Caricatura de Zeca de Souza, ilustrador e musicista
paranaense, postada numa dada rede social da internet em 23/07/2014.
“Não
troco o meu 'oxente' pelo 'ok' de ninguém!...”.
Ariano Vilar Suassuna (16/06/1927 - 23/07/2014), poeta, contador de causos, piadista, ensaísta, romancista e dramaturgo brasileiro, que, aos 87 anos de idade, teve uma parada cardíaca provocada por uma hipertensão intracraniana durante a sua internação desde a noite de segunda-feira (21) na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Real Hospital Português, em Recife, Pernambuco, onde foi submetido a uma cirurgia após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico.
Do picadeiro do circo, no sertão da Paraíba, onde
debutou quando ainda era apenas um toquinho de gente, para o picadeiro do mundo,
sendo – coisas da vida – a outrora cidade de Nossa Senhora das Neves, atual
João Pessoa, o seu berço de origem, de nascimento, aos poucos, contudo – galope
vai, galope vem –, tateando, com o seu bom humor habitual, sagaz ironia e a
paciência dos sábios, poética e delicadamente, a sua própria geografia – fosse
entre cactos ou blocos de concreto (distintas e paradoxais paisagens), desafiando
fronteiras –, o imaginário popular, tornando-se, ele próprio, na sua essência, um
exemplo, um emblema de regionalidade, no caso, a nordestina (não acredito que
ignorasse a universalidade da sua obra), muitas vezes retratando a fé de um
povo, a sua religiosidade, primando, ainda, por sua autenticidade e
originalidade – não foi à toa que, certa feita, Ariano Suassuna definiu-se: “Eu tenho dentro de mim um cangaceiro manso, um
palhaço frustrado, um frade sem burel, um mentiroso, um cantador sem repente e
um profeta...”. E todos esses ofícios, eu perguntaria, exercidos ou não, seriam Made in Brazil?
Nunca! Isso porque, de natureza, tipo alergia crônica, avesso à introjeção
imposta da impostora língua inglesa no dia a dia do brasileiro, acintosamente imiscuindo-se
na sua cultura, em detrimento da língua portuguesa e da sua valorização, Ariano
Suassuna era do tempo em que ainda se falava tupy-guarany (com y)... – lembrei-me,
não por acaso, de um dado empresário de Brasília, no Distrito Federal, que, patética
e arrogantemente, por ter o costume de batizar as suas edificações com nomes
ingleses, tipo: Tower I, Tower II, Tower III e por aí vai, deveria
provocar, não duvido, um imenso desconforto – todos! – no genuíno e singelo paraibano,
embora este nada tivesse de ingênuo, ardoroso defensor que era das origens mais
primitivas do Brasil – a sua rede esplêndida, varonil, o seu auto, enquanto a
cultura popular, por sua vez, o seu altar, a fonte do seu saber. Só que, eis
que, de repente, num repente, se abate sobre o país uma comoção coletiva, já
que, afinal, parafraseando a manchete da capa do Jornal da Paraíba de hoje, foi-se, num piscar de olhos, tocando, ainda, uma gaita, o grilo
mais inteligente e elegante do mundo, em suas ideias, palavras e posturas, cujo
entendimento da arte, aliás, era: “missão, vocação e festa”. Porém, agora, busca
a arte noutras plagas; para quem fica – órfão da sua folia –, restam, apenas (in
natura por excelência), os versos da sua alegoria, herança de uma profética
alegria...
Nathalie Bernardo da Câmara
Capa da edição comemorativa
de 50 anos de o Auto da Compadecida (1955),
peça teatral em formato de auto, dividido em 3 atos, que, revista pelo autor,
Ariano Suassuna, retrata, segundo as suas próprias palavras, “manifestações da
cultura popular nordestina”, regionalismo e religiosidade. (editora Agir, 230 páginas, 2004).
Encenada pela primeira vez em 1955, um ano depois de escrita,
a peça projetou Suassuna como dramaturgo. Ainda nos anos 1960, o crítico
teatral Sábato Magaldi considerou este como “o texto mais popular do moderno
teatro brasileiro”. A peça parte da estrutura de um auto, gênero que alia
elementos cômicos e intenção moralizadora, para trabalhar de modo original e
cômico elementos da literatura de cordel, da linguagem oral e da tradição
religiosa nordestinas. A saga de João Grilo e Chicó chegou ao cinema em 1969,
com direção do húngaro George Jonas, e inspirou o filme Os Trapalhões n’O Auto da Compadecida (1987). Já em 1999, Guel
Arraes adaptou a trama para a televisão, em uma minissérie da Rede Globo, que depois foi exibida nos
cinemas. – Jornal Zero Hora.
