sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Do baú...(Criado em 2007 e revisado em 2009)



UMA FORMOSA BAÍA DESGOSTOSA

Fazendo fronteira com o Estado da Paraíba, o município de Baía Formosa, no Rio Grande do Norte, tem vivido um dos seus maiores dramas: a iminente construção de um resort, numa área de 2.500 hectares, à beira-mar, por obra e graça do empresário Stuart Swycher, presidente do grupo inglês Béltico Empreendimentos Turísticos S.A. – que já investe no Estado –, em parceria com o grupo português Espírito Santo – de há anos atuando no Brasil. O projeto, ambicioso, recebeu o apoio da governadora Wilma de Faria, que, no dia 25 de janeiro de 2007, se reuniu com o referido empresário no Parque das Nações, em Lisboa, Portugal.

Na oportunidade, segundo nota divulgada pela Assessoria de Comunicação do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, a Governadora ressaltou a importância do turismo sustentável – preocupação louvável que, aparentemente, parece ter encontrado eco no empresário: "Não se convence turista europeu a visitar um solo degradado", teria dito Stuart Swycher, ainda segundo a nota, lembrando que, em geral, o grupo que preside constrói em apenas 7% da área total dos terrenos que adquire. Infelizmente, no caso de Baía Formosa, a degradação do solo já começou. E antes mesmo da construção do resort!

Ocorre que em uma parte da área destinada ao empreendimento encontra-se um secular e bucólico cemitério, um dos cartões postais da cidade, sobretudo por estar localizado sobre uma duna, defronte ao mar, às margens da formosa baía que dá nome ao Município, repleto de bromélias, cactos e cajueiros. No entanto, quando, em 2004, o ex-prefeito Samuel Monteiro da Cruz, amparado pelo voto de sete dos nove vereadores locais, vendeu as terras em questão, a população reagiu, recorrendo à Justiça, que embargou a obra, embora esta mal tivesse sido iniciada. O cemitério, então, tornou-se um "empecilho" para a construção do resort... Quem diria!

Para tentar resolver o imbróglio, uma ordem judicial obrigou o prefeito José Galdino Alves, em sua recente administração (2005-2008), a enviar um projeto de lei à Câmara de Vereadores para que os restos mortais enterrados no cemitério fossem removidos e transferidos para o novo cemitério, na entrada da cidade, aumentando o descontentamento da população. Afinal, a decisão do ex-prefeito Samuel Monteiro da Cruz e dos vereadores que aprovaram a venda do cemitério foi considerada um desrespeito à memória da cidade e à dos seus moradores. Aqui, um parêntese... Gostaria de dizer que decidi escrever este artigo pelo fato de Baía Formosa ser uma antiga conhecida.

Sim, costumo freqüentá-la, desde criança, sendo que, há mais de vinte anos, a minha família possui uma casa na cidade, onde, aliás, há mais de quinze anos, a minha mãe desenvolve um belíssimo trabalho com o artesanato local. Sem contar que foi o meu pai, advogado, quem elaborou a Lei Orgânica do Município, em 1990, bem como os meus irmãos e eu já demos, também, algumas contribuições à cultura local. Além disso, ou seja, afora a minha relação afetiva com o lugar, tenho, ainda, e felizmente, uma consciência patrimonial, adotando, como costume, defender, sempre que possível, a preservação da memória de um povo, qualquer que seja ele.

Desse modo, diante da irreversível construção do resort – apesar do embargo, que, infelizmente, não tenho dúvidas, não vai dar em nada –, é natural e compreensível que eu sinta certo pesar, a exemplo de praticamente toda uma população, sentida e inconformada com a perda de parte da História da cidade e da sua própria. Afinal, a situação é complicada, pois, desde sempre, o cemitério compõe o cenário ao qual estamos tão acostumados, sobretudo quando contemplamos o pôr-do-sol na baía. Agora, com a construção do resort, o que teremos é uma intrusão visual, entre outras, corrompendo a paisagem, bem como a sonegação de um bem natural.

