MISERA
Ilustração: Paulo Araújo
"As palavras têm a leveza do vento
e a força da tempestade...".
Victor Hugo (1802 - 1885)
Os Miseráveis
e a força da tempestade...".
Victor Hugo (1802 - 1885)
Os Miseráveis
Era uma vez Misera... Passei anos ouvindo falar nessa senhora – ou seria uma jovem, uma anã, uma bruxa? Sei lá! Eu apenas sei que era Misera para lá, Misera para cá... E eu só ouvia alusões a ela em um determinado lugar, uma cidade litorânea do Rio Grande do Norte, onde, quando alguém quer se referir a outro alguém de maneira depreciativa – acho –, Misera é constantemente invocada, pondo, de pronto, a auto-estima do infeliz na sola dos pés. E isso sempre me intrigou, intrigou a minha irmã, instigando a minha curiosidade.
Exemplos?
— Sai, Misera!
— Fora daqui, Misera!
— Isso que é uma Misera!
— Ô bicho Misera!
— Vai lascar outro, Misera!
— Fora daqui, Misera!
— Isso que é uma Misera!
— Ô bicho Misera!
— Vai lascar outro, Misera!
E, por aí, vai! Misera isso, Misera aquilo...
Mas, afinal, quem é Misera? Uma espécie de Cuca, de Saci, de Boitatá, sempre a tiracolo quando o negócio é xingar? E quais os poderes que Misera teria? A sua natureza, por exemplo, eu sempre desconheci! Com exceção de que – parece – o seu nome invariavelmente está associado à repulsa. De fato, nunca soube de nada a seu respeito. Até hoje, quando decidi abrir alguns dicionários e consultá-los a respeito. Foi assim que elucidei o mistério...
Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa:
Miserar. [Do lat. miserare, por miserari.] V. t. d. 1. Tornar mísero, desgraçado; desgraçar; desventurar; infelicitar. P. 2. Lastimar-se; lamentar-se.
Miserar. [Do lat. miserare, por miserari.] V. t. d. 1. Tornar mísero, desgraçado; desgraçar; desventurar; infelicitar. P. 2. Lastimar-se; lamentar-se.
Já para o Aulete Dicionário Digital:
(mi.se.rar)
v.
1 Esforçar-se por provocar a infelicidade, a desgraça de alguém. [td.] [tr. + de]
2 Antq. Ter pena, piedade de alguém; CONDOER-SE; APIEDAR-SE. [td.]
3 Queixar-se, lamentar-se. [tr. + de: Miserava -se da má sorte.]
[F.: Do lat. miserare.]
(mi.se.rar)
v.
1 Esforçar-se por provocar a infelicidade, a desgraça de alguém. [td.] [tr. + de]
2 Antq. Ter pena, piedade de alguém; CONDOER-SE; APIEDAR-SE. [td.]
3 Queixar-se, lamentar-se. [tr. + de: Miserava -se da má sorte.]
[F.: Do lat. miserare.]
E é isso! Enquanto uns chamam outros de vil e de abjeto, outros chamam uns de misera...
Descobri até um Blog dos Misera, cujo patrono, pelo que pude entender, é – pasmem! – o papa Bento XVI. Duvidam? Acham que eu estou inventando? Pois bem! No blog vem dizendo assim: Miseras abençoados.
O Conselho Nacional Misera, na figura máxima, a Assembléia Nacional Cabrera, deliberou que de modo a criar um cada vez maior enraizamento e aprofundamento da cultura e do intelecto dos miseras, nos termos mais amplos e aspectos mais peculiares da gêneses Cabrera do nosso amado Conselho, instituir já, a partir do próximo mês de abril, um curso de Pós-Graduação em Cabreragem! O referido curso terá a duração de dois semestres letivos e será ministrado no Casal (Departamento dos barris do vinho) e terá o apoio do laboratório do físico-químico Pedro & LTDA (Sábado, 18 de março de 2006).
Eis o link: http://miseras.blog.pt/2006/3/
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SARAMAGO E EU: DOIS EXILADOS
EM UM MUNDO SEM FRONTEIRAS...
"O que é do homem o bicho não come!".