Cartas pungentes (in memoriam), na íntegra, dos atores Selton Mello (o arteiro Chicó)
e Matheus Nachtergaele (o emblemático João grilo), respectivamente, ao considerado
mestre Ariano Suassuna...
E o
Brasil ficou mais pobre.
E triste.
Ariano, poeta entendedor do Brasil profundo.
Defensor de nossa riqueza cultural e emocional.
Sua obra descomunal fica para sempre.
Tive a honraria graúda de dar vida a um de seus passarinhos (era
como se referia a seus personagens queridos).
Chicó fui eu, Chicó é Ariano, Chicó é tu.
Chicó e João Grilo têm morada no coração dos brasileiros.
E na minha mente e coração sempre estarão gravadas as palavras
sublimes que proferi em “O Auto da Compadecida”:
Celebre-se o homem, celebre-se o brasileiro, celebre-se o
artesão das palavras.
E se um dia perguntarem se tudo que criou foi exatamente assim
como ele idealizou, imaginarei Ariano dizendo com um sorriso de menino nos
lábios. “Não sei, só sei que foi assim.”
Selton Mello
Charge do pernambucano Jarbas para o Diário de Pernambuco, postada na referida
rede social em 23/07/2014.
Carta para Ariano,
Quem te escreve agora é o Cavalo do teu Grilo. Um dos cavalos do teu Grilo. Aquele que te sente todos os dias, nas ruas, nos bares, nas casas. Toda vez que alguém, homem, mulher, criança ou velho, me acena sorrindo e nos olhos contentes me salva da morte ao me ver Grilo.
Esse que te escreve já foi cavalgado por loucos caubóis: por
Jó, cavaleiro sábio que insistia na pergunta primordial. Por Trepliev, infantil
édipo de talento transbordante e melancólicas desculpas. Fui domado por
cavaleiros de Sheakespeare, de Nelson, de Tchekov. Fui duas vezes cavalgado por
Dias Gomes. Adentrei perigosas veredas guiado por Carrière, por Büchner e
Yeats. Mas de todos eles, meu favorito foi teu Grilo.
O Grilo colocou em mim rédeas de sisal, sem
forçar com ferros minha boca cansada. Sentou-se sem cela e estribo, à pelo e
sem chicote, no lombo dolorido de mim e nele descansou. Não corria em
cavalgada. Buscava sem fim uma paragem de bom pasto, uma várzea verde entre a
secura dos nossos caminhos. Me fazia sorrir tanto que eu, cavalo, não notava a
aridez da caminhada. Eu era feliz e magro e desdentado e inteligente. Eu
deixava o cavaleiro guiar a marcha e mal percebia a beleza da dor dele. O
tamanho da dor dele. O amor que já sentia por ele, e por você, Ariano.
Depois do Grilo de você, e que é você, virei cavalo mimado, que não aceita ser domado, que encontra saídas pelas cêrcas de arame farpado, e encontra sempre uma sombra, um riachinho, um capim bom. Você Ariano, e teu João Grilo, me levaram para onde há verde gramagem eterna. Fui com vocês para a morada dos corações de toda gente daqui desse país bonito e duro.
Depois do Grilo de você, que é você também, que sou eu, fui morar lá no rancho dos arquétipos, onde tem néctar de mel, água fresca e uma sombra brasileira, com rede de chita e tudo. De lá, vê-se a pedra do reino, uns cariris secos e coloridos, uns reis e uns santos. De lá, vejo você na cadeira de balanço de palhinha, contando, todo elegante, uma mesma linda estória pra nós. Um beijo, meu melhor cavaleiro.
Teu,
Matheus Nachtergaele
Carta
transcrita do Diário de Pernambuco (http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/viver/2014/07/23/internas_viver,517808/matheus-nachtergaele-escreve-carta-para-ariano-suassuna.shtml#.U9A7rTDJqP0.facebook)
em 23/07/2014.
Um belo e sensível
registro sobre Ariano Suassuna escrito pelo jornalista Carlos André Moreira e
publicado no jornal ZERO HORA (23/07/2014)...
Caricatura de autoria de Eduardo Baptistão,
de São Paulo, postada na rede em 23/07/2014.
Morre o escritor
Ariano Suassuna
Escritor de 87 anos
estava internado no Real Hospital Português, em Recife, desde a noite de
segunda
por Carlos André Moreira
O escritor Ariano Suassuna morreu
nesta quarta-feira. A informação é do Real Hospital Português, de Recife, onde
o escritor estava internado desde a noite de segunda-feira. De acordo com a
nota de falecimento, Suassuna teve uma parada cardíaca provocada pela
hipertensão intracraniana.
