Reprodução: Google, em 30/11/2021
“Todo processo de mudança perpassa pela educação.”
Janaína Dutra
Por Nathalie
Bernardo da Câmara
Natal (RN), 01/12/2021
No
dia 30/11, em sua página inicial, o buscador digital Google homenageou com um doodle a ativista social e advogada
cearense Janaína Dutra que, se viva, faria 61 anos de idade. Com um alcance
limitando-se ao Brasil, a homenagem a uma liderança nacional da comunidade
LGBTQIA+, reconhecida como a primeira transexual graduada do país a exercer a
advocacia no país que mais mata transexuais no mundo, fez com que, ao ser postada, o seu
nome fosse um dos mais comentados nas redes sociais da internet.
Nascida
em Canindé (CE), onde, aos 14 anos de idade, conheceu a discriminação,
tornando-se alvo de homofobia, Janaína, que sempre contou com o apoio da família,
mudou-se, aos 17 anos, para Fortaleza, onde passou a morar com uma das irmãs e
dois sobrinhos, além de dar início a sua luta pelos direitos da comunidade
LGBTQIA+. Em 1986, formando-se em direito pela Universidade de Fortaleza
(Unifor) – a opção pelo curso decorreu do preconceito que sofria –, Janaína
foi, em seguida, aprovada no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Segundo
o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), apesar da fotografia de mulher
na sua carteira profissional, o nome que constava no documento era o da sua
certidão de nascimento, ou seja: Jaime César Dutra Sampaio. Curiosamente, doze
anos após a morte de “doutor Jaime” – Janaína faleceu em decorrência de um
câncer de pulmão aos 43 anos de idade –, a OAB finalmente admitiu o nome social
da advogada na sua carteira profissional...
Em busca de uma
identidade
Na segunda metade da década de 1980, Janaína Dutra começou a advogar em defesa de causas dos direitos civis até enveredar pelos direitos humanos, inicialmente no então movimento LGBTI+ do Ceará, além de engajar-se na luta das pessoas portadoras de HIV-Aids, sendo uma das primeiras ativistas travestis a dialogar com o Ministério da Saúde (MS) para a construção de políticas públicas – diálogos esses que, inclusive, contribuíram com os debates que iriam originar o então Programa de Enfrentamento às DSTs/Aids, com foco na prevenção e na assistência as travestis e transexuais.
Co-fundadora
do Grupo de resistência Asa Branca
(GRAB), organização
sem fins lucrativos com sede em Fortaleza, cuja
criação consistiu no marco do movimento da livre orientação sexual e identidade
de gênero no Ceará, Janaína ocupou o cargo de vice-presidente da entidade, para
a qual também prestou assessoria jurídica, por
quatro mandatos consecutivos (1995, 1997, 1999 e 2001), além de fundadora
e primeira presidenta da Associação de Travestis do Ceará (Atrac), organização sem fins lucrativos
de referência de apoio social e jurídico para a comunidade LGBTQIA+.
Tendo ocupado o cargo de
secretária de Direitos Humanos (suplente) da Associação Brasileira de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), além da
presidência da Articulação Nacional de Transgêneros (ANTRA), Janaína integrou,
assim, o Conselho Nacional de
Combate à Discriminação (CNCD), criado
pelo então Ministério da Justiça (MJ) – decreto n° 3.952, de 4 de outubro de
2001. Não demorou, em 2003, numa iniciativa do Ministério da Saúde e do
CNCD, Janaína participou ativamente dos debates para a criação do Programa Brasil sem Homofobia.
Marco
brasileiro da inclusão na perspectiva de não discriminação por orientação
sexual e identidade de gênero e de promoção dos direitos humanos dos
integrantes do então movimento LGBT como pauta das políticas públicas e
estratégias do governo que deveriam ser implantadas transversalmente (parcial
ou integralmente) por seus diferentes Ministérios e Secretarias, o programa de
combate à violência e à discriminação contra GLTB e de promoção da cidadania homossexual,
promoveu, entre outras ações, a primeira campanha nacional de prevenção de DSTs/Aids,
que incluiu uma cartilha, dirigida exclusivamente as travestis.
Para
tal fim, foram reunidas 27 lideranças dos principais grupos de travestis do
país, que se encontraram durante seis meses para a criação da campanha. Quando,
entretanto, a referida campanha foi lançada pelo governo federal em 2004, três
das 27 lideranças já tinham falecido – entre elas, o nome de Janaína Dutra. Destemida,
a ativista social e advogada era uma das figuras de maior destaque dentro do
movimento trans, participando de inúmeros congressos, mesas redondas e
seminários sobre direitos humanos, aids e travestismo.
Em
seu curriculum consta, ainda, o seu
papel fundamental para a elaboração da Lei Municipal
n° 8.211, de 02 de dezembro de 1998, que, em seu art. 1º, prevê sanções as práticas discriminatórias por orientação sexual originárias de
estabelecimentos comerciais, industriais, empresas prestadoras de serviços e
similares em Fortaleza (CE) – dali em diante, onde quer que fosse, Janaína
carregava a tiracolo um exemplar da lei contra a homofobia que, para ela, fora
mais uma conquista em sua militância cotidiana.
