A painting
symbolising Boko Haram’s destruction of Nigeria.
Photo: Debora
Bogaerts / Creative Commons / Flickr
Ataque ao Charlie Hedbo
gerou mais comoção do que duas mil execuções na Nigéria. Quanto vale a vida de
um ser humano?
POLITIKE
Por
Vivian Alt em 29 de janeiro de 2015
As
primeiras semanas de 2015 testemunharam dois trágicos eventos: o ataque à
revista francesa Charlie Hebdo e a série de atentados terroristas
promovidos pelo grupo Boko Haram, na Nigéria. Em Paris 17 pessoas morreram,
causando grande comoção pelo mundo. Na Nigéria, mais de 2 mil indivíduos
perderam suas vidas, mas ao contrário do que houve na França, a mobilização
internacional foi consideravelmente tímida. A cobertura e a reação das pessoas
ao redor do mundo aos dois atentados, demonstra como a vida de um ser humano
tem valor diferente de acordo com sua nacionalidade.
Como
analisado por Caio Quero na segunda-feira, os irmãos Kouachi , responsáveis
pelo ataque a Charlie Hebdo, compreenderam como funciona a mídia ocidental.
Cherif e Said Kouachi sabiam que não era necessário um ataque de grandes
proporções para chamar atenção da mídia, bastando atingir uma renomada revista
no coração de uma das maiores cidades da Europa. O Boko Haram também
compreendeu bem seu público: o grupo sabia que seria necessário grande número
de vítimas para que as notícias do ataque chegassem às manchetes
internacionais. Apesar do assustador número de mortos na Nigéria, em meio ao
caos na Europa causado pelo ocorrido na redação do Charlie Hebdo, poucos
voltaram seu foco para o que se passava no país africano.
Alguns
sugeriram que os atentados em Paris foram mais comoventes, pois era mais fácil
colocar-se no lugar das vítimas e, com isso, se sensibilizar mais. Apesar
da maior identificação com as vítimas francesas ter valor significativo ao
analisar reações sobre os dois atentados, a questão vai muito além deste
argumento. Não houve grande comoção com o ocorrido na Nigéria devido ao
pensamento de que guerras e violência são comuns, ou até mesmo naturais, em
países do Oriente Médio, África, Ásia e América do Sul.
A
mídia não deve ser culpada por tudo, uma vez que é apenas reflexo do modo de
pensar das pessoas. Tal forma de pensar se assemelha a algo como: “as
mortes na Nigéria não são tão trágicas quanto as na França, pois lá essas coisas
acontecem o tempo todo. Portanto, é de se imaginar que os nigerianos estejam
acostumados com isso”. Contudo, por mais recorrente que seja a violência, os
nigerianos jamais se acostumarão em perder amigos e familiares em atentados do
Boko Haram; da mesma forma que os franceses jamais se conformarão com ataques
terroristas como o de Charlie Hebdo.
Boko Haram
attack in Jos.
Photo: Carmen
McCain / Creative Commons / Flickr
Há
muitas semelhanças entre os atentados de França e Nigéria. No entanto, enquanto
o futuro do país europeu é exaustivamente debatido, os problemas na Nigéria
continuam às margens da agenda internacional de segurança. Na França,
minorias enfrentam preconceitos e são marginalizadas da sociedade,
contribuindo para surgimento de grupos extremistas e violentos. Na
Nigéria, o Boko Haram surgiu com muçulmanos do Norte do país que viviam na
pobreza e eram excluídos social e politicamente. Ademais, assim como na França,
a maioria dos muçulmanos não apoia o grupo terrorista nem suas ideias de
instaurar a Lei Sharia no país.
Deve-se
destacar, ainda, que as respostas de ambos os governos para conter atos
terroristas não parecem estar funcionando.
Na
França, os primeiros dias após o atentado presenciaram onda sem precedentes de
agressões a muçulmanos e judeus. Há grande probabilidade de que nos próximos
meses sejam impostas ainda mais restrições em leis migratórias e que haja
aumento na popularidade de partidos conservadores de direita, como
a Frente Nacional de Marine Le Pen. Na França e em outros países
europeus, segregação é a palavra chave para explicar extremismo. Ao invés de
tornar a sociedade mais harmoniosa e pacífica, políticas restritivas
possivelmente aumentarão exclusão social e intolerância às minorias, em
especial aos muçulmanos. Por outro lado, políticas inclusivas podem levar
a um ambiente menos hostil e mais pacífico.
Na
Nigéria, nos dias que seguiram o massacre na cidade de Baga, o Boko Haram
intensificou seus ataques, tendo inclusive utilizado crianças
como amarradas em bombas para explodir um mercado. Preocupados com influxo
de refugiados, países vizinhos como Chade, Camarões e Níger exigiram medidas
severas do governo nigeriano no combate ao grupo terrorista e mobilizaram-se
para proteger suas cidades fronteiriças. O governo enfrenta sérios
problemas financeiros que o impossibilitam de treinar policiais, comprar
armamentos e desenvolver um plano de ação efetivo, de fato necessitando de
ajuda externa. As tentativas fracassadas do governo em acabar com o Boko
Haram estão apenas criando mais oportunidades para que o grupo realize novos
atentados.
Boko Haram’s
attack in Nigeria.
Photo: Diario Critico de Venezuela
Apesar
das semelhanças entre os atentados nos dois países, a França continua recebendo
muito mais atenção, tanto da mídia quanto do grande público. Assim como em
outros países do continente, o terrorismo na Nigéria é visto apenas como “mais
um conflito africano” e as vidas de milhares inocentes não recebem o valor que
deveriam.
Alguns
argumentam ser importante ajudar o governo nigeriano dado que a explosão de um
conflito de maiores proporções poderia levar ao aumento do número de refugiados
em direção à Europa e outros países desenvolvidos. Tal argumento,
bastante utilizado, perpetua a lógica de que as vidas nigerianas possuem
menos importância do que as francesas. É necessário fornecer ajuda à Nigéria,
não pelo possível aumento do número de refugiados, mas porque milhares de
inocentes, em sua maioria mulheres e crianças, estão sendo brutalmente
assassinados. Pessoas não apenas estão morrendo, como mulheres estão sendo
violentadas, crianças estão sendo sequestradas e usadas como explosivos
humanos, além de outras atrocidades que violam os direitos humanos.
Com
intuito de desenvolver análise mais profunda e crítica sobre o tema, o Politike
publicará série de três artigos sobre o Boko Haram. Examinaremos o assunto,
discutindo a história da Nigéria, seu contexto político e social, e possíveis
cenários futuros para a crise. Fiquem ligados em nossos próximos textos!
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