sábado, 10 de setembro de 2011

FOI-SE O PEIXE-BOI*


“O nível da poluição ambiental no planeta é igualada a burrice dos homens...”.

Edy Gahr
Poeta brasileiro



Certo dia, apesar de abatida, a baía olhou no fundo das suas águas e formulou a clássica pergunta: — Águas que me espelham, existe uma baía mais formosa do que eu?

As águas, apesar do seu vai e vem ritmado, não hesitaram e disseram: — Se existe uma baía mais formosa que ti, isso eu não sei, mas sei que estás poluída demais para mereceres o nome que tens.

Surpreendida com a resposta inesperada das águas, a baía retrucou: — Mas do quê vocês estão falando?

— Será que não vês todos esses esgotos a céu aberto, sem tratamento adequado, minha cara baía? Dá até desgosto!

— Isso é verdade! Os dejetos, o lixo por toda parte...

As águas, vendo que não podiam mais protelar a verdade, revelaram: — Não há por que negarmos que eras formosa de natureza, mas... Não te iludas! Já não és mais tão bela. A poluição tomou conta de ti, transfigurando a tua paisagem, contaminando os seus peixes e demais frutos do mar.

— Então, se eu não sou mais digna do nome que tenho, o que posso fazer para voltar a ser o que era antes?

— Não depende de ti, baía!

— E depende de quem?

— Das autoridades, dos órgãos públicos e das entidades ambientais, que devem encontrar uma solução urgente para o problema de saneamento da cidade e para toda essa poluição. Afinal, isso também é uma questão de saúde pública.

Decepcionada, a baía finalmente compreendeu a gravidade do seu problema: — Agora eu já sei o motivo de Xuxu ter ido embora.

— Exato! O seu amiguinho peixe-boi foi atrás de águas não poluídas.

— Devo estar mesmo horrorosa!

— Infelizmente, sim, mas de uma coisa podes ter certeza: de agora em diante, não precisarás mais consultar oráculos para ouvires o óbvio...



* Texto originalmente escrito em 2000, seguido de informações complementares que, de certa forma, contribuíram para que eu produzisse a historieta acima, ressaltando, contudo, que presenciei a matança de Xuxu (comentário abaixo), embora, à ocasião, nada pude fazer para evitá-la. A fúria dos exterminadores do peixe-boi foi tamanha que dava até medo se aproximar.


Há alguns meses, um casal de peixe-boi-marinho (Trichechus manatus) foi reintroduzido ao mar na Barra do rio Mamanguape, na Paraíba, e o macho, depois disso, esteve por duas vezes em Baía Formosa, no Rio Grande do Norte. Em suas demoradas visitas a baía, Xuxu, como o peixe-boi era mais conhecido, passou a ser a atração de quem chegasse ao porto. Infelizmente, a cena com a qual o nativo, habitante do lugar ou turista presenciava não era nada interessante. Ou seja, nas águas da baía, um ancoradouro natural privilegiado por um cenário multicor, Xuxu costumava brincar entre um esgoto e outro, na maior parte do tempo submerso, dando de cara com todo tipo de dejeto, além do lixo jogado, em sacos plásticos ou ao relento, nas areias ou em diversos pontos das encostas. Curiosamente, ninguém ainda sabe se o que levava Xuxu a não permanecer por mais tempo na baía era ou não a poluição das suas águas, visto que as suas necessidades de sobrevivência, hábitos, comportamentos e rotas migratórias continuam sendo pesquisadas pelos biólogos do Projeto Mamíferos Aquáticos, ex-Projeto Peixe-boi-marinho. O que se sabe, no entanto, é que, por duas vezes, Xuxu chegou a deixar a baía, fato que, por si só, já merecia uma atenção maior por parte das autoridades – o que não aconteceu.

Mesmo assim, apesar da poluição da baía, Xuxu terminou retornando as suas águas tempos depois. Vai ver, por algum motivo ele gostava da baía. O que não era o caso de alguns moradores que, certo dia, em uma ação impensada, acharam por bem dar cabo da sua vida, mesmo com toda a fartura de peixes e camarões nas praias do lugar. Sim, de um dia para outro, um grupo de pessoas resolveu abater o peixe-boi e assim o fizeram, revelando, para todos, que desconheciam a necessidade de proteger a espécie ameaçada de extinção. Urge despoluir a baía e elaborar um projeto de saneamento que respeite normas sanitárias e ambientalistas? Sim, mas também é imprescindível que, para isso acontecer, os próprios moradores devem adquirir uma consciência ecológica e ambiental, contribuindo com as autoridades que realmente queiram preservar o mais importante cartão postal da cidade, o qual, inclusive, dá nome ao município, já que não está correto poluir as águas que nos banham nem o ar que respiramos. Enfim, não está correto poluir a nossa saúde!


Nathalie Bernardo da Câmara

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