“A faixa de
pedestre é suprassumo de todo o sistema de trânsito...”.
Luis Riogi Miura
Brasileiro especialista
em trânsito.
Com o aumento
cada vez mais crescente de veículos circulando pelas vias de Natal, desprovidas
de estrutura para atender tamanha demanda, o trânsito da capital do Rio Grande
do Norte anda qualquer coisa... E isso por toda parte, com a situação
agravando-se devido à quantidade exorbitante de pessoas sem a menor condição
para pegar num volante, visto que, afinal, carteira de habilitação – quando se têm
uma – nem sempre foi atestado de credibilidade, destacando-se, portanto, desse
contingente, aqueles que se comportam tipo kamikazes
– no caso, fazendo dos seus veículos, de maneira arrogante e irresponsável, poderosas
armas, cujo alvo em potencial da sua sandice é qualquer um que esteja na sua
frente, indiscriminadamente, numa banalização da vida sem precedentes – um verdadeiro
descalabro!
Porém,
quando Natal foi eleita uma das cidades-sedes da Copa, autoridades ditas
competentes prometeram uma série de medidas a ser tomada para solucionar o
famigerado problema da (i) mobilidade urbana local – (i) mobilidade essa que,
aliás, à época, não era um “privilégio” apenas da Cidade do Sol e do seu entorno, mas, igualmente, de demais
municípios brasileiros. Então... Para a realização de míseros quatro jogos do
mundial nestas plagas, dois estádios esportivos, ladeados e igualmente
utilizados para a promoção de eventos outros, foram sumariamente derrubados,
sendo edificada, na lacuna deixada, a megalomaníaca Arena das Dunas, em função
da qual foram construídos anéis viários e demais intervenções urbanas, que, por
sua vez, se limitaram a valorizar os automóveis em detrimento dos pedestres.
O
curioso é que, se, após a Copa, segundo a propaganda oficial, a Arena das Dunas
tornar-se-ia palco de mil e uma utilidades – isso ninguém duvida –, o acesso ao
complexo multifacetado deveria visar não somente os visitantes motorizados, mas,
igualmente, os pedestres, que, na prática – tudo indica –, foram excluídos do
seu planejamento, ou seja: dependendo da sua rota, o pedestre tem de andar longas
distâncias até uma das duas passarelas existentes para, supostamente em
segurança, pois inexistem faixas nas redondezas, atravessar as pistas, visto
que os motoristas continuam pisando forte no acelerador. Enfim! Com toda a parafernália
de concreto incrustada em Natal e outras incógnitas urbanísticas, digamos que o
trânsito da cidade passou apenas por uma maquiagem, já que a sua periculosidade
continua a mesma. Ou pior.
Trânsito: o bom
exemplo de Brasília...
Símbolo criado pela equipe gráfica do jornal Correio Braziliense para o programa Paz no trânsito, implantado na década de
90 no Distrito Federal.
“Quando eu falo
da faixa, não é aquela próxima aos semáforos, falo das que ficam no meio das
vias, as que obrigam os motoristas a pararem para que os pedestres possam
atravessar...”.
Luis Riogi Miura
Ex-diretor do
Departamento de Trânsito do Distrito Federal (DETRAN-DF) durante o mandato
(1995 – 1999) do então governador Cristovam Buarque (à época, do PT –
atualmente, senador pelo Distrito Federal pelo PDT), o autor da epígrafe foi o
responsável pela implementação do programa Paz
no trânsito, fruto de uma iniciativa da sociedade civil apoiada pela Universidade
de Brasília (UnB); escolas; igrejas e empresas, tendo recebido respaldo da
mídia local. Desse modo, o bem-sucedido programa de segurança no trânsito repercutiu
positivamente não somente no Brasil, mas, também, em diversos países, inclusive
os considerados de primeiro mundo.
Vez por outra, vejo-me
pensando no programa Paz no trânsito,
que, implementado no Distrito Federal na década de 90 – inicialmente, uma
experiência –, foi considerado de política pública, conquistando, pela eficácia
das suas medidas (intervenções no trânsito, na sua infraestrutura, na regulação
de veículos e no comportamento das pessoas), as manchetes de capa dos
principais jornais do Brasil, sendo, ainda, decisivo para a aprovação, no
Congresso Nacional, do Código de Trânsito Brasileiro de 1997, com o seu modelo,
aliás, exportado além das fronteiras nacionais. Ocorre que, durante o mandato (1999
- 2003) do sucessor de Cristovam Buarque, o já politicamente alquebrado Joaquim
Roriz – à ocasião, do PMDB (determinados políticos, mediante as conveniências,
mudam de legendas partidárias mais do que fraldas de recém-nascidos) –, houve
um retrocesso no referido programa, um recuo nas suas ações, tão bem quistas
por parte da população, que, por sua vez, se ressentiu, cobrando o retorno das
mesmas. E não é que isso aconteceu!