A morte de Ariano Suassuna, aos 87
anos, no Recife, priva a sociedade brasileira de um personagem ao mesmo tempo
singular e polêmico: escritor, teórico, homem de um nacionalismo apaixonado
e de uma aversão epidérmica às influências estrangeiras na cultura
nacional. Um escritor de grande ambição artística e de fina e metódica
construção literária. E um professor/palestrante tão entusiasmado e hábil em
tecer causos que bem poderia ser chamado de "showman" – se esse
termo tão estrangeiro não fosse, com certeza, desagradar o próprio Ariano, que
certa vez disse, textualmente, em Porto Alegre: – Para mim essa
coisa de Xô era a palavra que a gente usava para espantar galinha.
Pode-se dizer que Ariano Suassuna foi um
escritor que teve sua vida – e sua obra, em consequência –
drasticamente transformada pela História do Brasil. Ele nasceu em 16 de junho
1927, em Nossa Senhora das Neves, o nome de então da capital da Paraíba, quando
seu pai, João Suassuna, era presidente do Estado. Três anos depois, já fora do
governo, João foi morto durante as tensões políticas que se seguiram ao
assassinato de seu sucessor João Pessoa, em 3 de outubro. O crime, passional,
foi usado como estopim político para deflagrar a revolução que levaria Getúlio
Vargas ao poder. Por boatos de seu suposto envolvimento na morte de João
Pessoa, João Suassuna, de uma fação política oposta à de João Pessoa, foi
assassinado no dia 9 de outubro de 1930, no Rio.
Com a morte do patriarca, a
família Suassuna se mudou para Taperoá, no Sertão dos Cariris paraibano, em
1933. Ali, o menino Ariano teve contato pela primeira vez com as manifestações
tradicionais nordestinas (como cantadores, autos e violeiros) que seriam um dos
eixos estruturantes de toda sua obra. Na adolescência, Ariano mudou-se para
Recife, capital de Pernambuco, onde completou os estudos secundários e começou
a estudar direito. Também foi ali que começou a participar dos primeiros
encontros com os círculos artísticos locais. Sua primeira obra, a tragédia Uma Mulher Vestida de Sol, veio a público em 1947, quando o
então jovem escritor contava 20 anos. Na peça, já despontavam os elementos que
dariam coesão à obra de Suassuna pelas décadas seguintes: o casamento de
referências da cultura erudita com as manifestações populares (o romanceiro
nordestino, no caso de Uma
Mulher Vestida de Sol).
Suassuna alcançou a consagração em 1955, com a
estreia de O Auto
da Compadecida, até hoje sua obra mais conhecida. A peça recebeu o prêmio da Associação
Brasileira de Críticos de Teatro naquele ano e se tornou um dos espetáculos
mais populares do teatro nacional – foi adaptado para o cinema com sucesso
em duas ocasiões, com os Trapalhões interpretando a peça, em 1987, com direção
de Roberto Farias, e em 1999, dirigida por Guel Arraes primeiro como minissérie
para a TV Globo e, no ano seguinte, lançada como longa-metragem nos cinemas.
Com o sucesso da peça e a publicação, em 1956, de seu primeiro romance, A História de Amor de Fernando e Isaura, Suassuna abandona de vez a carreira de advogado para
assumir a cátedra de Estética na Universidade Federal de Pernambuco.
Suassuna
a partir daí começa a alternar um ativo papel como agitador da cultura nordestina,
em paralelo com sua produção ficcional. Em 1959, funda, com o romancista e
dramaturgo Hermilo Borba Filho, o Teatro Popular do Nordeste, embrião do que
viria a ser, em 1970, o Movimento Armorial, também capitaneado por ele. A
proposta estética do Movimento Armorial era a de revisitar símbolos, sons,
manifestações artísticas apropriados pela cultura popular brasileira, mas que
remontam à cultura barroca ibérica. O objetivo era criar uma "forma de
arte erudita baseada nas raízes populares da cultura brasileira".
Trabalhando na teoria e na
prática, Suassuna apresentou, no ano seguinte, em 1971, seu grande Romance da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai e
Volta. O romance é vagamente inspirado em uma guerrilha
sebastianista que se autoproclamou "reino independente" na primeira
metade do século 19, na região de Pedra Bonita, na divisa entre Pernambuco e
Paraíba. O episódio histórico é apenas o pretexto para uma delirante conjunção
de arte universal e popular, bebendo na fonte do cordel, de romances policiais
baratos, das lendas da Távola Redonda, do Quixote de Cervantes. Aprisionado por
um crime, o narrador Dom Pedro Dinis Quaderna narra sua história até ali e as
desventuras de sua família, na qual avulta a figura mítica do "rei
castanho" – uma forma de Suassuna expressar na ficção o trauma de
vida inteira da ausência do próprio pai.