Dito popular
Estou finalizando um longo ensaio de mais de cem páginas, intitulado Trama macabra, tendo o papa Bento XVI como protagonista de três polêmicos episódios recentemente ocorridos. Não tenho pressa em concluí-lo, pois o referido ensaio é mais para o meu próprio deleite intelectual do que para qualquer outra coisa. Os episódios são: a remissão da excomunhão de quatro bispos da congregação Fraternidade Sacerdotal São Pio X por Bento XVI, no dia 21 de janeiro de 2009, bem como o negacionismo de um dos bispos beneficiados pela decisão papal, que, em entrevista amplamente divulgada, defende o regime nazista do austríaco Adolf Hitler (1889 - 1945).
O segundo episódio, por sua vez, é sobre uma menor brasileira, de apenas nove anos de idade, que, seguidamente estuprada pelo padrasto, 23, engravidou de gêmeos e se submeteu a um aborto legal no dia 5 de março de 2009, provocando o maior rebuliço em todo o mundo, enquanto o terceiro e último episódio trata das estapafúrdias declarações de Bento XVI sobre a distribuição e o uso do preservativo, alegando que o mesmo não resolve o problema da AIDS na África – conseqüentemente, no mundo –, só o agrava, durante a viagem apostólica de sete dias, que, em março, ele realizou a Camarões e a Angola, gerando repercussão internacional.
Pratos cheios para um bom ensaio. Ou, melhor dizendo, por demais suculentos. No primeiro episódio, contudo, já praticamente em seu final, faço referência ao escritor português José Saramago, porque, agora, determinados judeus andam querendo acusá-lo de anti-semitismo – que disparate! –, apenas por causa de textos que ele escreveu a respeito dos conflitos entre Israel e Gaza, postados, inclusive, em seu blog, O Caderno de Saramago, na internet. Assim já é demais, gente! Daí querer, aqui, expôs algumas idéias contidas em meu ensaio, mas apenas no que concerne ao camarada Saramago, que tanto admiro.
Afinal, se mais da metade da população mundial admite e repudia o genocídio de milhares de judeus cometido pelo regime nazista de Hitler, por que, então, os judeus não admitem críticas, sejam elas individuais ou coletivas, por algumas das suas atitudes? Mesmo porque, convenhamos, os judeus são serem humanos iguais a qualquer um – nem melhores nem piores – e, como tal, podem, também, cometer os seus erros, os seus excessos, seja em que nível for! Só que eles devem aprender a receber críticas, não simplesmente rotular todas elas, não importa quais sejam nem quem as façam, de anti-semitismo.
O escritor argentino Jorge Luís Borges (1899 - 1986), por exemplo, afirmou que Hitler estava empenhado em um propósito que era, em última instância, impossível, ou seja, a aniquilação da cultura judaica em todo o mundo, porque, em seu entendimento [o de Borges], a cultura judaica representa a cultura da humanidade. Eu já diria que, na humanidade, não existe povo melhor que outro nem, muito menos, superior. Afinal, todos são iguais perante a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela ONU em 1948 – não é difícil encontrar uma cópia. Nem que seja virtual! A Constituição Brasileira, por sua vez...
Em seu primeiro artigo, ela diz: "Todos são iguais perante a lei". Assim, considero um despropósito rotularem José Saramago de anti-semita. Pior! Outro dia, meramente por acaso, vi, na internet, que tem até quem esteja propondo retirar do escritor português o tão merecido Prêmio Nobel de Literatura que ele recebeu em 1998... É sandice demais! Afinal, Saramago sempre foi cuidadoso e justo em suas declarações. E é, sim, comunista e ateu convicto. Ou isso constitui-se em algum problema? Se assim o for, aproveitem, também, para excomungá-lo. Ah! Ia esquecedo: não se excomunga quem não é católico. No máximo, joga-se uma praga. Ai de mim!
Quanto a Saramago... Já não bastou Sousa Lara, em 1992, então secretário de Cultura de Portugal, ter vetado o nome do escritor para o Prêmio Europeu de Literatura, cuja candidatura foi retirada pessoalmente por Lara, apenas porque considerou O Evangelho segundo Jesus Cristo, de autoria do escritor, publicado um ano antes, uma ofensa as convicções religiosas dos portugueses, ao capitalismo e aos costumes, além da Igreja católica tê-lo condenado por blasfêmia? O fato é que, considerando a intolerância de Lara "um retorno à Inquisição", Saramago decidiu se auto-exiliar na Espanha, em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, onde vive até hoje.
