“Os sonhos são os
parâmetros do nosso caráter...”.
Henry Thoreau
(1817 - 1862)
Escritor
norte-americano
Há quem me
considere pessimista – nem isto nem aquilo, parafraseando a poetisa brasileira
Cecília Meireles (1901 - 1964), ou seja: nem pessimista nem otimista. Na
verdade, eu constato fatos – nada a ver com otimismo ou pessimismo. Só constato
fatos. E não apenas porque sou formada em jornalismo, mas porque já o fazia
desde a minha tenra idade – é da minha natureza. Uma das cartilhas, por exemplo,
na qual nunca “rezei” foi na da dissimulação, na da hipocrisia – coisa que, por
me fazer um enorme mal, desencadeando-me, inclusive, crises de esofagite, eu
sempre abominei. Daí repudiá-la com todas as minhas forças. Ocorre que,
infelizmente, essa dubiedade de comportamento dito humano está historicamente
entranhada em não importa qual cultura dos rincões os mais diversos da Terra –
planeta esse, coitado, de há muito implorando por arrego. E em todos os
sentidos! Porém, essa situação agrava-se porque, desde que o mundo é mundo,
parece até que é mais “cômodo” as pessoas optarem pela leviandade, ou pela
omissão – coisa que, para quem tem bom senso, traduz-se numa postura para lá de
ultrajante, sobretudo quando se constata que a mediocridade e o obscurantismo andam
a se disseminar por toda parte, indiscriminadamente, tipo praga de gafanhoto ou
de pardal, que, diga-se de passagem, só nidifica em habitações humanas,
propagando de um tudo, menos harmonia.
Então...
Eis que muitas culturas já estão sob os auspícios de um novo calendário – a
euforia praticamente generalizada do réveillon
deixou isso bem claro. O problema é que, por mais que, certa vez, a minha
estimada amiga Rita Amaral (1958 - 2011), antropóloga brasileira de notório
saber, tenha dito que “divertimento é coisa séria e pode até mesmo ser
entendido como a segunda finalidade do trabalho, vindo logo após a necessidade
de sobrevivência”, eu confesso que nunca me iludi com certas crendices nem com ditas
“necessidades” humanas para externar “algo” supostamente reprimido – de uns
tempos para cá, então, o meu ceticismo anda cada vez mais arraigado no meu tão
sensível coração de poetisa! Não consigo, portanto, melhor dizendo, é
humanamente impossível fazer vista grossa diante da hipocrisia, individual ou
coletiva, do desprezo e da intolerância em relação as diferenças: sejam elas
comportamentais, políticas, raciais, religiosas etc – as desigualdades sociais,
então, só num crescente! O pior é que esse tipo de postura tem se tornado mais
evidente e ostensiva a cada ano que passa. E nem adianta querer tapar o sol com
a peneira, alienar-se, porque estamos diante um fato! Basta observar os
conflitos que, no dia a dia, eclodem por toda parte, indiscriminadamente, seja
no seu próprio quintal ou alhures. O fosso, por exemplo, entre a cultura
ocidental e a oriental, numa vertigem lancinante.
Interrompendo...
Charge do cartunista francês Olivier Sanfilippo
No
dia em que a nova edição do jornal satírico francês Charlie Hebdo foi publicada (07/01/2014),
um ato terrorista, atribuído a fundamentalistas islâmicos, abalou a redação do semanário,
matando 12 pessoas. Segundo o portal O
Grito, “quatro dos principais
nomes das HQs de humor na França, Wolinski, Cabu, Tignous e Charb foram
confirmados entre os mortos no atentado à revista
Charlie Hebdo, em Paris. As informações foram confirmadas pela polícia
francesa. Segundo informações da AFP e
The Guardian, dois homens entraram na redação [durante uma reunião de pauta] e
iniciaram um tiroteio com fuzis. A revista já tinha sido alvo de ataques no
passado depois de publicar caricaturas do profeta Maomé, o que é proibido
segundo a religião muçulmana. Três anos atrás a sede chegou a ser incendiada em
retaliação às charges. Wolinski tinha 80 anos e era considerado um mestre da
charge. Ele trabalhou em revistas como Libération, Paris-Match, L’Écho des
savanes e fundou a famosa revista satírica L’Enragé em 1968. “Wolinski
influenciou todo mundo que vocês conhecem: Ziraldo, Jaguar, Nani, Henfil,
Fortuna”, disse o cartunista brasileiro André Dahmer. Jean Cabut, outra vítima,
era bastante popular na França, com passagens pela TV. Ele foi um dos
fundadores da publicação Hara-Kiri, nos anos 1960. Stéphane Charbonnier,
conhecido como Charb, era diretor da revista e um dos defensores da liberdade
de expressão da publicação após as primeiras polêmicas com as charges de Maomé.
