Por Marina Silva
Ambientalista brasileira, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente – artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, dia 20 de setembro de 2013.
Os ruralistas, que representam um setor atrasado do agronegócio, tomam o controle de mais um espaço legislativo: a Comissão Especial da PEC 215, que transfere ao Congresso a demarcação de terras indígenas. Mais poder para quem já dirige as comissões de Agricultura, Desenvolvimento Urbano, Fiscalização Financeira, Integração Regional e Amazônia, além de ter presença e força nas outras. Vai, assim, o grupo mais ativo do Congresso fincando estacas em cada espaço e moldando a legislação aos seus interesses.
Na luta contra a ditadura, o Brasil projetou um futuro com justiça social que superasse a era Casa-Grande e Senzala. A Constituição de 1988 firmou princípios avançados: direito ao ambiente saudável, função social da propriedade, diversidade étnica e cultural. Estas seriam bases de novas políticas públicas numa nova relação entre povo e Estado.
Acuadas com a democracia nascente e a mudança da sociedade, as oligarquias encastelaram-se na política num movimento de obstrução: impediam ou atrasavam a regulamentação que levaria à legislação infraconstitucional as conquistas da lei maior.
Superando essa resistência, nasceram novas leis ambientais, unidades de conservação, quilombos, terras indígenas, assentamentos agrícolas e diversos modos de reforma agrária. Esse avanço lento, porém contínuo, foi possível pela mobilização popular e a contribuição de um partido político moldado na luta social, o PT.
Um velho ditado manda unir-se ao inimigo que não se pode vencer. A estratégia das oligarquias mudou, para eleger uma bancada cada vez maior e assumir o controle das comissões de temas sensíveis aos seus negócios, planejando não só deter o avanço socioambiental em novas leis, mas um retrocesso no que havia sido criado. Cresceram sem evoluir: combatem direitos que também os protegem. Sem biodiversidade não há produtividade, sem paz no campo e na floresta não há segurança para os investimentos.
Esse é um desejo de regressão de quem não aceita limites, num mundo em crise que requer formas sustentáveis de desenvolvimento. Seria derrotado, mesmo com sua força econômica, mas achou apoio na fraqueza política que nasceu onde menos se esperava.
Sim, o PT mudou. Antes reivindicava poder para o povo e suas causas, agora vê nelas obstáculo para seu próprio poder. Dependente do combustível do poder, adaptou-se ao que antes combatia. Nesse obscuro tempo de pragmatismo, a Constituição é derrubada com uma "forcinha" de alguns dos que ajudaram a edificá-la.
O camaleão mimetiza-se no ambiente, para sobreviver. Acordos furta-cores também dão sobrevida a incertas pretensões políticas. Mas, com o uso, o disfarce vira pele, e é visto por 400 milhões de olhos.
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