quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

DOODLE DO GOOGLE EM MEMÓRIA DA ATIVISTA SOCIAL E ADVOGADA BRASILEIRA JANAÍNA DUTRA (1960-2004)

Reprodução: Google, em 30/11/2021 

“Todo processo de mudança perpassa pela educação.”

Janaína Dutra

 

 

Por Nathalie Bernardo da Câmara

Natal (RN), 01/12/2021

 

No dia 30/11, em sua página inicial, o buscador digital Google homenageou com um doodle a ativista social e advogada cearense Janaína Dutra que, se viva, faria 61 anos de idade. Com um alcance limitando-se ao Brasil, a homenagem a uma liderança nacional da comunidade LGBTQIA+, reconhecida como a primeira transexual graduada do país a exercer a advocacia no país que mais mata transexuais no mundo, fez com que, ao ser postada, o seu nome fosse um dos mais comentados nas redes sociais da internet.

 

Nascida em Canindé (CE), onde, aos 14 anos de idade, conheceu a discriminação, tornando-se alvo de homofobia, Janaína, que sempre contou com o apoio da família, mudou-se, aos 17 anos, para Fortaleza, onde passou a morar com uma das irmãs e dois sobrinhos, além de dar início a sua luta pelos direitos da comunidade LGBTQIA+. Em 1986, formando-se em direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor) – a opção pelo curso decorreu do preconceito que sofria –, Janaína foi, em seguida, aprovada no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

 

Segundo o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), apesar da fotografia de mulher na sua carteira profissional, o nome que constava no documento era o da sua certidão de nascimento, ou seja: Jaime César Dutra Sampaio. Curiosamente, doze anos após a morte de “doutor Jaime” – Janaína faleceu em decorrência de um câncer de pulmão aos 43 anos de idade –, a OAB finalmente admitiu o nome social da advogada na sua carteira profissional...

 

Em busca de uma identidade

Na segunda metade da década de 1980, Janaína Dutra começou a advogar em defesa de causas dos direitos civis até enveredar pelos direitos humanos, inicialmente no então movimento LGBTI+ do Ceará, além de engajar-se na luta das pessoas portadoras de HIV-Aids, sendo uma das primeiras ativistas travestis a dialogar com o Ministério da Saúde (MS) para a construção de políticas públicas  diálogos esses que, inclusive, contribuíram com os debates que iriam originar o então Programa de Enfrentamento às DSTs/Aids, com foco na prevenção e na assistência as travestis e transexuais.

 

Co-fundadora do Grupo de resistência Asa Branca (GRAB), organização sem fins lucrativos com sede em Fortaleza, cuja criação consistiu no marco do movimento da livre orientação sexual e identidade de gênero no Ceará, Janaína ocupou o cargo de vice-presidente da entidade, para a qual também prestou assessoria jurídica, por quatro mandatos consecutivos (1995, 1997, 1999 e 2001), além de fundadora e primeira presidenta da Associação de Travestis do Ceará (Atrac), organização sem fins lucrativos de referência de apoio social e jurídico para a comunidade LGBTQIA+.

 

Tendo ocupado o cargo de secretária de Direitos Humanos (suplente) da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), além da presidência da Articulação Nacional de Transgêneros (ANTRA), Janaína integrou, assim, o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), criado pelo então Ministério da Justiça (MJ) – decreto n° 3.952, de 4 de outubro de 2001. Não demorou, em 2003, numa iniciativa do Ministério da Saúde e do CNCD, Janaína participou ativamente dos debates para a criação do Programa Brasil sem Homofobia.

 

Marco brasileiro da inclusão na perspectiva de não discriminação por orientação sexual e identidade de gênero e de promoção dos direitos humanos dos integrantes do então movimento LGBT como pauta das políticas públicas e estratégias do governo que deveriam ser implantadas transversalmente (parcial ou integralmente) por seus diferentes Ministérios e Secretarias, o programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e de promoção da cidadania homossexual, promoveu, entre outras ações, a primeira campanha nacional de prevenção de DSTs/Aids, que incluiu uma cartilha, dirigida exclusivamente as travestis.