Além de escritor, Suassuna esteve três vezes à
frente de secretarias estaduais em Pernambuco. Foi Secretário de Educação e
Cultura de 1975 a 1978; e de Cultura entre 1995 e 1998 (no governo Miguel
Arraes) e assessor especial do governo de Eduardo Campos a partir de 2007. Foi
eleito em 1989 para a cadeira de nº 32 da Academia Brasileira de Letras, na
sucessão de Genolino Amado. O patrono da cátedra é Araújo Porto Alegre.
Ao longo das últimos três décadas, Suassuna
esteve dedicado à redação de um romance que, de passagem pela Jornada de
Literatura de Passo Fundo, em 2005, definiu como a expressão total de seus
interesses artísticos. Um livro que pretendia juntar gravura, cordel, teatro,
poesia, prosa, repente, para contar a história da formação do povo brasileiro
por quatro pontos de vista alegóricos: o de personagens que representam etnias
fundamentais da nação. São eles um português, um índio, um negro e um semítico,
referência às populações árabes e judaicas que tiveram grande influência na
cultura nordestina. Uma obra de proporções monumentais que ele chamava, por
isso mesmo, de "o livrão". Em março deste ano, Suassuna anunciou que
um episódio desse grande livro seria publicado como uma obra autônoma, O Jumento Sedutor, um texto que transplanta A Metamorfose de Lúcio, de
Apuleio, para o Nordeste.
Link para o texto:
Enquanto isso,
uma charge, de autoria de Luiz Carlos Fernandes, de Avaré, São Paulo, inspirou a
capa de um livreto de cordel e os seus versos, criados lá em Fortaleza, Ceará,
mas postados, ambos, na tal rede, apenas hoje (24/07/2014)...
Charge de Luiz
Carlos Fernandes, de Avaré, São Paulo.
A CHEGADA DE ARIANO SUASSUNA NO CÉU
Autores: Klévisson Viana e Bule-Bule
Nos palcos do firmamento
Jesus concebeu um plano
De montar um espetáculo
Para Deus Pai Soberano
E, ao lembrar de um dramaturgo,
Mandou buscar Ariano.
Jesus concebeu um plano
De montar um espetáculo
Para Deus Pai Soberano
E, ao lembrar de um dramaturgo,
Mandou buscar Ariano.
Jesus mandou-lhe um convite,
Mas Ariano não leu.
Estava noutro idioma,
Ele num canto esqueceu,
Nem sequer observou
Quem foi que lhe escreveu.
Mas Ariano não leu.
Estava noutro idioma,
Ele num canto esqueceu,
Nem sequer observou
Quem foi que lhe escreveu.
Depois de um tempo, mandou
Uma segunda missiva.
A secretária do artista
Logo a dita carta arquiva,
Dizendo: — Viagem longa
A meu mestre não cativa.
Uma segunda missiva.
A secretária do artista
Logo a dita carta arquiva,
Dizendo: — Viagem longa
A meu mestre não cativa.
Jesus sem ter a resposta
Disse torcendo o bigode:
— Eu vejo que Suassuna
É teimoso igual a um bode.
Não pode, mas ele pensa
Que é soberano e pode!
Disse torcendo o bigode:
— Eu vejo que Suassuna
É teimoso igual a um bode.
Não pode, mas ele pensa
Que é soberano e pode!
Jesus, já perdendo a calma,
Apelou pra outro suporte.
Para cumprir a missão,
Autorizou Dona Morte:
— Vá buscar o escritor,
Mas vê se não erra o corte!
Apelou pra outro suporte.
Para cumprir a missão,
Autorizou Dona Morte:
— Vá buscar o escritor,
Mas vê se não erra o corte!
A morte veio ao País
Como turista estrangeiro,
Achando que o Brasil
Era só Rio de Janeiro.
No rastro de Suassuna,
Sobrou pra Ubaldo Ribeiro.
Como turista estrangeiro,
Achando que o Brasil
Era só Rio de Janeiro.
No rastro de Suassuna,
Sobrou pra Ubaldo Ribeiro.
...
Outra
charge, entretanto, similar a anterior, de autoria de Dalcio Machado, foi publicada
no CORREIO POPULAR, de Campinas (24/07/2014), logo reproduzida na já mencionada
rede social.
O mineiro Lute, por sua vez, prestou a sua homenagem ao
multifacetado Ariano Suassuna na charge do HOJE EM DIA (24/07/2014), igualmente
postada virtualmente.
Por aí...
Cartunista Zappa, de Vitória, Espírito Santo, que
postou a homenagem acima ainda na quarta-feira, 23 de julho de 2014.
Só sei que foi assim...
NBC
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