Convenhamos... A venda das terras onde está o antigo cemitério foi de uma insensibilidade tamanha do ex-prefeito Samuel Monteiro da Cruz. E nada justifica o seu gesto. Nem mesmo o fato do cemitério estar, e de há muito, inativo, mal resistindo ao tempo e ao vento, além da erosão, que, também, de há muito, está minando a duna sobre a qual ele foi construído, atingindo muitas das ossadas dos mortos e das suas sepulturas, fazendo-as deslizarem areia abaixo, à espera das ondas que as levem para o fundo do mar. Foi o que, tempos atrás, por exemplo, aconteceu com uma enorme cruz de madeira, feita com duas toras de pau-brasil da mata, que tinha no lugar – a erosão a fez tombar e o mar a levou.

Espero, portanto, que ninguém acuse os que são contra a derrocada do cemitério e a construção do resort de xenofobia. É porque é uma violência! Nada contra ingleses e portugueses. Mesmo porque, no que diz respeito aos portugueses, foram eles, inclusive, que, oficialmente, "acharam" Baía Formosa. A bem da verdade, a questão não é essa, já que, de há muito, muitos dos moradores do lugar se preocupam com a preservação do antigo cemitério. Eu mesma, ao longo dos anos, e por diversas vezes, propus às autoridades competentes construírem um muro de arrimo para protegê-lo das investidas do mar e do vento. Em vão! Infelizmente, nem todos têm consciência patrimonial nem ambiental.

Além disso, um outro aspecto que preocupa a população local e a todos que gostam de Baía Formosa é a construção de edificações sobre as falésias compradas pelos dois grupos empresariais. Ninguém parou para pensar no impacto ambiental que todo esse empreendimento vai provocar? E o Meio Ambiente? Ninguém duvide, ele vai gritar! Bom, o fato é que, quando caminhamos pela baía e chegamos ao cemitério, parece que estamos em uma trama do cineasta italiano Fellini (1920-1993). É surreal! Mas, de certa forma, igualmente benfazejo – quiçá, mágico. Ao mesmo tempo, todas essas sensações são inexprimíveis, inexplicáveis e remontam aos nossos tempos de crianças...

Um outro paradoxo é que, apesar de sanear o nosso olhar, ofertando-nos uma paisagem mais que peculiar, com os barcos – de longe, parecem de brincadeira – ancorados em suas águas, cujo movimento transforma o rumor das suas ondas em uma melodiosa e harmônica sinfonia, a baía – a única existente no Rio Grande do Norte – é a fiel depositária dos esgotos de Baía Formosa, que não dispõe de saneamento básico – uma triste ironia! – e vive um esgotamento sanitário, segundo a Confederação Nacional de Municípios. Falando nisso, será que os proprietários do futuro resort sabem disso? Sabem que todo o esgoto da cidade é depositado nas águas da baía?

Afinal, não são somente solos degradados que espantam turistas europeus, como disse o dublê de ambientalista Stuart Swycher à governadora Wilma de Faria, mas, igualmente – imagino –, as poluições, sobretudo as das águas. No caso, as da baía. O fato é que na área onde os empresários pretendem investir os seus euros – quiçá, dólares –, o banho de mar, em função da poluição da baía, é considerado um dos mais impróprios. E não somente pelos esgotos que deságuam na baía a céu aberto, aos olhos de todos, vergonhosamente, mas, também, pelo lixo – e que lixo! – que, aliás, os próprios moradores insistem em jogar nas areias e nas águas.

Isso sem contar que, por terminar de acabar com o cemitério, ou melhor, por sepultar, de vez, "o cemitério dos pescadores", como muitos ainda têm o costume de chamá-lo, os proprietários do mais polêmico empreendimento hoteleiro já feito em Baía Formosa, quiçá, no Rio Grande do Norte – e antes mesmo da sua construção – não se espantem se, um dia, hóspedes ou visitantes desavisados esbarrarem em almas penadas a vagar pelo lugar, portando bonés, placas e faixas com os dizeres: Aqui, jaz um cemitério! E, aí, o que deveria ser um charmoso, atraente e estrategicamente bem localizado empreendimento hoteleiro pode vir a se transformar num resort fantasma banhado por um esgoto a céu aberto...