 

Para tal fim, foram reunidas 27 lideranças dos principais grupos de travestis do país, que se encontraram durante seis meses para a criação da campanha. Quando, entretanto, a referida campanha foi lançada pelo governo federal em 2004, três das 27 lideranças já tinham falecido – entre elas, o nome de Janaína Dutra. Destemida, a ativista social e advogada era uma das figuras de maior destaque dentro do movimento trans, participando de inúmeros congressos, mesas redondas e seminários sobre direitos humanos, aids e travestismo.

 

Em seu curriculum consta, ainda, o seu papel fundamental para a elaboração da Lei Municipal n° 8.211, de 02 de dezembro de 1998, que, em seu art. 1º, prevê sanções as práticas discriminatórias por orientação sexual originárias de estabelecimentos comerciais, industriais, empresas prestadoras de serviços e similares em Fortaleza (CE) – dali em diante, onde quer que fosse, Janaína carregava a tiracolo um exemplar da lei contra a homofobia que, para ela, fora mais uma conquista em sua militância cotidiana.

 

Quase vinte anos depois, foi a vez de uma lei estadual ser criada em homenagem à ativista, a de n° 16.481, de 19/12/2017, que cria a Semana Janaína Dutra de Promoção do Respeito à Diversidade Sexual e de Gênero no Estado do Ceará, apesar de, anos antes, em 17/02/2011, ter sido inaugurado o Centro de Referência LGBT Janaína Dutra, em Fortaleza, um serviço municipal de proteção e defesa dos direitos humanos da população LGBTQIA+ em situação de violência, demais violações e omissões de direitos com base na orientação sexual e/ou identidade de gênero.

 

De acordo com a diretora da Rede Trans Brasil, ex-coordenadora do Centro de Referência LGBT Janaína Dutra e jornalista cearense Dediane Souza (g1, 30/11), a ativista em destaque “é uma grande referência do movimento pelos direitos humanos no Brasil”, deixando, portanto, “um grande legado”. Para outra conterrânea de Janaína, a artista Yara Canta, coordenadora Geral da Atrac, a comunidade atualmente ainda luta por questões colocadas pela advogada em sua época. Na revista digital Mosaic (06/10/2009), é possível encontrar um pungente texto da também cearense e profissional do sexo Daletty di Polly sobre a homenageada do Google.

 

Reproduzido pela historiadora fluminense Rita Colaço, a prosa define poeticamente Janaína Dutra, que, para a sua autora, “era doce como mel e forte como uma rocha. Como um bom [e] velho comunista, era feita de ferro e de flor. Dura nas suas convicções, no seu ativismo e em sua trajetória política, leve como as flores com sua diversidade de cores e cheiros, seus poemas cultuados e sua maneira doce de ser e viver”. Janaína, então, que adorava declamar poemas, sempre acreditou que “o conhecimento é a melhor arma de defesa.” Não importa a causa, não importa a luta. Não importa o tempo em que se luta por uma causa.

 

Sugestão de filme: 

Janaína Dutra - uma Dama de Ferro (2011), documentário do cineasta brasileiro Vagner de Almeida, que narra a trajetória da ativista social (assista aqui).

 

Serviço:

Centro de Referência LGBT Janaína Dutra

Rua Guilherme Rocha, 1469, no Bairro Jacarecanga, Fortaleza (CE). O horário de funcionamento é de segunda a sexta-feira, entre 8h e 12h e 13h e 17h. Cidadãos também podem contatar os serviços pelo telefone (85) 3452-2047.

 

Links consultados:

 

61.º aniversário de Janaína DutraGoogle (30/11/2021):

https://www.google.com/doodles/janaina-dutras-61st-birthday

 

Janaína Dutra: Quem é a homenageada pelo Google que completaria 61 anos hoje?, por Sauma Freua, BHAZ (30/11/2021):

https://bhaz.com.br/noticias/brasil/janaina-dutra-quem-e-a-homenageada-pelo-google-que-completaria-61-anos-hoje/#gref

 

Janaína Dutra: quem foi a 1ª travesti a ter carteira da OAB homenageada pelo Google, BBC News Brasil (30/11/2021):