Curiosamente, em 1991, ano em que publicou O Evangelho segundo Jesus Cristo, Saramago, que, em 1995, já havia recebido o Prêmio Camões, o mais importante prêmio literário da língua portuguesa e outros tantos, foi agraciado com o Grande Prêmio de Romance e Novela, atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores e mais dois prêmios, pelo conjunto da sua obra, conquistados na Itália: o Prêmio Internacional Literário Mondello, de Palermo, e o Prêmio Brancatti, de Zafferana, além de ser nomeado doutor honoris causa pela Universidade de Sevilha e recebido o título de Chevalier d'Honneur des Arts et des Lettres do governo francês.
Daí em diante, a sua coleção de prêmios e condecorações só tendeu a crescer. Sem falar que Saramago foi o primeiro autor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura, sendo, à época, considerado pelo jornal grego Ta Nea "um contador de histórias no melhor sentido da palavra". Para a jornalista e escritora portuguesa Andreia C. Faria, "a relevância do Nobel, o valor de Saramago como escritor e, cada vez mais, como figura política, são demasiados grandes e indiscutíveis (goste-se ou não dele)". De fato, Saramago é um fenômeno, sobretudo se considerarmos que ele praticamente foi um autodidata.
Sim, porque, por sua família passava por dificuldades financeiras, ele só concluiu os estudos secundários, tendo de trabalhar logo cedo, exercendo, como primeiro emprego a função de serralheiro mecânico. Depois, foi desenhista, funcionário da saúde e da previdência social, tradutor, editor, jornalista e, por fim, escritor. O cartunista português Rui Duarte, por sua vez, homenageou Saramago com a caricatura acima, fazendo-me lembrar uma marchinha de carnaval que nunca sai de moda no Brasil, que diz: "Daqui não saio, daqui ninguém me tira...". Eu poderia sugerir: "Nobel é meu, Nobel ninguém me tira!". Tira não tira, Saramago ainda respira.
Infelizmente, por motivos de saúde, o escritor português não compareceu a cerimônia da 11ª edição do Prêmio Caja Granada de Cooperação Internacional, realizada no último dia 16 de abril, na Espanha, onde, juntamente com o escritor italiano Dario Fo, Nobel de Literatura de 1997, receberia o cheque de € 50.000,00 – valor da premiação – em "reconhecimento pelo esforço e dedicação de ambos na procura de uma maior justiça social no mundo". No entanto, apesar da sua ausência, Saramago, em comum acordo com Fo, renunciou ao dinheiro em prol do Festival Sete Sóis-Sete Luas, do qual eles são presidentes honorários.
Mas, voltando ao que eu chamaria de despropósito, que foi a proposta de confiscar de Saramago o Prêmio Nobel de Literatura, justificada por um suposto anti-semitismo do escritor português, só posso dizer que, agora, quem está exagerando, chegando aos extremos, são os próprios judeus. E se brincar, apesar do longo texto que escrevi, condenando o massacre sofrido pelo seu povo durante o regime nazista, os judeus também vão me rotular de anti-semita só porque estou defendendo Saramago. Podem chamar! Da mesma forma que se algum membro do clero católico quiser, pode anunciar, como bem entender, que eu estou excomungada. Será um inenarrável prazer!
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VÔO À FRANCESA
Outro dia, no aeroporto de Natal, perdi um vôo porque a Empresa Brasileira de Infraestrutura Portuária - Infraero não está mais anunciando os horários de chegadas e partidas dos aviões nem as chamadas para os embarques. Alegando que as chamadas causavam poluição sonora nos saguões dos terminais aéreos, já que o número de vôos aumentou bastante nos últimos anos, a Infraero cancelou o serviço no dia dois de abril deste ano e está causando a maior celeuma nos aeroportos brasileiros, já que a medida só tem provocado transtornos.
Agora, quem não quiser perder o seu vôo, esqueça da boquinha na praça de alimentação; de uma cervejinha antes do embarque; de fumar um cigarro à entrada do aeroporto – dentro é proibido; dos beijinhos extras nas despedidas; de adquirir um souvenir típico da região onde estiver; de uma caminhada para estirar as pernas antes de entrar no avião ou de qualquer outra coisa que o valha. É pegar ou largar! Quero dizer, é chegar na hora ou dançar! A recomendação da Infraero, portanto? Observar, atentamente, os painéis eletrônicos que informam a posição dos vôos...
