Foto: Adriano Abreu.
Por Everton Dantas
Do Novo Jornal – 16/09/2014
Vendo de baixo, da praia
para o morro, pode até parecer suficiente. Mas indo para cima, parando um pouco
para pensar e observando bem, logo após uma chuva (que não precisa ser muito
volumosa), qualquer um com o mínimo de capacidade percebe que é pouca lona. Só
dá mesmo, e olha lá, para cobrir o terreno que desabou com a chuva do dia 13 de
junho, dia que a Copa começou em Natal, dia do jogo dos mexicanos. O ideal
mesmo seria – feito um vestido – começar a estender essa cobertura de plástico.
Da cratera dava para descer uma boa bainha de lona até a praia, para dentro do
mar, cobrindo até onde o esgoto chega.
De lá, para os lados,
vários babados de lona: para a direita – até com trançados dá para ornar -
cobrindo as obras que ainda não terminaram, com direito a um bolso largo,
duplo, para encobrir o Hotel dos Reis Magos, de forma a preservar sua forma até
que a restauração do prédio – que será uma luxuosa galeria de arte e artesanato
referência mundial – seja feita. A lona não precisa ser toda de luto, afinal não
é uma morte, mas uma celebração.
Mas os tons crus devem
permanecer. Variando, de acordo com o canto da cidade, dá para variar e aplicar
amarelo, nectarine, poppy red, violeta, esmeralda (que fica bem em todo mundo),
limão, azul céu e azul mônaco. Assim, do alto, caso algum paraquedista ou
satélite fotografe a cidade, vai ser uma coisa linda, contrastando com o parque
das duas e as areias, tendo ao centro aquele orifício branco, a Arena das
Dunas. Luxo define.
Do hotel, pode estirar
uma fita larga em algum outro tom já na direção do viaduto do Baldo e toda
aquela região. Especificamente nas duas pontes que formam o viaduto dá para
fazer um trançado de uma estrutura para a outra, misturando cores, descendo
pelo canal do baldo e voltando ter volume, muito volume na Cidade da Criança,
que não pode receber de maneira alguma lona plissada, porque afinal, não tem
quadris finos para serem disfarçados.
Lá é mesmo o caso de uma
saia longa de lona que cubra tudo e faça esquecer que ali tem algo para ser
terminado. Se um dia for, grata surpresa. Opção pode ser – sem esquecer o tom
cru – ornar o parque com algo “godê”, que é chique e elegante, tradicional para
alguns. Mas sempre cai bem.
Voltando à via Costeira,
à direita da cratera (no sentido Ponta Negra), aproveitando esse vento frio que
tem atingido Natal, dava para aplicar lona como um echarpe, super elegante. Ia
estendendo o plástico grosso pela beira da Via Costeira, bem na beirinha da
praia, passando pelos hotéis, até chegar ao hotel da BRA, abandonado.
Lá, dava três volta em
torno. Para cobrir a parte de cima, uma boa opção era um lenço de lona de
diferentes cores, meio que para proteger do sol, aquele look usado na praia,
saca? Não parava por aí, não. Mantinha o echarpe deslizando em direção à Ponta
Negra cobrindo as línguas negras e outras construções abandonadas até chegar à
praia mais famosa da cidade.
Chegando lá, dava com a
lona para fazer um peplum, poppy red, com o babado no início, como se fosse a
cintura, estendendo até o morro do Careca, subindo e se perdendo para dentro da
área protegida. Se a escolha causar polêmica, a saída é inverter e aplicar um
mullet, só que invertido: descendo do morro, menor na frente, mostrando a
areia; maior atrás, escondendo a escadaria que caiu e o esquecimento a que a
Vila de Ponta Negra anda jogada.
Por fim, só para ornar e
melhorar, dava ainda para usar lona e aplicar, pelos principais corredores de trânsito
da cidade, lenços lisos com franjas nas pontas por onde, nos dias de chuva, os
carros poderiam circular sem ter de correr o risco de acabar afogados em
alagamentos. Afinal, ultimamente, Natal está mais para “noiva da Chuva” do que
cidade do sol. Essa medida poderia ser improvisada no formato de gorrinhos para
alguns pontos do Tirol, de Petrópolis e Lagoa Nova.
No resto, sendo bem
prático, aplicava mesmo grandes pedaços de lona cobrindo as lagoas de
contenção, as ruas detonadas, as obras inacabadas. Dava para cobrir com lona
ainda os prédios públicos onde trabalham os que recebem auxílio-moradia e
outros benefícios tão legais quanto. Lona nos corredores dos hospitais e também
para tudo o que foi prometido e não se cumpriu. Lona com e sem baixaria, a
palavra da eleição.
