“O problema não é um Deus que não existe, mas a religião que
o proclama...”.
José Saramago (1922 - 2010)
Escritor português
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“A sociedade consumista favorece a corrupção...”.
Gherardo Colombo
Juiz italiano
Essa coisa de comemorar
o Natal nunca me comoveu ou afetou: quando criança, ajudar a montar o presépio
e ornar uma árvore de plástico com penduricalhos os mais diversos em nada se
diferenciava das minhas brincadeiras na rua com a minha irmã e os meus amigos,
ou quando eu me divertia sozinha andando de velocípede ou me distraía com outros
brinquedos ou com a minha boneca Emília, que, aliás, a minha mãe só me deu porque, à época, eu já andava as voltas com a leitura da obra infantil do escritor
brasileiro Monteiro Lobato (1882 - 1948), incursionando nas aventuras vividas
pela turma do Sítio do Pica-pau Amarelo; gostava especialmente da personagem e,
detalhe: apesar de comercializada por uma das mais badaladas fábricas de
brinquedos do Brasil, ela era de pano – creio que o motivo determinante para
que eu a ganhasse, pois, em casa, nunca o dito espírito capitalista de consumo
foi alimentado, independentemente do período do ano, sendo o gosto pelo
artesanato despertado nos filhos desde muito cedo. Curiosamente, guardo a
boneca até hoje – uma doce lembrança...
Durante,
ainda, a minha infância, tornei-me uma pessoa cética, tendo feito a primeira
comunhão apenas por sua mera teatralidade, embora, apesar das repreensões das
avós, ambas católicas fervorosas e de estudar em colégio igualmente católico, eu
tenha me recusado à crisma, ou seja, a confirmação do batismo – acho um
despropósito sem igual os adeptos de não importa qual religião imporem a
recém-nascidos a crença que abraçam e os seus rituais, já que, convenhamos, esse
tipo de coisa só se pode esperar de uma pessoa quando ela adquire
discernimento, não antes disso. O fato é que, desde cedo, passei a fazer cara
feira para o Natal, a me incomodar com a data, a ponto de repudiá-la, sobretudo
devido à hipocrisia que, criança, eu percebia presente a cada novo fim de ano.
Isso sem falar na ideia inverossímil de um idoso obeso altruísta, voando em um
trenó puxado por renas capazes de darem a volta ao mundo em apenas uma noite, descer
pela chaminé com presentes confeccionados e embalados por duendes verdes – além
de não existir chaminé em nossa casa, nunca gostei do surrealismo.
Nada
simpática, portanto, ao consumismo ululante nem, muito menos, à ficção contada,
chegou um momento em que também comecei a me sentir desconfortável com a decoração
natalina: luzes coloridas piscando por toda parte etc, que, além de cafona, consome
uma energia daquelas! – parêntese: enquanto escrevo esta, uma revista
eletrônica de certo canal brasileiro de televisão exibe uma reportagem sobre a suposta
chegada de Papai Noel ao Brasil: de avião, ele teria desembarcado em dado
aeroporto do país... Ninguém merece! O mais grave, contudo, é que, nesse
período do ano, como se já não bastasse o patético altruísmo do “bom velhinho”,
muitos se acham intocáveis, simplesmente porque praticam, por mera formalidade
e, se brincar, sem a menor das emoções, o que entendem por caridade cristã, enquanto nos demais meses do ano, se assim se fizer necessário, são
capazes de crucificar um, difamar, escorraçar, alijar – quando não, aleijar. Porém, eis que, em dezembro, vem à tona o maior dos símbolos do Natal, ou seja: a
hipocrisia. E nem atravessado desce essa “coisa” de magia!
“A fraternidade
é uma das mais belas invenções da hipocrisia social...”.
Gustave Flaubert (1821 - 1880)
Escritor francês
Falando em
caridade cristã... Lembrei-me que, outro dia, fazendo um criptograma, a deixa
era: um dos cinco pilares do islamismo.
Chocou-me, contudo, a resposta, que seria caridade
obrigatória. Ora, se a caridade em si, espontânea, já é algo maçante, o que
dirá quando uma religião obriga o fiel a praticá-la! Na verdade, se fosse o
caso, o ideal seria solidariedade – o que também poderia ser visto como algo
desnecessário caso o Estado cumprisse com o seu principal dever, que é o de
garantir condições de vida dignas à população como um todo. Ocorre que o Brasil
é regido por um degradante sistema capitalista, no qual as desigualdades
sociais são evidentes e dramáticas.
Daí
a existência de Organizações não governamentais que, ao longo do ano, apelam
por colaborações de terceiros para tentarem minimizar determinados flagelos
inerentes a um país economicamente desumano e excludente, embora, no mês de
dezembro, algumas delas intensifiquem as suas intervenções na mídia. (Cortei umas linhas aqui, me auto-censurei, em defesa da democracia).
Enfim!
O capitalismo e as religiões, isoladamente, já deformam – unidos, então! E
dezembro é, sem dúvida, um mês indigesto para mim – indigestão essa que, a
cada ano, só aumenta, aumentando, por sua vez, a minha necessidade de reclusão
nesse período, incluindo o réveillon,
que não faz milagres: de um tempo para cá, costumo sair de um ano e entrar
noutro dormindo, visto que, afinal, calendário nunca moldou caráter e,
portanto, a maioria das pessoas vai continuar atuando como se a vida fosse um
palco, no qual, numa performance
decadente, representa as suas façanhas mais medíocres e bestiais – sinto asco e
o meu estômago revira.
Enquanto
isso, a fome continuará açoitando uma parcela considerável da população; a
classe política, apesar de moralmente falida, insistindo que é idônea, querendo
ludibriar o eleitor... Não, não sou pessimista – limito-me a constatar fatos,
tipo: o país tinha tudo para dar certo, não se tornar referência mundial no
quesito corrupção, que, apesar dos escândalos, desafiando todos, entranhou-se no
sistema, igual um câncer maligno, com máfias de todos os matizes, inclusive as
redes de tráfico humano para o trabalho escravo; prostituição; remoção de
órgãos para transplantes; adoção etc, espalhadas por todos os rincões do Brasil,
ora, inescrupulosamente, sendo conduzido ao cadafalso.
É
lamentável tudo isso, mas, sinceramente, já que as legislações brasileiras são dúbias,
inclusive a eleitoral, cabe aos eleitores cobrar de quem elegeu ou, quando for
o caso, colocar um freio em determinados políticos em anos de eleições, não os reelegendo,
como tem acontecido, bem como cabe à Justiça – este texto é de 2014; agora, em 2016, o Sistema Temerário da Federação (STF) não existe e o brasileiro está com o pescoço na forca – impor a revisão de certas leis do
país, a fim de que os culpados sejam realmente punidos com o máximo rigor e os
crimes cometidos, por exemplo, na Petrobras, sejam considerados de lesa pátria, sendo os condenados enquadrados,
de preferência, por anos a perder de vista.
Mais?
Até teria muitas outras coisas a dizer, mas saturei – igual também já saturaram os comerciais de TV com anúncios temáticos do Natal...
Nathalie
Bernardo da Câmara
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