Sim, aqueles que também chamamos de monitores. O problema é que eles nem sempre são atualizados, não sendo, portanto, confiáveis. Foi o que aconteceu no meu caso. Cheguei de madrugada, bem antes do embarque. Fiz check in e tudo. Aí subi para embarcar, mas, como não sabia da nova medida da Infraero, que não há mais chamadas, e o frio dentro do salão de embarque devia está um horror, eu achei melhor esperar do lado de fora, à entrada, pouco antes da vistoria da Polícia Federal. Para meu azar, nada de chamada! Aí, resolvi perguntar ao guardinha...
Aquele que confere os nossos bilhetes, antes de passarmos pela PF. Perguntei se já tinha sido feita a primeira chamada. Ele disse que não ouvira. Resultado: perguntei uma ou duas vezes mais – em vão –, ao mesmo tempo controlando a posição do meu vôo em um dos tais painéis eletrônicos. Quando eu vi que já estava demorando demais, resolvi entrar. Passei pelo guardinha, pela PF e, já no salão de embarque, quando fui entregar o bilhete ao funcionário da companhia aérea pela qual eu deveria viajar, ele me disse que tinha chamado o meu nome várias vezes e que o avião já estava com a porta fechada, pronto para decolar.
Quase tive um troço! Afinal, eu estava controlando a posição do meu vôo pelo tal painel. Como eu poderia saber que, de fora do salão de embarque, não ouviria chamado algum? Imagine, então, caro leitor, a situação duplamente periclitante de um cego se for para ele depender desses painéis! Dá vontade de rir! É demais, mesmo, como se já não bastasse o estresse de ter de viajar sempre achando – virou moda – que o avião pode cair a qualquer momento! E aí, como fica, então, a situação dos passageiros? São vôos perdidos e perdidos compromissos previamente assumidos...
E isso sem ressarcimentos dos nossos prejuízos – não falo nem do valor da passagem em si, mas de perdas outras, causando até muitos danos que os financeiros... O mais grave, ainda, é que nem as próprias companhias aéreas nem a Associação Nacional de Aviação Civil - ANAC nada fazem para reverter essa situação e, enquanto isso, a indignação dos passageiros que perdem vôos sem culpa alguma só aumenta; as reclamações acumulam-se etc. E se alguém for pedir explicações em algum balcão de informação qualquer, pode ouvir o mesmo disparate que eu ouvi: "Deu no Jornal Nacional"...
E eu com isso? Quero mais que o JN se dane! E que leve junto as suas habituais tragédias. Ah! E ainda tem mais... Além do circo armado, pois outros passageiros estavam passando pelo mesmo que eu, outro funcionário caiu na besteira de dizer que, outro dia, a Governadora do Rio Grande do Norte também tinha perdido um vôo. Como se isso me servisse de consolo... Afinal, logo fiquei sabendo, a Governadora pediu um jatinho e, em quinze minutos, viajou. E eu? Quem me dera ter o mesmo privilégio, mas sou apenas uma humilde jornalista. Uma escritora querendo levantar vôo...
Quanto à nova medida baixada pela Infraero, é exatamente porque a quantidade de vôos aumentou – a justificativa alegada pela referida empresa para baixar tal medida, evitando, assim, uma poluição sonora –, que os alertas aos passageiros dos seus vôos e os anúncios dos horários de chegadas e partidas dos aviões deveriam ser mantidos. Quiçá, intensificados. Mas, valeu a lição! Da próxima vez, mesmo não sendo noite de Natal – tipinho de festa repugnante, por provocar tanta euforia –, ligo do meu celular para o Pólo Norte e peço carona no trenó de Papai Noel.
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EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE PERDIDA
O qüiproquó no aeroporto ainda me deu outros dissabores. Roubaram a minha carteira de documentos e dinheiro. Não foi até hoje encontrada. Nem nos achados e perdidos da Infraero nem nos da companhia aérea pela qual eu viajaria. Resultado, eu deixei o aeroporto duplamente violada, já que, afinal, eu havia perdido não somente o vôo, mas, também, a minha identidade e congêneres. Assim, com o rabinho literalmente entre as pernas, fui embora. As aporrinhações para retirar novas vias dos documentos estavam a minha espera.