Hoje,
portanto, apesar dos altos e baixos ao longo do tempo – das baixas também –, o Distrito
Federal, no quesito trânsito, continua
sendo uma referência – isso porque, independentemente de políticas ditas partidárias
e de toda sorte de politicagem, o respeito, no caso, à faixa de pedestres, de
há muito assimilado pela população como uma questão cultural, influencia, de
fato, comportamentos. Segundo Luis Riogi Miura, um dos
maiores especialistas em trânsito do Brasil, coordenador da implantação do
Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavan) e do Registro Nacional de
Condutores Habilitados (Renach), tudo se resume à valorização da vida. Para
ele, “o pedestre é um ser humano” e, assim sendo, “objeto de proteção da
sociedade”. Daí que, numa sociedade dominada por veículos, o trânsito deve
refletir um mundo mais seguro, civilizado. Em sua coluna no portal Carta Polis (14/08/2011), o jornalista
Leonardo Mota Neto publicou um artigo de autoria do economista Paulo Timm sobre
a experiência no DF, ou seja, A Faixa de pedestre
como requisito da paz no trânsito: http://www.cartapolis.com.br/1313366661/
E,
parafraseando uma frase do autor...
Paz no trânsito: uma revolução de atitudes.
Foi em Brasília, pode ser em Natal.
Curiosidades:
(a
partir da reportagem Em Brasília, respeito à faixa de pedestres
foi resultado de campanha popular – Nelson Oliveira, Silvia Del Valle
Gomide e Mariuza Vaz / Agência Senado)
Na década de 1980, a situação dos pedestres em Brasília era tão
difícil que o poeta Nicolas Behr e o músico Nonato Veras compuseram Travessia do Eixão, canção na qual um pedestre pede a
proteção de "Nossa Senhora do Cerrado" para atravessar as seis pistas
daquela via e chegar "são e salvo" ao encontro com a namorada:
Nossa Senhora do Cerrado,
Protetora dos pedestres
Que atravessam o eixão
Às seis horas da tarde,
Fazei com que eu chegue são e salvo
Na casa da Noélia
Protetora dos pedestres
Que atravessam o eixão
Às seis horas da tarde,
Fazei com que eu chegue são e salvo
Na casa da Noélia
Nonô Nonô Nonô Nonônô...
E mais:
O ato de motoristas pararem na faixa para permitir a travessia
de pedestres faz parte do cotidiano na maior parte dos países europeus,
incluindo Portugal. Nos Estados Unidos, inclusive em metrópoles movimentadas
como Nova York, motoristas param nas faixas mesmo sem a necessidade de o
pedestre dar sinal com a mão - a prioridade é sempre de quem está a pé. Nos
países desenvolvidos, o respeito à faixa é indicativo de civilidade, mas no
Brasil, 41 anos depois da foto que Ian MacMillan fez dos Beatles, ainda é um
grande risco confiar nos motoristas - mesmo em Brasília.
Na opinião do economista e sociólogo José Nivaldino Rodrigues, o
programa de segurança implantado por Cristovam [Buarque] interferiu não somente
na infraestrutura ou na regulação de veículos, mas no comportamento das
pessoas. É o que ele afirma em sua dissertação de mestrado pela Universidade de
Brasília (UnB), instituição na qual obteve um certificado de especialista em
educação para o trânsito.
Link
para a mencionada dissertação de mestrado (Placar da vida:uma análise do programa “Paz no trânsito” no Distrito
Federal. 2007.): http://repositorio.unb.br/handle/10482/2730?mode=full
Então...
No dia 08 de agosto de 1969, o fotógrafo escocês Iain
Macmillan (1938 - 2006), amigo de Yoko Ono e John Lennon (1940 - 1980) teve dez
minutos para registrar dos Beatles atravessando a Rua Abbey Road, St. John’s
Wood, em Londres: fez seis fotografias, sendo escolhida para a capa do disco Abbey Road a postada abaixo – em 2010,
a famosa imagem tornou-se patrimônio britânico.
Enquanto
isso...
O deboche crítico da charge de Amarildo.
Em tempo:
Enquanto
escrevia esta postagem, pesquisei na internet a respeito de detalhes sobre o Paz no trânsito, encontrando,
casualmente, certa referência ao programa implementado no Distrito Federal na
década de 90, não hesitando, por sua pertinência, em transcrevê-la, ou seja, no
dia 09 de setembro de 2014, então candidato a governador do Distrito Federal
pelo PSB – eleito no segundo turno –, o senador Rodrigo Rollemberg postou na
sua linha do tempo no facebook: — Sucesso
no governo Cristovam Buarque, o Programa Paz no Trânsito transformou Brasília
em referência nacional de educação no trânsito e conseguiu reduzir o número de
mortes por acidentes. O nosso governo vai implementá-lo novamente e voltaremos
a ser exemplo de civilidade. Será
feito o plano de adequação de infraestrutura com sinalização inteligente, tapa
buracos, lombadas, mais visibilidade e sinalização
às faixas de pedestre, qualificação de ciclovias e iluminação pública. Também
serão retomadas as campanhas educativas permanentes sobre faixas de pedestre,
limites de velocidade e ingestão de bebidas. Essas ações
serão alinhadas com a ampliação da presença de agentes da Polícia Militar e do
DETRAN, auxiliando no fluxo do tráfego e prevenindo infrações. É desse jeito
que construiremos uma “Brasília de Paz” com civilidade e respeito no trânsito.
Cidadania no
trânsito
Que a bela e pertinente iniciativa do senador
Rodrigo Rollemberg em resgatar a paz no trânsito do Distrito Federal sirva de
exemplo para os demais governadores eleitos, ou melhor, que seja abraçada pelo
governo federal – quiçá, numa programa nacional, aplicado em todo o país, sem
exceções.
Nathalie
Bernardo da Câmara
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