Por Evaldo Alves de Oliveira
Médico pediatra e homeopata, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN) – Crônica publicada no Blog do Evaldo no dia 26 de abril de 2013.
Quando eu era criança, na minha cidade foi anunciado com estardalhaço que o governo daria prêmios, brindes e incentivos às pessoas mais pobres, e que tivessem muitos filhos. Enfim, o governo queria ajudar essa parcela mais pobre da população, quase toda pobre.
Houve uma grande festa, uma aglomeração gigantesca de pessoas, especialmente mulheres conduzindo seus filhos, na frente do Palacete Municipal. E haja música sob o comando de animadores, conjuntos tocando, e a contumaz presença de cantores de sucesso duvidoso, para o delírio do povo.
Uma senhora, que havia inscrito seus oito filhos para receberem os benefícios anunciados pelo poder público, parou na bodega do meu pai com um pequeno objeto na mão, sem entender ao menos o que era nem para que servia aquela estranha bolinha de cor azul que havia recebido como presente.
Após uma ligeira análise, todos ficaram sabendo. Tratava-se de um sabonete de bolinha, com um orifício no meio, por onde deveria passar uma correntezinha para ser amarrado a um lavatório. Em Areia Branca, na época, não havia lavatório, pois água encanada também não existia. Conheci lavatório no consultório de Dr. Vicente, o nosso inesquecível dentista pop star.
Essas lembranças foram arrastadas do passado pela força de uma música de letra despretensiosa que ouvi hoje pela manhã, na voz de Cássia Eller: mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como está, agora tanto faz, nem desistir nem tentar… E pensei: por que, ainda hoje, as coisas no Brasil continuam como antes?
Mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como está, temos o dever de nos indignarmos. Aqui e lá, ontem e hoje, são os mesmos políticos, os discursos sempre iguais, os conjuntos musicais que as prefeituras contratam a peso de ouro também são do mesmo naipe, com o agravante de fazerem barulhos ensurdecedores, e da sofisticação dos brindes, pois quem os recebe sequer os vê.
Em Brasília, como alhures, são gastos milhões de reais – no DF, através das emendas parlamentares – com festas, eventos e premiações que ninguém ouviu falar, ou jamais aconteceram, a um custo astronômico, a maioria dos conjuntos musicais de baixa qualidade, todos nivelados na altura da sarjeta. Uma nojeira que se perpetua.
Quando vejo na televisão esses homens ridículos enganando o povo, espantando demônios iguais a si próprios, quando me deparo com políticos afrontando o povo, em defesa de seus milhões, quando vejo esses grupos musicais exibindo-se nas pequenas cidades do interior, contratados a peso de ouro, imagino os estudantes – apesar de tantos motivos pra deixar tudo como está – protestando pacificamente em defesa de seus princípios, de seus direitos por algo bem melhor que uma bolinha azul com um furinho no meio.
*A ilustração foi escolha minha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Aceita-se comentários...