Primeiro, um Boletim de Ocorrência – BO, registrando todos os pertences que estavam dentro da carteira; depois, Secretaria de Segurança Pública, para tirar uma nova carteira de identidade. Mas, parei aí. Mesmo porque – não é de hoje – o RG traz, também, o número do nosso CPF. E correr atrás deste não me apetecia. Pelo menos, não no momento. Quanto ao cartão do banco, limitei-me a solicitar outro, já que o meu estava empenado e nem mesmo eu conseguia mais usá-lo. Quanto à carteira de motorista... Bom! Como ela estava vencida, achei melhor dar um tempo.
Isso olhe que ela valeu durante vinte e dois anos de idade! Mas, como eu não tenho carro nem pretendo ter... Sem estresse para renová-la, sobretudo por implicar em algumas idas e vindas a uma auto-escola – não tenho saco nem preciso! –, exames de acuidade visual e um monte de outras exigências – tempo perdido. No que diz respeito ao título eleitoral... Piorou! Quando for em 2010 – ano de eleições –, talvez venha a pensar na possibilidade de renová-lo. Sim, porque a minha esperança é que, até lá, no Brasil, passe a vigorar o voto facultativo e não o obrigatório.
Afinal – convenhamos –, sair de casa apenas para comparecer as urnas e anular voto é algo extremamente maçante! Portanto, nenhuma urgência. Mas, voltando ao RG... Lá estava eu na Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Norte com as melhores das intenções quando um funcionário deixou-me plantada horas e horas. Fui tomar satisfações e qual não foi a minha surpresa quando ele me disse que não poderia me dar outra via porque, primeiro, eu teria de ir à sede da Polícia Federal e solicitar um documento onde eu comprovasse que eu era brasileira...
Pensei: "Era só o que me faltava!". Não demorou muito, o barraco estava armado. Vou tentar explicar melhor... Para quem não sabe, nasci na França – daí a minha paixão e o meu amor incondicional por Paris. Só que, infelizmente, mesmo valendo na França o direito de solo e não de sangue, como na Itália, o governo francês não concede a nacionalidade francesa para quem, apesar de nascer em território francês, não vive nele até os dezessete anos nem tem um dos pais francês – não é o meu caso, pois vivi lá apenas três meses e os meus pais são brasileiros. Pouco importa a minha certidão de nascimento.
Assim, sou brasileira, embora preferisse ter nacionalidade francesa. Nesse contexto, quando fiz dezoito anos de idade, tirei RG, CPF, título de eleitor, carteira de motorista e o escambau. Tenho, portanto, os mesmos direitos civis de um brasileiro qualquer. Qual não foi, então, o meu espanto quando o infeliz disse que para eu tirar uma nova via do meu RG teria de declarar na Polícia Federal que era brasileira? Pensei: "É hoje!". Cobrei maiores explicações e ele insistiu que aquele era o procedimento normal para quem nascia fora do Brasil. Calmamente, tentei explicar a minha situação.
O funcionário, por sua vez, mostrando-se irredutível, intransigente. Pedi providências e lá me vem ele dizendo que tinha outro RG com o mesmo número que o meu. Estranhei e continuei pedindo que ele tirasse a minha outra via. Ele disse que não. Olhei, então, de soslaio para o informe afixado à parede, que dizia mais ou menos assim:
DECRETO-LEI N.º 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940
CÓDIGO PENAL
Art. 331. Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa.
CÓDIGO PENAL
Art. 331. Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa.
Ignorando o aviso, mas, ao mesmo tempo, utilizando-o a meu favor, comecei a falar um pouco mais alto, inclusive fazendo referência ao dito cujo, e vi que o homem começava a se irritar. Eu disse que tinha consciência dos direitos do funcionário público, mas o funcionário público, antes de querer ser respeitado, teria de respeitar o cidadão, não deixá-lo esperando horas, sem uma satisfação, nenhuma explicação. E não arredei pé! Foi aí que uma senhora me levou a uma sala contígua para que eu conversasse com o chefe do setor. Aí sim! Veríamos quem estava com a razão.
