disse que eu era um merda e que iria apanhar mais.

Dez minutos depois, o advogado e minha namorada chegaram. De dentro da cela eu escutava o agente Barcelar dizer que eu tinha me jogado no chão. De lá da cela eu gritava que tinha sido espancado. Quando o advogado chegou diante da cela, lhe disse que fui espancado. O agente chegou a admitir na frente do advogado, dizendo que me puxou pelos cabelos porque eu não quis fornecer os dados que me solicitou. Mais adiante, conforme mais pessoas chegaram, o agente passou a dizer que nada aconteceu, que eu estava com a camisa rasgada e com visíveis marcas de agressão porque me joguei no chão.

Depois, fui conduzido enjaulado em uma viatura da Polícia Civil até o Instituto Médico Legal, onde foram constatadas todas as agressões que sofri na DRPI. O mesmo agente Barcelar tomou meu depoimento e se negou a colocar no inquérito as agressões que sofri, colocando a si próprio como vitima, me acusando de ter resistido a prestar informações.

Eis o Estado de Direito, onde Parlamentares corruptos nunca vão, e quando vão, nunca permanecem presos. Eis o Estado de Direito, onde você vai preso por desacato por protestar, e quando chega sozinho na Delegacia de Polícia, é ofendido verbalmente e em seguida espancado covardemente na presença de seis polícias.

Parabéns Brasília? Cinqüenta anos de quê?



* Estudante de Letras Espanhol da Universidade de Brasília; membro do Movimento Fora Arruda e Toda Máfia e coordenador executivo e editor político do Jornal O Miraculoso.


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