UM POUCO DE HISTÓRIA...

"Com os papagaios aprende-se que muitos são os que falam,
mas poucos os que sabem o que dizem...".
José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta
Terra Papagalli

Os índios Potiguaras chamavam o lugar de Aratipicaba, que, em Tupy, significa Bebedouro dos Papagaios, ou, ainda, Tanque dos Papagaios. Segundo a tradição oral, tal batismo deu-se porque os papagaios costumavam beber a água doce dos olheiros das praias da região, sobretudo na praia de Bacopari. O curioso é que, nos dicionários de Tupy consultados, encontramos dois significados para o nome Bacopari: depósito de água – seria em função dos olheiros? – e fruto cercado de pontas e asperezas, já que, de fato, existe uma árvore e uma fruta com esse nome na Mata Atlântica. No caso de Baía Formosa, valem os dois significados.

Sim, da mesma forma que os olheiros de água doce existiam em abundância na tal praia, o formato da outrora floresta era o de uma estrela de cinco pontas. Assim, as extremidades da praia seriam duas das cinco pontas da estrela. Daí a floresta encontrada pelos seus primeiros habitantes brancos ter recebido o nome de Mata Estrela. – hoje, infelizmente, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, com apenas 2.039,93 hectares (1.888,78 de floresta; 81,64 de dunas e 69,73 de lagoas, em número de dezenove), cerca de insignificantes 3% do que ela já foi um dia.

Mesmo assim, a Mata Estrela é, ainda, a maior reserva de Mata Atlântica sobre dunas do Rio Grande do Norte. E isso só foi possível porque, em 1990, através de uma Portaria Estadual, a floresta foi tombada e, em 2000, transformada, por Decreto Federal, em Reserva Particular do Patrimônio Natural - RPPN, já que não deixa de ser uma propriedade privada, pertencente à Destilaria Baía Formosa S/A, responsável pela atividade econômica mais rentável do Município, que é a monocultura da cana-de-açúcar, seguida da pesca e da produção agrícola.

No séc. XVI, contudo, o lugar já recebia a visita de naus portuguesas e francesas, sendo apenas em 1612 que os colonizadores lusitanos denominaram mais um dos seus "achados" de Bahia Formosa, que, pouco mais de dois séculos depois, quando deram por encerrada a extração da mais cobiçada árvore da época, o Pau-Brasil, transformou-se em zona de pesca. Em 1892, tornou-se Distrito de Canguaretama; em 1953, Vila. Porém, a data mais comemorada pelos formosenses é 31 de dezembro, já que, nesse mesmo dia, no ano de 1958, Baía Formosa foi elevada à condição de município.

E como fazer para chegar nesse cantinho aparentemente esquecido do Rio Grande do Norte, antes da chegada, obviamente, de novos portugueses – historicamente, sempre aliados dos ingleses –, que insistem no mesmo erro dos seus antepassados, que se achavam os "donos" da Terra dos Papagaios, primeiro nome dado ao, hoje, Brasil? Vindo pelo asfalto, de Natal ou de João Pessoa, pela BR 101, seguindo, depois, pela RN 062; pela praia, vindo de Barra de Cunhaú, no Rio Grande do Norte, ou de Mataraca, na Paraíba, de buggy ou de jipe; pelo mar, de barco ou de navio. E que mar!

Um mar que encanta moradores do Município – cerca de 8.000 habitantes, segundo os cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, realizados em 2001, mas, também, todos aqueles que visitam o lugar, fazendo a delícia dos surfistas, que consideram o Pontal um dos melhores "picos" do Nordeste, lembrando que um dos atrativos de Baía Formosa é o povoado de Sagi. O fato é que somente conhecemos as belezas de Baía Formosa se a visitarmos. Enfim, Baía Formosa, pelo menos, para mim, é a dona das praias mais charmosas do Rio Grande do Norte. Tenho dito.


Nathalie Bernardo da Câmara
nathaliebernardo@hotmail.com

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