Na tal sala, o bicho pegou! Sim, porque eu insisti em meus argumentos, dizendo que como podia essa exigência que o funcionário me fazia se desde os dezoito anos de idade eu dirigia, com direito de ir e vir, pintava o sete, despintava e, pior, votava, elegendo ou não alguém – detalhe... –, além de ser jornalista formada e ter um registro na Delegacia Regional do Trabalho? O superior pediu, então, que chamassem o funcionário, que, por sua vez, ao chegar, não sabia mais onde enfiar a cabeça, igual um avestruz, contendo-se para não pular em cima de mim. Pois, tá! Que viesse.
Foi aí que, já perdendo eu mesma as estribeiras, disse que infelizmente eu era brasileira; que lamentava não ter um passaporte vermelho etc e tal. Tanto que, quando fui morar em Paris, já adulta, aos vinte e cinco anos, precisei, sim, ir à Receita Federal, mas para tirar um passaporte. Para minha má sorte, verde. Lá para as tantas, já apelando, sugeri que ele, o tal funcionário, fizesse uma reciclagem... Vi a hora apanhar e o chefe do setor tentou apaziguar os ânimos, ordenando que o seu subalterno tirasse o meu RG. Afinal, como ele comprovou, eu já tinha todas as minhas digitais processadas.
Enfim! Se, em algum momento, eu tive medo de ser processada por desacato ao funcionário, com base em um artigo descabido do Código Penal brasileiro, podendo até, se fosse o caso, chegar a passar dois anos presa? Não e não! Afinal, eu estava em meus direitos. Foi ele quem primeiro me desacatou ao me deixar plantada, esperando horas, como se eu fosse um dois de paus, sem me pôr a par sequer do que estava ou do que não estava acontecendo. Daí, repetir: reciclagem, sim! E que se faça valer a maior das virtudes humanas, que é a humildade para reconhecer a sua própria ignorância.
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RIEN À FAIRE
Ando trocando umas & outras virtuais com a médica, escritora e atriz paraibana Clotilde Tavares, com quem já não falava bota tempo nisso! Outro dia, sabendo do seu amor pelos gatos, sugeri que ela lesse dois textos, de minha autoria, que postei em meu blog sobre os felinos. Impaciente que sou, esperei que ela me desse um retorno, fazendo algum tipo de comentário e...nada! Escrevi-lhe um e-mail e cobrei. Clotilde retrucou: "Pegue leve comigo, querida, que já sou velha pra caramba!", desatando todos os rosários que reza, diariamente, tentando dar conta de interesses mil ao mesmo tempo, característica de uma mulher multifacetada como ela.
Respondi que eu também não era mais tão novinha assim, que, dias antes, eu havia feito quarenta e um anos de idade – nos conhecemos quando eu não tinha nem vinte, a recitar poemas pelas ruas de Natal, metidas em sarais poéticos, coisas desse tipo. Época, aliás, quando, ainda estudante de jornalismo, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, eu entrevistei o seu irmão, o músico e compositor Bráulio Tavares, que, junto com Ivanildo Vila Nova, compôs Nordeste independente, uma lenda na voz de Elba Ramalho, saindo mundo afora apregoando a separação de um Brasil com dimensões continentais. Coisa de poeta... Imagina!
Quanto à foto acima, encontrei-a a vagar na internet. Nela, Clotilde está caracterizada do clochard Estragon, personagem principal da peça Esperando Godot, do escritor irlandês Samuel Beckett (1906-1989), Prêmio Nobel de Literatura de 1969, que, escrita originalmente em francês, estreou pela primeira vez em Paris, em 1953, tornando-se um divisor de águas no teatro do séc. XX. Na adaptação do diretor teatral Marcos Bulhões, que estreou em Natal, no ano de 2002, Clotilde é, portanto, a atriz principal. Não podia deixar de o ser – claro –, nem ela o permitiria. Brincadeirinha... O motivo, contudo, deste meu breve comentário sobre Clotilde?
É que, também outro dia, ela me enviou um e-mail, dizendo que não encontrava um local em meu blog para comentários, questionando, inclusive, se estava cega. Eu respondi que ela não estava cega, que, de fato, não existia um local em meu blog para comentários porque, quando eu o criei, bloqueei, por opção, toda e qualquer possibilidade nesse sentido. Se ela quisesse comentar sobre algum texto específico ou mesmo genérico, que o fizesse através de um e-mail. Ela respondeu com um direto e bom francês: "Ah, bom!". É, Clotilde, de fato. Bloqueei e está bloqueado! Não é a minha proposta abrir para comentários. Assim, faça como Estragon, ou seja, continue esperando...