Porque a lona é um
material Cult, fácil de cortar, fácil de comprar, fácil de manusear,
impermeável, não mancha, não rasga fácil, não perde o brilho e ainda é
inflamável. Cai tão bem para quem quer disfarçar uns quilinhos a mais como
para quem quer esconder suas incapacidades. Serve para censurar; serve para
destacar. Só a lona nos salva.
Um mês após a tragédia que se abateu sobre o bairro
de Mãe Luiza, em Natal, no dia 13 de junho de 2014...
... E que ficará na memória da cidade.
Deslizamentos
de terra completam um mês e transtornos continuam
Por
Silvio Andrade
Do
Novo Jornal – 13/07/2014
A estreia de Natal na
Copa do Mundo, no dia 13 de junho, foi coroada de muita chuva. Enquanto muitos
torcedores comemoravam na Arena das Dunas, faltava alegria no bairro de Mãe
Luiza, Zona Leste da capital. O temporal provocou o primeiro deslizamento
de terras nas encostas da Rua Guanabara, soterrando cinco carros e interditando
a Avenida Silvio Pedroza, em Areia Preta.
Lá em cima, em Mãe
Luiza, e lá embaixo, na Silvio Pedroza, o medo e a apreensão dominaram os
moradores de um dos bairros mais pobres da cidade e dos edifícios de alto
padrão em Areia Preta, endereços dos maiores PIBs do Rio Grande do Norte, onde
moram empresários e políticos como a governadora Rosalba Ciarlini (DEM) e o
prefeito Carlos Eduardo Alves (PDT).
Hoje completa um mês do
primeiro deslizamento ocorrido naquela fatídica sexta-feira 13, por volta das
14h30. Enquanto muitos comemoravam o primeiro jogo da Copa do Mundo na Arena
das Dunas, entre as seleções de Camarões e México, outros amargavam
prejuízo material e transtornos na vida prática.
Naquela tarde, parte da
areia que desmoronou da encosta provocou a interdição da avenida Silvio Pedroza
desde o Relógio do Sol até o edifício Infinity. Na manhã de sábado, 14, novo
deslizamento voltou a ocorrer em pequena proporção. Os veículos soterrados
foram retirados e parte da areia também. Não houve feridos, mas o problema
ainda haveria de se agravar.
A noite de sábado (14)
foi de horror para os moradores humildes de Mãe Luiza e os abastados da Avenida
Silvio Pedroza. Sem distinguir classe social, a enxurrada depois das 19h foi se
avolumando, arrastando novamente a encosta da Rua Guanabara.
O trabalho da Defesa
Civil do Município e Corpo de Bombeiros, que à noite retirou os moradores dos
trechos críticos da Rua Guanabara, foi essencial para evitar mortes em função
do deslizamento de terra. A madrugada de domingo, 15 de junho, também foi de
pavor. Muitos rezavam, em vão, para a chuva parar. O estrago maior foi na vida
dos moradores de Mãe Luiza, que perderam casas e o patrimônio construído com
sacrifício.
Terça-feira passada, Ana
Maria Alves Lobato, 44, teve uma discussão com o secretário de Obras e
Infraestrutura do Município, Tomaz Neto. Já pisando na parte reaterrada da Rua
Guanabara, em frente aos escombros do que sobrou de sua casa, ela chorava e
gritava por providência. “Você prometeu que ia fazer alguma coisa para cobrir o
prejuízo da gente”, disparou.
Ana Maria Alves Lobato
exclamava sua dor para todo mundo ouvir. “Vai fazer um mês e a gente não vê
solução de nada”, reclamou. Ninguém pode tirar a razão dessa mulher, que da
noite do sábado para a madrugada de domingo viu parte de sua casa ruir.
Pelos cálculos do marido
dela, o também comerciante Maxwell Amaro dos Santos, 44, por baixo, o casal
perdeu R$ 400 mil. “Muita gente chamava a gente de rico, mas a gente não era
rico. Tudo que tinha aqui foi fruto de muito trabalho”, desabafou a
mulher.
O casal com a filha
morava no local há um ano e três meses. Compraram o terreno e construíram a
casa e o comércio. Atualmente moram na casa da mãe dela, na mesma Rua
Guanabara, onde reinstalaram o comércio. “Perdi minha casa e meu comércio”,
lamentou a mulher.
Ela mostrou ao NOVO
JORNAL o que restou da casa onde morava. Depois do desabamento, houve saques.
Levaram a bomba da piscina, três freezers e o balcão comercial. “Graças a Deus
eu tinha uma reserva”, desabafou chorando e culpando a falta de policiamento,
que teria facilitado a ação dos saqueadores.
Que, de fato, venha o sol, já que, afinal, ele é para todos…
NBC
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