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59476084

 

Janaína Dutra, primeira travesti advogada do Brasil, é homenageada pelo Google, por André Teixeira e Cadu Freitas, g1 CE (30/11/2021): 

https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/11/30/janaina-dutra-travesti-e-ativista-cearense-e-homenageada-pelo-google.ghtml

 

Saiba quem é Janaína Dutra, advogada travesti homenageada pelo Google, Migalhas (30/11/2021):

https://www.migalhas.com.br/quentes/355761/saiba-quem-e-janaina-dutra-advogada-travesti-homenageada-pelo-google

 

Brasil lidera assassinatos: transexuais vive em média 35 anos, diz estudo, por Andrea Dip, UOL (19/11/2021):

https://www.uol.com.br/universa/colunas/andrea-dip/2021/11/19/brasil-e-lider-vergonhoso-em-assassinatos-de-transexuais-vivem-35-anos.htm?utm_source=facebook&fbclid=IwAR3itc4HtkbA9MmkyuBtq3_oC6PG2cM7s5cixV7e8vsat0oqxsH6dNdjUF0

 

Saiba o que significa cada letra da sigla LGBTQIA+, Simple Organic (28/06/2021):

https://simpleorganic.com.br/blogs/simple-blog/sigla-lgbtqia?gclid=Cj0KCQiAtJeNBhCVARIsANJUJ2Eh8KT3ELfTYRRYhM0lyN_vOP-yIsZsXua8lPfOEOtjIeGG9TmtT4kaAq2rEALw_wcB

 

Janaina Dutra: conheça a história da ativista ícone da luta LGBTI+ do Brasil, por Thiago Marinho, Mídia Bixa (27/07/2020):

https://midiabixa.com.br/janaina-dutra-conheca-a-historia-da-ativista-icone-da-luta-lgbti-do-brasil/

 

A criação do programa Brasil sem homofobia: progressos e crítica, por Edhilson Dantas Alves – ANPUH-Brasil - 30° Simpósio Nacional de História – Recife, 2019:

https://www.snh2019.anpuh.org/resources/anais/8/1565802149_ARQUIVO_ACRIACAODOPROGRAMABRASILSEMHOMOFOBIAPROGRESSOSECRITICA.pdf

 

Lei n° 16.481, de 19/12/2017 (Diário Oficial 26/12/2017), que cria a Semana Janaína Dutra de Promoção do Respeito à Diversidade Sexual e de Gênero no Estado do Ceará (Assembleia Legislativa):

https://belt.al.ce.gov.br/index.php/legislacao-do-ceara/organizacao-tematica/direitos-humanos-e-cidadania/item/5958-lei-n-16-481-de-19-12-17-d-o-26-12-17

 

Do glamour à política: Janaína Dutra em meandros heteronormativos, por Juciana de Oliveira Sampaio – Tese de doutorado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Maranhão (UFMA) São Luís (MA), 2015, p. 398:

file:///C:/Users/Usuario/Downloads/JucianaSampaio.pdf

 

Prefeitura de Fortaleza lança Centro de Referência LGBT, Vermelho (17/02/2011-04/03/2020):

https://vermelho.org.br/2011/02/17/prefeitura-de-fortaleza-lanca-centro-de-referencia-lgbt/

 

Conheça um pouco sobre a vida de Janaína Dutra, por Rita Colaço, Mosaic (06/10/2009):

https://memoriamhb.blogspot.com/2009/10/conheca-um-pouco-sobre-vida-de-janaina.html

 

Brasil sem Homofobia: Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e de Promoção da Cidadania Homossexual, Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Combate à Discriminação, Brasil (2004):

https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/brasil_sem_homofobia.pdf

 

Travestis têm primeira campanha dirigida, por Aureliano Biancarelli – Folha de S. Paulo (23/02/2004):

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2302200438.htm

 

Lei Ordinária nº 8.211, de 02 de dezembro de 1998, que determina sanções às práticas discriminatórias por orientação sexual – Câmara Municipal de Fortaleza (CE):

https://sapl.fortaleza.ce.leg.br/ta/2651/text?

 

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Aceita-se comentários...