Caricatura de Inezita: Zeca de Souza
“Só o tempo faz um violeiro...”.
Carreirinho (1921 - 2009)
Compositor, intérprete e violeiro brasileiro
Confesso que me
familiarizei com a música caipira, ou melhor, com a cultura caipira
propriamente dita, na década passada – período no qual realizei uma aprofundada
pesquisa sobre a Festa do Divino no Distrito Federal. Uma rara oportunidade, eu
diria, que me permitiu conhecer as estranhas dessa que é considerada a maior festa
religiosa popular do Brasil, mas que, até então, me era alheia – por motivos
que fogem a minha alçada, o livro que resultou desse trabalho ainda não foi
publicado. O fato é que, à época, conheci muitos violeiros, alguns dos quais se
tornaram meus amigos – de um deles tornei-me biógrafa; entrevistei e fotografei
muitos desses caipiras, alguns eruditos; ouvi muitas modas de viola, algumas
marcantes, e aprendi a apreciar esse universo embalado por cordas, rimas e
melodias, a ponto de compor uma letra para uma moda: a história do português
São Gonçalo do Amarante, o padroeiro dos violeiros. E foi assim, portanto, num
ambiente eminentemente rural, que, vez por outra, me pegava assistindo ao Viola, minha viola, programa apresentado
pela multifacetada Inezita Barroso, que, transmitido, ininterruptamente, desde
1980 pela TV Cultura de São Paulo,
se tornou um altar da tradicional música de raiz. Daí ter sido com certo pesar
que fiquei sabendo da última moda da Rainha da Música Caipira: no Dia
Internacional da Mulher (8/03), ela pousou a viola e, num repente, aos 90 anos
de idade, voou, vitimada por uma insuficiência respiratória aguda – Inezita
estava internada desde o dia 19 de fevereiro no Hospital Sírio Libanês.
O cartunista brasileiro Mauricio de Sousa prestou a sua
homenagem para a cantora Inezita Barroso através da personagem Chico Bento.
Paulistana
quatrocentona, Inezita Barroso nasceu Ignez Magdalena Aranha de Lima num
domingo de carnaval (4/3/1925), em São Paulo, ao som de marchinhas. Começando a
cantar e estudar violão aos sete anos de idade, ainda aprendeu piano e viola,
sendo muitas as influências musicais – a sua paixão pelas modas de viola foi
despertada na fazenda da família, no interior paulista. Na adolescência, realizou
pequenos recitais e shows e, aos 25, quando gravou o primeiro dos seus 85 discos
ao longo da vida, entre 78 rpm, LPs e CDs, adotou o nome artístico que a tornou
conhecida – o primeiro DVD musical da Rainha da Viola, como Inezita também era
chamada, foi lançado em 2013, sintetizando os seus mais de 60 anos de carreira,
durante a qual conquistou mais de 200 prêmios,
tornando-se uma das mais laureadas cantoras do Brasil, cuja trajetória,
além da televisão, também inclui o rádio, o cinema e o teatro, onde atuou e produziu
espetáculos musicais. Formada em Biblioteconomia, Inezita pesquisou a cultura
caipira brasileira de Norte a Sul do país, com os seus méritos de folclorista
reconhecidos pela Universidade de Lisboa, que lhe concedeu o título de doutora Honoris Causa em Folclore – era uma
enciclopédia ambulante. E contagiante a sua voz de contralto absoluto, ainda
mais quando, num ambiente majoritariamente masculino, de pinga, fumo de rolo e
simpatias, o padrão da época para uma cantora, como ela define na biografia Inezita Barroso – Rainha da Música Caipira, fruto de depoimentos ao jornalista Carlos
Eduardo Oliveira e lançada em 2014, onde repassa os causos da sua vida, era o
“da voz fininha de dondoca, muito água com açúcar pro meu gosto, ou o modelo
voz de soprano” – em 2013, outra biografia da “madrinha dos caipiras” já havia
sido publicada, ou seja, Inezita Barroso
– A História de Uma Brasileira, de
autoria do jornalista Arley Pereira, que, entre outros predicados, a retrata
como uma desbravadora no meio musical. Pois. E no Dia Nacional da Poesia, onde lhe rendo homenagem, que a viola descanse em paz...
Nathalie
Bernardo da Câmara
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