Ao lado de Tinous, também morto, fez sua fama dentro das páginas da Charlie
Hebdo.
Fotos de arquivo mostram
cartunistas da equipe da revista 'Charlie Hebdo' mortos no ataque. Da esquerda
para a direita: Georges Wolinski (em 2006), Jean Cabut - o Cabu (em 2012),
Stephane Charbonnier - o Charb (em 2012) e Tignous (em 2008) (Foto: Bertrand
Guay, François Guillot, Guillaume Baptiste/AFP)
Identificados todos os mortos do ataque à ‘Charlie Hebdo’ em Paris
Oito vítimas trabalhavam para a revista e duas eram
policiais.
Um funcionário do prédio e um visitante também
morreram.
07/01/2015 – Do G1, em São Paulo
A identificação das
vítimas fatais do ataque à revista “Charlie
Hebdo” foi encerrada na noite de quarta (7). Os atiradores que
invadiram o local mataram 12 pessoas e deixaram 11 feridas, quatro delas em
estado grave.
Os primeiros mortos a
serem identificados foram quatro renomados cartunistas, Stéphane Charbonnier,
conhecido como Charb e também editor da revista, o lendário Wolinski, Jean Cabu e
Bernard Verlhac, conhecido como Tignous.
Além deles, outros quatro funcionários da “Charlie Hebdo” morreram: o também cartunista Phillippe Honoré, o vice editor Bernard Maris, um economista que também escrevia colunas para a publicação, o revisor Mustapha Ourad e a psicanalista Elsa Cayat, que escrevia uma coluna quinzenal chamada “Divan”.
Entre as outras vítimas fatais, segundo o jornal "Le Monde", estão o policial Franck Brinsolaro, morto dentro da redação, e o agente Ahmed Merabet, que morreu já na rua, durante a fuga dos atiradores. No ataque também morreram um funcionário da Sodexo que trabalhava no prédio, Frédéric Boisseau, de 42 anos, e um convidado que visitava a redação, Michel Renaud.
Ainda de acordo com o jornal, o jornalista Philippe Lançon é uma das vítimas gravemente feridas. Crítico literário do jornal "Libération", ele escreve crônicas para a "Charlie Hebdo".
E o último cartoon de Charb...
Publicada
na última edição do Charlie Hebdo, a charge
acima se revelou premonitória (“Ainda não houve atentados na França. Esperem.
Temos até ao fim de janeiro para os nossos votos de Ano Novo”) – não demorou
muito, a brutalidade do gesto covarde, que foi o ato terrorista contra o
jornal, consternou a França. E o mundo.
Diante, portanto, do
golpe que, covardemente, apunhalou a minha querida França e a liberdade de
expressão, as palavras desandaram, desandei... O fato é que os brutos não amam.
De qualquer maneira, o ato terrorista ocorrido em Paris apenas confirma o raciocínio original desta postagem. Ou seja, hipocrisia não leva a nada nem a lugar nenhum. Ignorância, intolerância e fanatismo, no caso,
religioso, muito menos. Desse modo, os responsáveis por tamanha barbaridade só
merecem o desprezo de todos. E a Cidade Luz,
apesar de chocada, não irá ofuscar-se, não irá curvar-se diante do obscurantismo,
representado ou não por capuzes.
Nathalie Bernardo
da Câmara
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Aceita-se comentários...