Quase
vinte anos depois, foi a vez de uma lei estadual ser criada em homenagem à
ativista, a de n° 16.481, de 19/12/2017, que cria a Semana Janaína Dutra de Promoção do Respeito à Diversidade Sexual e de
Gênero no Estado do Ceará, apesar de, anos antes, em 17/02/2011, ter sido inaugurado
o Centro de Referência LGBT Janaína Dutra, em Fortaleza, um serviço municipal
de proteção e defesa dos direitos humanos da população LGBTQIA+ em situação de
violência, demais violações e omissões de direitos com base na orientação
sexual e/ou identidade de gênero.
De
acordo com a diretora da Rede Trans Brasil, ex-coordenadora do Centro de
Referência LGBT Janaína Dutra e jornalista cearense Dediane Souza (g1, 30/11), a ativista em destaque “é uma grande referência do
movimento pelos direitos humanos no Brasil”, deixando, portanto, “um grande
legado”. Para outra conterrânea de Janaína, a artista Yara Canta, coordenadora
Geral da Atrac, a comunidade atualmente ainda luta por questões colocadas pela
advogada em sua época. Na revista digital Mosaic
(06/10/2009), é possível encontrar um pungente texto da também cearense e profissional do
sexo Daletty di Polly sobre a homenageada do Google.
Reproduzido pela historiadora fluminense Rita Colaço, a prosa define
poeticamente Janaína Dutra, que, para a sua autora, “era doce
como mel e forte como uma rocha. Como um bom [e] velho comunista, era feita de
ferro e de flor. Dura nas suas convicções, no seu ativismo e em sua trajetória
política, leve como as flores com sua diversidade de cores e cheiros, seus
poemas cultuados e sua maneira doce de ser e viver”. Janaína, então, que adorava
declamar poemas, sempre acreditou que “o conhecimento é a melhor arma de
defesa.” Não importa a causa, não importa a luta. Não importa o tempo em que se
luta por uma causa.
Sugestão de filme:
Janaína Dutra - uma Dama de Ferro (2011),
documentário do cineasta brasileiro Vagner de Almeida, que narra a trajetória
da ativista social (assista aqui).
Serviço:
Centro de Referência LGBT Janaína
Dutra
Rua Guilherme
Rocha, 1469, no Bairro Jacarecanga, Fortaleza (CE). O horário de funcionamento
é de segunda a sexta-feira, entre 8h e 12h e 13h e 17h. Cidadãos também podem contatar
os serviços pelo telefone (85) 3452-2047.
Links
consultados:
61.º
aniversário de Janaína Dutra – Google (30/11/2021):
https://www.google.com/doodles/janaina-dutras-61st-birthday
Janaína Dutra: Quem é a homenageada pelo Google que
completaria 61 anos hoje?, por Sauma Freua, BHAZ (30/11/2021):
Janaína Dutra: quem foi a 1ª travesti a
ter carteira da OAB homenageada pelo Google, BBC News Brasil (30/11/2021):
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59476084
Janaína Dutra, primeira travesti advogada
do Brasil, é homenageada pelo Google, por André Teixeira e Cadu Freitas, g1 CE (30/11/2021):
Saiba quem é Janaína Dutra, advogada
travesti homenageada pelo Google, Migalhas (30/11/2021):
Brasil lidera assassinatos:
transexuais vive em média 35 anos, diz estudo, por Andrea Dip, UOL (19/11/2021):
Saiba o que significa cada letra da
sigla LGBTQIA+, Simple Organic (28/06/2021):
Janaina
Dutra: conheça a história da ativista ícone da luta LGBTI+ do Brasil, por Thiago Marinho, Mídia
Bixa (27/07/2020):
https://midiabixa.com.br/janaina-dutra-conheca-a-historia-da-ativista-icone-da-luta-lgbti-do-brasil/
A criação do programa Brasil sem
homofobia: progressos e crítica, por Edhilson Dantas Alves – ANPUH-Brasil - 30° Simpósio
Nacional de História – Recife, 2019:
Lei n° 16.481, de 19/12/2017 (Diário Oficial 26/12/2017), que cria a Semana Janaína Dutra de
Promoção do Respeito à Diversidade Sexual e de Gênero no Estado do Ceará
(Assembleia Legislativa):
Do glamour à política: Janaína
Dutra em meandros heteronormativos, por Juciana de Oliveira Sampaio – Tese de doutorado em
Ciências Sociais, Universidade Federal do Maranhão (UFMA) São Luís (MA), 2015,
p. 398:
file:///C:/Users/Usuario/Downloads/JucianaSampaio.pdf
Prefeitura de Fortaleza lança
Centro de Referência LGBT, Vermelho (17/02/2011-04/03/2020):
https://vermelho.org.br/2011/02/17/prefeitura-de-fortaleza-lanca-centro-de-referencia-lgbt/
Conheça um pouco sobre a vida de
Janaína Dutra, por
Rita Colaço, Mosaic (06/10/2009):
https://memoriamhb.blogspot.com/2009/10/conheca-um-pouco-sobre-vida-de-janaina.html
Brasil
sem Homofobia: Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e
de Promoção da Cidadania Homossexual, Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Combate à
Discriminação, Brasil (2004):
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/brasil_sem_homofobia.pdf
Travestis têm primeira campanha
dirigida, por
Aureliano Biancarelli – Folha de S. Paulo
(23/02/2004):
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2302200438.htm
Lei Ordinária nº 8.211, de 02 de dezembro de 1998, que determina
sanções às práticas discriminatórias por orientação sexual – Câmara Municipal
de Fortaleza (CE):
https://sapl.fortaleza.ce.leg.br/ta/2651/text?
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