Divulgando, divulgando:
Clotilde Tavares
João Pessoa – PB
Umas & Outras - http://clotildetavares.wordpress.com//t_blank
Twitter - http://twitter.com/ClotildeTavares
Colunas do Correio da Paraíba - http://umaseoutrasnocorreio.blogspot.com//t_blank
Fotos - http://www.flickr.com/photos/clotildetavares
Colunas no Portal Diginet - http://colunas.digi.com.br/author/clotilde/
O Clã Santa Cruz - http://www.clotildetavares.com.br/genealogia
Clotilde Tavares
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UMA MENTE ANTENADA!
"A coragem é o medo vencido...".
Gustave Flaubert (1821 - 1880)
Gustave Flaubert (1821 - 1880)
Espero que o carro, a casa, o corpo e tudo o mais da diretora da sucursal da revista Época no Rio de Janeiro, a jornalista Ruth de Aquino, de quem sou leitora assídua e fã incondicional, sejam blindados. Afinal, a mulher é igual metralhadora. Sai atirando por todos os lados. Melhor: Não erra um tiro. Acerta todos! Parece não ter medo de tão corajosa e destemida que é – uma Maria Bonita (1911 - 1938) do séc. XXI. Nada lhe escapa! Tirando pelos temas os mais diversos abordados em sua coluna semanal, intitulada Nossa antena, publicada pelo periódico para o qual trabalha.
Certo dia, li o artigo A Moral da história no futebol e na política, publicado na edição de número 559, do dia 2 de fevereiro deste ano, da referida revista, e deixei registrado o meu comentário: "É raro alguém, além de escrever bem, ser dotado de tamanha inteligência e capacidade intelectual, como é o caso da jornalista Ruth de Aquino. Tenho acompanhado os seus textos, publicados na revista Época e todos mantêm o mesmo padrão de qualidade". De fato, e como sou muito exigente com a escrita, quando li o seu primeiro texto, vi, de cara, como ela escreve de maneira impecável.
Dona de um intelecto privilegiado, sagaz, crítico e bem humorado Ruth de Aquino têm, portanto, conteúdo e os seus textos, um estilo delicioso de se ler. Mas, tenha cuidado, jornalista! Sim, porque a sua pena gira mais do que cego perdido em tiroteio. Há duas semanas, por exemplo, em seu artigo Moço, tem vacina contra a ignorância?, publicado na edição de número 572, da Época, de 2 de maio, Aquino foi de uma ousadia sem tamanho ao chamar Lula de ignorante, criticando-o por fazer pouco caso da gravidade do câncer da ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.
A jornalista disse: "Ouvir de Lula que ‘Dilma não tem mais nada’ é um pouco demais, porque é mentira". Como já foi divulgado, Rousseff, que é a candidata de Lula à presidência da república em 2010, tem um câncer, não debelado, embora o jovem que nos governa diga que sim. Que o tratamento de Dilma é só "preventivo". Assino em baixo Aquino! Também não sou chegada a populismo, muito menos em casos sérios como esse da Ministra. Afinal, ela é possivelmente a minha candidata, mas, dependendo do andar da carruagem – haja agüentar tanto rojão! –, vou preferir anular o meu voto...
E para quem quiser saber mais sobre o assunto, é só clicar o link abaixo:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/1,,EMI70829-15230,00.html
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/1,,EMI70829-15230,00.html
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CANTO MATINAL
"Nas asas do tempo, a tristeza voa...".
Jean de La Fontaine (1621 - 1695)
Outro dia, mal nascia o dia, estava lá eu, a escrever sob a janela, quando ouvi um chamado: "Bem-te-vi, bem-te-vi...". Olhei para cima e deparei com um exemplar do pássaro, cujo canto é um triste fardo, pousado em uma antena da casa da vizinha. Respondi: "Eu também te vi...". E, lá, ele ficou; cá, fiquei eu, ainda uma meia hora, despejando, ambos – ele na antena e eu no computador –, um lamento sobre os nossos desalentos...
Nathalie Bernardo da Câmara
De algum lugar indefinido...
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